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@) capitulo 1 Louis Dumont {CAMO A Stee um estudo compa- homo ae qua 1 i Ss rativo da ideologia moderna e do lugar que nela ocupa 0 pensamento econémico génese e plenitude da ideologia econémica isto consiste a tragédia do espirito moderno que “resolueu 0 enigma do universo”, mas, apenas para substituélo pelo enigma dele mesmo. Alexandre Koyré eeeaaet i (Etudes newtoniennes, p.43) José Leonardo’ Nascimento ; | Eoce ese ¢ dteminade, em sun ‘orientagio, pelo em- preendimento mais vasto do qual ele faz parte. A idéia geral de um estudo comparado da ideologia moderna brotou do meu trae | balho anterior de antropologia social. Entendo o atual como se- iiéncia natural do anterior, mas do ponto de vista académico ha ‘uma grande distincia entre a antropologia € a pesquisa que per- tence, & primeira vista, a0 que se denomina freqlientemente his- t6ria das idéias. Nao € fora de propésito, por con: menos descrever esta passagem, e 0 mesmo tempo, 0 empreendimen representa somente 0 primeito capi Revisio Técnica antonio Penalves Rocha {A transigio pareceré imediatamente menos inverossimil se considerarmas, de um lado, que as idéias e 05 valores constituem um aspecto importante da vida social, ¢, do outro, que a antropo- logia social é essenciaimente comparativa, mesmo quando explici- 13) introduc tamente no 0 seja. (Dumont, 1964 A, p:15-16), Durante aproxima- (os mstodos da an de tipo complexo, ligada a uma das grandes dvilzagdes do mundo, a sociedade da {ndia ov, para defini-la segundo 0 traco principal da sua morfolo- Bla, a sociedade de castas. Ocorre que esta sociedade aparece, do ponto de vista dos valores, em contradigaé evidente com 0 tipo modemo de sociedade. Isto & pelo menos o que pode ser extra do, no final das contas, de um estudo que intinulei Homo hierar. cbicus, com a finaldade de ressalar dols aspectos: primeiro, que as verdadeiras vasiedades de homens que podem ser distinguidas no interior da espécie sto variedades sociais e, em seguida, que a variedade correspondente 2 sociedade de castas ¢ caracterizada, essencialmente, por sua submissio & hierarquia como valor supre- mo, exatamente 0 oposto do igualitarismo que reina, como um dos valores cardeais, em nossas sociedades de tipo modern. Porém, este contraste hierarquia/igualdade, embors seja |, € apenas uma parte da questio. Existe um outro, subja- cente 20 primeiro e de aplicagao mais geral: a grande maioria das sociedades valoriza, em primeiro lugar, a ordem, portanto, a con- formidade de cada elemento ao seu papel no conjunto, & socie- dade como um todo; chamo esta orientacio geral dos valores de “holismo”, um palavra pouco divulgada em francés, mas muito sto ignores ou subordinadas, enquanto a concepgo i lista, 20 contrétio, ignora ou subordina as necessidades dade, Ocorre que entre as grandes civlizagbes que o mundo co- nheceu, predominov 0 tipo holista de sociedade, Tem-se a im pressio que esta tenha sido a regra, com a tnica excecio da nos- sa civilizagko moderna e de seu tipo individualista de sociedade. {Que relacio existe entre o contraste holismo/individualismo @ 0 coniraste hierarquia/igualdade? No plano légico, o holismo 4 uum estado comparativo da ideologia modema se perceber 4 razao deste Fato. De um lado, o individualismo nfo implica somente a igualdade, mas também a liberdade, € nem sem- pre ba convengéncia entre a igualdade ¢ a liberdade, e a combina: ‘glo entre ambas varia de uma sociedade de tipo individualista & tirpamente combinada com outtos elementos. De ha andlise, a cultura da india é caracterizada pelo jungao radical entre hierarquia e poder, gracas 2 qual a hierarquia aparece de forma pura, exclusiva e sem mistura, Em suma, a {ndia ocupa, por sua reafirmacto da hierarquia, © ponto extremo das sociedades hols tas, Da mesma forma, a Franca da Revolicdo situava-se, segundo ‘Tocqueville, em relagdo Inglaterra e 20s Estados Unidos, no pon- indo énfase a igualda- aque esa simetria encre izado paricularmente um pesquisador face 2 hierarquia indiana! reciso insist: trata-se de valores socials gerais, englo- Dantes, que devem ser distinguidos claramente da simples presen- ca de um trago ou de uma idéia num piano ou noutro da socie- 1967, p32). A i interior de centos dade pode, assim, se encontrar valorizada No ‘sem que ela implique individualismo, Na Grécia antiga, 08 cidaddos eram iguais, sendo dado & polis des taque fundamental dos valores, e AristSteles nao considerava a es- ‘ravidao contraria 8 razio. Passa-se provavelmente 0 mesmo, m- tatis mutandis, com 2 civilizacao islamica, como um crtico aten- 10 ¢ expert parece confirmar para as sociedades do Oriente-Médio, (Yalan, 1969, p.125) introdugao definido, faz-se acompanhar supetiores ou, como ditel com frequ clonais, as relagdes entre os homens s30 mais importantes, mais akamente valorzadas, do que as relagdes entre os homens ¢ as coisas, Esta prioridade ¢ invertida no tipo modemo de sociedade , 20 contri, subordinadias coisas. Como veremos, Mat j itamente ligada a esta inversio , encontramos na sociedade modema uma nova ‘duno do ponto de visa dos valores ‘kimos ou, 20 comdri, cue toda sociedade particular pertencente a esse complexo de rt que © contro possa ser esabelecido ‘Se um tercnir tipo complica sem div Volveram sob a élde de duss religides relaivamente muito proximas ‘uma da ovtns; 0 Cristenismo © © Iso. O contrasts tae fosse beneti- ‘dado se 0 studssemos sobre os pressupostos que esbogumos neste tex- to. Em todo caso, do ponto de vista aclotado aqui, um comparagio se- liguel 8 india, comecando por uma invesigaqlo de 1d0 com um estudo comparado do desenvolvimento lizagio istics, devera se masta fecunda, tum estudo comparativo da ideologia modema concepgao da riqueza. Nas sociedades tradicionais em ‘queza imobiliiia € claramente distinta da riqueza m bens de raz sto uma coisa: os bens moveis ¢ 0 dinheiro, outs sobre a terra estio, com efeito, imbricados na organi- ‘Marx claramente per- ariter excepcional, na antigtidade em par- enas sociedades de comerciantes em que a rique- ido um estaruto aurbnomo: A siqueza 96 aparece como um fim em si mesma entre alguns po- ‘vos mercadores... que vivem nos pores do mundo satigo como 0s judeus na sociedade medieval (Grundiisse, p.387, sobre as for- sma idéia: Capital, I, cap. 1, eobre 0 ‘Com os modernos, produziu-se uma revolucao neste ponte: © vinculo enire a riqueza imobilria e © poder sobre os homens foi rompido, «a riqueza mobiliéia adquiriu plena autonomia, nao cia de uma categoria aurOnoma e relativamente za. Ea parr de ent&o que uma clara disting2o pode ser fita en- tie 0 que chamamos de “politica” e 0 que denominames “econ6- lian, CE. HLH, 384-385), “Tocamos aqui na fore demonstracio de Karl Polanyi sobre © cardter excepcional da era moderna a de. (The Great Transformati . minou o século XIX € 38 pri mente a doutrina do papel sacrossanto do mercado e de seus introdusto concomtt separagio repousa sobre uma inovaglo sein precedente: & ical dos aspectos econémicos do tecido social e da sua construcao num dominio auténomo. Limito-me, em suma, a propor tm ponto de vista um pouco mais amplo sobre esta tese fundamental, largamente aceita hoje em dia, a0 mesmo tempo que elaboro uma construcio te6rica sobre uma velha tradicao sociolbgice. Com efeito, 0 contraste holismo/individualismo, tal desenvolvido em meu estudo sem imitagto direta ou “ caminha na mesma direcao da distingto de Maine € da de Tonnies entre Gemeinschaft ¢ 4 hierarquia dos valores € desta vez ie) a vontade arbitrétia ou refletida (Kiar- ao guarda um sabor hegel a colocagdo da énfase sobre a vontade prOximo a Tonnies, Schopenhauer, e que €, alias, -mao) mas igualmente em seu conteddo geral: 0 jo- vem Hegel estava preocupado com 0 contraste entre a participa- cto espontinea do antigo cidadio grego na vida da cidade eo {solamento que resulta para 0 individuo cristao de sua conquis- de e da liberdade, E Rousseau jé escrevia no ao € mau cidadio, propondo, como TE Arbo, 1950) HA uma dferenga exten, pos amente desrtva, anal, compat, no dog: smdcca © nem normatvs (Cf mais abaixo, sec 7, 2.2. 18 ‘um estudo comparativo da ideologia moderna jusdo proletiria, De maneira que também ele oferece, afinal, testemunho de tal contradigao. Estamos separados das sociedudes tradicionais pelo que cchamo de revolugio moderna, uma revolupo nos walores que, 20 ‘que parece, foi engendrada 20 longo dos séculos no Ocide constitui 0 eixo de toda comparacao das ct iedade. Como existe no mundo modemo um conjunto ‘de valores que € comum a indmeras socieda- des, paises ou nagbes, falaremos de uma “ideologia moderra” em ‘contraposicao com a ideologia de tal sociedade tradicional (cortes- pondente, recordemo-nos, a uma civlizacto superion. Estamos ‘aqui diante do caso em que diferentes sociedades fazem parte de ‘uma “civilizagd0" comum, como aficmava genericamente Ma propésito deste fenémend “internacional” ou inter-socitério, {undo sobre seu cardter fundamentalmente social (Mauss, 1930, p.86 ‘Dumont, 1964, p.92). Porém, a *ideologia moderna” € mais ta do que a *civilizago moderna” no sentido que the dew det a significaclo comparativa da ideok i 108 tacos sociais ndo ideol6gicos que, na concepao americana, cai riam na “sociedade”, logo fora da andlise da *cultura’. Tudo isto € 19 introdugto gui dito para efeitos de lembranga, pois neste trabalho no chega- remos a esta complexidade (cf. 1967, § 22, 118). ima distingao formulada anteriormente (1965, p.15; 1967, presenta um papel central neste estudo, ¢ é preciso repro: Designamos conrentemente pela expresso “homem luo") duas coisas extremamente diferentes 2) 0 ser moral, independence, auténomo ¢ assim (essenclalmen- te) nfo social, tal como se encontra, antes de tudo, na nossa ‘deologia moderna do homem ¢ da sociedade. a Outra expressdo para o primeiro sentido, 0 senti- ico, como 0 "homem particular’, o “agente humano par- ticular’, etc. Mas, em razto mesmo da sua necessidade a distin- gio €, com freqiléncia na pritica, muito dificil de ser expressa brevemente na linguagem corrente. fo mesmo, a palavra idualismo” deveria designar, exclusivamente, a valorizacao ima definida correspondente ao segundo sentido, ao In- iduo, mas no estou seguro de ter evitado 0 uso degradado do termo que 0 aproxima do sentido comrente, vago. ‘Voltemos agora a oposico entre ideologia moderna e ideo- taadicional Pode-se dizer que o contraste € arbitrsio? NGO =, Por exemplo, entre as ideologias da Franca e da Alemanha modesnas tanta distincia quanto entre as ideologias, da India © da China? Ou ainda, a China nao difere da fndia tanto quanto a India de nés? Ha cercamente uma diferenga entre 0 caso moderno eo caso tradicional, Ha evidéncias que, desde, digamos, © século XVII, a Inglaterra, a Franga, a Alemanhs, entre outras 0es, ‘possuem uma ideologia comum, Isto no exclu, absoluta- ‘mente, 28 ciferengas nacionais e, no interior da cada pats, as dlife- is, etc. Ao contritio, a propria tentativa de esborar o que as nacdes manifestam de comum revela, de pron- suas divergencias. Isto no impede, entietanto, que toda con- acio nacional possa ser tomada como uma variante da ideo- logia geral. (Cf. veremos, p. 25) I tum estudo comparativo da ideclogia modems Naguilo que concerne a fndia ¢ & China, deixando de lado 2 diversidade intema que € um outro problema, € possivel que clas apresentem diferencas ideol6gicas profundas entre si. Porém, ‘comparadas a nés, eas st0 semethantes: as ideologias tadicionais| enquanto a nossa é indi- impregnado pel ‘outro, consirufdo a partir destas mnesmas sociedades, Cada vez {que tazemos & Juz uma idiossincrasia a mentalidade moderna, tornamos um pouco mais possivel a comparacko universal. Em suma, @ revolugio dos valores da qual brotou a ideo- logia moderna representa 0 problema central da comparacio das sociedades, seja para descrever e compreender as sociedades jeto mais habitual da antropologia, pria sociedade em relacio as outras, Amba competéncia da antropologia ¢, de fato, as duas fundem-se rnuma dnica, pois, se pudéssemos desenvolver uma visio antro- polégica da nossa propria sociedade, a compreensio das outras fios seria grandemente faclitada, pois disporfamos de um qua~ dro de referéncia, de um sistema de coordenadas que nao seria mais tomado da nossa mentalidade particular ~ e excepcional -, ‘mas que seria verdadeiramente universal. (cf. meu artigo 19754), Pretendo, sob 0 risco de ser repetitiv, lembrar a perspec- tiva geral na qual se insere o presente ensaio. Ele € e permane- ce limitado, nio hai como esquecer disso, na medida em que uma 36 ideologia tradicional, a da india, he serve de base, qualquer {que seja a generalizacio que proponho (da hierarquia ao holis- mmo, etc). Seria até mesmo provavel que ensaios de comparacao semelhantes, partindo da China, do Isiao, ou da Grécia antiga, tluminariam, por sua ve2, certos aspectos da nosse ideologia, que este, baseado na {ndia, deixaria na sombra, mesmo que se por suposicio fosse completo e perfeito. Isto. no que se refere ao aspecto antropolégico. Ha, por outro lado, um aspecto em certa medida indigena, no sentido em {que nossa pesquisa nao € inteiramente inoportuna ou inatual, do ponto de vista inte mo, 2 propria ideologia modema. Falou-se af introdugdo ‘muito, ha alguns anos, de “fim da ideologia". Se me for permiti- do tomar emprestado, além de tantos outros, um termo de Tho: Ponto em que. haveria mesmo entre nés slam neste fato umm motivo de orgulho. Ao que parece, a crise do paradigma no século XX conheceu recentemente uma intensfica- sto ou, sobretudo, uma generalizacto. 310 das disciplinas eruditas, vem-se a impressto que o homem modemo, enclausurado sobre si mesmo ¢ burlado, talvez, pelo sentimento de sua superioridade, demonstra alguma dificul. dade para assumir seus prOprios problemas. Este fato € partcular- mente visivel aa reflexto politica, E surpreendente, por exemplo, descobrir que a necessidade de definir a nagio de uma maneira comparadla nao tenha sido muito sentida, A nao (moderna) € ge talmente definida no interior das condigdes histGrieas modernas, tomadas implicitamente como evidentes ou universais. Nenhum feito para definila especificamente por comparacao iedades ou agnapamentos politicos nto moderns, ape- sar de, em nossos dias, serem numerosas as sociedades tradiio- pais que se acredita estarem em via de se tornar nagdes' teoria politica continua a se identificar com ‘uma teoria do “poder", probiema fundament der’, 0s valores ou a ideologia. Com efeito, a partic do mom: em que ha um esvaziamento da hierarquia, a subordinacao licada como 0 resultado mecinico da interaglo entre in- dividuos, ¢ a autoridade se degrada em “poder, em “influéncia", ete. Esquece-se que tudo isto se produz apenas sobre uma base ideol6gica definida, 0 individuslismo: a especulacto lausurou-se, sem se mo- ema, E 2 historia recente nos forneceu , contudo, uma demons- 3. Veradiramente flando Th. Kuhn rein 0 servido do temo ra segunda diode The Susu of en 19. 1 1967, ependice D. 22 um estado comparativo da ideologia moderna. tragio formidavel da inconsisténcia desta concepsio com a ten- tativa desastrosa dos nazistas de fundar o poder exclusivamente sobre si mesmos, Nao creio que 0 paralelismo seja gratuito. Enquanto © pensamento politico esmera- sobrecarregam 2 histéria d Jo quando assinalou as recisos da realizacao do prin- vagto e salvaglo tantos esforcos se dedicam de vista, 20 passado. E por qué? Nossos filisofos no £6 negligenciam estas questOes, como também negligenciam em grande medida as ciéncias sociais, pelo menos na Franga. No ‘geral, a reflexiio aprofundada sobre o mundo modemo, tio inten sa na primeira metade do século XIX, parece terse adormecido ros bragos de conformismos partidos ou se degradado em pro- inarticulados. Apesar de a Europa ter sofrido # mais terrvel lade, 0 apocalipsehitlerista espera ainda, apés tints anos, ser verdadeiamente debelado no pensamento. Uma das razbes desta impoténcia geral deve-se vida, a0 fato de que nio se pode mover uma massa d 1 comparagio, este é 0 ponto de fem perspectiva", como este antro- loso Sir Edward Evans ~ propunha, ima idéia do tipo de renovacio sociedades humanas, se de outra parte, a ideologia moderna & ‘comparativamente to excepcional quanto afismamos, ‘qUéncias involuntérias igualmente sem precedente. Isto 6 verifi- 28, introduga0 cado de maneira fatual sob a forma de fenémenos que contradi- zem 0s Valores admitidos e que, por esta razao, escapam, em sua esséncia, & percepsio intelectual ingénua, nio comparativa, Se, tendo encontrado na india holismo e hierarquia, procu- ramos 0 que fizeram deles uma “civilizagio", um conjunto de so- Giedades, que valoriza 0 oposto do individuo ¢ da igualdade, 0 que acharemos? Acharemos, por exemplo, um resfduo de hierirquia sob «forma de desigualdades sociais, e como a hierarquia propriamen- te dita € um tabu ou algo impensével entre nés, designamos este ‘esiduo com uma expressio que evoca a natureza inanimada e que traduz, potanto, nossa incompreensio do fendmeno: falamos de “estratficaglo social”. Mas ito no € tudo, porque acharemos tant bbém, por exemplo, que numa das sociedades em questio a aboli- sao da escravidao produziu, em algumas décadas, 0 aparecimento do racismo, Talvez seja este o exemplo mais frisante das conse- qincias involuntérias do igualitarismo. Tratei, em outro ta questao, € faco referencia a ela aqui, de passagem, Apéndice A). Devo, entretanto, acrescentar uma observa eiro, nao sustento, como alguns pretenderam, que hierarquia vale mais do que a igualdade, cu, no caso presente, que a escravi- ‘dio ~ uma matéia, diga-se, no puramente hierquica ~ seja me- thor que 0 racismo. Afirmo apenas que fatos deste gemero indica ‘que a ideologia tem, apenas dentro de certos limites, 0 poder de transformar a sociedade, € que 0 desconhecimento destes limites produz 0 contrério da intengao original ‘Tomemos um segundo exemplo, 0 de um outro fendme- no indesejivel e, sem davida, presente no nosso universo moder- ‘no: © totalitarismo. Refletiremos sobre o caso do nazisms, sem a Preocupacao de precisar s¢ seria possivel ou nfo falar de totall- turismo em outtos casos. Uma dificuldade, e das maiores, na ‘compreensio do totalitarismo, nasce da tendéncia espontinea de © considerarmos como uma forma de holismo: a palavra mesma remete A totalidade social, ¢ 2 sua oposigao a democracia tende 4 ser concebida imediatamente como “reacao", como um retorno 10. Pela coacao radical que exer aparenta voltar-se contra © individuatismo no sentido corrente do termo, De sorte que sua 24 lum estudo comparativo da ideotogia moderna ise parte de uma contradigao. Para solucioné-la, € preciso lembrar que 0 totaitarismo esti dentro do mundo modemo, da ideologia moderna. Nossa hipdtese € que 0 totaitarismo resulta da tentativa de subordinar 0 individuatismo ao primado da socie- dade como totalidade, nua sociedade em que 0 individuatismo ‘estd profundamente enraizado e predomina, Ele combina, sem 0 saber, valores opostos; @ contradicio 2 qual nos referimos ba pouco vige em rior. Ver dai a énfase desmesura ror dada 2 total vem daf também a viol culto, no tanto porque faz-se necessirio obter a sbmisi0 quando 2 subordinacio - que exige 0 acordo geral dos cidadaos sobre valores fundamentais ~ € impossivel, mas porque a violén- maneira? © totalitarismo no teria inoculado seu virus na opiniao ‘mundial? Mesmo considerando 0s intimeros vinculos mantidos centre a violencia contemporinea e a ideologia moderna, aqui sO podemos fazer uma alusto sucinta a ela. E verossimil, qualquer -pendentemente de um enfraquecimento da condenagao da violencia privada em geral na consciéncia co- 5 Este parigrfo resume, de introdugdo mum. Este enfraquecimento € mantido pela confusto que reina hos espiitos, ¢ que os meios de comunicacdo multipicam, entre particular, « confusio entre os dominios dos quais a violencia ha- via sido banlda como exercfcio tlegttimo da forga e outros, como internas do Estado, as condutas e 0s procedimentos da guerra es- trangeira. Os exemplos de confusio deste género abundam na imprensa ¢ na opiniao: entre a guerra (E. U. A. no Vietna) € os ‘campos ou asilos psiquidtricos soviéticos, entre a guetra do Viet. fa € © terrorismo politico, entre este iltimo € 0 terrorismo ‘out court ou wangsterismo. Bem caracteristica & a expressto “captura de reféns” ~ o fato correspondente ~ que passou do uso exclu= uerreito aos dois outros planos. Nao quero dizer que idades da nossa época. Apenas quero dizer que a ideologia contemporanea ¢ ctimplice do ban- ditismo, € que @ confusio difundida entre direto € fato, entre moralidade € direito institucionalizado, entre justiga ¢ tirania, en- tre pablico ¢ privado equivale a um retémo & barbaric. Faz agora dez anos que, atraido pela promessa que tal Comparacdo parecia encerrar, tomei a decisio de embarcar para com a intencio de voltar 0 espelho ~ indiano - sobre nos mesmos. Tratava-se de olhar sob um novo angulo nossas concepodes modernas funda- Sendo indispensavel a dimensio hist6rica, a viagem ‘em uma pesquisa historica, um estudo de textos: reto- la hist6ria das idéias do Ocidente modemo em suas prinefpais linhas de forca, na unidade principal que ela nio pode deixar de revesti em retacao a uma civilizagho diferente. Da maneira como eu 0 vejo agora, 0 objeto de estudo ica, uma outra que denominarei configura ional, ¢ a terceira, nacional ou “sub cultural’. A dimensio his- (rica ¢ evidente: uma transformacio profunda teve lugar na Bu- ropa ocidental ao longo dos séculos e foi assinalada de forma 26 tum estudo comparativo da ideologia moderna ‘espetacular pela emergéncia de novas categorias de pensamen- to, como o politico € 0 econémico, ¢ das instituigdes correspon- lentes; pode-se estudar a génese de tudo isto. Mas os pontos dle vista em questio slo apresentados sempre como parte const tiva de uma configuracao sut generis em cada autor, cada € fa, tendéncia ou perfodo. Estas configuragdes sa0 0 verdadeiro © que chamamos ideologia modema € algo idade de todas estas configuragées. Enfim, en- reencontramos difereagas nacionais mar firmar que a ideologia modema apre- nro com os diferentes paises, culturas € subculturas mais ou menos nacionais, sma, que devem ser tomadas como ua lentes) da ideologia geral Publiquei sobre este tema, até 0 momento, apenas um en saio de alguma amplitude (em inglés: “The Modern Conception of the Individual, 1965). Trata-se de um esforco para destaces, em grandes trapos, a génese da ideologia modema naquilo que con- ‘ceme 20 individuo, ao politico, a0 mesmo tempo que 20 Estado, da Idacle Média 3 Revolucto Francesa depois dela, isolando al- Este artigo nao pretendia ser completo & ncias, sendo que a principal se encontra no onto de panda. Eu admitia que a ideologia eta holista em Sto ‘Tomis de Aquino, o que é verdade se limitarmas o olhar & comu- nidade terrestre dos cristios, mes nao € verdade no conjunto da sua ideologia. Um estudo ainda inédito dos primeiros séculos da Tgreja forneceu mais tarde uma formula geral da ideologia da Igre- fa através dos séculos (até Calvino) que engloba as mudancas ocor tidas e dé conta de sua direcdo geral; em suma, 0 individvalismo cristo esti presente desde a origem; 2 evolugo consiste em um 30 ~ forado-mendo para 0 rogressiva), processo no emunidade holista mesma acaba por desaparecer, ou qua~ se desparece. (Ver 0 adendo p.48) E, portanto, necessirio corrigit 0 artigo publicado quanto 2" ismo, do a partir do século que Bio € da quantum de valores absolutos, constituindo um domini nomo. © leitor perguntard por que 0 fundo social esta ausente deste estudo; pode parecer sobretudo estranho, que o feudalis- mo € 2s comunas nio sejam mencionadas; esta questo coloca uum problema muito geral; explicarei mais adiante. © estudo presente segue historicamente a0 que acabo de resumir: da ‘mesma forma que @ religito havia dado nascimento a0 politico, © politico, por sua vez, dard nascimento ao econdmico. Este € 0 ponto de vista histérico, ou genético, tal como 0 empreguei até momento. O ponto de vista configuracional 6, de fato, 0 ponto de vista fundamental, pois 0 todo concreto ele- mentar & nossa disposicao € a configuragao das idéias e valores ‘que encontramos em tal texto, tal autor, particular ou Comum, ic, Por esta raz2o, tais configuragbes estio presentes em todo o estudo, sob uma forma simplificada ou parcial. A segio 4, zmplo, trata da relagdo, em uma obra de Locke, entre 0 pol , 0 econdmico, a moralidade e a religito. As mudangas nes relagdes so, no que nos concere, os fatos histricos funda mentais, © estudo das variantes nacionais ¢ um caso particular de ‘comparacio entre configuracbes diferentes, desta vez como pre- dominantes em tal ou qual pais de maneita duradoura. Impres- sionado pela diferengs profunda entre as representagoes france- 28 ‘um estudo comparativo de ideologia moderna, jondrio (Seca0 5). 0 estudo sobre o pensamento jido por um trabalho sobre 0 nacional-socialismo, pasticular- zei mais acima. Ainda inédita e incompleta, € uma andlise conf guracional, que tira grande vantagem da precedente. Isto no ‘quer dizer que a filosofia alema explique o nazismo: 0 fendme- no € essencialmente europeu, modemo, como enfermidade da ‘deologia miodezna; mas ele no & compreensivel fora da forma que toma, e a forma que toma determinada pela variante ale- ma da ideotogia moderna. (Ver 0 adendo p.48). Sem entrar muito 2 fundo nos problemas de método, faz- , ¢ seu lugar no interior desta alt {Ges principais, que devem ter surgido no espirito do leitor, de que forma procederemos para construir 0 objeto chamado ideologia’ E, € legitimo e util separar a ideologia do restante da dade social para fazer um estudo distinto? Nossa definig’o 1 & deliberadamente vaga: chamamos de ideologia 0 con- into de idéias e valores ~ ou representagbes ~ comuns em uma rociedade ou correntes em dado meio social. NBO se trata de tentar estabelecer uma distingZo, mais ou menos substancial, en tre a ideologia, de um lado, e de outro, 2 ciéncia, a racionalida- de, a verdade, @ flosofia. O Gnico aspecto comum entre a con- cepedo presente ¢ 2 acepcdo corrente, mais ov menos manxista, do termo é a relatividade social: 2 ideologia € em cada caso, um ‘conjunto social de representagées ~ ¢ ¢ seguramente um assun- to muito complexo. Que seja julgada *verdadeira® uma represen 29) sntroduszo tacio particular neste conjunto ou “falsa", *racional* ou “tradlic ou nao, nada tem 2 ver com a natureza soc vemos um exemplo: que a terra gia em toro sol € uma proposiglo cientifiea, admitida, porém, pela maior parre de nossos contemporaneos sem que os mesmos sejam ca- pazes de demo: ‘Ademais, mesmo para aqueles que so capazes de fazé-lo, esta concepgto é parte de sua concepgic do ‘mundo tanto quanto da concepcao de tantos outros incapazes de perfazerem 0 caminho da demonstrago. Como tal, ela pode legitimamente ser tomada como parte integrante da ideologia tendo cemtas relagdes com outros necessirio se resguardar de um ten- smente difundida que confunde o proble- sma da relagao entre as atividades cientificas especializadas, 120 desenvolvidas em tomno de nés, € as formas gerais de conscién- ‘ia, Nenhuma ideologia em sua totalidade pode ser dita “verda~ ira" ou *falsa", pois nenhuma forma de consciéncta no € jax ‘mais completa, definttiva ou absoluta, Marx caracterizou a reli- sito como uma forma de consciéncia mediante um rodeio (auf ‘einem Umweg) (A questdo judaica, in Werke 1, p.353, aqui mais ‘abaixo). Hoje em dia, sabemos ‘nai: todas as formas de cons -ciéncia sito semelhantes no sentido que nenhuma opera sem ‘uma “grade” através da qual tomatnas consciéncia do dado e, a0 mesmo tempo, deixamos de lado uma parte deste dado. Nao existe consciéncia direta e exaustiva de nada, Na vida de todos 08 dias €, a principio, por intermédio da ideologia de nossa so- ciedade que nos tornamos conscientes de qualquer coisa. Tudo © que podemos afimmar sobre a relagio entre o que € represen- tado e 0 que “existe de fato”, € que tal relaglo ¢ necesséria € que ela nao € uma identidade. A coisa é essencial, pois reconhe- ce entre 0 ideologico e 0 nao ideolégico uma dualidade que per- € tudo) € 0 materialismo (a idéia € um epifendmeno) ~ a0 prego, € verdade, de um trabalho sem fim (1967, nota 1 2 , etc). Esta dualidade ‘nos ajuda também a nos prevenirmos contra 0 rel da diversidade concluiria a irrealidade. Mencionei a leologia tal como € dada. Esta relatvidade € nto is a comparacio a trahscende: nossa tarefa é tomar possivel a transicio intelectual de uma ideologia para ou- Ira, 0 que € exequivel gragas a inclusio em nossa comparagao ——_|a tum estudo comparativo da ideologia modema do sesiduo “nto ideol6gico", ele mesmo revelado pela anilise ‘comparativa, exclusivamente por ela (3967, § 118). Esta é a ra- 2Ao da minha reserva ao uso dla expresso “concepe20 do mun- ot, copiada daquela Weltanschauung (intuicao") tho carrega- a de relativismo ¢ adotada com predilegio pelos nazistas ~ cuja ideologia racista negava a matua comunicag2o entre as Jeologia de um dado pais po pariculares de autores particulates. Como reco! fal © 0 que nao é social em cada texto? A resposta encontra-se, 2 principio, na relacdo entre os diferentes textos. Pode ocorrer aque eles se copie mutuamente ou, 20 contrério, que eles no tenham nada em comum. No conjunto, entretanto, hé represen tagdes fundamentais, configuragbes que sio comuns a um gran- de rsimero deles. Poder, tas nas discus em geral importante extrair as principais linhas de forga, € mesmo 0 trag0 ue, como Marx se referia aos trazos econdmicos, ‘que tinge toda a cena (citado mais a frente, p. 238), denominado por mim de aspecto englobante, Eu nao gosta, entretanto, de minimizar 0 problema posto pela tentative de de- finis a ideologia de uma escola ou de um grupo a partir de pensamento de um filésofe como Locke (mais 2 cay 4) ou a pattic das representacdes de um chefe tler, sendo que, neste €as0, ha a dificuldade inicial de distingy as representagdes que eram verdadeiramente suas daquelas que cle adotava para 0 ptblico). Os dois casos sto Bo diferentes {quanto possivel em si mesmos € no uso que deles fago, mas em ‘ambos, esforgo-me para captar a emergéncia ow a manifestagao de uma “representacao coletiva” no sentido de uma relacto ou de um conjunto de relagées. Quer estas relagdes reaparegam fre- ‘qlentemente, quer esclarecam outras relagbes ou representacoes, constituem, segundo todas as aparéncias, uma manifestagio par ticular ~ que pode ser inicial para nés ~ de um fenémeno verda- deiramente ideot6gico. 31 Deparamos aqui com um paradoxo classico: os elementos de base da ideologia permanecem quase sempre implicitos, As idléias fundamentais s80 tao evidentes e onipresentes que nao tém necessidade de ser expressas: sobre o essencial nada € preciso ser dito, € 0 que se chama “a tadicao" (1964b, p.97-98). Antes, citei Mauus sobre este ponto, mas vejam a mesma idéia salda da pena de David Hume: “Os pontos de vista mais familiares sio suscep- liveis, por esta mesma razio, de nos escaparem” (1875, 1.199), Evitarei denominar estes pontos de vista de "incor tes", devido a0 sentido especial do termo. Nao é dificil perceber por tris das palavras “liberdade" e “iguaklade” o substrato, a vie lorizagio do individuo. © mesmo procedimento ocorte na maior somente os predicados s80 expressos, nao 0 su- por em evidencia este titimo, no caso presen- fduo como valor, por um duplo movimento: de contramos sempre em outras partes do mes mo campo ideolégico, de outro, esta orientagzo global nos apare- ‘ce em contraste com uma oultra, 0 holism, o qual permanece, de resto, geralmente is autor de a Repiiblica para fando uma ampla investigagto me levou a propor a hierarquia como © princfpio fundamental da sociedade de castas, eu nao traduzia um palavra da conta, sob um ana‘ Trata-se, pois, de trazer & luz 0 ‘numerosos predicados patentes, de acrescentar as representacé Conscientes sua relacio necesséria, mas nao expressa. © proved use de passagem, & bem mais modesto que um outro, {que consistria em substtuir 0 “modelo” indigena por um ‘mode- tum estudo comparative da ideologia moderna © mundo modemno € com efeito, caracterizado por um paradoxo, De um lado, desenvolveu, em grande ntimero, pontos de vista particulares, atividades e disciplinas especializadas — como, por exemplo, a considerag2o econémica ~ de outro lado, 1 racionalidade € um dos valores aos quais ele se submete em principio ¢ a reivindi dade de que se trat tre meios e fins. Mas ‘um outro aspecto: esta racionalidade nao € somente instrumen- tal, ela é, 40 mesino tempo, especializada, Desdobra-se a vonta- de'no interior de cada um dos compartimentos distintos que t&m aparecido, muito menos em sua distribuigao ¢ sua definicao res- pectiva, que so mais da ordem do fato que da ordem da ricio- cle Gu do consenso. Assim, se pretendlermos conceber nos- s4 cultura como um todo, reencontrar seu sentido global, deve- mos mergulhar no inexprimivel exutamente como 0 farlamos a definigio do ‘do minimamente consolidadas, € nao sfo objeto de um acordo geral, E € natural que seja assim, pois estas definicoes sto pon- tos de vista parcais, e a pare niio pode definir ela mesma, mas apenas pelo seu lugar no conjunto. As ciéncias, tanto quanto as ito do qual se- riam partes: no hé sociedade das nacées, nem tampouco cién- cia das ciéncias” Ha, no plano dos fatos, uma coexisténcia viva, uma unidade social destas ciéncias, uma sociedade de pontos de vista especiais: € preciso trazé-la a luz a partir da ideotogia glo- bol, retiré-la do silencio do senso comum. Por exemplo, 0 politico € 0 Estado so definidos de ma- neiras diversas: pela subordinaclo, pelo monopélio da fora le- Jo" que se pretende completamente diferente. £ no plano das concepgées inexpressas que 08 pedacos, atima sobre um teritrio determinado, pelo par amigo-inimigo, ‘ete. Com excegio talvez da primel se de definigdes da parte dadas por ela mesma, que estao longe de serem equivalen- aparentemente separados, de nossa ideologia demonstram sua conjunc, € quanto mais amplo for nosso exame, com mais cla- temporinea, o da Flosofia do direito de Hegel. Constatamos que e seu Estado € bem mais do que aquilo que denominamos como istico que os ccicos mas cateyéricos tenham acado 0 con- ‘onstugic, mas nio teaham posto em quesido # ubiguida- dee impordincia de suas diversas manifestagbes, oe tal: a distingio contemporinea do politico no interior do social deixa de fora uma parte essencial do Estado hegeliano. Com efei- A Introdugio to, segundo Hegel, € no Estado que 0 /ndividuo moderno se fun- de no holismo da sociedade. O paradoxo nao deve surpreender a reconcilizcl0 dos contririos é procedimento habitual deste filé- sofo. © essencial é que, para Hegel, uma vez dados os Individuos a “Sociedade civil", ou seja da vida econdmica, a fusio deles s6 € possivel no plano da consciéncis, pela vontade explicita, pelo consenso, em outros termos, no plano politico: € somente como do direito (mais 2 frente, p.184) Glalem que se aboréa 2 queso de “odes, por ass de, ‘a naturezs humana’ (mais adiante, capitulo 7, n, 6). Hegel esté af ‘em continuidade nao apenas com Rousseau) mas também com Hobbes, como assinalei em outro lugar (1965, p.8-59), ¢ seu Es tado, além da insttuigio politica que com esta palavra mos, € 0 que 0 socidlogo chama de sociedade global este tema mais 2 frente a propésito de Marx (capi Evitaremos aqui um contra-senso bastante propalado se, em lu- gar de contarmos com nossas etiquetas femiliares, reconstitur~ los pela distincko incividualismo/ Jevou a recusar uma distingao substancial entre ideologia, cién- ia, filosofia, etc.: nlo se trata de acrescentar um novo compart: ‘mento 40s jd existentes. A vocagao desta pesquisa se situa no ex- ‘consiste em revelar as relagees entre 0s compar es de nossa estante mental, inclusive profissio- lo hi sociologia, mas sociologias. uum estudo comparativo da ideclogia modema A definigio de ideologia que adoto repousa, assim, sobre 10 de ponto de vista e no de contetido, Nao tomo jogia 0 que pesmaneceria depois de se ter eliminado contrarfo, tudo que € socialmente pensado, partir da hipétest de que hé uma unidade viva disto tudo, escon- dida sob nossas cisingbes habituais. A ideologia nao € conside- vo em seguida admitir que utilize, de no pracesso de construgso da ideo! logica subjacente. Nao é suficiente qualifici-la de “tradicional”, (© que equivaleria, quase a “no racional”, Veremos brevemente alguns exemplos deste procedimento de investigasdo 0 qual € indispensavel para inteirar 0 detalhamento do elemento por elemento. Este procedimento 2 questio do de- rece aberta, questio tio fundamental que deve ser reservada como teste final de nossa pesquisa Hi, ainda, um outro sentido da palavra *ideologia” que la- mento negligenciar porque é interessante ao historiador. Refere-se 20 caso modemo: a idcologia neste sentido suplanta a religito ‘quando 0 mundo € entzauben, desencantado ou desmistificado, quando se consolida a erenga que tuclo € conhecivel ~ ou que pode haver uim contiecimento “sem rodeios”. Esta crenga compor- ‘a seguramente imponantes conseqtiéncias. (Refiro-me a tuna ob- servacao de Francois Furet sobre os revolucionaios franceses). Ne~ seria necesito dizer a comunidade ox a vtaidade socal univers, une tersiias~ como representand, as pies 2 inovacao modema, a5 Segune {das © que subsist no univeso modem em continuidade com um univer so tradicional Est visio tence 2 precisat a voagio da socclogia no sen- tido restito do termes voeagdohelisa, a nica ie permite sociologia ser comparative, ou sj, fundamental. 954 introdugio + cessito, porém, antes de tudo, de uma etiqueta geral que me per- caso modemo, excepcional, no qual a conceps0 lores nao coincide com 0 que se denomina prima fa- ‘Observaremos d= inicio que ias, nao. facil definir 0 econémico, Em sua monumen- passado quan {0 a0s do presente, Ricardo, por exemplo ndo se ocupou cena. mente com os “recuts0s escassos”, Esta 6, talvez, uma das ra2bes do silencio de Schumpeter. De resto, defrontamo-nos aqui com lise"), mas no do que realmente se tata (0 econémico)”’ Schumpeter escreve sobre Adam Smith € outros: A dificuldade da definiclo aumenta mais sob um ponto de vista comparativo, Assim, 0s antrop6logos tém uma forte tendén- cia de identificar em todas as sociedades um aspecto econdmico, ‘mas onde comega e onde termina? No passado recente, confron- ‘taran-se duas tendéncias. A tendeneia “for ” define 0 €co- lum estudo comparativo da ideologia moderna tantiva" sustenta que tal atitucle dests6i o que € realmente @ €00- nomia como dado objetivo universal, ou seja, em tragos gerais, as formas ¢ os meios de subsisiencia dos homens, Situagio exem- plas, posto que 0 divércio entre o conceito ¢ a coisa demonstra, Karl Polanyi assumiu a segunda posiclo e rejeitou 0 “e «em sua verso contempordinea para reter a “economia”. ‘gem € incOmoda, mas a decisto representa um lamentivel passo de um autor a quem tanto devemos. f verdade que Po- ‘acrescentar, em conformidade com a tese fune The Great Transformation, que pot oposi- ociedades no segregaram aspectos econ -ncontram apenas misturados ou embutidos (embedded) no tecido social (Polanyi, 1957b, p.243 5g). ralmente, pensar que semelhante tarefa é arriscada ¢, inclusive, destruidora. E particularmente dificil ~ e, acrescentaria, vao ~ se- econémicos. Nao ha nada de sur- Dbservamos na nossa propria cultura a ‘emengéncia muito recente do ponto de vista econdmico a partir do interior do ponto de vista politico. Distinguir de modo cada vez mais estrito, como propéem alguns, uma “antropologia pol- tica” de uma “antropologia econémica” progresso do conhecimento, e sign!

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