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Bs Bourdieu. Esboco de Ohne) Teoria da Pratica Bair cecal alee (ay sce Telocea tia ar Cer 4 S900 DE UMA TEORIA DA PRATICA simples producéo, muito mais longo, durante o qual o gro semeado se en contra submetido a processos naturais de transformagao (como, numa outra ordem, a olaria posta a secat), sendo entao o sistema de trabalho qua mente parado ou reduzido a actividades téenico-rituais e a ritos pro} 08, menos solenes porque menos dramaticamente exigidos pela representa- $0 mitica da actividade agréria enquanto afrontamento perigoso de princi- ios antagénicos. Em suma, a imagem da sociedade cabila proposta por estes fragmentos de uma obra interrompida (pelo menos provisoriamente) é ainda mais abs- tracta, neste caso mais do que em qualquer outro lado, pelo facto de ser ape- nasao nivel das relagdes objectivasn velamasignificagioeafunciode cada uma das instancias. Seo principi de qualquer sistemaresideevi- dentemente num modo de produgio que, em razao da distribuigao aproxi- ‘mativamente igual da terra (sob a forma de pequenas propriedades parcela- das e dispersas) e dos instrumentos de producto, de resto fracos e estveis, exclui pela sua propria logica o desenvolvimento das forcas produtivas e a concentracao do capital — entrando a quase-totalidade do produto agricola directamente no consumo do seu produtor —, nao é menos verdade que a transfiguragao ideolégica das estruturas econémicas nas taxinomias do dis- ‘curso mitico ou da prética ritual contribui para a reprodugéo das estruturas assim consagradas e santificadas, Edo mesmo modo, sea forma de transmis- sio do patriménio (material e simbolico) esté no principio da concorréncia & Por vezes do conflito entre os irmaos e, mais largamente, entre os agnatos, no hé dvida de que as pressdes econmicas e simbélicas que se exercem no sentido da indivisdo do patriménio familiar contribuem para a perpetuacio da ordem econémicae, por isso, da ordem politica que funda e que descobre a sua forma prépria de equilfbrio na tenséo, observével a todos os niveis da es- ‘trutura social, da linhagem a tribo, entre a tendéncia para a sociagao e a ten- déncia paraa dissociagao: quando, para darmos conta do facto deuma forma- so social se encerrar no ciclo perfeito da simples reproducio, nos contenta- ‘mos com invocar as explicagdes negativas de wm materialismo empobreci como a precariedade e a estabilidade das técnicas de producao, e nos proi mos de compreender a contribuicao determinante que as representagdes «ase miticas podem trazer a reprodugdo da ordem econdmica das quais si0 produto, favorecendo o desconhecimento do fundamento real da existéncia Social, quer dizer, muito concretamente, proibindo que os interesses que ‘guiam sempre objectivamente as trocas econémicas ou mesmo simbélicas, ainda que entre irmaos, possam alguma vez de modo aberto confessarem-se como tais e tomnaremse o princ{pio explicito das transacgdes econémicas e, de uma etapa a outra, de todas as trocas entre os homens. Paris, Dezembro de 1971 Capitulo 1 OSENTIDO DA HONRA When we discuss the levels of descriptiveand explanatory adequacy, questions immediately arise concerning the fi is tobe judged [ thetwoaresent N.nunca deixara de poder comer aquilo que queria comer, fizera trabalhar os outros para ele, beneficiara, como que por um direito desenhor, de tudo o que 05 outros tinham de melhor nos seus campos e nas suas casas e, embora asta situagao tivesse decaido muito, julgave-se autorizado a tudo, reito de exigit tudo, de atribuir a palavra apenas a si propric mesmo de agredir todosos que Ihe resistissem. "Era, sem dit oconsideravamum amahbul. Amahbulé 0 ‘Bes, € aquele que abusa de um pod Aquilo que a arte de viver ensina. Es dos porquenao se gosta de ter uma disputa com eles, porque clesestaoa salvo da vergonha, porque quem lhes fizesse frente nao poderia deixar de ser sua vitima, ainda que tivesse a razio pelo seu lado. Onosso homem tinha no seu quintal um jardim que devia ser reconstrut- do. O vizinho dele tinha um muro de suporte. Ele deitou este muro abaixo ¢ blicado com otitulo “The sentimentof honour in Kabyle Society” em Ho- J. Peratiany (org), Chicago, The University of Chicago Press, Londres, Nicholson, 1966, 6 #5900 DE UMATKORIA DA PRATICA, Jevou para sua casa as pedras. Bste acto arbitrério nao foi exercido, desta vez, ‘contra uma pessoa mais fraca: a “vitima” tinha meios suficientes para se de- fender. Era um homem jovem, forte, que contava com muitos irmaose paren- tes, pois pertencia a uma familia numerosa e influente. Era entdo evidente que, se ele nao respondera 20 desafio, nao havia sido por medo. Por canse- guinte,a opiniao publica nao pode ver nesse acto abusivo um verdadero de- safio, ferindo a honra, Muito pelo contrério, a opiniao ea vitima aparentaram ignoré-lo: com efeito, é absurdo entrar em querela com um amahbul; ou no 6 verdade que se diz; “Um amahbul, foge dele?” Apesar de tudo, a vitima foi ter com o irmao do culpado. Este iltimo dava razio ao queixoso, mas interrogava-se sobre os meios a usar para recon- duzir oamatibul a razio. Deu a entender ao seu interlocutor que fizera mal em no reagir com a mesma violéncia, no momento do incidente, mas acrescen- tando: “Por quem se toma, esse patife?” Entio,o visitante, mudando brusca- ‘mente de atitude, indignou-se: M,, por quem me estas a tomar? Pen- ‘sas que eu aceitaria ter uma discussao com Si N. por causa de meia dtizia de pediras? Vim ver-te porque sei que és avisado e que contigo posso falar, por- que me vais compreender, e nao vim pedir que as pedras me sejam pagas (neste passo, multiplicou os juramentos por todos os santos, asseverando que zunca aceitaria qualquer indemnizacéo). Porque aquilo que SiN, tinha feito, era preciso ser-se amahbul para o fazer, eeu, eu nao me vou. propriona vergonha (adibahadlagh ruitoh) com um amahbul. Lis notar queniio é procedendo assim quese constr6i tna casa sta (akham nasah}’. B acrescentou, precisamente no remate da conversa: “Aquele que conta com um amalibul do seu lado deve chamé-lo A razio ele préprio antes que sejam outros a fazé-1o”; ou, por outras palavras: "Fazes mal emnio te so- Udarizares com o teu irmao diante de mim, embora o devesses depois acusar ou corrigir na minha auséncia, como de resto te estou a pedir que facas” (Aghbala)? Para compreendermos toda a subtileza deste debate, precisamos de saber que opunha um homem perfeitamente senhor da dialéctica do desa~ fioe da réptica a um outro que, por ter vivido muito tempo afastado da Cabi- lia, esquecera o espirito da tradicao, nio vendo no incidente mais do que um 2 Paro vocabulériocabile dahonra, veradiante p.624da edigho francesa], Bade! é proc regen, desont por completo alguém, espancé-lo& vontadey idi- ia para além cos seus limites razoéveis, Bale! € mais > desnuda-se asi préprio’ dizo provésbio,“Injuria-sea Sizer: ao irmao ea fami) o burro vale mais que ele” (ts eyar ina, ddagicayl air, ‘Osmo DAHONRA 7 pequenoroubo cometide por um irmo,a quem podia desautorizaremnome da justica edobom senso, sem que as regras da solidariediade familiar fossem por esse facto violadas e que raciocinava em termos de interesse: a parede vale tanto, a pessoa lesada deve ser ressarcida. E 0 seu interlocutor ficava es- pantado por um homem tao instrufdo poder equivocar-se a tal ponto acerca das suas verdadeiras intengées, Certo ano, numa outra aldeia, um camponés fora roubado pelo seu ren- deiro, Este tiltimo era useizo em tais actos, mas, no ano em questi, ultxapas- sara todos os limites. Esgotadas as acusacbes e as ameagas, os dois compare- ceram perante a assembleia. Os factos eram do conhecimento de todos, era indtil proceder-se a sua provae, vendo-se numa situacéo desesperada, 0 deiro acabou por em breve pedir perdao em conformidade com as tradicoes, ‘mas no sem ter desenvolvido toda a espécie de argumentos: que cultivava aquela terra havia muito tempo, que a considerava sua pro} que o proprictério ausente no tinha necessidade da colhe ser agradavel, ele Ihe oferecia os seus proprios figos, da embora fosse capaz. de se compensa em seguida no quese referia a qu: de, que era pobre, que oproprietdrioera ricoerico “para daraos pobres”, etc., outras tantas razées expostas no intuito de lisonjear o proprietério. E acabou por proferira formula “Deus me perdoe”, que, segundo os usos, deve por de- finitivamente fimn ao debate. Mas acrescentou: Se agi bem, Dens seja louvade (tanto melhor), ‘Se errei, Deus me perdoe, proprietétio enfureceu-se perante esta formula, que era perfeitamente legiti- mae apropriada, pois lembra que um homem, precisamente quando procedeu & reparagio exigida pela honra, nao pode atribuir-se todos os erros,e tem por isso sempre um poco derazo, da mesma maneira que outro ésempre autorde al- gumerro: o proprietério queria, no entanto, um simples “Deus me perdoe”, uma submissio sem condig6es. O outro pedi enti a assisténcia que fosce sua teste- munha: “O criaturas, amigos dos santos! Como? Eu louvo a Deus e eis senao quando este homem acusa-me de 0 fazer!” Erepetiu cuas ou trés vezesamesima f6rmula, fazendo-se cada vez mais pequeno e humilde. Perante uma tal atitude, exaltou-se cada vez mais, de tal modo que, por fim, era toda a al- deia que, apesar do respeito que atribuia a um homem letrado, “estranho” pais’, se sentia desolada por ter de o censurar. Uma vez acalmados os espitits,. proprictrio arrependeu-se da sua intransigéncia;a conselho da mulher, mais in- formada do que ele dos usos, foi ter com oman da aldeiae alguns parentes mais idosos a fim de se desculpat pelo seu comportamento; fez valer que fora vitima de elbahadla (0 facto de bahel), 0 que todos haviam jé compreendido. ‘Num outro lugar, atensdo entre os dois “partidos” (suf) fora exasperada por um incidente. Um deles, cansado, delegou a sua defesa num grupo de 8 {5OCO DE UMA THORIA DA PRATICA »-composto de marabus do aduar ede aduares de todos os tulba (plural de faleb) de uma marth (escola religiosa) vizinha, ou seja mais de quarenta pessoas, as assegurara transporte, hospedagem e alimentacao. Para todos os habi- {antes da regio, exceptuado aquele que era oalvo desta diligéncia, um cal desenraizado e pottco informado dos usos, a ‘me queria que, depois deter beijado os negociadoresna fronte, fossem acei todas as suas ofertas e se invocasse a paz, 0 que ndo exclufa que as hostilida- des fossem depois retomadas, sob um qualquer pretexto, e sem que ninguém tivessenada aobjectar a isso. Os notaveis comecam por anunciar o fim da sua vem pedir perdao.” O uso quer que, no primeiro mo- izem da parte pela qual vém interceder. Falam depois, dignamente,os que pedem perdao “no interesse de todos sobretudono inte. resse dos mais pobres da aldeia”: “Séo aquele que sofrem com todasas nossas discérdias; nao sabem para onde ir, é vé-los, fazem dé... Joutras ‘que permitem salvar a face]. Fagamos a paz, esquecamos 0 passado.” Compe- te aquele que é assim solicitado manifestar algumas reticéncias, algumas re setvas, ou que, segundouma cumplicidade tacita, uma parte doseu campo se ‘mostre mais dura, enquanto a outra, 2 fim denada comprometer definitiva- mente, se mostra mais conciliadota. A meio do debate, os mediadores inter- vémjacusamaparte solicit belecero equilibrio e de evitar uma humilhacao total (elbahadla) a0 que ta. Porque 0 simples facto de se ter recorrido aos marabus, de os wenta- doe de os acompanhar constitu em si préprio uma concessao suficiente; nao se pode ir mais longe na submissdo, Além disso, os intercessores, estando, pela sua fungao, acima das rivalidades, e gozando de um prestigio capaz de forcar o consentimento, podem permitirse admoestar um pouco aquele que se fazrogar demasiado: “Sem dtivida, talvez eles tenham cometido muitos er. foste culpado no seguinte..., nio deverias ter feito... e hoje 1; de resto, perdoais-vosnaturalmente, comprometemo-nos a sancionar a paz que coneluirdes,etc.”” A sabedoria dos notaveis autoriza-os aoperarem este doseamento dos erros e das razées. Mas, na ocorréncia, aque- Te que estava a ser solicitado néo podia,a falta de conhecer a regra do adaptar-se a estas subtilezas diplomsticas. Insistia em esclarecer tudo, racio. cinava.em termosde “ou... ou...”:"Como? Se me vindes pedir perdioa mim, éPporque foram os outros que erraram; éa eles que deveiscondenar,em vez de me acusardes. A menos que, pelo facto de eles vos terem alimentado e pago, tenhais vindo aqui para os defender.” Era a mais grave injéria que podia ser feita ao areépago; para a meméria de um cabila, fratava-se da primeira vez que uma delegacio de personagens tio venerdveis nao conseguia obter 0 acordo das duas partes, e orefractério ficava destinadoa piordas maldices, (SENTIDO DA HONRA 9 A dialéctica do desafio e da resposta Poderiam descrever-se mviltiplos factos andlogos, masa anélise destas trés nar- rativas permite destacar as regras do jogo da resposta e do desafio. Para que haja desafio, énecessério que aquele queo lanca considere que aquele que ore- cebe deveser desafiado, quer dizer, capaz.de aceitar orepto,em suma, que ote- nha por seu igual em matéria dehonta, Langaraalguém um desafio éreconhe- cer-he a qualidade de homem, reconhecimento que é a condicao de qualquer ‘roca e do desafio de honra enquanto primeiro momento de uma troca; é reco- nhecer-Ihe também a dignidade de homem de honra, uma vez. que o desatio, ‘enquanto tal, requer a resposta e, por conseguinte, endereca-se a um homemt considerado capaz de jogaro jogo da honra ede ojogarbem,o que supée, antes do mais, que conheca as suas regras ¢, em seguida, que seja detentor das virtu- des indispensaveis paraas respeitar. O sentimento da igualdade em honra, que podecoexistircom desigualdades defacto, inspira um grandentmero decom: portamentos e de costumes emanifesta-se em particular na resistencia opostaa toda a pretensio de superioridade: “Eu também tenho bigode”, costuma di- zer-se.' O fanfarrio ¢ imediatamente chamado & order: “ acrescentaram-Ihe tatuagens!”; “ele quer andar com o passo da cesqueceu o da galinha!” Na aldeia de Tizi Hibel, na Grande Cabilia, uma fami- lia rica fizera construir para os seus um timulo de estilo europeu, com gradea- mento, pedratumular einscricdo, transgredindo regra queimpde oanonima- to ea uniformidade das sepulturas. No dia seguinte, os gradeamentos e a pe- dra tinham desaparecido, Do principio do reconhecimento miitiuo da igualdade em honra decorre dizem os Cabilas, éum burrico” ,sendo a tnica posta aquindona estupidez do ‘burro, masna sua passividade. O que ha de pior 6 passar-se despercebido: as- sim, ndo saudar alguém é traté-lo como uma coisa, um animal ou uma mulher. ‘um ime davidapara quem orecsbe” (Kal) ‘casio iém existir plenamente enquanto homem, de ‘outros ea Eoroptoe sua qualidade de homem (thirugza). “O ho- ‘mem completo” (argazalkamel) deve estar sem interrupgiio em estado de alerta, pronto a aceitar 0 mais pequeno desafio. £ 0 guardigo da honra (amhajr), al- ‘guém que vela pela sua propria honra e pela honra do seu grupo. Segundo corolério: quem desafia um homem incapaz de ripostar 20 desafio, quer dizer, ineapaz de continuar a troca iniciada, desonra-se a si ba dele despon- Profunco, diia-s: “Fulano cortoueme a barba (ou 0 bigode).” 10 SOO DE UMA THORIA PA PRATICA } ‘osmvribo pationKA 4" proprio. Rassim que a elbahadla, humilhagao extrema: ‘infligida publicamente, aconteceu um dia que, durante uma guerra entre duas tribos, uma delas opés dliante dos outros, acarreta sempre risco de recair sobre quetn a provoca, so. combatentes negros aos seus adversétios, que baixaram as armas. Mas os bre o alahbul que no sabe respeitar as regras do j vencidos conservaram a salvo a sia honta a0 passo que os vencedores fica- aguele que merece elbshadia tem umahhonsa (fe hura)eéporissoque,para ram desonrados coma sua vit6ria, Por vezes diz-se também que, para evitar a além de um certo limiar, a elbahadla recai quem a inflige. Por isso, as vinganga do sangue (thamgart, plural thimagart), bastava outrora a wniao com mais das vezes, evita-se lancé-la sobre alguém a fim deo deixar cobrirse de | uma familia de negros. Mas tratava-se de um comport do infamante vergonha por meio do seu ‘comportamento. Em tal caso, a desonra é queninguém aceitaria pagar tal prego para salvara vida. irremedivel. Diz-se:ibahdal imantis ou itsbahdil simanis (aghbala). Em conse~ © caso, segundo uma tradigéo local, dos talhantes de j quéncia, aquele que esté numa posigio favordvel deve evita ‘demasia- =} Ath Chabane, negros que tinham por antepassado um cabila que, a fimde es- ‘a sua vantagem emoderar tum pouco a sua acusaga is vale que capar a vinganga, se teria feito talhantee a cujos descendentes, em seguida, 56 dispa sozinho”, diz o provérbio, “que ser eu a despi-lo” (djemaa-saha- | seriam permitidas aliangas com negros (ait hichem), ‘elo seulado, oadversirio podesempretentarinverterasituagdolevan- | As regras da honra regiam também os combates. A solidariedade impu- ‘due se encontrana posi¢io mais favordvela ultrapassar os limites permi- nha a qualquer individuo que protegesse um parente contra um néo ‘Parente, tidos, 20 mesmo tempo que oferece uma teparagéo segundo a honra, Isto, t umaliado contra um homem de outro “partido” (su/), um habitante de aldeia, como vimos na segunda narrativa, a fim de obter 0 apoio da opinigo da, ainda que de um partido contrério, contra um estranho a aldeia, um membro assembleia, que ndo poderd deixar dedesaprovaradesmesutado accede : da tribo contra um membro de outra tribo. Mas a honra protbe, sob pena dein. Terceiro corolério (proposicéo reciproca do corolério anterior): s6 um famia, que varios combatam contra im 36; por isso, os interessados esforga- desafio (ou uma ofensa) langado por um homem igual em honra merece tes, ‘vant-se, através de mil artificios e pretextos, por renovar a querelaa fim de a po- Posta; por outras palavras, para que aja desafio, €necessério que aquele que derem retomar por sua conta, Assim, as mais pequenas querelas ameagavam, orecebe considere aquele que olanga digno de o fazer. Aafronta vinda de am ‘sempre alargar-se. As guerras entre 08 “partidos”, essas ligas politicas e guerrei- individuo inferior em honta recai sobre o presungoso, “Ohomem prudente ¢ zas que se mobilizavam a partir do momento em que um incidente surgia e em avisado, amahdliug, n&o se comete com ainaltbul”. A sabedoria cabila ensina: quea honra de todos eraatingida na honta de um s6,tomaavam a forma de uma [Tra aamahdhug edi aamalbel” (azeroun-chmin’) Aclhahadlaeciriasobreo competicio ordenada, que, longe de por em perigo « ordem social, tendia pelo hhomem avisado que se aventurasse a ripostar ao desafio insensato de anal. i 10, 20 ponto de ‘nul, 20 passo que, abstendo-se de ripostar, o deixa com a carga de todos os 20 nif exprimir-se, i einstituciona- Seus acts arbtrtios, Do mesmo modo, a desonra recaira sobre aqucle sun i bate tomava Sujasse as maos numa desforra indigna: assim acontecia, que os Cabilas recor- Por vezesa forma de um verdadeiro ritual: trocavam-se injtirias, depois golpes ressem por vezes a assassinos contratados (amekri, plural imekryen, literal. * €0 combate cessava com a chegada dos mediadores. Durante o combate, as mente; aquele cujos servicos se alugam). E, portanto, a natuiteza da resposta mulheres encorajavam os homens com os seus gritos e os seus cantos que exal- que confere ao desafio (ou a ofensa) 0 seu sentido e até mesmo a sua qualida- tavam a honra e a forca da familia. Nao se procurava matar ou esmagar 0 ad- de de desafio ou de ofensa, por contraste com a simples agressio, versitio. Tratava-se de manifestar a superioridade, as mais das vezes pormeio tinham perante os negros uma atitude que ilustra perfeita- deumacto simbolico: na Grande Cabiliao combate cessava,diz-se, quando un Agquele que respondesse as injérias de um negro, ho. | dos dois campos se apoderara da trave mestra(thigedith) e de uma laje tomada mem de condisio inferior e desprovido de honra, ou se batesse comele, de. da thajma ‘th do adversério, Por vezesas coisas corriam mal, ou porque um gol- sonrar-se-ia a si proprio.’ Segundo uma tradigéo popular do Djurdjura, einfeliz causavaa morte de um combatente ou porque o “partido” mais forte ameacava penetrar nas habitagées, iltimo refigio da honra. Sd entao. : dos pegevern ritas de fogo, 0 que a mar parte das vores 5 ‘Deum homem 0 ado coma sua honr se: “E um negro.” Os neg egal ee medion tania cone: ieunen deren trhere emma cnaesoence eee ese Pare por term ao combate, Osmediadores, marabuse stbios da tribe, Participar em certos trabalhos colectis nao tinham o direito de tomar a palavra nas re- aa te seretirassem ¢ estes iam-se sob a proteccio da | lavra dada, > igressores que 'protecedo da pal tbs easntciaemconelssn ccna tise as an awa ase ‘erpmion penne trouser dae ae ae antde&nrgemn de comicace see speed ‘escorts incon entero ies 6 Onifé,em sentido proprio natz , depois, o ponto de honra, oamorpripri i também no mesmo sentido, thinzarin (ou anzarn, segundo as resides), plural Zerth, a narina, onati (figualmentea nota 10). 2 SBOGO DH UMA TEORIA DA FRATICA, 1a’naya.7 Ninguém pensaria em causar-Ihes di ras e $6 ocorriam apés um conselho realizado pelos ancifos, que fixavam o dia da acciio eo objectivo atribuide a cada aldeia. Cada um lutava por si,maseram gritados conselhos e encorajamentos. De todas as aldeias em redox, as pessoas olhavam e davam a sua opiniao sobre a audacia e a habilidade dos combaten- tes. Quando o partido mais forte ocupava posicdes.a partir das quais podia es- magar oadversario ou quando se apoderavade um sinabolo manifesto devit6- ria, ocombate parava e cada tribo voltava paraa sua terra. Podia acontecer que sefizessem prisioneiros: colocados sob a protecsio i) daquele que os cap- turara, eram em geral bem tratados. Permitia-se-thes que partissem nto final do conflito, com wma gandura nova, o que significava que o liberto era um motto que voltava a sua aldeia com a sta mortalha. O estado de guerra (elftna) podia durar anos, De certa maneira, a hostilidade era permanente;a tribo vencida fica- vad espera da desforra e, na primeira ocasiéo, apoderava-se dos rebanhos e dos pastores dos seus inimigos;a pretexto do mais pequeno incidente, por altura do mercado semanal, por exemplo, o combate recomecava Em suma, nada mais dificil do que distinguir, em semelhante universo,o estado de paze 0 estado de guerra, Seladas e garantidas pela hontra, as tréguas entre aldeiase tribos, como os pactos de protecgao entre a familias, vinham apenas por um termo proviscrio a guerra, o mais sério dos jogos inventado pela honra. Se o interesse econémico odia fomecer 0 ensejo da guerra e satisfazer-se com ela, o combate aparenta- a-se mais a uma competisio institucionalizada e regulamentada que a uma ‘guerra pondo em jogo todos os meios disponiveis em Vista de uma vit6ria total, conforme o documenta o seguinte didlogo, narrado por um velho cabila: "Um dia alguém disse a Mohand Ougasi: —Vens & guerra? =O que é que i so faz? —Pois bem, assim que se v8 um Rumi, dispara-se sobre ele Como é que isso 6? ~Teomo quotas que fosse? —Julgava que devia haver uma disputa, depois injiase, por fim 0 combatel 7 Vamos agua fungto soil dos marabus, Proporcionam a std, “porta (hth) come diets Cabins eautoriamaporfimao combatesemucaceeckeorels "wala soe um ooze dos dle prion oraona expe dent dispensivelparaasegurara uaprépriaexisincs,fmecscomeantenecerioee svar davis obgus qo perm omomos sm ovis plo es ‘Um valho dealin de An Agel na regisodeCollforneia-noeno Ver dcscrigo ponto por pono semelRante® : iaeamacuiiire ‘Mas o ponto de honra descobria outras ocasides para se manifestar: animava por exemplo as rivalidades entre aldeias que entendiam ter a mesquita mais alta emais bela, as fontes mais bem arranjadase maisbem protegidas dos olha- res, a9 festas mais sumptuosas, as ruasmaislimpase assim por diante. Todas as ‘espécies de competicdes rituais e institucionalizadas forneciam também pre- ‘texto a justas de honra, como o tito ao alvo, que era praticado por altura de to- dos os acontecimentos felizes —nascimento de um rapaz, circunciszo ou casa- ‘mento. Por ocasiso dos casamentos, a escolta composta dehomense de mulhe- res encarregada de ir buscar a noiva a uma aldeia ou uma tribo vizinha devia ‘vencer sucessivamente duas provas, a primeira reservada as mulheres, de diuas a seis “embaixadoras” reputadas pelo seu talento, a segunda destinada aoshomens, de oitoa vintebonsatiradores, As embaixadoras disputavam com. as mulheres da familia ou da aldcia da noiva um torneio poético, no qual de- vviann ter a ditima palavra: incumbia a familia da noiva escolher a naturezae a forma da prova, ou énigmas, ou concurso de poesia. Os homens enfrenta- ‘yam-senuma prova de tiro ao alvo:na mana do regresso daescolta, enquanto as mulheres preparavam a noiva e o pai desta recebia cumprimentos, 08 ho- mens do cortejo deviam partir com as suas balas ovos frescos (ou, por vezes, pedras achatadas) engastados, a grande distancia, num declive ou num tronco de arvore; em caso de falhango, a guarda de honra do noivo voltava para a sua terra coberta de vergonha, depois de ter passado por baixo da albarda de um burro e desembolsado uma multa. Estes jogos tinham também uma fungao r- tual, conforme testemunham, por um lado, o formalismo tigoroso da sua pro- _gressio e, por outro, as praticas magicas as quais davam lugar.” Se toda aofensa é desafio, nem todo o desafio, como verem. ofensa. A competigio de honra pode sit préxima da do jogo ou da aposta, 16g que est entéo em causa é o ponto de honra,. 4 158090 DE UMA TEORIA DA PRATICA outro num combate de homem 2 homem. Segundo a teoria dos jogos, o bom jogador é aquele que supée sempre que o set adversério saber descobrir a melhor estratégia e que regula por essa ideia 0 seu jogo; do mesmo modo, no jogodahonra, tantoo desafio comoa resposta implicam que cada antagonista escolha participar no jogo ¢ respeitar as suas regras, ao mesmo tempo que postula que o seu adversério é capaz da mesma escolha, desafio propriamente dito, e também a ofensa, supe, como o dom, a «escolha de disputar um jogo determinado conforme certas regras. Odom éum desafio que honra aquele a quem se endereca, ao mesmo tempo que poe a pro- ao seu ponto de honra (nif};consequentemente, do mesmo modo que aquele gue ofende um homem incapaz de ripostar se desonta a si proprio, também ofende aquele que faz um dom excessivo, exeluindo a possibilidade de um contradom. O respeito da regra exige, nos dois casos, que seja deixada uma possibilidade de resposta, em suma, que o desafio seja razodvel. Mas, no mes- mo acto, dom ou desafio constituem uma provocacao e uma provocagao a ri- postar: “Ele fez-lhe vergonha”, diziam, segundo Marcy, os Berberes de Marro- cos a propdsito do dom em forma de desafio (tavsa) que marcava as grandes oxasides, Aquele que recebeu odom ou sofreua ofensaé apanhadonaengrena- gemda troca e deve adoptar um comportamento que, faca o que fizer, ser uma Fesposta (ainda que por defeito) a provocacéo constitu/da pelo acto inicial. Pode escolher prolongar a troca ou rompé-la (cf. 0 esquema da pagina seguinte). Se, obedecendo ao ponto de honra, optar pela troca, a sua escolha é idéntica @ escolha inicial do adversério; aceita entrar no jogo, que pode conti- ‘uar até a0 infinito:ripostar é, pelo seu efeito, um novo desafio. Conta-se que ‘outrora, assim que a vinganca se consumava, toda a familia saudava por meio de manifestacdes de regozijo o fim da desonra, thugdha an-tsasa, quer dizer, 0 ‘mesmo tempo o alivio do mal-estar que se tinha no “figado” devido a ofensae também a satisfagao de se estar vingado: os homens disparavam tiros, as mu {heres soltavam “‘u-fu”, proclamando assim que a vinganga fora cumprida, a fim dle todos verem como uma fanvfia de honra sabe restaurar com prontidao 0 seu prestigio e a fim de a familia inimiga nao poder alimentar quaisquer nu iges de la parenté maternelleen droit coutumierbecbére cle régime rogues”, Reoue africine,n285, 194 (OSENTIDO A HONEA, 6 ipemeteea ttt rentioene ae ae S met oe davidas sobre a origem da sua desgraca. De que serve a vinganga se permane- cer anénima? Conserva-se em Djemaa-Saharidj a meméria de uma thamgart sade sangue) que se prolongou de 1931 1945, na tribo dos Ath Khi inmos de outra familia, Para fazerem crer que haviam sido atacados, um dos dois irmaos ferira o outro. Foram condenados um aoito anosde | um pouco menos. Quando o segundo foi posto em liberdade (tratava-se do mais influente da familia), desviava-se a cada passo, olhava para um lado e para outro sem parar, estava sempre alerta. Foi abatido por um assassino a soldo. Um tercei (0, que era militar, esmagou a cabeca de um membro da outra familia com uma pedra. As duas familias ameagavamse de extermi- nio miituo, Houvera jé cito vitimas (entre as quais, as quatro aqui menciona- das), Os marabus receberam um mandato com vista a pacific ‘Tinham esgotado as palavras de apaziguamento e o te continuava decidido a manter-se em luta ea prolongé- diagio donotavel de uma trio vizinha que fora chefe e era una: peitado, Este foi ter com orecalcitrantee pregou-lhe um set saenfiada no delu (funil que levao grao m6); para a préxi bega debaixo damé.” Ojovem tevecomo que uma crise;est cer a sua cabega. por fim ao exterminio. Pronunciow-se a fatiha. Em presenga reunida, imolow-se um boi. Ojovem: comeu-se 0 cuscuz em comum" mos que a intervencao do grupo se impée quando os subg: tram sob ameaca de destruigdo. Dado que a légica do desafio eda resposta acarretaria 0 prolongamento até ao infinito do conflito, importa, em todoo caso, descobrir uma safda honrosa que nao lance na desonra nenhuma das duas partes e que, sem por em questdo os imperativos da honra, autorize ficas coma ca- pronto aofere- i-ihe pedido que declarasse solenemente concordar em toda a aldeia 6 S1OCO DE UMA TEORIA DA PRATICA que, circunstancialmente, oseu exercicio seja suspenso. A tarefa de concili- aga0 incumbia sempre ao grupo englobante ou a grupos “neutros”, trangeirosoua famflias marabi no quadro da grande familia, os: apaziguam o conflito. Por vezes i trante. Quando o conflito sobrevém entre duas grandes f domesmo asihrum esforcam-se por apazigué-lo. Em suma, a légica da con- ciliagio € a mesma que a légica do conilito entre secges da linhagem cujo imeiro se encontra contidono provérbio: “Odeioo meu irmao, aquele que 0 odeie”. Quando um dos dois campos era de origem. marabiitica, eram marabus estrangeiros que vinham convidar A paz. AS guerras entre os dois “partidos” obedeciam a mesma légica que a vingan- $2, © que se compreende pelo facio de esta nunca ser, para falarmos com propriedade, individual, sendo sempre o autor da vinganga mandatado pelo subgrupo do qual faz parte. O conflito podia por vezes prolongar-se durante varias dezenas de anos. “A minha avé contava-me” refere um in formador de Djemaa-Saharidj, com cerca de sessenta anos, que o suf ufella (do alto) passou vinte ¢ dois anos fora da sua terra, no vale de Hamrawa. Acontecia, com efeito, que o suf ("partido") batido se visse forgadoa partic comas suas mulheres e os seus filhos. Em geral, a oposido entre os parti- dos era tao rigidae tao estrita que os casamentos se tornavam impossiveis. Noentanto, por vezes, para se selarapazentre duas familias ou dois parti- dos, o fim da luta era sancionado por um casamento envolvendo duas fa~ anflias influentes. Nao havia desonra em tal caso. Para selar a paz, depois de um conflito, os dois “partidos” reuniam-se, Os chefes dos dois campos traziamum pouco de pélvora;esta era metida dentro de canas que se troca vam. Era oman, a paz”. escolha do outro ramo da altemativa pode revestir-se de significagSes di- ferentes eats opostas. O ofensor pode, pela sua fora fisica, peloseu posts ou pela importincia eautoridade do grupoa que pertence, se superior, igual ou in- feriorao ofendido. Se alégica da honra supe oreconhecimento de uma igualda~ de ideal em honra, a consciéncia popular nem por isso ignora as desigualdades defacto. Aoque exclama: "Eu também tenhoum bigode”, o provérbioresponde: ‘O bigode da lebre néo é 0 do ledo....” Do mesmo modo, veinos desenvolver-se ‘oda uma casuistica espontnea, infinitamente subtil, que devemos agora anali- sar Seja0o caso em queo ofendido tem, idealmente pelo menos, os meios que The permnitem ripostar: se se mostra incapaz de aceitar o desafio lancado (trate-se de lum dom ou de uma ofensa),se, por pusilanimidade ou fraqueza, se esquiva ere. rnuncia & possibilidade de responder, escolhe de certo modo fazer de Sua esonta, que se toma eno irremedive (bakdal mis ou simaris),Contes- se vencidono jogo que deveria, apesar de tudo, terjogado. Mas.ando respost Pode exprimirtambéma recusa deripostar aquele que softeuavleneereetne a consideré-la como tal e, pelo seu desdém, que pode manifestar recorrendo & 5, as outras | \ | (OSENTIDO DA HONRA, v ‘um matador a soldo, fé-a recair sobre o seu autor, que se vé assim desonrado.!” Da mesma maneira, no caso do dom, aquele que recebe pode significar que escolhe recusar a roca, ou repudiando odomouentregando deimediatooua prazo um contradom exactamente idéntico ao dom. Também neste caso a tro- caéinterrompida, Em suma, nesta logica, 360 subir da parada, com o desafio aresponder ao desafio, pode significar a escolha de jogar o jogo, segundo are- gta do desafio e da resposta sempre renovados. Seja agora o caso em que o ofensor prevalece indiscutivelmente sobre o ofendido. O cédigo de honra e a opiniao encarregada de o fazer respeitar exi- gem apenes do ofendido que este aceite entrar no jogo: subtrair-se ao desatio é a tinica atitude condenavel. De resto, nao é necessario que o ofendido triuinfe sobre o ofensor para ser reabilitado aos olhos da opinio: nao se censura 0 ven- ido que fez 0 seu dever; com efeito, se foi vencido segundo a lei do combate, é vencedor segundo a lei da honra. Mais ainda, a elbahindla recai sobre o ofensor que, além disso, saiu vencedor do confronto, assim abusando duplamente da sua superioridade. O ofendido pode também rejeitar a elbahadia sobre 0 seu ofensor sem recorrer a resposta. Basta-the para isso adoptar umaatitudedehu- mildade que, pondo a ténica na sua fraqueza, faca ressaltar 0 carécter arbitré- tio, abusivo e desmesurado da ofensa. Evoca assim, mais inconsciente que conscientemente, o segundo corolario do princfpio da igualdadeem honra que quer que aquele que ofende um individuo incapaz de ripostar ao desafio se de- sonra asi proprio.” Esta estratégia nao ¢ admissivel, evidentemente, ando ser na condigio de que nao haja qualquer equivocoaos olhos do grupo sobrea dis- paridade entre os antagonistas; é normal entre individuos que 840 reconheci: dos pela sociedade como fracos, os clientes (yadh itsumuthen, os que se apoiam sobre) ows membrosde uma pequena familia (ita ‘frten, os magros,0s fracos). Seja enfim o caso em que 0 ofensor é inferior ao ofendido. Este iltimo pode ripostar, transgredindo o terceiro corolario do principio da igualdade em honra; mas, se abusa da sua vantagem, arrisca-se a recolher para si pré- prio a desonra que recairia normalmente sobre o ofensor inconsiderado e in- consciente, sobre o individuo desprezado (amah qur) e presuungoso. A sabedo- Tiaaconselha-lhe antes 0 “golpe do desprezo”."* Deve, como se diz, “deixé-lo ladrat até estar cansado” e “recusar-se a entrar em rivalidade com ele”. Nao Por isso que, excepto nas casos em que se impunham, come aqui, nos demos por regea evitar sugerir aproximagies, receando incitar a identifcagbes etnocentricas, baseadas fem analogias superfidas. 18 58090 DE UMA TEORIA DAFRATICA podendo a auséncia de resposta ser imputada & cobardia ou & fraqueza, a de- sonra recai sobre 0 ofensor presungoso. Embora seja possfvel ilustrar cada um dos casos aqui submetidos a exa- ‘me por meio de uma profusdo de observagies ou de narrativas, nko é menos verdade que, de um modo geral, as diferencas nfo sfonitidamente marcadas, de tal maneira que cada um pode jogar, perante a opiniao avaliadora e ccm: plice, com as ambiguidades ¢ os equivocos do comportamento: assim, sendo’ -muitas vezes infima a distancia entre a no resposta inspirada pelo medoea recusa de ripostar como sinal de desprezo, o desdém pode sempre servir de méscara i pusilanimidade, Mas cada cabilo, éum mestre em casutstica, eo tri- bunal da opiniao pode sempre decidir. © motor da dieléctica da honra é, portanto, o nif que inclina a escolha da resposta. Mas de facto, além de a tradicio cultural nio oferecer qualquer possi- bilidade deescapar ao e6digo dehonra, énomomento daescolha que a pressio do grupo se exerce com a sua forga méxima: press4o dos membros da familia ‘em primeiro lugar, prontos a substitufrem-se ao que falha, porque, comoa ter- 7a, a honra ¢ indivisa ea infamia de um atinge todos os outros; pressio da co- munidade clénica ou alded, pronta a reprovar e a condenar a cobardia ou a complacéncia. Quando um homem se encontra na obrigacéo de vingar uma ofensa, todos, d sua volta, evitam cuidadosamente recordar-lho, mas todos 0 observam, tentandoadivinhar-lhe as intengdes. Um mal-estar pesa sobre todos os seus até ao dia em que, perante o conselho de familia reunido a seut pedido ‘owapedido do mais velho, o ofendido expoeos seus designios. Asmaisdasve- 22s lhe oferecida ajuda, ou através da oferta de dinheiro para comprar os ser- vvigos de um “assassino a soldo”, ou fornecendo-Ihe companhia se ele se quiser vvingar porsuas propriasmios. O usoquer que oofendido recuse estasoferiase pega apenas que, em.caso de malogro, um outro continue a sua tarefa interrom- pida. Ahonra exige, com efeito, que, semelhantes aos dedos da mo, todos 03 ‘membros da familia, se necessétio, se comprometam sucessivamente, segundo o grau de parentesco, na consumagao da vinganca. Quando o ofendido mani- festa menos determinagao e, sem renunciar publicamente a vinganca, adia uma e outra vez a sua execuso, os membros da familia acabam por se inquic- {ar:0s mais sabios dentrecles conversamentrosie um dos sébios éencarregado de lembrar ao ofendido o seu dever, intimando a vingar-see instando com ele nesse sentido. No caso de esta chamada & ordem permanecer sem efeitos, en- ‘fram em cenaasameacas. Um outro consumarsa vinganca em lugar do ofendi- do, que ficaré desonrado aos olhos de todaa gente sem que por isso deixe de ser considerado responsével pela familia inimiga e, por conseguinte, exposto & Osentimento da honra vivido diante dos outros. tudo 0 que leva a defender, seja qual for o prego, uma certa imagem de si tes do mais (© SENTIDO DA HONRA destinada aos outros. O “homem de bem" (argaz el ‘ali) deve estar permanen- temente alerta deve vigiar as suas palavras que, “semelhantes a bala que sai da espingarda, nao regressam” e isso tantomais que cada um dos seus actos ¢ ada uma das suas palavras comprometem todo o seu grupo. “Se os animais seagarram a pata,os ligam-se pela lingua.” Ohomem de mal ¢ pelo contrério aquele que isu, “tem o costume de esquecer”. Esquece a sua palavra (ewa!), quer dizer, os seus compromissos, as suas dividas de hon. 72, 08 seus deveres. “Um homem dos Ilmayen dizia uma vez que gostaria de {ter um pescoo téo comprido como o do camelo; assim, as suas palavras, par. {indo do corasio, tetiam um longo caminhoa percorrer antes de chegar & lin- ua, o que Ihe deixaria o tempo necessério a reflexao” e isto revela toda a im- pportancia concedida a palavra dada ea féjurada. “O homem de esquecimen- ‘oprovérbio,” néo é um homie.” Esquece eesquece-se asi propri ‘atsu imams); diz-se ainda: “Ble come o seu bigo sadose 0 respeito que Ihes deve e 0 que se d dssers). Ohomem desprovido de respeito de si (mabla el’ andi bla erya, mabia elhachma) é aquele que deixa transparecer 0 seu as suas afeigbes eas suas fraquezas. O homem sébio, pelo contrério, é aquele que sabe guardar o segredo, que dé a cada instante provas de prudéncia e de disctigao (amesrur, wz nessar que guarda ciosamente o segredo. A vigi- lancia perpétua de lispensdvel para se obedecer a esse preceito funda- mental da moral social que profbe alguém singularizar-se, que peca que seja abolida, tanto quanto possivel, a personalidade profunda, na sua unieidadee na sua particularidade, sob um véu de pudor ede di i fan) & que diz. eu”; “6 0 diabo comeca por si préprio”; "a a “th) 2 assembleia; 86 0 judeu esta sozinho”. Em todos estes. - me o mesmo imperativo, aquele que impbe a negacio do eu intimo e que se realiza tanto na abnegacio da solidariedade e da entreajuda como na discri- so eno pudor dos modos devidos. Por oposigio ao que, incapaz de se mos- frar a altura de si préprio, manifesta impacién reito ou ri demaneira inconsiderada, cai na precipi denada, se apressa sem reflectir, se excede, grita, iaq),emsuma, 15. Oprimode ummaris complacent chamad rahi oquecosent 08 a “Que queres? Quando tens im irmao qué *Seo meu prmofone valde se

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