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capfTULO Iv O VALOR LINGUISTICO § 1. A LINGUA COMO PENSAMENTO ORGANIZADO NA MATERIA. FONICA. Para compreender por que a lingua nao pode ser senao um sistema de valores puros, basta considerar os dois elemen- tos que entram em jogo no seu funcionamento: as idéias ¢ ‘05 sons. Psicologicamente, abstragio feita de sua expressio por meio das palavras, nosso pensamento nao passa de uma massa amorfa ¢ indistinta. Filésofos e lingitistas sempre concordaram em reconhecer que, sem o recurso dos signos, seriamos inca- pazes de distinguir duas idéias de modo claro e constante. To- mado em si, o pensamento € como uma nebulosa onde nada est4 necessariamente delimitado, Nao existem idéias preesta- belecidas, e nada é distinto antes do aparecimento da lingua. Perante esse reino flutuante, ofereceriam os sons, por si s6s, entidades circunscritas de antemio? Tampouco. A subs- tancia fénica nao é mais fixa, nem mais rigida; ndo é um mol- de a cujas formas o pensamento deve necessariamente aco- modar-se, mas uma matéria plastica que se divide, por sua vez, em partes distintas, para fornecer os significantes dos quais o pensamento tem necessidade. Podemos, entdo, representar 0 fato lingiifstico em seu conjunto, isto é, a ingua, como uma série de subdivisées contiguas marcadas simultaneamente sobre o pla- no indefinido das idéias confusas (A) ¢ sobre o plano nao menos indeterminado dos sons (B); é 0 que se pode representar apro- ximadamente pelo esquema: 130 O papel caracteristico da lingua frente ao pensamento nao é criar um meio fénico material para a expressio das idéias, mas servir de intermedidrio entre o pensamento e o som, em condigées tais que uma unido conduza necessariamente a delimi- tagdes reciprocas de unidades. © pensamento, castico por na- tureza, 6 forgado a precisar-se ao se decompor. Nao ha, pois, nem materializagio de pensamento, nem espiritualizagio de sons; trata-se, antes, do fato, de certo modo misterioso, de o “pensamento-som” implicar divisées e de a lingua elaborar suas unidades constituindo.se entre duas massas amorfas, Imagine- mos o ar em contato com uma capa de 4gua: se muda a pres- sio atmosférica, a superficie da 4gua se decompde numa série de divisées, vale dizer, de vagas; so estas ondulagdes que dario uma idéia da unio e, por assim dizer, do acoplamento do pensa- mento com a matéria f6nica. Poder-se-ia’ chamar A lingua o dominio das articulagées, tomando esta palavra no sentido definido na p. 18: cada ter- mo lingiiistico é um pequeno membro, um avticulus, em -que fixa num som e em que um som se torna o signo. A lingua € também compardvel a uma folha de papel: 0 pensamento é 0 anverso e o som o verso; nao se pode cortar um sem cortar, ao mesmo tempo, o outro; assim tampouco, na Tingua, se poderia isolar o som do pensamento, ou o pensamen- to do som; s6 se chegaria a isso por uma abstrago cujo resul- tado seria fazer Psicologia pura ou Fonologia pura. A Lingiiistica trabalha, pois, no terreno limitrofe onde os elementos das duas ordens se combinam; esta combinagéo pro- duz uma forma, néo uma substéncia. 13!

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