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PORTER, Michael E. Competigao: Estratégias Competitivas Essenciais. Tradugdio por: Afonso Celso da Cunha Serra. Rio de Janeiro. Campus. 1999. Paginas 167-208 CAPITULO 6 A Vantagem Texto 14 Competitiva das Nacées Michael E. Porter A PROSPERIDADE NACIONAL NAO E ALGO herdado, mas sim o produto do esforco criativo humano. Nao é algo que emana dos dotes naturais de um pats, de sua forga de trabalho, das taxas de juros ou do valor da moeda, como insistem os economistas cléssicos. ‘A competitividade de um pais depende da capacidade da sua industria de inovar e melhorar. As empresas conquistam uma posicéo de vantagem em re- lagdo aos melhores competidores do mundo em tazao das presses ¢ dos desa- fios. Elas se beneficiam da existéncia de rivais internos poderosos, de uma base de fornecedores nacionais agressivos e de clientes locais exigentes Num mundo de competigao global crescente, os paises se tornaram mais, ¢ nado menos, importantes. A medida que os fundamentos da competicao se deslocam cada ver mais para a ctiagao e assimilagéo do conhecimento, au- menta a importancia dos pafses. A vantagem competitiva é gerada e sustenta- da através de um processo altamente localizado. As diferengas nos valores nacionais, a cultura, as estruturas econdmicas, as instituigdes ¢ a histéria so fatores que contribuem para o éxito competitivo, Em todos os patses consta- tam-se disparidades marcantes nos padtées de competitividade. Nenhum pais é capaz de competir em todos e nem mesmo na maioria dos setores, Em Ultima instancia, os paises obrém éxito em determinados setores porque 0 ambiente doméstico € 0 mais progressista, dindmico ¢ desafiador. Margo-abril de 1990. Nota do autor: Michael J. Enright, que atuou como coordenador do projeto, neste esiudo, conuribuiu com valiosas sugestécs. 168 MICHAEL E, PORTER Estas conclusdes, produto de quatro anos de estudo sobre os padrées do éxito competitive em dez. dos principais patses comerciais, contraria a sabe- doria convencional que orienta o pensamento de muitas empresas ¢ gover nos nacionais — ¢ que hoje se encontra em grande voga nos Estados Unidos. (Para mais informagées sobre o estudo, ver, a seguir, “Padrées do Exito Competitivo dos Paises".) De acordo com o pensamento predomi- nante, os custos da mao-de-obra, as taxas de juros, as taxas de cimbio e as economias de escala sio os determinantes mais poderosos da competitivi- dade, Nas empresas, as palavras do dia séo fusio, alianca, parceiros estraté- gicos, colaboragio e globalizacio supranacional. Os gerentes estéo pressionando por mais apoio governamental para setores especificos. Entre os governos, verifica-se uma tendéncia crescente para experimentar varias politicas destinadas a promover a competitividade nacional — desde os es- forcos para gerenciar as taxas de cambio, as novas medidas para controlar o comércio, além das politicas para atenuar as medidas de defesa da concor- réncia— que em geral se revelam contraproducentes (ver, mais adiante, “O que E, Competitividade Nacional?”). Padrées do Exito Competitivo dos Paises Com 0 objetivo de investigar os motivos pelos quais os paises ganham vanta- gem competitiva em determinados setores ¢ suas implicag&es para a estratégia, das empresas ¢ para as economias nacionais, realize! um estudo de quatro anos sobre dez paises importantes, em termos comerciais: Dinamarca, Alemanha, Itdlia, Japao, Coréia, Singapura, Suécia, Sufga, Reino Unido ¢ Estados Uni- dos. Contei com a assisténcia de uma equipe de mais de 30 pesquisadores, a maioria consticuida de cidadaos natos ¢ residentes dos pafses estudados. To- dos utilizaram a mesma metodologia. Trés paises — Estados Unidos, Japio ¢ Alemanha — sao as principais po- téncias industriais do mundo. Os outros representam uma diversidade de di- mensées populacionais, politicas governamentais em relacio 3 industrializagao, filosofias sociais, éreas territoriais ¢ localizacao. Juncos, os dez paises responde- ram por mais de 50% das exportagdcs mundiais em 1985, 0 ano-base para a andllise estatistica. A maioria das andlises anteriores sobre a competitividade nacional se con- centraram num tinico pais ou cm comparagées bilaterais. Ao analisar paises com amplas variedades de caracteristicas ¢ circunstancias, 0 estudo procurou segregar as forcas fundamentais subjacentes 3 vantagem competitiva nacional dos aspectos apenas idiossincraticos. COMPETIGAO 169 Em cada pais, 0 estudo consistiu de duas partes. A primeira identificou todos os setores em que suas empresas desfrutavam de sucesso internacional, com base nos dados estatisticos dispontycis, em fontes publicadas suplemen- tares ¢ em entrevistas de campo. Consideramos bem-sucedido, em termos in- ternacionais, 0 setor de um pals que apresentasse vantagem competitiva em relagio aos melhores competidores do mundo. Muitos indicadores da vantagem competitiva, como a rentabilidade divulgada, as vezes so enganosos, Escolhie~ mos como melhores indicadores a existéncia de exportacées substanciais ¢ sus- tentadas para uma vasta gama de outros paises ¢/ou investimentos externos significativos, com base em habilidades ¢ em ativos gerados internamente. O pais foi considerado a base doméstica de uma empresa quando se tratava de ‘uma organizagao nativa de propriedade local ou quando esta dispunha de ges- tao auténoma, ainda que de propricdade de empresas ou investidores estran- geiros, Desenvolvemos, entio, o perfil de todos os setores em que cada nacio obtivera éxito internacional em trés pontos no tempo: 1971, 1978 ¢ 1985. O padrao dos setores competitivos em cada economia nao se revelou de forma alguma aleatdrio; a tarefa agora consistia em explicar este padréo e como ele se alterou ao longo do tempo. As conexdes ou relacionamentos entre os setores competitivos do pats despertaram grande interesse. Na segunda parte do estudo, examine’ a histéria da competi¢ao em deter- minados setores, de modo a compreender como se gerou a vantagem compe- titiva. Na base dos perfis nacionais, selecionamos mais de 100 setores ou grupos de setores para uma andlise detalhada; examinamos uma quantidade muito maior, com menor profundidade. Recuamos no tempo tanto quanto necessério para compreender como ¢ por que setor se iniciou no pais, como cresceu, quando ¢ por que as empresas desenvolveram a vantagem competiti- va internacional ¢ processo pelo qual se sustentou ou se perdeu a vantagem competitiva. As histérias de casos daf resultantes ficam aquém do trabalho de um bom historiador, em termos de deralhes, mas proporcionam insights so- bre o desenvolvimento tanto do setor como da economia nacional. Para cada pais, escolhemos uma amostra de setores que representasse os grupos de seto- tes competitivos mais importantes da economia, Os setores estudados respon- diam por uma grande proporcio do total das exportagoes em cada pais: mais de 20% do total das exportagées do Japao, da Alemanha e da Suiga, por exem- plo; ¢ mais de 40% na Coréia do Sul. Estudamos algumas das mais famosas ¢ importantes histérias de sucesso internacional —o alto desempenho dos seto- tes automobilistico € de produtos quimicos da Alemanha, os semicondutores ¢ videocassetes japoneses, os setores bancdtio ¢ farmacéutico da Suiga, os de calgados e téxtil da Ieélia ¢ os aerondutico de cinema dos Estados Unidos — além de alguns setores um tanto obscuros mas muito competitivos — os pia nos da Coréia do Sul, as botas para esqui italianas ¢ os biscoitos ingleses. Tam- bém acrescentamos alguns outros setores, em raz4o dos aparentes paradoxos: a demanda doméstica do Japao por méquinas de escrever com caracteres oci- dentais, por exemplo, é quase inexistence, mas o Japio mantém uma posi de fortes exportagies ¢ de investimentos estrangeiros no setor. Evitamos seto- 170 MICHAEL E, PORTER res altamente dependentes de recursos natutais: esses setores nfo constituem a espinha dorsal das economias avangadas ¢ a capacidade de competit nesses se- tores é mais explicdvel através da teoria classica, No entanto, inclufmos varios outros relacionados com recursos naturais com maior intensidade tecnolégi- ca, como os de papel de jornal e de produtos qutmicos para a agricultuca, A amostra dos paises ¢ dos setores proporciona uma rica fundamentagao emptrica para o desenvolvimento ¢ teste da nova teoria sobre como os estados conquistam a vantagem competitiva. O presente artigo se concentra nos de- . terminantes da vantagem competitiva em setores individuais ¢ também esbo- gaalgumas das implicagées gerais do estudo pata as politicas governamentais ¢ Para.a estratégia das empresas. No meu livro A Vantagem Competitiva das Na- ¢es, adovo uma abordagem mais abrangente, que desenvolve a teoria ¢ suas implicagées em maior profundidade ¢ oferece muitos outros exemplos. Ele também contém deserigées detalhadas dos patses que estudamos ¢ as perspec- tivas futuras para as respectivas economias. eee Essas abordagens, muito defendidas pelas empresas ¢ pelos governos, sio falas. Basicamente, nao percebem de forma correta as verdadeiras fon. tes da vantagem competitiva. Se as adotassem, com todo o apelo de curto prazo, os Estados Unidos — ou qualquer outro pals avangado — jamais al- cangariam a vantagem competitiva efetiva ¢ sustentivel, Necessitamos de novas perspectivas ¢ ferramentas — uma abordagem de competitividade que emane diretamente de uma andlise dos setores de éxito internacional, sem preocupagio com a ideologia tradicional ou com a mais recente moda intelectual. Precisamos saber, apenas, o que funciona e por qué. Em seguida, devemos aplicat as ligé eee O QueE Competitividade Nacional? A competitividade nacional se transformou numa das preocupacées centrais do governo e da industria em todos os paises. No entanto, nao obstante todas as andlises, debates ¢ esctitos sobre tema, ainda inexiste uma teoria convin- cente para explicé-la, Pior ainda, nao hé sequer uma definigao consagtada do termo “competitividade”, no que se refere a um pais. Embora a nogao de em. Presa competitiva seja nitida, a idéia de pats competitive ainda ¢ obscura, Alguns véem a competitividade nacional como um fendmeno macrocco- némico, induzido por variveis como taxa de cambio, taxas de juros ¢ déficits governamentais, Mas 0 Japao, a Itdlia ea Coréia do Sul apresentam padres de COMPETIGAO 171 vida em répida ascensao, apesar dos déficits orcamentirios, idem para a Ale- manha ea Suica, apesar da valorizagao das respectivas moedas, com o agravan- te das altas taxas de juros, nos casos da Itdlia ¢ da Coréia Outros argumentam que a competitividade € fungao da mao-de-obra ba- rata e abundante, Mas a Alemanha, a Suica e a Suécia prosperaram, mesmo com clevados salirios ¢ escassez. de mao-de-obra. Ademais, serd que 0 pafs nao deve procurar aumentar o saldrio dos trabalhadotes, justamente como um dos objetivas da competitividade? Outra visio relaciona a competitividade com a abundancia dos recursos naturais. Mas, nesse caso, como se explicaria 0 éxito da Alemanha, do Japio, da Suiga, da Itilia e da Coréia do Sul — pafses com recursos limitados? Mais recentemente, tem sido objeto de crescente aceitacio 0 argumento de que a competitividade é induzida pelas politicas governamentais: a con- centragao de recursos, 0 protecionismo, a promogio das importagées ¢ os subs{dios clevaram os setores automobilistico, sidertirgico, de construgdo na- val e de semicondutores do Japio e da Coréia do Sul & situacao de preeminén- cia mundial. Mas uma andlise mais minuciosa revela uma situag’o mais inconsistente. Na Irdlia, a intervengao governamental tem sido ineficaz — mas cla exibiu taxas de crescimento na sua participagéo em exportagées mun- diais superadas apenas pelo Japao. Na Alemanha, a intervengio governamen- tal direta nos setores exportadores € rata. E mesmo no Japao ¢ na Coréia do Sul, o papel do governo em setores importantes como méquinas de fax, copia~ doras, robética ¢ materiais avangados, tem sido modesta; alguns dos cxemplos citados com maior freqiiéncia, como méquinas de costurar, siderurgia ¢ cons- truco naval, esto bastante obsoletos. Una tiltima explicagio popular para a competitividade nacional é a dife- renga nas praticas gerenciais, inclusive nas relacbes trabalhistas. No entanto, 0 problema aqui é que diferentes setores exigem diferentes abordagens geren- ciais. As préticas gerenciais bem-sucedidas que prevalecem nas pequenas em- presas familiares italianas, geralmente de capital fechado e com uma organizacao mais frouxa, seriam desastrosas se aplicadas nas empresas dos se- tores automobilistico e quimico da Alemanha, nos laboratérios farmacéuticos da Sufga ou na indiistria acrondutica americana. Tampouca é posstvel genera- lizar sobre as relagées trabalhistas. Nao obstante a visio comum de que 0s po- derosos sindicatos debilitarg a vantagem competitiva, estas instituigdes séo fortes na Alemanha ¢ na Suécia— e ambos os paises ostentam empresas de ¢x- celéncia internacional. E claro que nenhuma das explicagées é de todo satisfatéria, nenhuma é suficiente para analisar a posi¢o competitiva dos setores no ambito das fron- teiras nacionais. Cada uma contém alguna verdade, mas parece que se encon- tra em atuacao um conjunto de forgas de maior amplitude ¢ complexidade. A falta de uma explicagao clara sinaliza para uma questao ainda mais fun- damental, O que é, em primeiro lugar, um pais “competitive”? O pats “com- petitive” é aquele em que todas as empresas ou setores sto competitivos? 172 MICHAEL BE, PORTER Nenhum pais passa por este teste. Até mesmo o Japao possui grandes setores econémicos que ficam atrés dos melhores competidores mundiais. O pats “competitivo” é aquele cuja taxa de cambio favorece a competitivi- dade dos produtos nos mercados internacionais? Tanto a Alemanha como 0 Japao tém desfrutado de ganhos extraordinarios em termos de padrao de vida — e atravessado perfodos prolongados de moeda forte ¢ pregos crescentes. O pals competitivo € aqucle que exibe clevados saldos comerciais positivos? A Sufga mal apresenta uma balanga comercial equilibrada, a Itdlia sustenta défi- cits comerciais crénicos — ambos usufruem de rendas nacionais em acentua~ do ctescimento. O pais “competitive” é aquele com mao-de-obra barata? Os saldrios e os custos da méo-de-obra séo baixos no México ¢ na India, mas ne- nhum deles desponta como modelos industriais atraentes. O tinico conceito significative de competitividade no nivel nacional é a produtividade. O principal objetivo de um pats consiste em proporcionar um padrao de vida elevado e crescente para os cidadaos. A capacidade para tanto depende da produtividade com que o trabalho e o capital atuam. Produtivida- de é0 valor da produgao de uma unidade de trabalho ou de capital. Depende tanto da qualidade ¢ das caracteristicas dos produtos (que determinam o seu prego) como da eficiéncia com que séo produzidos. A produtividade é o prin- cipal determinante do padrio de vida de longo prazo do pals; é a causa pri- mordial da renda per capita nacional. A produtividade dos recursos humanos determina o saltio dos empregados, a do capital estabelece 0 retorno gerado para seus detentores. O padrao de vida de um pats depende da capacidade de suas empresas de atingir altos niveis de produtividade — ¢ de continuar aumentando-a ao lon- go do tempo. O ctescimento sustentado da produtividade exige que a econo- mia sempre se aprimore a si mesma. As empresas devem melhorar de forma implacével a produtividade dos setores existentes, adicionando caracteristicas desejaveis, desenvolvendo a tecnologia dos produtos ou impulsionando a efi- ciéncia da produgao. Precisam reforgar as capacidades necessdrias para com- petir em segmentos cada vez mais sofisticados, em que a produtividade é, em geral, elevada. Devem, por fim, desenvolver os recursos para competit em se- tores inteiramente novos, com elevado grau de complexidade. O comércio internacional ¢ os investimentos externos sio capazes nao apenas de melhorar, mas também de ameacar a produtividade nacional. Eles a fortalecem ao permitir que os pafses se especializem naqueles setores ¢ seg- mentos nos quais suas empresas sio mais produtivas ¢ 20 importar nos casos em que é menor a produtividade. Nenhum pais tem condigoes de ser compe- titivo em todos os setores. O ideal consiste em alocar o conjunto limitado de recursos humanos € outros recursos para produtivos. Mesmo os paises com os padrées de vida mais elevados possuem muitos setores em que as empresas locais ndo si competitivas. No entanto, 0 comércio internacional ¢ os investimentos externos as ve também ameagam o crescimento da produtividade. Eles submetem os setores econémicos de um pats ao teste dos padrdes intcrnacionais de produ- usos ma COMPETICAO 173 tividade. O setor sairé perdendo se sua produtividade nao for suficiente- mente mais elevada do que a dos rivais externos, para compensar quaisquer vantagens nos salirios locais. Se o pais perder a capacidade de competir num conjunto de setores de alta produtividade ¢ altos saldrios, seu padrao de vida estard ameacado. Definit a competitividade nacional como a obtencao de superdyits ou de equilfbrio na balanga comercial ¢ inadequado. A expansio das exportacdes em azo dos baixos saldrios e da moeda fraca, ao mesmo tempo em que se impor- tam produtos sofisticados que as suas empresas sio incapazes de produzir de forma competitiva, talvez contribua para sicuacao de equilfbrio ou superdvit mas compromete o padrao de vida. A competitividade também nao significa empregos. O elemento decisivo para a prosperidade econdmica ¢0 tipo de em- pregos, ¢ nao a capacidade de empregar os cidadaos com baixos salirios. ‘Assim, a tentativa de explicar a “competitividade” no nfvel dos paises é responder & pergunta errada, Ao contrario, precisamos compreender os de- terminantes da produtividade ¢ de sua taxa de crescimento. Para descobrir as respostas, devemos focalizar nao a economia como um todo, mas os setores espectficos ¢ os segmentos setoriais. Precisamos compreender como € por que se criam as habilidades e tecnologias comercialmente vidveis, 0 que s6 é de todo explicavel no nivel dos setores especificos. Trata-se do resultado dos milhares de lutas pela vantagem competitiva contra os rivais estrangeiros em segmentos c setores especificos, nos quais sdo gerados ¢ aprimorados os pro- dutos e processos que constituem os pilares do crescimento da produtivida- de nacional. Quando se analisa com atengio qualquer economia nacional, consta- tam-se diferengas marcantes entre os setores de um pafs em termos de éxito competitivo. A vantagem internacional em geral se concentra em segmentos setoriais espectficos. As exportagées alemas de automdveis se caracterizam so- bretudo por veiculos de elevado desempenho, ao paso que as corcanas so quase que exclusivamente de compactos ¢ subcompactos, Em muitos setores ¢ segmentos setoriais, os concorrentes com verdadeira vantagem competitiva internacional se encontram em apenas poucos pases. Em conseqiiéncia, nossa busca se concentra na caracter(stica decisiva de um pals que permite as suas empresas a criagio ¢ sustentagZo da vantagem com- petitiva em campos especificos —ou scja, a procura é pela vantagem competi- tiva dos pafses. Estamos especialmente inveressados nos determinantes do éxito internacional nos segmentos ¢ setores com muitas tecnologias ¢ habi- lidades, que sustentam a clevada e crescente produtividade. A teoria cldssica explica 0 éxito dos pafses em setores espectficos com base nos chamados fatores de produgio, como terra, mao-de-obra ¢ recursos natu- rais. Com base neles, os pafses conquistam vantagens comparativas nos setores que utilizam os fatores que possuem em abundancia de forma intensa. No en: tanto, esta tcoria tem sido ofuscada, nos setores ¢ paises avangados, pela globa- lizagio da competigao ¢ pelo poder da tecnologia. 174 MICHAEL E. PORTER Uma nova teoria deve reconhecer que, na moderna competigao interna- cional, as empresas concorrem com estratégias globais, envolvendo nao ape: nas 0 comércio internacional, mas também os investimentos externos. Essa nova teoria precisa explicar por que determinado pas proporciona uma base doméstica favorével para as empresas na competicao internacional. A base do- méstica é 0 pafs em que se criam ¢ se sustentam as vantagens competitivas es- senciais da empresa. E onde se estabelece sua estratégia, onde sio geradas mantidas as tecnologias essenciais dos produtos e dos processos e onde se loca lizam os empregos mais produtivos ¢ as habilidades mais avangadas. A presen- sa da base doméstica num pafs exerce maior influéncia positiva sobre outros setores internos vinculados ¢ conduz.a outros beneficios na economia nacio- nal, Embora a propriedade da empresa em geral se concentre na base domésti- ¢a, a nacionalidade dos acionistas é secundéria. A nova teoria deve ir além da vantagem comparativa, para se concentrar na vantagem competitiva dos paises. Ela precisa refletir 0 conceito fecundo de competigao, que inclui metcados segmentados, produtos diferenciados, di- versidades tecnolégicas ¢ economias de escala, E importante que nao se limite a0s aspectos de custo € explique por que as empresas de alguns paises sio me- Ihotes do que outras na geracio de vantagens baseadas na qualidade, nas ca- racterfsticas ¢ na inovagao dos produtos. Esse novo corpo de conhecimentos partiria da premissa de que a competigao ¢ dindmica ¢ evolutiva, sendo fun- damental que responda is seguintes indagagSes: Por que algumas empresas baseadas em certos paises inovam mais do que outras? Por que alguns paises proporcionam um ambiente que capacitam as empresas a melhorar e a inovar com mais rapidez do que os rivais externos? Como as Empresas Obtém Exito nos Mercados Internacionais Em todo o mundo, as empresas que conquistaram a lideranga internacional adovam estratégias que diferem entre si sob todos os aspectos. No entanto, embora toda empresa bem-sucedida siga a propria estratégia espectfica, os modos de operagdo subjacentes —- sua natureza ¢ trajetéria — sfo funda- mentalmente idénticos. As empresas atingem a vantagem competitiva através das iniciativas de inovagao. Elas abordam a inovagio no seu sentido mais amplo, abrangendo novas tecnologias ¢ novas maneiras de fazer as coisas. Elas percebem uma nova base para a competicao ou encontram melhores meios para competir moda antiga. A inovagao se manifesta no novo desenho do produto, no novo proceso de produgio, na nova abordagem de marketing ou nos no- COMPETIGAO 175 vos métodos de treinamento. Boa parte das inovagées s4o triviais e incre- mentais, dependendo mais da acumulacio de pequenos insights ¢ melhorias do que de um tnico ¢ grande avango tecnolégico revoluciondrio, Freqiientemente, envolvem idéias que nem mesmo séo “novas” — idéias que jé circulavam por af, mas que nunca foram adotadas com vigor. Sempre demandam investimentos em habilidades ¢ conhecimento, assim como em ativos fisicos ¢ na reputagao das marcas. Algumas inovacées geram vantagem competitiva a partir da percepgio de uma oportunidade de mercado inteiramente nova ou através do aten- dimento a um segmento do mercado negligenciado por outras empresas. Quando os concorrentes so vagarosos em suas reacées, a inovacao gera a vantagem competitiva. Por exemplo, em setores como o de automéveis ¢ de aparelhos domésticos eletrénicos, as empresas japonesas conquistaram a vantagem inicial através da énfase em modelos menores, mais compactos € de menor capacidade, desdenhados pelos concorrentes estrangeitos como menos rentdveis, menos importantes ¢ menos atraentes. Nos mercados internacionais, as inovagées que proporcionam a vanta- gem competitiva antecipam as necessidades domésticas ¢ externas. Por exemplo, com o aumento da preocupagao internacional com a seguranga dos produtos, as empresas suecas, como a Volvo, a Adas Copco ea AGA, foram bem-sucedidas na antecipacao das oportunidades de mercado. Por outro lado, as inovacées que atendem a preocupag6es ou a circunstancias tf- picas do mercado interno sao capazes de retardar de forma efetiva 0 éxito competitivo internacional. O chamariz do gigantesco mercado de defesa dos Estados Unidos dispersou a atengao das empresas de materiais ¢ de ma- quinas-ferramentas em relagao aos atraentes mercados comerciais globais. A informagao desempenha um papel primordial no processo de inovagao ¢ melhoria — sobretudo a que nao estd disponivel para os concorrentes ou que nio € objeto de suas pesquisas. As veres, ela decorre de simples investimentos em pesquisa ¢ desenvolvimento ou de levantamentos de mercado; com mais freqiiéncia, resulta do esforgo, da abertura e da investigacao nos lugares certos, sem o jugo das premissas ofuscantes ¢ da sabedoria convencional. Essa é a razao pela qual os inovadores em geral sao observadores exter- nos de outros setores ou de outros paises. A inovagao As vezes emerge numa nova empresa cujo fundador apresenta antecedentes nao tradicionais ou simplesmente nao foi valorizado numa empresa mais antiga. Ou a capaci- dade de inovasao viceja numa empresa existente, através de gerentes senio- res que sia novos naquele setor especifico c, em conseqiiéncia, mais capazes de perceber oportunidades ¢ mais propensos a perseguir as novas chances. 176 MICHAEL E. PORTER Quas inovagdes se originam em outros paises, com diferentes citcunstan- cias ou diferentes formas de competi¢ao. Com poucas excecées, a inovacao ¢ 0 resultado do esforco incomum, A empresa que implementa com éxito uma nova ¢ melhor maneira de compe- tir, na maioria das vezes, persegue sua abordagem com uma determinagio obstinada, mesmo em face de duras criticas ¢ de diffceis obstdculos. Na rea- lidade, para ser bem-sucedida, a inovagao geralmente exige pressio, necessi- dade ¢, até mesmo, adversidade: 0 medo da perda quase sempre se revela mais poderoso do que a esperanga do ganho. Uma vez conquistada a vantagem competitiva através da inovagéo, a empresa terd condigdes de sustenté-la apenas através de um proceso impla- cével de methorias continuas. Quase todas as vantagens esto sujeitas a imi- tages. As empresas coreanas j4 igualaram a capacidade de producao em massa de televisGes em cores ¢ de videocassetes dos rivais japoneses presas brasileiras j4 reuniram tecnologias ¢ desenhos compardveis aos dos produtores italianos de calgados de couro esportivos. E inevitavel que os concorrentes acabem suplantando qualquer empresa que intertompa seu proceso de melhoria c inovagéo. As veres, as vantagens do pioneirismo, como o relacionamento com os clientes, as economias de escala nas tecnologias existentes ou a lealdade dos canais de distribuigao, so suficien- tes para permitir que uma empresa estagnada retenha sta posicio protegida durante anos ou mesmo décadas, No entanto, mais cedo ou mais tarde, rivais mais dindmicos descobririo um modo de inovar em totno dessas vantagens ou de criar uma forma de competi¢ao melhor e mais barata. Os produtores de cle- trodomésticos italianos, que competiam com éxito na base do custo, nos mer- cados de aparelhos médios e compactos, através de grandes cadeias vatejistas, repousaram durante muito tempo sobre essa vantagem inicial. Com o desen- volvimento de produtos mais diferenciados ¢ a criagéo de fortes fianquias de tmatca, os concortentes alemies comegaram a ganhar terreno. Em tiltima instancia, a tinica maneira de sustentar a vantagem competi- tiva consiste na sua ampliago — evoluindo para formas mais sofisticadas. Essa foi cxatamente a iniciativa dos fabricantes de automsveis japoneses. De inicio, penctraram nos mercados externos com cartos compactos pequenos e baratos, de qualidade adequada, competindo na base do baixo custo de mio-de-obra. No entanto, mesmo enquanto perdurava a vanta- gem decorrente do custo da méo-de-obra, as empresas japonesas amplia- vam. sua posigéo. Investiam de forma agressiva em grandes fébricas modernas, de modo a colher os beneficios das economias de escala. Em se- guida, se tornaram inovadores na tecnologia dos processos, introduzindo a yas cm- COMPETICAO 177 produgao just-in-time e uma vasta gama de outras praticas de qualidade ¢ produtividade. Esses aprimoramentos no proceso redundaram em melhor qualidade dos produtos, em indices de consertos mais favordveis ¢ na maior satisfagdo do cliente, em comparagao com os concorrentes externos. Mais recentemente, os fabricantes de auroméveis japoneses assumiram a diantel- ra na tecnologia do produto ¢ esto introduzindo novas marcas de luxo, para competi com os catros de passageitos mais prestigiosos do mundo, -O exemplo da indtistria automobilistica japonesa também ilustra dois outros pré-requisitos da vantagem competitiva sustentada, Primeiro, a em- presa deve adotar uma abordagem global para a estratégia, vendendo seus produtos no mundo inteiro, sob suas préprias marcas, através de canais de marketing internacionais, sob seu controle. Uma estratégia de fato global talvez até exija que a empresa localize as instalages de produgao ¢ de pesquisa ¢ desenvolvimento em outros paises, de modo a usufruir dos be- neficios dos salésios mais baixos, para ganhar ou melhorar o acesso aos mer- cados ou para aproveitar a tecnologia estrangeira. Segundo, a criagio de vantagens mais sustentéveis freqiientemente significa que a empresa deve tornar obsoleta as atuais vantagens — mesmo enquanto ainda sio vanta- gens. As empresas automobilisticas japonesas se conscientizaram quanto a esse aspecto, reconhecendo a obsolescéncia de sua vantagem competitiva ou dando espaco para que um concorrente o fizesse & sua revelia, Como sugere esse exemplo, a inovagao ¢ a mudanga tecem uma trama inextricdvel. Mas a mudanga nao é um ato espontinco, sobretudo nas empre- sas bem-sucedidas, Forgas poderosas se encontram em atuagao para inibi-la 0 derroté-la. As abordagens passadas se institucionalizam em procedimentos operacionais padronizados ¢ em controles gerenciais. O treinamento enfatiza uma tinica maneira correta de desempenhar qualquer atividade; a construgao de instalagdes especializadas e exclusivas solidificam as préticas do passado em tijolo ¢ cimento; a estratégia existente assume uma aura de invencibilida~ de e langa rafzes profundas na cultura da empresa. ‘As empresas bem-sucedidas tendem a desenvolver um viés pela previsi bilidade e estabilidade; elas acuam na defesa do existente. A mudanga é ate- nuada pelo medo do grande potencial de perdas. A organizagao em todos os niveis filtra as informacées que implicariam novas abordagens, modifica- ges ou desvios do convencional. O ambiente interno opera como um siste- ma imunolégico para isolar ou expulsar alienigenas hostis que desafiam as atuais trajetérias ou 0 pensamento predominante. A inovagio cessa, a em- presa entra em estagnacio, ¢ é apenas uma questéo de tempo até ser suplan- tada por algum concorrente. 178 MICHAEL E. PORTER O “Diamante” da Vantagem Nacional Por que certas empresas localizadas em determinados pafses so capazes de promover inovagoes consistentes? Por que elas buscam com obstinagao a melhoria constante, procurando fontes cada vez mais sofisticadas de vanta- gem competitiva? Por que sao capazes de suplantar as grandes barreiras & mudanga e & inovagao que, com tanta freqiiéncia, precedem 0 sucesso? ‘A resposta reside em quatro amplos atributos de um pais, atributos que, isolados e como sistema, lapidam o “diamante” da vantagem nacional, 0 campo de atuagio que cada pais estabelece ¢ opera para os seus setores eco- némicos. Esses atributos sao: 1. Condigdes dos fatores. A posicio do pats quanto aos fatores de produ- 0, como mio-de-obra qualificada ¢ infra-estrutura, necessdtios para competir num determinado setor. 2. Condigies da demanda. A natureza da demanda no mercado interno para os produtos ou servigos do setor. 3. Setores correlatos e de apoio. A presenga ou a auséncia, no pals, de seto- res fornecedores e outros correlatos, que sejam internacionalmente competitivos. 4, Estratégia, estrutura e rivalidade das empresas. As condig6es predomi- nantes no pafs, que determinam como as empresas sio constituidas, organizadas e gerenciadas, assim como a natureza da tivalidade no mercado interno. Esses determinantes constituem o ambiente nacional em que as empre- sas nascem ¢ aprendem a competir (Ver Figura 6.1). Cada ponto no “dia- mante” — eo “diamante” como sistema — afeta os ingredientes essenciais para a consecugéo do sucesso competitive internacional: a disponibilidade dos recursos e habilidades indispens4veis 4 vantagem competitiva num se- tor; as informagdes que moldam as oportunidades percebidas e as diregdes em que alocam seus recursos ¢ habilidades; os objetivos dos proprietétios, gerentes € pessoas na empresa; e, mais importante, as presses para o inves- timento e a inovagao. (Ver, a seguir, “Como Atua o ‘Diamante’: A Induis- tria Italiana de Ceramica”.) Quando o ambiente nacional possibilita ¢ apoia a acumulagio mais t pida de ativos e habilidades especializados — as veres, simplesmente em ra- zio do maior esforgo ¢ comprometimento — as empresas conquistam a vantagem competitiva. Quando fomenta melhores informagées ¢ insights COMPETIGAO 179 Estratégia, Estrutura Fivalidado das Empresas Condigoes Gorigpes fe da Denianda Selores Correlatos ede Apoio FIGURA 6.1 * Determinantes da vantagem competitiva nacional. continuos, as empresas conquistam a vantagem competitiva. Finalmente, quando pressiona as empresas no rumo da inovacio ¢ dos investimentos, elas nfo sé conquistam a vantagem competitiva, como ainda ampliam esta vantagem ao longo do tempo. Como Atua 0 “Diamante”: A Indistria Italiana de Ceramica Michael j. Enright e Paolo Tenti Em 1987, as empresas italianas eram lideres mundiais na produgao ¢ exporta- ‘40 de azulejos de cermica, uma industria de US$10 bilhdes. Os produtores italianos, concentrados em torno da pequena cidade de Sassuolo, na regio da 180 MICHAEL E, PORTER ja- Romagna, respondiam por cerca de 30 por cento da produgio mundial € por quase 60 por cento das exportagées globais. O superdvit comercial da Icélia naquele ano, em azulejos de ceramica, foi de cerca de US$1,4 bilhies. O desenvolvimento da vantagem competitiva da industria de ceramica na Itélia ilusera como funciona o “diamante” da vantagem nacional. A vantagem competitiva sustentavel de Sassuolo decorreu nao de uma situagao estitica ou histérica, mas do dinamismo e da mudanga. Compradores locais sofisticados e exigentes, canais de distribuigao fortes e exclusivos e a intensa rivalidade en- tre as empresas da comunidade, geraram pressées constantes pela inovagio Logo, 0 conhecimento emergiu da experimentacéo continua da experiéncia acumulada com a produgio. O fato de se tratar de empresas de capital fechado ealealdade & comunidade disseminaram 0 forte compromisso de investir no setor. Os produtores de azulejos também se beneficiaram com um conjunto al- tamente desenvolvido de fornecedores de maquinas ¢ com outros setores de apoio concentrados na localidade, produzindo materiais, servicos ¢ in- fra-estrutura. A presenca de setores correlatos italianos de classe mundial tam- bém aumencou a forga do pais no setor. Por fim, a concentragao geogréfica do conglomerado inteiro representou uma supercarga de energia para todo o processo. A natureza orginica desse sistema constitui-se na mais sustentavel das vantagens das empresas ceramistas de Sassuolo. As Origens da Inditstria Ceramista Italiana A produgio de azulejos em Sassuolo emergiu dos setores de louga de barro e artefatos de cerimica, cuja histéria remonta ao século XIII. Logo apés a Se- gunda Guerra Mundial, havia apenas um punhado de produtores de azulejos de ceramica em Sassuolo e arredotes, todos atendendo exclusivamente 20 mercado local. A demanda por azulejos de ceramica na Itdlia comegou a crescer de forma dréstica nos anos imediatamente subseqiientes ao fim da guerra, quando a re- construgao do pats deflagrou um periodo de grande prosperidade para a in- ditstria de materiais de construcao de todos os tipos. A demanda pela cermica era sobremodo intensa, devido ao clima, as preferéncias locais e As técnicas de construcéio. Como Sassuolo se situa numa regiao relativamente préspera, muitas pessoas tinham condigées de reunir 0 pequeno capital inicial ¢ as necessirias habilidades empreendedoras para constituir uma empresa de ceramica, Em 1955, havia 14 empresas em Sassuolo, em 1962, o ntimero jé se clevava para 10 As novas empresas se beneficiaram com 0 pool local de trabathadores trci- nados em mecénica. A regio circunvizinha abrigava empresas como a Ferrari, a Maserati, a Lamborghini ¢ outras de alta sofisticagao técnica. Com o cresci- mento ea prosperidade do setor de azulejos, muitos engenheiros ¢ trabalhado- res qualificados foram atraidos para as empresas bem-sucedidas COMPETIGAO 181 O Emergente Aglomerado de Azulejos da Itdlia De inicio, os produtores italianos de azulejos dependiam de fontes externas de matérias-primas ¢ de técnologia de produgao. No comego dos anos 50, a prin- cipal matéria-prima utilizada era o caulim (argila branca). Como nas proximi- dades de Sassuolo existiam jazidas de argila vermelha, mas nao de argila branca, os produtores italianos tinham que importé-la do Reino Unido. O equipamento das fabricas também cra de procedéncia externa nos anos 50 € 60: fornos da Alemanha, Estados Unidos e Franca e prensas para a moldagem dos azulejos da Alemanha. Os fabricantes de Sassuolo tinbam que importar até mesmo as méquinas simples de esmaltagem ou envernizamento. Com 0 tempo, os produtores italianos aprenderam a modificar os equipa- mentos importados para compatibilizé-los com as circunstancias locais: argila vermelha versus argila branca, gés natural versus éleo pesado. A medida que os técnicos de processamento das empresas deixayam 0 emprego para consticuir as proptias fabrticas de cquipamentos, comesou a surgir uma industria local de maquinas. Em 1970, as empresas italianas despontaram como produtores de classe mundial de fornos e prensas, a situagao anterior se revertera totalmente, estavam exportando os equipamentos para argila vermelha, para serem utili dos com argila branca. O telacionamento entre os fabricantes italianos de azulejos ¢ equipamen- tos proporcionaya apoio reciproco para ambas as partes, caracteristica que se acentuava pela estreita proximidade. Em meados dos anos 80, eram cerca de 200 os fabricantes italianos de equipamentos, ¢ mais de 60 por cento se situa~ vam na drea de Sassuolo. Eles competiam de forma intensa pelos negécios lo- cais, € os fabricantes de azulejos se beneficiavam com melhores pregos ¢ cquipamentos mais avangados do que os dos rivais externos. Kiimedica que o emergente aglomerado de fabricagio de azulejos cresceue se concentrou na regiad de Sassuolo, desenvolveu-se um pool de técnicos trabalhadores qualificados, abrangendo engenheiros, especialistas em produ- gio, trabalhadores de manutengio, técnicos em servigos e projetistas. A con- Centragao geogrifica do setor estimulou a constituigao de outras empresas de apoio, oferecendo moldes, material de embalagem, esmaltes ¢ vernizes, ¢ ser- vigos de transporte. Também surgiu um aparato de pequenas consultorias es- pecializadas, que assessoravam os produtores no projeto das fibricas, em logistica e em questées fiscais, comerciais e de propaganda. Com os membros concentrados na area de Sassuolo, a Assopiastrelle, a as- sociagio industrial dos fabricantes de azulejos, comecou oferecendo servigos em dteas de interesse comum: compras em grandes volumes, pesquisas de mercados externos ¢ consultoria sobre assuntos tributarios ¢ legais. O crescen- teaglomerado da industria de azulejos estimulou a formagio de uma nova ins tituigdo especializada: em 1976, um consércio, consticuido pela Universidade de Bologna, agéncias regionais ¢ a associagio industrial dos fabricantes de azu- lejos, fundou o Centro Ceramico di Bologna, para a execucio de pesquisas de -ss0s ¢ andlises de productos. 182 MICHAEL E. PORTER A Sofisticada Demanda Interna Em meados dos anos 60, o consumo per capita de azulejos na Itdlia era consideravelmente mais elevado do que no resto do mundo. O mereala italiano também era 0 mais sofisticado do planeta. Os chentes italianos, geralmente os primeiros a adotat os novos desenhos ¢ caracteristicas; ¢ os produtores italianos, que promoviam inovasées continue para melhorar 0s métodos de fabricagio e criar novos desenhos, prosseguirsm no proces- so de reforgo miituo. As caracteristicas inicas de sofisticagio da demanda domestica tambxéin se estenderam aos estabelecimentos varejstas. Ainda nos anos 60, comecaram a Surgit lojas especializadas em aauilejos. Em 1985, havia cerca de 7.600 delas, absorvendo aproximadamente 80 por cento das vendas domésticas, muito tmais do que em outros paises. Em 1976, a empresa italiana Piemme langou azulejos com padroes de autoria de artistas famosos, de modo a conquistar os discribuidores ¢ reforgar a consciéncia da marca entre os consunidens Essa inovagao se aproveitou de outro setor correlato, o de services de design, em que a Italia era lider mundial, com mais de US$10 bilhées em exportagies. A Rivalidade em Sassuolo A simples quantidade de empresas de azulejos na drea de Sassuolo gerou uma intensa rivalidade. As noticias sobre inovagies nos produtos ¢ ptocessos se di- fandiam com rapidez ¢ as empresas que buscavam 2 lideranga na tecnologia, no projeto e na disttibuigio cram induzidas 4 melhoria continua, ‘A proximidade adicionava um cunho pessoal a forte tivalidade, Todos os Produtores cram empresas de capital fechado, quase todas gerenciadas pelas préprias familias. Os proprietérios moravam na mesma dtea, conheciant ann 208 outros ¢ cram os cidadaos mais imporcantes das mesmas cidades, Pressbes para Melhorar da mio-de-obra. Esses esforcos resultaram numa inovagio tecnolégica revolu- Ciondtia, 0 proceso de cozimento répido tinico, no qual o endurecimento, a transformacao do material ea fixacio da camada de esmalte ¢ verniz ocortiam durante uma s6 passagem pelo forno. © que antes exigia 225 empregados, Pelo método do duplo cozimenco, demandava agora apenas 90 empregados, pelo método dos fornos rolantes de cozimento tinico. A duragao do ciclo de Produgio caiu de dezesseis, vinte horas para apenas cingiicnta, cingiienta ¢ cinco minutos. Os noves equipamentos, menores ¢ mais leves, também facilitaram acx- Portacao, Em princfpios dos anos 80, as exportacaes dos fabricantes italianos de cquipamentos jé superavam as vendas doméstices sem 1988, as vendas para © exterior representavam quase 80.por cento das vendas totais, COMPETIGAO 183 ‘Trabalhando juntos, os fabricantes de azulejos ¢ de equipamentos intro- duziram a segunda mais importante inovagéo tecnolégica do periodo, entre meados ¢ fins dos anos 70: 0 desenvolvimento de equipamentos de movimen- tagio de materiais, que transformaram a fabricagio de azulejos, do provesso de lotes para 0 processo continuo, A inovacio reduziu os altos custos de méo-de-obra — que sempre foram uma desvantagem substancial com que se deparavam os fabricantes italianos. ‘A petcepgao comum € que os custos da mao-de-obra na Itdlia, nesse pe- rodo, eram mais baixos do que nos Estados Unidos ¢ na Alemanha. No en- tanto, nesses dois pafses, era grande a diferenciagio de saldtios entre as fangGes. Na Itdlia, a variagio salarial entre os varios tipos de habilidades era muito pequena, as notmas trabalhistas restringiam as horas extras ¢ os turnos de trabalho. Essas restrigées cram dispendiosas: 0 reaquecimento dos fornos apés o tesfriamento era caro, tornando preferfvel o funcionamento continuo. Em razao desse fator de desvantagem, as empresas italianas foram as primeiras a desenvolver processos de producio continuos e automatizados. Internacionalizagao Em 1970, a demanda interna na Itdlia jé estava madura. A estagnagio do mer- cado levou as empresas a acelerar os esforgos em busca dos mercados externos, A presenga de setores italianos correlatos e de apoio foi titil no esforgo de ex- pottagio. Os diferentes fabricantes de azulejos comecaram a fazer propaganda em revistas locais ¢ estrangeiras, especializadas em arquitetura e decoracio, publicagées com grande circulagéo global entre arquitetos, projetistas ¢ con- sumidores. A conscientizacio crescente reforgou a imagem de qualidade dos anulejos italianos. Seus fabricantes também conseguiram capitalizar a lideran a mundial das exportagdes em sctores afins, como mérmores, pedras pata construcio, pias, banheiras, mobilias, lampadas e eletrodomésticos. ‘A Assopiastrelle abriu escritérios de promogio comercial nos Estados Unidos, em 1980, na Alemanha, em 1984, ¢ na Franga, em 1987. Organizou complexas exibigdes comerciais em varias cidades, de Bologna até Miami, ¢ conduziu sofisticadas campanhas publicicirias. Entre 1980 ¢ 1987, a associa- io gastou aproximadamente US$8 milhées na promosio dos azulejos italia- nos nos Estados Unidos. Michael J. Enright, aluno do curso de doutorado em economia empresatial da Har- vard Business School, execatou numerosas pesquisas ¢ atividades de supervisio para A vantagem competitiva das Nagées. Paolo Tenti foi responsével pela parte italiana da pesquisa realizada para este livro. f consultor em estratégia ¢ finangas da Monitor Company and Analysis F.A. — Milo. t | 184 MICHAEL B. PORTER A CONDIGAO DOS FATORES De acordo com a teoria econdmica consagrada, os fatores de produgéo — mio-de-obra, territério, recursos naturais, capital ¢ infra-estrucura — determi- nario 0 fluxo de cométcio, O pafs exportard as mercadorias que mais utilizam os fatores de que é melhor dotado. Essa douttina, cujas origens remontam a Adam Smith ¢ David Ricardo, e que impregna a economia cléssica, 6, na me- thor das hipdteses, incompleta, ¢ na pior das hipéteses, incorreta. Nos sevores sofisticados, que constituem a espinha dorsal de qualquer economia avangada, o pais nao herda, mas, ao contrario, cria os mais im- portantes fatores de produgao — como recursos humanos qualificados ou base cientifica. Ademais, o estoque de fatores do pais num determinado momento é menos importante do que a velocidade ¢ a eficiéncia com que 0s gera, aprimora e distribui encre os diferentes setores. Os fatores de produgdo mais importantes so aqueles que envolvem in- vestimentos vultosos ¢ constantes ¢ exigem especializagéo. Os fatores bisi- cos, como 0 pool de mao-de-obra e as fontes locais de matéria-prima, nao constituem vantagem, nos setores intensivos em conhecimento. As empre- sas ou tém acesso facil a eles através de uma estratégia global ou contornam suta necessidade por meio da tecnologia. Ao contrario da sabedoria conven- cional, a simples disponibilidade de uma forga de trabalho geral com um nivel de escolaridade médio, correspondent ao segundo grau ou mesmo ao terceiro grau, nao representa vantagem competitiva na moderna competi- ¢40 internacional, Para reforgar a vantagem competitiva, o fator deve ser al- tamente especializado para as necessidades préprias de um sector — um insticuto de pesquisas cientificas em dptica, um fundo de capital de risco para financiar empresas de software. Esses fatores sto mais escassos ¢ de mais dificil imitagéo pelos concorrentes estrangeiros — ¢ para sua criagdo sao necessdrios investimentos sustentados, Os paises obtém éxito em setores onde sio particularmente bons na ge- ragio de fatores. A vantagem competitiva resulta da presenga de instituigoes de classe mundial que primeiro criam fatores especializados ¢ em seguida mantém um trabalho continuo para seu aprimoramento. A Dinamarca tem dois hospitais que se concentram no estudo e no tratamento da diabete —e uma posigao de lideranga mundial em insulina, A Holanda disp de insti- tutos de pesquisa de alto nivel no cultivo, embalagem ¢ remessa de flores, setor em que se destaca como 0 maior exportador mundial, No entanto, 0 que nao ¢ tao ébvio é que certas desvantagens scletivas nos fatores mais basicos sio capazes de instigar as empresas em busca da COMPETIGAO 185 inovacao e do aprimoramento — a desvantagem no modelo estético de competigao talvez se transforme em vantagem no modelo dinamico. As empresas por vezes se acomodam com a existéncia de uma grande oferta de mat¢rias-primas baratas ou de mao-de-obra abundante, utilizando esses re- cursos de forma ineficiente. Mas quando enfrentam uma desvantagem sele- tiva, como altos custos da terra, escassez de miao-de-obra ou falta de matérias-primas locais, se veem obrigadas a inovar ¢ a aprimorar como re- quisito da competicao. Implicito na téo repetida afirmagio dos japoneses de que “Somos um pais insular, sem recursos naturais” encontra-se o reconhecimento de que essas deficiéncias apenas serviram para incitar nele a inovacio competitiva. A produgio just-in-time, por exemplo, economizou espagos de custos proi- bitivos, Os produtores de ago italianos na drea de Brescia enfrentaram um. conjunto semelhante de desvantagens: altos custos de capital, altos custos de energia e inexisténcia de matérias-primas locais. Situadas no norte da Lombardia, essas empresas de capital fechado se defrontavam com custos de logistica estarrecedores, devido a distancia dos portos do sul ¢ as inefi- ciéncias do sistema de transporte estatal da Itélia. O resultado: essas empre- sas foram as pionciras em mini-usinas tecnologicamente avangadas, que exigem investimentos de capital modestos, consomem menos energia, utili- zam sucata de metal como matéria-prima basica, sao eficientes em pequena escala ¢ possibilitam a localizagao dos produtores préximo as fontes de su- cata ¢ aos clientes finais. Em outras palavras, converteram desvantagens de fatores em vantagem competitiva, ‘As desvantagens se transformam em vantagens apenas sob certas cir- cunstincias. Primeiro, devem fornecer & empresa ind{cios adequados sobre as circunstincias que se difundirdo para os demais paises, permitindo que se preparem para inovar, antes dos rivais externos. A Sufga, pais que experi- mentou a primeira escassez de mao-de-obra depois da Segunda Guerra Mundial, é um exemplo significativo. Suas empresas reagiram & desvanta- gem com o aumento da produtividade da mao-de-obra ¢ buscando seg- mentos de mercado de maior valor ¢ mais sustentéveis. Na maioria das outras partes do mundo, onde ainda existia ampla disponibilidade de traba- Ihadores, as empresas concentraram a atengao em outras quests, resultan- do em melhorias mais lentas. A segunda condigio para transformar desvantagens em. vantagens é a existéncia de circunstancias favordveis em outros pontos do “diamante” — considetagao que se aplica a quase todos os determinantes. Para inovar, as empresas devem ter acesso a pessoas com as habilidades apropriadas ¢ con- 186 MICHAEL E. PORTER tar com condigées de demanda interna que fornegam os indicios certos. ‘Também precisam ter rivais internos que pressionem pela inovacao. Outta condicao é a fixagio de objetivos que conduzam a comprometimentos du- radouros com o setor. Sem isto sem a atuagao de uma rivalidade ativa, a empresa talvez siga uma trajetéria menos 4rdua para contornar a desvanta- gem, em vez de converté-la em estimulo a inovacio. Por exemplo, as empresas de produtos eletrénicos de consumo dos Estados Unidos, enfrentando elevados custos relativos de mao-de-obra, op- taram por manter quase inalterados os produtos ¢ os processos de produgio e deslocar suas atividades intensivas em mao-de-obra para Taiwan ¢ outros pafses asidticos. Em vez de ampliar suas fontes de vantagem, partiram para a equiparacao do custo da m&o-de-obra. Por outro lado, os rivais japoneses, afrontados pela intensa competicao interna ¢ pelo mercado doméstico ma- duro, preferiram eliminar a m&o-de-obra através da automagio, A iniciativa redundou em custos de montagem mais baixos, em produtos com menos components ¢ na melhoria da qualidade ¢ da credibilidade. Logo, as em- ptesas japonesas estayam construindo unidades de montagem nos Estados Unidos — o lugar de onde haviam fugido as empresas americanas. CONDIGOES DA DEMANDA Talvez parega que a globalizagio da competigao diminui a importancia da demanda interna, No entanto, na pratica, nao é esse o caso, Na realidade, a composicao ¢ a natureza do mercado doméstico em geral exercem um efei to desproporcionalmente elevado sobre como as empresas percebem, inter- pretam e respondem as necessidades dos compradores. Os paises ganham vantagem competitiva em setores em que a demanda interna proporciona As empresas, com maior antecedéncia, um quadro mais nitido das necessi- dades incipientes dos compradores, e em que compradores exigentes as ptessionam para inovar com maior rapidez ¢ para conquistar vantagens competitivas mais sofisticadas do que os tivais externos. O tamanho da de- manda interna se revela muito menos significativo do que sua natuteza. As condigées da demanda interna ajudam a construir a vantagem com- petitiva quando um determinado segmento setorial é maior ou mais vis(vel no mercado doméstico do que nos mercados externos. Os segmentos de mercado de maiores dimensées no pats recebem mais atengao das empresas, que atribuem aos segmentos menores ou menos desejéveis um menor grau de prioridade. Um bom exemplo é representado pelas escavadeiras hidréu- COMPETIGAO 187 licas, 0 tipo de equipamento de construgéo mais utilizado no mercado in- terno japonés — mas que respondem por uma proporsiio muito menor do mercado em outros paises avangados. O segmento é um dos poucos em que atuam vigorosos concortentes internacionais e em que a Caterpillar nao de- tém uma parcela substancial do mercado mundial. Mais importante do que o mix dos segmentos em si, é a natureza dos compradores domésticos. As empresas de um pais ganhardo vantagem competitiva se os compradores domésticos forem os mais sofisticados do mundo ¢ mostrarem-se exigentes em relagao aos produtos e servigos. Este tipo de comprador oferece tima janela para as necessidades mais avangadas dos clientes; pressiona as empresas para atender a elevados padroes; as insti ga amelhorar, a inovar ¢ a se expandirem para segmentos mais avancados. Do mesmo modo como com as condigées dos fatores, as condigaes de de- manda se constituem em fontes de vantagem ao forgarem as empresas a rea- git a duros desafios. Necessidades muito rigorosas resultam dos valores ¢ circunstincias lo- cais, Por exemplo, os consumidores japoneses, que moram em casas peque- nas ¢ apertadas, enfrentam verdes quentes ¢ timidos ¢ altos custos de energia clétrica — uma assustadora combinagao de circunstancias. Em resposta, as empresas japonesas foram pioneiras em unidades de ar condicionado com- pactas silenciosas, dotadas de compressores de elevada eficiéncia energéti- ca, Numa sucessio de setores, as rigorosas limitagoes de espago do mercado japonés as induziram 2 inovagio, gerando produtos keihaku-tan-sho — le- ves, delgados, curtos e pequenos — c que sejam de aceitacao internacional. Os compradotes locais so capazes de ajudar as empresas a conquista- rom vantagem se suas necessidades anteciparem ou mesmo moldarem as dos demais paises — se suas necessidades representarem constantes “indica- dores preliminares” das tendéncias do mercado global. As vezes, essas ne- cessidades antecipadoras resultam da incorporagao precoce, pelos valores politicos de um pais, de tendéncias que apenas mais tarde se manifestario nos demais paises. A tradicional preocupagao da Suécia com os deficientes fisicos disseminou um setor cada vez mais competitivo, orientado para as necessidades especiais desse segmento de mercado, O ambientalismo da Dinamarea criou condigées favordveis par mentos de controle da poluigao hidrica e de moinhos de vento. De uma forma mais genérica, as empresas séo capazes de se antecipar as tendéncias globais se os valores de seu pals se encontram em expansio — ou seja, sc o pais esta exportando seus valor produtos. O éxito internacional das empr © éxito de empresas de equipa- es ¢ preferencias, assim como seus as americanas de refeigdes répi- 188 MICHAEL E, PORTER das ¢ de cartées de crédito, por exemplo, reflete néo apenas 0 anscio pela conveniéncia, mas também a difusio dessas preferéncias Para o resto do mundo. Os paises exportam os valores ¢ preferéncias através da midia, do treinamento de estrangeiros, da influéncia politica ¢ da atividade de seus ci- dadaos ¢ empresas no exterior, SETORES CORRELATOS E DE APOIO O terceiro grande determinante da vantagem nacional é a presenga no pais de setores correlatos ¢ de apoio que scjam competitivs no mercado inter- nacional, Os fornecedores internos dotados de competitividade internacio- nal ctiam diferentes tipos de vantagem nos setores a jusante, Primeiro, fornecem os insumos com maior eficdcia de custo, de um modo cficiente, antecipado, répido ¢ As vezes preferencial. As ourivesatias italianas exercem a lideranca mundial do setor, em parte, porque outras empresas italianas fornecem dois tergos dos equipamentos de fabricagao de jéias e de recicla- gem de metais preciosos. No entanto, muito mais significative do que o simples acesso aas com- ponentes ¢ méquinas é a vantagem proporcionada pelas empresas domésti- cas correlatas e de apoio em termos de inovagao e melhoria — que se baseia sobretudo em estreitos relacionamentos de trabalho. Os fornecedores e usudtios finais que se localizam préximos uns aos outros auferem as vanta- gens das linhas de comunicagao mais curtas, do répido e constante fluxo de informages e do constante intercambio de idéias e de inovagées. As empre- sas tém a oportunidade de influenciar 0 esforgo técnico dos fornecedores ¢ sio capazes de servit como campo de teste para os urabalhos de P&D, acele- rando 0 ritmo da inovacao, A Figura 6.2 oferece um exemplo gréfico de como um grupo de setores de apoio em estreita proximidade gera a vantagem competitiva numa gama de se- tores intcr-relacionados, todos competitivos no ambito internacional. Os pro- dutores de calcados, por exemplo, mantém interagées regulares com os fabricantes de couro com rela¢io a novos estilos ¢ técnicas de fabricagio aptendem sobre as novas texturas ¢ cores do couro quando as inovacées ainda se encontram nas pranchetas, Os fabricantes de couro tém acesso aos primeiros insights sobre as tendéncias da moda, o que os ajuda no planejamento de novos produtos. A interagio € mutuamente vantajosa ¢ auto-revigorante, mas nao ocorre de forma automtica; é fomentada pela proximidade, mas sé acontece porque as empresas ¢ fornccedores a promovem de forma deliberada. COMPE 189 Maquicas Botas de foee ‘esquiat AA Maquiras i frances |-—»] Molds j cespecialzadas i ¥ Bolas para Equipamento de carpintavia. | Modelos Ge obauar 4A Y Calgados para atieismo Partes dos Celgados caacos, «[—>| deta a _ ¥ Bolsas 0 i Couro Servigos luvasde |< ne processado was. de criagdo Méquinas de - trabalhar couro FIGURA 6,2 * O aglomerado de calgados da Itélia. As empresas do pafs auferem os maiores beneficios quando os préprios fornecedores so competidores globais. Elas semeiam 0 préprio fra criarem fornecedores “cativos”, totalmente dependentes do setor domésti- co e impedidos de atender a concortentes externos. Do mesmo iodo, 0 pais ndo precisa ser competitivo em todos os setores fornecedores para que as empresas conquistem a vantagem competitiva. Estas sto capazes de ad- quirir com rapidez no exterior materiais, componentes ¢ tecnologias sem um grande impacto sobre a inovagao ou sobre o desempenho dos produtos 0 a0 190 MICHAEL E. PORT do setor. O mesmo também se aplica a outras tecnologias generalizadas — como eletrdnica ou software — em que o setor representa uma drea de apli cacdo estreita. A competitividade interna em setores correlatos proporciona beneficios semelhantes, O fluxo de informagao e 0 intercambio técnico aceleram o rit- mo da inovagao e da melhoria. O setor correlato interno também aumentaa probabilidade das empresas desenvolverem novas habilidades e se constitui em fonte de entrantes que trarao uma nova abordagem para a competigao. O sucesso da Suica no setor farmacéutico, por exemplo, resultou de éxitos inter- nacionais anteriores na industria de tinturas. O dominio japonés em teclados musicais eletrénicos se originou do sucesso em instrumentos actisticos, em conjunto com a forte posig&o em produtos eletrénicos de consumo. ESTRATEGIA DA EMPRESA, ESTRUTURA E RIVALIDADE As circunstancias ¢ 0 contexto nacionais geram fortes tendéncias relativas a como as empresas serdo constituidas, organizadas € gerenciadas, assim como o qual ser a natureva da tivalidade doméstica. Na Itdlia, por exem- plo, os competidores internacionais bem-sucedidos geralmente sdo empre- sas de capital fechado de pequeno ou médio porte, que funcionam como grandes familias; na Alemanha, ao contrétio, elas tendem a ser muito hic- rarquizadas na organizagdo e nas praticas gerenciais, ¢ os gerentes seniores quase sempre so técnicos. Nenhum sistema gerencial é de aplicagao universal — nao obstante a atual fascinagao pelas técnicas gerenciais japonesas. A competitividade num setor especifico decorre da convergéncia das priticas gerenciais e dos mode- los organizacionais mais adotados no pais que possui as fontes de vantagem competitiva no setor, Nos sctores em que as empresas italianas sio Iideres mundiais — como os de iluminagéo, méveis, calgados, tecidos de ka e ma- quinas de embalagem — a estratégia de quem enfatiza 0 enfoque, os produ- tos personalizados, 0 marketing de nicho, a rapidez da mudanca e a flexibilidade vertiginosa é compativel com a dindmica do setor e com a na tureza do sistema gerencial do pais, Em contraste, o sistema gerencial ale- méo funciona bem em setores orientados para os aspectos técnicos ¢ de engenharia — ética, produtos quimicos, equipamentos sofisticados — nos quais a complexidade dos produtos exige preciso na fabricagéo, proces de des uma estrutura gerencial alramente disciplinada. O sucesso alemio é muito sos nvolvimento cuidadosos, servigos de pés-venda e, em conseqiiéncia, COMPETIGAO 191 mais raro em bens ¢ servigos de consumo, em que a imagem de marketing ¢ a répida rotatividade das novas caracteristicas ¢ modelos sao fatores impor- tantes para a competicao. Os paises também diferem de forma acentuada quanto aos objetivos das empresas e dos individuos, Os objetivos das empresas refletem as carac- teristicas dos mercados de capitais nacionais ¢ as préticas de remuneragio dos gerentes. Por exemplo, na Alemanha c na Sufga, onde os bancos repre- sentam uma parcela substancial dos acionistas, a maioria das agGes se desti- na & valorizag’o de longo prazo ¢ raramente sao negociadas. As empresas apresentam bom desempenho em sctores maduros, em que sao essenciais os investimentos cont{nuos em P&D ¢ em novas instalag6es, mas os retornos s vezes so apenas moderados. Os Estados Unidos sc situam no extremo oposto, com um grande poo! de capital de risco, mas com intensa negocia- cao das agGes das empresas de capital aberto e forte énfase, pelos investido- res, na valorizacéo do prego das agdes em bases trimestrais ou anuais. A remuneracéo da geréncia consiste, principalmente, em bénus anuais, vin- culados aos resultados individuais. Os Estados Unidos se saem bem em se- tores relativamente novos, como software e biotecnologia, ¢ naqueles em que o financiamento de novas empresas com capital préprio fomenta in- tensa rivalidade interna, como produtos eletrénicos especializados ¢ servi- os. No entanto, os setores mais maduros cnfrentam fortes pressdes que acarretam a deficiéncia de investimentos. ‘A motivacio individual para trabalhar ¢ ampliar suas qualificagbes tam- bém ¢ importante para a vantagem competitiva. © talento notdvel é um re-~ curso escasso na maioria dos paises. O éxito de um pais depende, em grande parte, do tipo de educagao escolhido pelas pessoas talentosas, suas opgies em termos de trabalho e seu grau de comprometimento e esforgo. Os obje- tivos que as instituigdes ¢ os valores de um pats incutem nos individuos nas empresas, assim como o prestigio atribuido a certos setores, orientam o fluxo de capitais ¢ de recursos humanos — que, por sua vez, afetam de modo direto o desempenho competitivo de certos setores. Os paises ten- dem a ser competitivos nas atividades que sio objeto da admiragao ¢ da confianga das pessoas —- as que dao origem aos heréis nacionais. Na Sufga, sao os bancos ¢ as empresas farmacéuticas. Em Israel, a maior vocagio tem sido a agricultura ¢ os setores relacionados com a defesa. As vezes, é dificil distinguir entre causa ¢ efeito. A conquista do éxito internacional aumenta © prestigio de um setor, reforcando sua vantagem, A presenca de tivais locais poderosos ¢ um ultimo e poderoso estimulo & io e presetvacio da vantagem competitiva. Isso se aplica sobretudo aos 192 MICHAEL E. PORTER paises pequenos, como a Suiga, onde a rivalidade entre as empresas farma- céuticas, Hoffmann-La Roche, Ciba-Geigy ¢ Sandoz, contribui para a posi- a0 de lideranga mundial do setor. Isto também acontece nos Estados Unidos, nos setores de computadores ¢ de software. Em nenhum lugar 0 papel da rivalidade feroz é mais aparente do que no Japao, onde existem 112 empresas no setor de mdquinas-ferramentas, 34 em semicondutores, 25 em equipamentos de som, 15 em méquinas fotogréficas — de fato, em geral os ntimeros tém dois digitos nos setores em que o Japio se vangloria da lideranga mundial. (Ver 0 Quadro 6.1.) De todos os pontos do “dia- mante”, a rivalidade doméstica é, segundo se entende, 0 mais importante, em razio do poderoso efeito estimulante sobre os demais, A sabedoria convencional argumenta que a competicio doméstica é um desperdicio: conduz a duplicacao de esforgos ¢ impede que as empre- sas atinjam economias de escala. A “solugio certa” consiste em se concen- trar em um ou dois campedes nacionais, empresas com a escala ea forca para enfrentar os concorrentes externos, assegurando-lhes os recursos ne- cessdrios, com as béngaos do governo. Na realidade, contudo, a maioria dos campedes nacionais no so competitivos, apesar dos elevados subst- dios ¢ da protecéo do governo. Na maioria dos setores importantes, em que hd apenas um rival nacional, como nos aeroespacial e de telecomuni- cagées, 0 governo desempenhou um papel relevante na distorgao da com- peticao. A ficiéncia estatica é muito menos importante do que a melhoria dina- mica, espicacada pela rivalidade interna, mais do que por qualquer outro fator. A rivalidade doméstica, como, de resto, qualquer rivalidade, exerce pressdes sobre as empresas em diregao & inovagao e as melhorias. Os rivais locais empurram uns aos outros para menores custos, para a melhoria da qualidade e dos servicos ¢ para. criagio de novos produtos e processos. Mas a0 contrdrio da rivalidade com os concotrentes externos, que tendem a ser analiticos e distances, a tivalidade local quase sempte vai além da pura eco- nomia ou da competigéo empresarial, para se transformar em algo intensa- mente pessoal. Os concorrentes domésticos se envolvem em rixas acirradas, competem nao apenas pela participacao no mercado, mas também por pes- soas, pela exceléncia técnica ¢, talvex.o mais importante, pelo “direito & ba- z6fia”. O éxito de um rival doméstico demonstra aos demais a possibilidade do avango ¢, muitas vezes, atrai novos tivais para o setor. As empr sas, em, getal, atribuem o sucesso dos concorrentes externos a vantagens “injustas”. No caso de rivais domésticos, nao hé desculpas. P COMPETIGAO 198 TABELA 6.1 * Numero Estimado de Rivais Japoneses em Setores Selecionados Condicionadores de ar 13 Equipamentos de som 25 Automéveis 9 Cameras 15 Equipamentos de som pata carros 12 Pibras de carbono 7 Equipamentos de Construgio* 15 Copiadoras 14 Miéquinas de fax 10 Computadores de grande porte 6 Guindastes 8 Miaquings-ferramentas 112 Equipamentos de microondas 5 Motocicletas 4 Instrumentos musicais 4 Computadores pessoais 16 Semicondutores 34 Miquinas de costura 20 Construgéo naval* 33 Siderargia** st Fibras sintéticas 8 Aparelhos de televisio 15 Pneus para caminhées ¢ Onibus 5 Caminhées li Miéquinas de escrever 4 Gravadoras de videocassete 10 “Fontes: Entrevistas de campo; Nippon Kogyo Shinbun, Nippon Kogyo Nenkan, 1987; Yano Research, Market Share Jitan, 1987; estimativas dos pesquisadores. *O niimero de empresas variou por rea de produtos. © menor ntimero, dez, produzia buldézeres. Quinze produziam escavadeiras, guindastes ¢ equipamentos de pavitnentagio. Havia 20 empresas no setor de escavadeiras eléuicas, uma Area em que o Japio eta particularmente forte + Seis empresas apresentavam nfveis de produgao para exportagao acima de 10.000 tons por ano. ++ Empresas integradas ‘A concentragéo geografica amplifica 0 poder da rivalidade doméstica. Esse padrao é impressionantemente comum em todo o mundo: as empresas de ourivesaria italianas se localizam em torno de duas cidades, Arezzo ¢ Va- lenza Pé; as empresas de cutelaria, em Solingen, Alemanha Ocidencal, ¢ Seki, Japo; as farmacéuticas, na Basiléia, Suica; motocicletas ¢ instrumen- tos musicais, em Hamamatsu, Japdo. Quanto mais localizada, mais intensa a rivalidade; ¢ quanto mais intensa, melhor. 194 MICHAEL E. PORTER Outro beneficio da rivalidade doméstica é a pressae pela melhoria con- tinua das fontes da vantagem competitiva. A presenga de concorrentes do- mésticos anula automaticamente os tipos de vantagem provenientes da localizagao em determinado pais — custo dos fatores, acesso aos mercados domésticos ou preferéncia no seu atendimento, ou custos pata os concor- Fontes externos que exportam para o pais. As empresas so compelidas a ir além desses beneficios e, como conseqiiéncia, conquistam vantagens ma sustentiveis. Ademais, 0 controle miituo decorrente da competigio entre uma grande quantidade de rivais domésticos assegurard a honestidade de cada um na obtengao do apoio governamental, Portanto, é menos provavel que as empresas se tornem dependentes do efeito narcotizante dos contra- tos governamentais ¢ das polfticas protecionistas para os setores claudican- tes. Ao contrério, 0 setor procurard formas mais construtivas de apoio governamental, como o suporte na abertura de mercados externos, assim como investimentos em determinadas instituigdes educacionais ou em ou- tros setores especificos, Ironicamente, apenas a vigorosa competigao doméstica pressiona as empresas, em tiltima instancia, a analisar os mercados globais e as retempe- ra para neles competir com éxito. Sobretudo nas situacoes de economia de escala, os concorrentes locais forcam uns aos outros a olhar para fora, em di- recao aos mercados externos, de modo a aumentar a eficiéncia ¢ a rentabili- dade. E, ja tendo passado pelo teste da intensa competigao doméstica, as empresas revigoradas se encontram bem equipadas para vencer no exterior. Sea Digital Equipment é capaz de sustentar-se contra a IBM, a Data Gene- ral, a Prime e a Hewlett-Packard, enfrentar a Siemens ¢ a Machines Bull nio parece to apavorante. is O “Diamante” como um Sistema Cada um dos quatro atributos define um ponto no “diamante” da vanta- gem nacional.-O impacto de um ponto em geral depende do estado dos de- mais. Compradores habituais nao passario para os produtos avangados, por cxemplo, se a qualidade dos recursos humanos néo permitir que as empre- sas satisfacam as suas necessidades. As desvantagens seletivas nos fatores de produgio nio incitario a motivagio, a nfo ser que a rivalidade seja vigorosa € os objetivos da empresa demandem investimentos continuos. No nivel mais amplo, os pontos fracos em qualquer um dos determinantes refreard o potencial de desenvolvimento ¢ aprimoramento do setor. COMPETICAO 195 Mas os pontos do “diamante” também se refotcam mutuamente: cles compéem um sistema, Dois elementos, a tivalidade doméstica e a concen- tracio geogréfica, sfo poderosos em especial pata transformar o diamante num sistema —a tivalidade doméstica, ao promover melhorias em todos os outros determinantes, ¢a concentragao geografica, ao promover ¢ intensifi- car a interagio das quatro influéncias isoladas. O papel da rivalidade doméstica ilustra a atuagio do “diamante” como sistema de reforco miituo. A acirrada rivalidade doméstica estimula o de- senvolyimento de um pool exclusivo de fatores especializados, sobretudo se os rivais se localizam em uma cidade ou regido: a Universidade da Califér- nia, em Davis, transformou-se no principal centro mundial de pesquisa em vinicultura, atuando em estreita ligagdo com 0 setor vinifero da Califérnia. Os rivais locais ativos também promovem a demanda doméstica num setor. Nos setores de méveis ¢ calgados, por exemplo, os consumidores italianos aprenderam a esperar maior vatiedade e melhor qualidade de produtos, em razao do ritmo acelerado das atividades de desenvolvimento de novos pro- dutos, induzido pela intensa rivalidade doméstica entre centenas de empre- sas. A rivalidade doméstica também promove a formagao de setores correlatos ¢ de apoio. Por exemplo, o grupo de produtores japoneses de se- micondutores, que detém a lideranga mundial, propiciou a expansio no pais do setor de equipamentos para fabricacéo de seus produtos, que tam- bém exerce a lideranga mundial, Os efeitos atuam em todas as diregdes; as vezes, fornecedores de classe mundial se transformam em novos entrantes nos setores compradores. Ou compradores muito sofisticados ingressam no setor fornecedor, em par cular quando sao dotados de habilidades relevantes ¢ atribuem a ele uma importancia estratégica. Por exemplo, no caso do setor de robética do Ja- pio, a Matsushita ¢ a Kawasaki, originalmente, projetavam robés apenas para uso interno, antes de comegar a vendé-los para outras empresas. Hoje, sao concorrentes fortes no setor de robdtica. Na Suécia, a Sandvik se deslo- cou do setor de agos especiais para o de brocas de rochas, ¢ a SKE se transfe- riu do de agos especiais para o de esferas de rolamento. Outro efcito da natureza sistémica do “diamante” ¢ 0 fato de os pafses raramente seem a base de apenas um setor competitive; ao contrério, 0 “diamante” cria um ambiente que promove os aglomerados de setores com- petitivos que nao se dispersam, de modo aleatério, por toda a economia, mas, geralmente, se interligam através de relacionamentos verticais (com- prador-vendedor) ou horizontais (clientes comuns, tecnologia, canais de distribuigdo). Tampouco os aglomerados se espalham de forma fisica, ten- 196 MICHAEL E. PORTER dendo a se concentrar em regides geogréficas. Um setor competitivo ajuda na ctiagao de outros, através de um processo de reforgo miituo. O poderio do Japao nos produtos eletrénicos de consumo, por exemplo, direcionou o éxito do pafs em semicondutores para os chips de meméria ¢ para os circui- tos integrados, de ampla utilizagio nos produtos eletrénicos. Do mesmo modo, o sucesso em computadores laptop, em contraste com o éxito limita- do em outros segmentos, reflete sua poderosa base em outros produtos compactos e portateis ¢ a lideranga técnica em mostradores de cristal liqui- do, adquirida nos setores de calculadoras ¢ reldgios. Uma vez constituido um aglomerado, todo o grupo de setores passa ase reforgar mutuamente. Os beneficios fluem para frente, para trds e de forma horizontal. A rivalidade agressiva num setor se difunde para outros no aglo- merado, através de cisdes, cdo exercicio do poder de negociacao e da divers ficagao de empresas tradicionais. As entradas no aglomerado a partir de outros setores estimula o aprimoramento, através do estimulo a diversidade nas abordagens de P&D ¢ da maior facilidade de implementagao de novas estratégias ¢ habilidades. Através dos canais de fornecedores ¢ dos clientes que mantém contato com varios concorrentes, a informagio flui com liber- dade ea inovacao se propaga com rapidez. As interconexées dentro do aglo- merado, quase sempre imprevistas, levam & percepgdo de novas formas de competigao e€ a novas oportunidades. O aglomerado se transforma em agente para a manutengao da diversidade e para a superacao do foco intros- pectivo, da inércia, da inflexibilidade ¢ da acomodagao entre rivais, que re- tardam c bloqueiam o aprimoramento competitivo ¢ as novas entradas. O Papel do Governo No debate continuo sobre a competitividade das nagées, nenhum tépico engendra maiores debates ou suscita mais incompreensies do que © papel do governo. Muitos encaram 0 governo como um auxiliar ou promotor im- prescindfvel dos setores, recorrendo a um conjunto de politicas, de modo a contribuir de mancira direta para o desempenho competitive de setores es tratégicos ou prioritérios. Outros aderem a visio do “livre mercado”, no sentido de que 0 funcionamento da economia deve set deixado a cargo da mao invisivel. Ambas as posigdes esto erradas, Uma ¢ outra, atuando até o desfecho l6gico, acarretariam o desgaste permanente dos recursos competitives do pais. Por um lado, os defensores da ajuda governamental aos setores eco- COMPETICGAO 197 némicos com freqiiéncia propdem polfticas que, na realidade, compro- meteriam as empresas no Jongo prazo ¢ apenas enscjariam a necessidade de mais ajuda. Por outro lado, os adeptos da menor presenga governamental ignoram o papel legitimo do governo na formagao do contexto e da estrutu- ra institucional em torno das empresas ¢ na criagdo de um ambiente esti- mulante para a conquista da vantagem competitiva por elas. © papel apropriado do governo € 0 de catalisador ¢ desafiante, consiste em, encorajar — ou até mesmo impelir — as empresas a clevar suas aspira- g6es ¢ a galgar niveis mais altos do desempenho competitivo, ainda que 0 processo seja intrinsecamente desagraddvel ¢ dificil. O governo nao é capaz, de criar setores competitivos; essa tarefa compete apenas as empresas. O go- verno desempenha um papel intrinsecamente parcial, que produz resulta- dos positives apenas quando atua em conjunto com condigoes subjacentes favordveis no “diamante”. No entanto, 0 governo exerce um papel podero- so na transmissio ¢ na ampliagao das forcas do diamante. As politicas go vernamentais bem-sucedidas sio aquelas que criam um ambiente em que as empresas so capazes de ganhar vantagem competitiva, ¢ ndo aquelas que envolvem o governo diretamente no processo, com excegio dos pafses que ainda se encontram no inicio do processo de desenvolvimento, Trata-se de um papel indireto, ¢ nao direto. O governo japonés, em sua melhor atuagao, compreende esse papel melhor do que qualquer outro — inclusive nas situag6es em que o pais atra- vessa fases de desenvolvimento competitivo ¢ em que sua fungao se trans- forma com a evolugao da economia. Estimulando a demanda precoce por produtos avangados, expondo 0s setores econdmicos a necessidade de partir para iniciativas pioneiras na fronteira tecnoldgica, através de projetos de co- operacao simbélicos, estabelecendo pregos que recompensam a qualidade e adotando outras politicas que potencializam as forgas do “diamante”, 0 go- verno japonés acelera o ritmo da inovagio. Mas, como os funciondtios pui- blicos de qualquer pais do mundo, os burocratas japoneses, no seu pior desempenho, as vezes cometem os mesmos erros: tentam gerenciar a estru- tura sctorial, protegem excessivamente 0 mercado e cedem a pressdes pollti- cas para resguardar as empresas varejistas, agricolas, distribuidoras ¢ industriais da competigio. Nao ¢ dificil compreender por que tantos governos cometem com tanta freqiiéncia os mesmos erros na bu competitive para as empri damentalmente discrepantes. Em geral, a conquista da vantagem competi- tiva por um setor exige mais de uma década; 0 proceso envolve © longo da competitividade nacional: 0 tempo s € 0 tempo politico para os governos sio fun- 198 MICHAEL E. PORTER aprimoramento das qualificagoes humanas, 0 investimento em produtos ¢ processos, o desenvolvimento de aglomerados ea incutsio em mercados ex. ternos, No caso da indtistria automobilistica japonesa, por exemplo, jé nos anos 50 as empresas davam os primeiros passos ainda vacilantes em direcéo As exportagdes — mas apenas nos anos 70 conquistaram uma forte posi¢ao internacional. Mas, em politica, uma década é uma eternidade. Em conseqiiéncia, a maioria dos governos prefere politicas que proporcionem resultados de cur- to prazo facilmente perceptiveis, como subsidios, protecao e incentivos a fusées ¢ incorporag6es — que sao aquelas que retardam a inovaco. Grande parte das medidas que de fato fariam diferenga sao muito vagarosas ¢ reque- rem muita paciéncia dos politicos ou, ainda pior, trazem consigo a dor ime- diata da primeira ferroada. A destegulamentagao de um setor protegido, por exemplo, primeiro acarretaré uma onda de faléncias e, sé mais tarde, dard origem a empresas mais fortes ¢ competitivas, As medidas que proporcionam vantagens de custo estdticas ¢ de curto prazo, mas que, de forma sub-repticia, solapam a inovacao ¢ o dinamismo, reptesentam o erro mais freqtiente ¢ comum da politica industrial dos go- vernos. Com o intuito de ajudar, € muito facil adotar iniciativas do tipo projetos conjuntos para evitar “desperdicios” em P&D, que acabam com- prometendo o dinamismo ea competigdo. No entanto, mesmo reduc6es de 10% nos custos, decorrentes das economias de escala, seriam facilmente anuladas pelas perdas inevitdveis, em termos de rapidez na melhoria dos produtos e processos e do aumento de volumes nos mercados globais, resul- tantes da adogao dessas politicas. Os governos devem observar alguns principios bésicos clementares, de modo a adotar um papel apropriado no reforco da competitividade nacio- nal: encorajar a mudanga, promover a rivalidade doméstica, estimular a inovagao. Algumas das abordagens especfficas para orientar os paises que buscam a conquista da vantagem competitiva incluem o que se segue: FOCO NA CRIAGAO DE FATORES PECIALIZADOS © governo tem responsabilidades de importincia critica por fatores funda mentais, como os sistemas educacionais de nivel elementar ¢ secundario, a in- fra-estrutura bdsica, ¢ a pesquisa em areas de grande interesse nacional, como aassisténcia médica. No entanto, essas modalidades de esforcos generalizados na ctiagio de fatores raramente redundam em vantagem competitiva. Ao COMPETIGAO 199 contrério, os fatores que se convertem em vantagem competitiva sio avanga- dos, especializados e vinculados a setores ou a grupos de setores especificos, Mecanismos como programas de aprendizado especializado, atividades de pesquisa em universidades integradas com um determinado setor, iniciativas de associagées comerciais ¢, mais importante, investirnentos privados de em- presas, geram os fatores que desencadearao’a vantagem competitiva, EVITAR A INTERVENGAO NOS MERCADOS DOS FATORES E NOS MERCADOS MONETARIOS Ao intervir nos mercados dos fatores ¢ nos mercados monetérios, os governos so movidos pela expectativa de reduzir os custos dos fatores ¢ sustentar taxas de cambio favordveis que ajudariam as empresas a competir com maior eficd- cia nos mercados internacionais. Experiéncias em todo 0 mundo indicam que essas polfticas — como a desvalorizagao do délar na administragao Rea- gan — geralmente séo contraproducentes, atuando contra 0 aprimoramento do setor ¢ a busca de vantagens competitivas mais duradouras. A situagéo contrastante do Japao é sobremodo elucidativa, embora a Alemanha ¢ a Suica tenham passado por experiéncias semelhantes. Ao lon- go dos tiltimos vinte anos, os japoneses foram abalados pela repentina des- valorizacio monetéria de Nixon, por dois choques do petréleo ¢, mais recentemente, pelo choque do iene — impactos que forgaram as empresas japonesas a ampliar sua vantagem competitiva. A idéia nao é que os gover- nos adotem polfticas que, deliberadamente, aumentem os custos dos fato- res ou a taxa de cimbio, No entanto, quando as forgas do mercado os clevam, os governos devem resistir & tentagao de provocar baixas artificiais. APLICAR NORMAS RIGOROSAS SOBRE PRODUTOS, SEGURANGA E MEIO AMBIENTE A severa regulamentagéo governamental ¢ capaz de promover a vantagem competitiva, ao estimular ¢ melhorar o nivel da demanda interna. Normas rigorosas sobre o desempenho e seguranca dos produtos ¢ sobre o impacto ambicatal pressionam as empresas a aprimorar a qualidade, desenvolver a tecnologia ¢ oferecer produtos c servigos com caracteristicas que correspon- dam as demandas sociais ¢ dos consumidores. O abrandamento das nor- mas, por maior que seja a tentagio, é contraproducente. 200 MICHAEL E, PORTER Ao se antecipar a normas que se difundirao no mercado global, a severa regulamentacio governamental proporciona as empresas um ponto de par- tida de importancia primordial no desenvolvimento de produtos e servicos valiosos em qualquer lugar. As rigorosas normas suecas sobre protecao am- biental promoveram a vantagem competitiva em muitos setores. A Atlas Copco, por exempio, produz compressores silenciosos que podem ser usa- dos em densas 4reas urbanas, com 0 m{nimo de transtorno para os residen- tes. No entanto, o rigor das normas deve ser conciliade com um processo regulatério dinamico que nio absorva recursos nem provoque emperra- mentos. RESTRINGIR AO MAXIMO A COOPERACAO ENTRE SETORES RIVAIS Atualmente, a moda mais difundida em termos de politica global na arena compcetitiva ¢ a énfase na pesquisa cooperativa e nos consércios setoriais. Com base na crenga de que a pesquisa independente por parte dos rivais é desperdicio ¢ duplicagéo, de que os esforcos cooperativos proporcionam economias de escala ¢ de que as empresas individuais tendem a subinvestir em P&D por serem incapazes de usufruir de todos os beneficios, os gover- nos aderiram idéia da promogao de formas mais diretas de cooperacao. Nos Estados Unidos, as leis de defesa da concorréncia foram modificadas de modo a permitir maior cooperagio em P&D; na Europa, os megaproje- tos, como o ESPRIT, na drea de tecnologia da informagao, retinem empre- sas de varios paises. Por trés de boa parte desse pensamento encontra-se 0 fascinio dos governos ocidentais — ainda que distorcido por profunda in- compreensio — em relacio aos varios projetos de pesquisa cooperativa pa. trocinados pelo Ministério da Industria e do Comércio Exterior do Japao (MITI), que parecem ter contribufdo para a ascensio competitiva do pais. Mas um exame mais cuidadoso dos projetos cooperatives japoneses su- gerem uma histéria diferente. As empresas japonesas participam dos proje- tos do MIT! para manter boas relagdes com 0 érgio, para preservar a imagem corporativa e para se proteger contra o risco de que os concorrentes aufiram vantagens com o projeto — motivos sobretudo defensivos. Elas ra- ramente contribuem com seus melhores cientistas ¢ engenheiros para pro- jetos cooperatives ¢ quase sempre dedi Pesquisas particulares nos mesmos campos. Em geral, 0 governo entra ape- has com uma contribuigao financeira modesta para 0 projeto. cam muito mais recursos as préprias COMPETIGAO 201 O verdadeiro valor da pesquisa cooperativa japonesa consiste em sinali- zar a importancia das 4rcas técnicas emergentes ¢ estimular a pesquisa ex- clusiva das empresas. Os projetos cooperativos induzem a exploragao de novos campos ¢ impulsionam 0s investimentos internos em P&D, pois as empresas sabem que esto sendo observadas pelos rivais internos. Sob condigées limitadas, a pesquisa cooperativa ds vezes se mostra be- néfica. Os projetos devem concentrar-se em dreas de pesquisa basica sobre produtos ¢ processos, ¢ no em assuntos intimamente relacionados com as fontes de vantagem exclusiva de uma empresa. E importante que repre- sentem apenas uma pequena parcela de todo o programa de pesquisa da empresa num determinado campo. A pesquisa cooperativa deve ser ape- nas indireta, canalizada através de organizagdes independentes, com pos- sibilidade de acesso 4 maioria dos participantes do sector. Estruturas organizacionais, como laboratérios universitarios ¢ centros de exceléncia, reduzem os problemas gerenciais e minimizam os riscos de rivalidade. Por fim, os projetos cooperativos mais proveitosos geralmente envolvem cam- pos que permeiam virios setores que exigem substanciais investimentos em P&D. PROMOVER OBJETIVOS QUE CONDUZAM A INVESTIMENTOS SUSTENTADOS Os governos desempenham um papel vital na formulagao dos objetivos dos investidores, gerentes ¢ empregados, através de politicas em varias dreas. Por exemplo, a regulamentagao dos mercados de capitais modelam os in- centivos dos investidores ¢, por sua vez, os objetivos das empresas. Os go- vernos devem cstabelecer a meta de encorajar os investimentos sustentados em qualificagdes humanas, em inovagao ¢ ativos fisicos. Talvez, as ferra- mentas mais importantes pata elevar a taxa de investimentos sustentados no setor sejam os incentivos fiscais para ganhos de capital de longo prazo (cinco ou mais anos) apenas para novos investimentos em capital préprio das empresas. Os incentives para os ganhos de capital de longo prazo talver, devam ser aplicados a fundos de pensao a outros investidores atualmente nao sujeitos a tributagao, que hoje tém poucas razHes para no participar de operagées de curto prazo. 202 MICHAEL B. PORTER DESREGULAMENTAGAO DA CONCORRENCIA A regulamentagao da concorréncia, através de politicas como a preservagio de situagées de monopélio, o controle da entrada nos setores ou a fixacio de pregos, apresenta duas conseqiiéacias muito negativas: inibe a rivalidade ea inovagao, & medida que as empresas se concentram no relacionamento com os reguladores ¢ na protegao das atuais PosigGes; ¢ torna o setor menos dina- mico desejdvel, como comprador ou fornecedor. No entanto, a desregula- mentagio ¢ a privatizagio em si nao s4o bem-sucedidas sem uma rivalidade doméstica vigorosa — 0 que requer, como corolétio, uma politica forte ¢ consistente de defesa da concorréncia. APLICAR POLITICAS INTERNAS VIGOROSAS DE DEFESA DA CONCORRENCIA ‘Uma severa politica de defesa da concorréncia — sobretudo no caso de fu- 86es ¢ incorporagées horizontais, aliangas e comportamentos de conluio — ¢ fundamental para a inovagéo. Embora esteja na moda recomendar fusdes, incorporagées c aliangas em nome da globalizacao e do desenvolvimento de campedes nacionais, essas iniciativas geralmente comprometem a criagio da vantagem competitiva. A verdadcira competitividade nacional exige que ©s governos restrinjam as operagées de fusao e incorporacio, as aquisigées ¢ as aliangas que envolvam Iideres sctoriais. Ademais, as mesmas normas refe- rentes as fusdes, incorporagécs ¢ aliangas devem aplicar-se tanto 3s empresas domésticas como as estrangciras. Finalmente, as politicas governamentais precisam favorecer as novas entradas em relagio as aquisigoes, tanto de em- presas nacionais como internacionais. No entanto, é importante que nao se imponham restrigoes 4 aquisigéo de pequenas empresas em setores correlatos quando a iniciativa promover a transferéncia de habilidades que, em ultima instancia, séo capares de ctiar a vantagem competitiva, EVITAR A INGERENCIA NA COMERCIALIZACAO A ingeréncia na comercializagao representa uma tendéncia crescente e peri- 80s para evicar as seqiielas da competitividade nacional, Acordos de seg: mentagao do mercado, entendimentos para restrices voluntatias ¢-outros Mecanismos que estabelecem metas quantitativas de divisao do mer COMPETICAO 203 so perigosos, ineficazes ¢, em geral, acarretam enormes custos para os con sumidores. Em vez de promover a inovacao nos setores econémicos do pats, a ingeréncia na comercializagao garante uma parcela do mercado para em- presas ineficientes. As polfticas comerciais do governo devem buscar 0 acesso aos mercados abertos em todos os pafses estrangeiros ¢, para serem eficazes, nao podem set um mero instrumento passivo, limitando-se a reagir 4s queixas ou atuar apenas nos setores capazes de congregar suficiente influéncia politica; nao podem demandar uma longa histéria de mazelas ¢ tampouco servir apenas aos setores em dificuldades. Ao contrério, as politicas comerciais devem procurar abrir os mercados nos locais onde o pals desfrute de vantagem competitiva e dispensar um tratamento ativo aos setores emergentes € aos problemas incipientes. Sempre que se deparar com uma barreira comercial em outro pais, 0 go- yerno deve concentrar os recursos no desmantelamento dos obstaculos ¢ no na regulamentagao das importagées e exportagées. No caso do Japao, por exemplo, as pressdes para acelerar 0 r4pido crescimento das importa- g6es de manufaturados sao uma abordagem mais eficaz do que a adogao da ingeréncia comercial. Polfticas compensatérias que punam as empresas por praticas comerciais desleais sao prefertveis ao regime de imposigao de quo- tas, Outras ferramentas de importancia crescente para a abertura dos mer- cados so as restriges que impedem os investimentos das empresas dos paises ofensores em aquisigdes ou instalagdes de produgao no pais anficriao — nfo permitindo, assim, que o pais desleal aproveite a vantagem para ¢s- tabelecer uma nova cabega-de-ponte imune a sangées. No entanto, quaisquer dessas solugées ds vezes séo um tiro pela culatra. E praticamente impossivel manipular ancidotos para praticas comerciais desleais que nao comprometam os incentivos & inovagio ¢ as exportagdes por parte das empresas domésticas e no prejudiquem os compradores do mercado interno. O objetivo do tratamento deve consistir em ajustes que permitam a prépria supressio da terapia. A Agenda das Empresas Em tltima instincia, apenas as prdprias empresas séo capazes de conquistar ¢ sustentar a vantagem competitiva. Para tanto, é preciso que atuem a partir dos fundamentos jé descritos. Sobretudo, é importante que reconhegam o papel central da inovacdo — ea verdade pouco confortavel de que a inovacdo emana 204 MICHAEL E, PORTER ‘io ¢ do desafio, A inovagao exige lideranca na criagéo de um ambiente dindmico ¢ desafiador, lideranga esta que deve estar alerta para as sedutoras ro- tas de fuga, que parecem constituir trajetérias para a vantagem competitiva mas que, na realidade, nada mais sto do que atalhos para o fracasso, Por exem- plo, é tentador confiar nos projetas cooperatives de pesquisa e desenvolvimen- (o para reduzir as custos c 0s riscos da pesquisa. Mas esses projetos dispersam a avengio ¢ os recursos da empresa em relagio aos esforgos de pesquisa exclusivos € praticamente climinam as perspectivas de efetiva inovacao. A vantagem competitiva deriva da lideranca que explora e amplifica as forgas do “diamante” para promover e melhorar a inovagao. Aqui estio al- guns dos tipos de politica empresarial que potencializarao esse esforco: CRIAR PRESSOES PARA A INOVAGAO A-empresa deve buscar, e nao evitar, as presses ¢ os desafios. Parte da estra- tégia consiste em se beneficiar do ambiente do préprio pats, de modo a criar © fmpeto para a inovagio. Para tanto, ela dispde das alternativas de vender para os compradores ¢ distribuidores mais sofisticados e exigentes; procurar 08 compradores com as necessidades mais dificeis; estabelecer normas inter- has que superem os obstdculos regulatérios ou padrdes de produtos mais exigentes; selecionar os fornecedores mais avancados; ¢ tratar os funciond- tios como colaboradores permanentes, para estimular a melhoria das ha- bilidades ¢ da produtividade. PROCURAR COMO MOTIVACAO OS CONCORRENTES MAIS CAPA Para estimular a mudanga organizacional, os concorrentes capazes ¢ 0s ti- vais petigosos devem ser encarados como inimigos comuns. Os melhores gerentes sempre atuam com cautela, respeitando ¢ estudando os concorren- tes. Para manter o dinamismo, as empresas devem transformar o confronto com os desafios em parte das normas organizacionais. Por exemplo, o lobby contra padroes de produtos mais rigorosos sinaliza que a lideranga da em- presa esta imbuida de aspiragées decrescentes. As empresas que valorizam a estabilidade, os clientes obedientes, os fornecedores dependentes e os con- correntes soniferos estdo fazendo uma conclamagao A inércia e, em tiltima instancia, ao fracasso. COMPETIGAO 205 ESTABELECER SISTEMAS DE ADVERTENCIA ANTECIPADA Os sinais de adverténcia antecipada se transformam nas vantagens do pre- cursor. As empresas devem adovar medidas que ajudem a detectar os indi- cios de mudanga e a reagir com base nas primeiras pistas, de modo a dar um salto sobre a competigao. Por exemplo, identificar ¢ conquistar como clientes os que apresentarem as necessidades mais avangadas; investigar todos os novos compradores ¢ distribuidores emergentes; encontrar mer- cados-cujas regulamentagées prenunciem as normas emergentes em outras localidades; trazer pessoas de fora para a equipe gerencial; e man- ter relacionamentos continuos com os centros de pesq nanciais de pessoas talentosas. a. € com Os ma- MELHORAR O DIAMANTE NACIONAL As empresas tém um interesse vital em transformar 0 ambiente dos metca- dos internos na melhor plataforma para o éxito internacional. Parte de sua responsabilidade consiste em desempenhar um papel ativo na formagao de aglomerados ¢ em trabalhar com os compradores, fornecedores e distribui- dores domésticos, para ajudd-los a aprimorar ¢ a ampliar a prdpria vanta- gem competitiva. Com 0 objetivo de melhorar a demanda interna, por exemplo, os fabricantes japoneses de instrumentos musicais, liderados pela Yamaha, Dawai e Suzuki, criaram escolas de musica. Do mesmo modo, as empresas so capazes de estimular e apoiar fornecedores locais de importan- tcs insumos especializados — inclusive encorajando-os a competir em ter- mos globais. A solidez ¢ a forga do aglomerado nacional apenas aceleraré a velocidade de inovacio ¢ de aprimoramento da prdpria empresa. Em quase todos os setores competitives bem-sucedidos, as principais empresas também adotam medidas explicitas para criar fatores especializa- dos, como recursos humanos, conhecimento cientifico ou infra-estrutura, Em setores como roupas de la, ladrilhos de ceramica ¢ equipamentos de ilu- minacao, as associacées industriais italianas investem em informagées sobre o mercado, tecnologias de processamento ¢ infra-estrutura comum, As em- presas também sao capazes de acelerar a inovagio, localizando sedes ¢ outras operagées criticas junto a concentragdes de compradores sofisticados, for- necedores importantes ou mecanismos de criagio de fatores espe: como universidades ¢ laboratérios. ializados, 206 MICHAEL BE. PORTER FOMENTAR A RIVALIDADE DOMESTICA Para competir no Ambito global, a empresa necessita de tivais domésticos capazes e de vigorosa rivalidade no mercado interno. Atualmente, sobretu- do nos Estados Unidos e na Europa, os gerentes esto acostumados a se queixar da competigao excessiva ea defender fuses, incorporagées ¢ aquisi- g6es que produzam as esperadas economias de escala ¢ massa critica. As queixas séo naturais, mas a argumentagao ¢ totalmente falha. A acirrada ri- validade doméstica gera a vantagem competitiva sustentada. Ademais, é preferivel crescer no mercado internacional do que dominar 0 mercado do- méstico. Na hipétese de aquisigées, a opcao por uma empresa estrangeira, capaz de acclerar a globalizagio ¢ suplementar as vantagens ou compensar as desvantagens do mercado interno, é geralmente muito melhor do que a fusdo com um grande concorrente interno. GLOBALIZAR PARA APROVEITAR AS VANTAGENS SELETIVAS EM OUTROS PAfSES Na busca de estratégias “globais”, muitas empresas esto abandonando o diamante doméstico. Sem divida, a adogao de uma perspectiva global éim- portante para a criago da vantagem competitiva. Mas a dependéncia em relagdo a atividades externas que substituam os recursos intemnos é sempre uma solugéo secundéria. A inovagio como meio para a compensagio de desvantagens em fatores locais ¢ prefertvel a terceirizagao, o desenvolvimen- to de fornecedores ¢ compradores domésticos é melhor do que depender exclusivamente de fornecedores ¢ compradores externos. A nao set que os pilares criticos da competitividade estejam presentes no mercado interno, as empresas néo sustentarao a vantagem competitiva no longo prazo. O ob- jetivo deve consistit em melhorar os recursos internos, de modo que as ati- vidades externas sejam apenas seletivas suplementares em relagdo a vantagem competitiva geral. Aabordagem correta da globalizacao consiste em explorar, de forma se- letiva, as fontes de vantagem nos “diamantes” de outros pafses. Por exem- plo, a identificagao de compradores sofisticados em outros pafses ajuda as empresas a compreenderem diferentes necessidades e cria presses que esti- mularao ritmos de inovagao mais acelerados. Além disso, por mais favord- vel que seja o “diamante” doméstico, importantes estudos se encontram em andamento em outtos p aises, Para se beneficiar das pesquisas externas, as COMPETICAO 207 empresas precisam dispor de pessoas altamente qualificadas em bases no ex- terior ¢ desenvolver programas cientificos confidveis. Para a obtengio de al- gum retorno dos empreendimentos de pesquisa no exterior, devem permitir 0 acesso as proprias idéias — com base no reconhecimento de que a vantagem compctitiva resulta da melhoria continua, ¢ nao da provegio dos segredos de hoje. RECORRER A ALIANGAS APENAS DE FORMA SELETIVA ‘As aliangas com empresas estrangeiras se transformaram em mais uma moda e panacéia gerencial: representam uma solugio tentadora para os pro- blemas das empresas que almejam as vantagens de empreendimentos ¢s- trangeiros ou, ainda, a provegéo contra riscos, sem abrir mao da independéncia. Na tealidade, contudo, embora capazes de proporcionar beneficios seletivos, as aliangas sempre impéem custos expressivos: envol- vem a coordenacéo de duas operagées separadas, a reconciliagéo de objeti- vos com uma entidade independente, a criagdo de um concorrente ¢ a rentincia a lucros, Em dltima instdncia, esses custos transformam a maioria das aliancas em mecanismos transitétios de curto prazo, ao invés de relacio- namentos estaveis de longo prazo. Mais importante, as aliangas, como estratégia ampla, apenas assegura- rio a mediocridade da empresa, ¢ nao a lideranga internacional. Nenhuma empresa pode depender de outra, como entidade externa e auténoma, para 9 fornecimento de recursos ¢ atives que constituem o cerne de sua vanta- gem competitiva. As aliangas so melhor utilizadas como ferramentas sele- tivas &s quais se recorre em bases temporarias ou para o desenvolvimento de atividades nao essenciai LOCALIZAR A BASE DOMESTICA PARA SUSTENTAR A VANTAGEM COMPETITIVA Entre as decisdes mais importantes das empresas multinacionais, encon- tra-se a escolha do pais onde localizar a base doméstica para cada negdcio distinto. As empresas podem ter diversas bases domésticas para diferentes negécios ou segmentos. Em iltima instancia, a vantagem competitiva ¢ ge- rada na base doméstica onde se estabelece a estratégia, se desenvolvem os produtos essenciais e as tecnologias do processo ¢ se constitui a massa critica 208 MICHAEL E. PORTER de produgao. As circunstincias do pais em que se situa a base doméstica de- vem sustentar a inovacao, do contrério a empresa ndo dispord de outra al- ternativa sendo relocalizd-la em outro pais que estimule a inovagio ¢ proporcione o melhor ambiente para a competitividade global. Nao hé me- jas medidas: a equipe gerencial também precisa cransfetit-se para a nova base doméstica. O Papel da Lideranga Muitas empresas ¢ gerentes de alto nivel véem de forma etrada a natureza da compctigao ¢ 0 verdadeiro escopo de suas atribuigdes quando se concen- tram na melhoria do desempenho financeiro, nas reivindicagGes de apoio governamental, na busca da estabilidade ¢ na redugio do risco através de aliangas, fusées e incorporacées. As realidades competitivas de hoje exigem lideranga. Os lideres acredi- tam na mudanga, energizam suas empresas em busca da inovagao continua, reconhecem a importancia do pafs como parte integrante do éxito competi- tivo e trabalham para seu aprimoramento. Mai importante, os lideres reco- nhecem a necessidade das presses e dos desafios. Como estio posts a encorajar politicas e regulamentagées adequadas ¢ dolorosas, freqiiente- mente recebem o titulo de “estadistas”, embora poucos se vejam nessas con- dig6es. Estao preparados para sacrificar a vida ficil pela dificuldade e, em iltima instincia, pela vantagem competitiva sustentada, Esse deve sero ob- jetivo, tanto para os pafses como pata as empresas, nao apenas sobreviver, mas conquistar a competitividade internacional. E nao somente uma vez, mas continuamente,

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