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Conselho Editorial ‘Nex Primo - UERGS ‘Alvaro Nunes Larangetra- UTP Carla Rodrigues = PUC) (Gro Marcondes Filho - USP Cestiane Fretas Gutfeind - PUCRS edgord de Asss Carvalho ~PUC-SP Eck Flint ~ VER) | Roberto Whitaker Penteado ~ESPM, Joo Freire Fo - UFR) Juremit Machado da Siva - PUCRS ‘Marfa Immacolata Vassallo de Lopes - USP Michel Mafesll Paris V ‘MunleSodre ~ UFR) Philippe fron ~ Montpelier Pierre le Quéau ~ Grenoble Renato Janine bei ~ USP Sandra Mara Corazza - UFRCS Sara Viola Rodrigues - UFRGS ‘Tania Mara Gall Fonseca ~ UFRGS ‘Vicente Melina Neto - UFRGS Maura Penna MUSICA(S) e seu Ensino 2 edicao revisada e ampliada 3 Bator Saline (© Mave Pena, 208, a Lica Lange Pj ie, FOSFOROGRIACOC Sse Fst Stardato Revs Gaia Ka ts Ls ames Pedgio— rimrsso Das nero Casi na ag OF Blac gi Dnse x de eae Sas OR 10980 Puan Pena ous Wale ueroo Marafuns 2 0 ean Page: Sina, 2012, wp Isa 75 95-205 05755 Wisin 2 Misia ase. | Tl I es, Nou oo. 780 cov s7e818 8 ess us tego esas Tora eM LTA ‘Osa rata, 40 coy 1D, iP. 10 — Fr lege AS Te 1) 251-0 Fae) 3614196 sules@eitasaina comb vwevsatasiva cami eo 2012 Ingress no rst itn Bri ‘A meus filhos, Tiago e Danilo, com quem tenho compartihado projetos de vida SUMARIO Perri ~ Jusamara Souza 9 Amesexragho. 1 Parte I~ MUsica(s) e musicauizagno 17 Cariruto 1 D6, #6, mi, fe muito mas: ‘iscutindo 0 que émisiea 19 “Musicaizagdo: tema e reavaliagtes 29 Cariruto 3 ~ Miisica(s) seu ensino:reflexdes sobre cenas cotidianas 50 Caviruio 4 ~ Contribuigdes para uma reviso das nocies de arte como linguagem ecoma comunicagso 66 Cavinuto 2 Pagte IL Mosica(s) ecuLtura(s) 79 ‘Cariruto 5 ~ Podticas musicas epriticas socials: refledes sobre edueago musical dante da diversidade 81 ‘Cartru.o 6 ~ Misica(s,plobalizagio e identidade regional © projeto “Pernambuco em Concerto” 101 Panre III - Muisica wo curnicuto escovan 119 ‘Cantru.o 7~ A dupa dimensto da politica eucacional ‘© misica na escola: I~ analisando a leislagto cetermos normativos 121 Cariruto 8 ~ A dupla dimensto da politica educacional © a misica na escola: I da legislagao A pritia escolar. 143 Pare IV — PENSANDO A pRAnICA pepacoaica 171 ‘Caviruvo 9~ Ressignificandoe recriando rnsicas: 18 proposta do re-aranjo em coautoria com Vaniido Mousinko Marko. 173 Cariruvo 10 A fala como recurso na educag0 musical: possibilidades e relagies 208 Rerenencias 231 PREFACIO io seria exagero afirmar que Maura Penna é uma das edu- ceadorasbrasileias que mais esereve sobre a presen ¢ a institucio- nalizagdo da masicana escola, Assim nio surpreende esta coletinea de textos sobre misica(s) eseuensinoreuninao artigos aneriormente publicads, agora stuaizados, revisados e ampliados. Neste livro, a ‘autora conduz-nos por uma série de reflexes que foram inscreven- do suas preocupapdes ao longo de sua experincia académica como rofessora universtiia, Esa recolha inédita de textos ¢ organizada de uma forma primorosa. Compost por dezcapituleso liv dividido em 4 partes ‘8 primeira apresenta conceitos e concepges bsicas sobre a misica Vinculada & pritica pedagégica: a segunda & dedicada a relagio Isic ¢ cultura, um dos aspectos centrais da contemporaneidade; ‘8 terceira trata da misica como uma discplina escolar ea quarta & ‘consituids por um conjunto de experincias e propostas que ilustra 4 utlizasio da misica na formaglo, A organizasio dos capitulos permite uma leitura encadeada. Isso no impede, porém, uma letra ‘numa ordem aleatéria eautdinoma de cada capitulo Misica(s) e seu ensino & uma obra acessvel para misicos «eno misicos. Bem escrito, livro emprege linguagens e concitos ‘complexos que, ao longo dos capitulos, so explicados de uma forma, , "respite ver Captus 78 Com bate em nossa cxperinca como professors da rede pics do Go- ‘vero do Distrito Federal enreos anos de 1977 1984, presentamoscomo ‘xcmpl cao de Bria onde ac em uma da rede fi de csi mai te estrada, fomecend educa gratuita amplas e dfereacadas ‘amas da populae2e. Ene a escols da rede, encontam se » Escola de Masia de Brasilia alver a maior esas bem equiped escola pion nivel mio especializada em misicndo pis ~ eas Eolas Pargue ‘estoadasa vgndes de complementao da formato regular, dete clas ts atades, Plo menor sé 198, quando err quo ae Esclas Par, 39 ‘eursos, que os alunos desses estabelecimentos ndo dispoem ‘ormalmente, em seu ambiente familiar, de condigdes favoraveis 4 um bom desempenho escolar, ou que possam promover uma Aisposigio durivel para prética cultural (nos termos em que @ escola ie exigin, No nivel do processo pedagégico propriamente dito, a ‘sco valoriza e reforea os padres culturis expressos no vocabu- lério, na estrutura das frases, nas maneiras de se relacionar vigentes ‘nas camadas médias, segregando 0s alunos que no 0s possuem. A ‘so pedagogica se basiae se utiliza desses padries (a linguagem, ‘omportamentos,interesses), endo de dificil assmilagdo para aqy "es que ndo os vivenciam em casa, Esses mecanismos agem de tal forma que dissimulam a diseriminagdo que produzem, eo aluno que € tevado a fracassar interioriza “as razbes da culpa como devidas fi ‘ua propria incapacidade¢ falta de motivagio" (Cunha, 1983p. 217). Enfocando especificamenteo ensino de misica, também se ‘Encontram evidéncias da atuagdo dos mecanismosassinalados, O que ‘epresena a atitude “estudei misica, mas no dow para isso”, elem <4 incorporagio da culpa pelo fracasso com falta de talento, aptidio, (8 musicalidade, quando a realidade mostra um processo de ensino ‘we, preso a determinados padrbes(e mesmo a certos métodos que a sles comespondem), & incapaz de atender as necessades do sluno? © que dizer de alguém com uma experigncia pritica no campo da ‘misica popular, que toca de ouvid, improvisa ea mesmo compe, © due procura uma escola especializada para aprofundar seus conhe- imentos ¢ ampliar suas possibiidades e sai de li desiludido, para hunca mais voltr, por vezes deixando até de tocar? Foi excluido; su vivéncia ndo foi valorizada ou mesmo considerada; por: a sua ‘usicalidade nao era “a musicalidade” que norteava o ensino al {2s las localizvam-se no Plano Pio, onde oaivel de vid rams alo. 0 rofessores spcialzadosem mise de pena um sola Pact mor mimero qu conjunto desses profeseres ma Rend eu das kddessties mas distant 40 Bourdieu e Darbel (2003, , 100-111), discutind a formagao «da competénciaartistica, demonstram que os mecanismos que agem ‘no interior do sistema de ensino (em geral) paraa exclusio e asl tividade so os mesmos que agem no campo atstico, pois se tata de ‘uma nica e mesma questi 6 acesso a uma cultura erudita, formal, ‘queno ¢dadoa todos na sociedad A escola tua sobre experinias cultura presents, trazidas pelos alunos de sua vivénca familiar «© cotidiana. Assim, sto pressupostas certas eondigdes prévias como base paraaagao escolar. A propria comunicago pedagégica¢fungio da cultura ~como sistema de esquemas de percepyao, de apreciagio, de pensamento ede agio, historicamente constiuido e socialmente ‘condicionado” - que o receptor deve a seu meio, e que se aproxima mais ou menos “da cultura erudita transmitida pela Escola e dos ‘modelos lingusticos culturas segundo os quais a Escola efetua tal ‘ransmissio" (Bourdieu; Darbel, 2003, p. 110-111) essa forma, 0 easino antistco encontrado nas escolas — inclusive nas especializadas ~ s0 pode ser eficaz para aqueles que tiveram as condigdes socias necessirias para desenvolver uma com petéocia prévia, uma familiaridade e pritica cultural como pressu- postos para o aprendizado formalizado. A competéncia artista, tio referida, € adquirida através das “aprendizagens imperceptiveis © inconscientes” de uma educagio precoce, “ao mesmo tempo diftsa €toial” (Bourdieu; Dasbel, 2003, . 108), que, através de ume lenta familirizagao, € capaz de interiorizar a cultura como uma “dispo- siglo permanente e generalizada para deciffar os objetos eos com- Portamentos eulturais" através do dominio de suas linguagens, de ‘seus principios de organizagio (p. 110) [us aeducasdo escolar end a fivorece reload cone - ciemte de esquemas de pensamento, de peeepglo ou de expresso, écotroladoeinconscientemente, por um ado, 30 formula explictamente o prineipios da gramtica cra ora, por exemplo, 35 es dahannonia edo contaponte cu asregrasda composi pictur, por our, 20 frnecero mer veraleconceiualindispensive pare dar nome is 4 iterengas anes de tudo, prcebidas de mancieapramente ingitiva Bourdieu: Darel, 2008, . 106), A revelacio desses mecanismosrelativos & atuagio da es colaéoque permite entender plenamente a nossa colocagio anterior 4 respeito ds musica erudta, como um padrdo que tem narteado © ‘nso na ea: € 0 padtio a alcancar,legiimado pela escola, que a «tabelece como a misica digna de ser admirada; 20 mesmo tempo, um ideal incessive, uma vez que a ago pedagigica 36 & eficaz sobre uma vivénca cultural prévia, que a escola pressupie, mas no romove sistematicamente Se. condigto para o sucesso na escola, tanto no campo da ‘isiea como no desempenho global, & uma competéncia prévia, _getuda por experiencias culturais que sdo desigualmentedistribul- dasa sociedade, a escola acaba por reproduziressas desigualdades ini, Sea insttugdo escolar se dispensa de promover metodica- rene st cultura que ela pressupde, “ao [se] omitir de fornecer a todos 0 que alguns recebem da familia” - como dizem Bourdieu e Date (2003, p. 108) ~ estaré perpetuando e legitimando as desi= uidades socias,ndo sendo capaz de quebrar 0 cireulo vicioso que conden so facasso as ages de educagdo cultural (dentro e fora da seo, como os concertos gratuitos, por exemplo), Noentanto, sea escola reproduz a estrutura de classes, man tendoelegitimando o acesso diferenciado cultura arte e& msi, elatambém é um lugar de conflito,passivel de ser transTormada (ot mesmo conguistada) A escola ¢ uma realidade complexe dindmi- ‘x prodto histico da sociedade na qual se insere, nfo deixa de infuencé-l, também produzindo essa mesma sociedade, E portanto 1m espa vivo, onde © processo de ensino-aprendizagem, n0 seu fazersea cada dia, € um movimento que traz em sia posibilidade donovo, Assim, enquanto a escola, como instituigdo socal, ndo se ‘ransfoma em seu carter seletivo, cada educadorndo pode se eximi + Rpresentagdo a CD Bico So, dsposive ene , acess em 15002008, 35 termos de Jardim (2002, p, 108), Vale resaltar gu do conservatério como representante das escolas de misi de cari ter tdcnico-proisionalizantc, no temos por referEnca inlituigdes coneretasespecificas~ que tém suas paticularidadese seu dinamis- ‘mo*, Antes, referimo-tos a um padro cultural tradicional de ensino dde misies, bastante difundido e ainda dominant, cujas pritias so ruitasvezes encontradas, inclusive, em departamentos de misica de Uuniversidades (em certas disciplins). Caleada em grande parte no ‘Conservatorio de Pars ~fundado em 1795 (Vieira, 2001, p. 47) 1 tradig8o desse tipo de ensino se mantém como referéncia, sendo bastante resistente a transformagdes. F.6 “objetivo ea carateristica ds "tradigdes"(..] €a invaribilidade. O passado real ou forjado a ‘que elas se referem impo priticas fixas (normalmenteformalizades), {ais como arepetigdo”, como mostra Hobsbawn (1997, p10). Dentro dessa tradigdo, portato, mantém-seo direcionamento do ensino de Iisiea para o dominio da Ietura e escita musicais, em fungao da, prea de instrumentos tradicionais, num modelo que € atrativo na ‘medida em que “serve para perpetuago de algo estabelcido”. como pontam Mendes ¢ Cunha (2001, p. 85) ‘Vejamos, entio,algumas cenas cotidianas de aprendizado, ‘musical, bastante caracterstcas. A cona 2 eaacteriza 0 comumente ‘hamado “tocar de ouvido", ea cena 3 0 “tocar por particu”, prtica corrente do conservatirio, onde o tocar de ouvido &, muitas vezes, expressamente proibio. {oar SSSRESSESEED © rapa toca vido numa roda de amigos que cantam, “Ca- tando” no brago do viol, acompanha uma cangdo que ni conhecia, Mas ele no sabe dizer qual é tonalidade, qual acorde {ca ou por que usa este endo qualquer outro, ae Ver ene urs, Aro (2001), qu ani os proesos de questnsmen nero ed renova em um caer de Maas Gerais 56 (© “violdo de ouvido” & uma forma popular de aprendiza ‘gem pritica da musica, caracteristico de pessoas que aprenderam por conta prépri, observando os outros tocarem: allo no brago do violdo + ouvido em ago. Nel. a relagao bisica & entre o resultado sonar € a posigo no viol (ou seja, 2 ago motors). ‘Segundo Jerome Bruner, as experigncias precsam ser ar- ‘mazenadas para que possam estar disponiveis, quando necessaro, sob diversas formas de representago: o""modo ativo" (ou inativo) resulta ‘de um conhecimento obtido pela pripria ago fisica, com um minimmo de reflexdo; 0 “modo icdnico” refere-se 4 experi¢ncia armazenada através de “imagens mentais” (visuas, auditivas ou cinestésicas); “modo simblca” Faz usa de palaveas ou outros simbolos, permitin- do econsitui,prever, registrar e comunicar-se (ef. Aronoff, 1974, 31-33: Santos, 1994, p. 29-24). Sdo esses, portato, os “modos de ‘conhecer” ou “modes de representagdo do mundo exterior”, Nesse ‘quatro, a prica musical exemplificads pela cena 2 envolve, basica- mente, 0 mode avo e 6 mado icdnico, que diz respeito as imagens uditiva, estando 0 modo simbslico de representaglo praticamente usente. Assim, “ha conscigncia de processos harménicos revelados nos encadeamentosescohidos, mas nao hi conhecimento das mesmos enquanto constructos", como diz Santos (1994, p. 17) Como diseutido antes, esse tocar de ouvido pode ser res- ponsivel pela formagio de misicos com priticas verdadeiramente rieas, como os chores estudados por Assano (2001) ou misicos ‘como Djavan, que se inserem na industria cultural ealeangam apo reconhecimento.Caracteristica de uma educagio nao forma’ ligada 4 miisica popular, por vezes se insere em pratias que apresentam alguma sistematizagio, como nos chamados métodos de viola popular ou nas revistinas de canes effadas, por exemplo, que Libineo (207, 88-89) caracterizaa educa no formal como inion [enkoracom hi gau de wiruuagioe ssematzasi, lactis foal, {ue pode acer em espaosistitacintizados no, congue coro tim esino enciona, stems, com condgies prviament preps ‘tacteriando-e conto um tabtho peda gice-diico, 37 ‘envolvem alguma representagio simbslica, através da clasiicagao os acordes. Conirestando com a cena 2, as préximas cenas retratam priticas correntemente relacionadas a0 ensino-aprendizagem da misicaerudita, em contextos de educagdo formal Cena 3 De olho na partitura, a menina “cata” as teclas do piano, “tirando” uma nova misica Mas ela nto € capaz de “imaginar” a misica antes de fazer o piano soar; é a partitura que indica a apo ‘motor sobre o instrimento, da qual os sons resultam. [No piano ou em qualquer outro instrumento, esse é um per= feito caso do que podemos chamar de adestramento visual-motor: “bolinha ali ( nota tl), ponha o dedo aqui”. Muitas vezes, & isso ‘© que acontece quando o estudo do instrumento se inicia através do ‘conto simultneo com o instrumeato ea partitura. No c380,estBo ‘envolvidos a5 modas de conhecersimblico (a notagdo), e ativo (a glo motora),fcando relegado o modo icfnico, relacionado com 0 ‘chamado “ouvido interior” Esse modelo de aprendizado musical opte-se aqueleilus- trado pela cena 2, até mesmo pelos contextos em que se inserem e pelos seus significados sociais, Se o “tocar de ouvido" se configura Iuitas vezes como uma forma de edueagdo nio formal ligada & ‘musica popular, oadestramento visual-motor exige a fungo do pro- fessor, para 0 aprendizado da leitura da parttura ea “apresentago™ ‘80 instrumento, estando vineulado & misica eruita ea situagdes de ceducagio formal ~ seja em uma escola especializada ou em aulas com um professor particular. ‘Mas as cenas 2 e3tém cada qual a sua limitagdo, na medida em que nenhums dels consegue inter-retacionaro dominio do insiru= ‘mento & formagdo de imagens auitivas & sua representag3osimbli= «a, ou, em outros termos,na medida em que elas nao articulam os és ‘modos de conhece. A cena 2, pela falta de dominio das representages 38 simbélicas da inguagem musical, que permitem 0 seu registro, a ‘comunicagio ea conscienizago de suas estruuras. da iltima cena ‘é comprometida pela falta das imagens auditivas, Fundamentais no ‘ensino da misica, j que esta se concretiza como fato sonore. “Cena ‘A turma de eriangas realiza uma litusrtmica,batendo com ‘mio o pulso nas carterase falando ta—taa~ ta ‘ta tan. (para o ritmo). Mas sem que esta leitura de duragies diferentes considere, por exemplo, as relagdes de impulsoapoio {que caraterizam o ritmo musical Esse exerccio de “leita” ¢ bastante corrente, sendo rea tizado com a notagio convencional na tadicionaisaulas de teoria ce percepeHo, visendo ao adestramento para a leitura da partitura, ‘Também pode, entretanto, te lugar com formas de representagio ‘mais analdgicase simples ~ como cartes, blocos au tragos propor- cionais~, seja como etapa preparatéra para abordar a notagao, seja ‘em priticas que, trabalhando sobre os elementos musics bisicos, ‘procuram formar concetos musicas'. Em qualquer uma desss si tages educativas,o resultado da leitura ritmica apresentada na cena 4 é igualmente mocénicoe sem expressividade, pois: [.) enfasizar oteno de elagbes isladas,objetivando sua sutomatiagio,&reuzi os elementos musics eae go tia gids que no guardam mais neanuma relaglo como Fendmenoreal, vivo em cada context, desearacterizando@ Tinguagem. A fragmento do objeto musica em unidades Pr formar coneiosentendemos 0 descavovimento ée referencias de percep ineralizados que permit identifier, 90 Iso sonar, 0 [ribose arc osclemetos musica. Ese proceso difeencae Se radialente,porano, de omecer ei decor wa dein (eral) ‘Beesiabelccida, pos dcnigdo cum recurs pas expesar um conceio, {hase gaa pors 3,0 Gomino do mene eapacidade de apc emus pow situate 39 _nais simples para compreensioe anstise no deve prov ‘i simplifcaSo tal que odes de dimensio esti © ‘musical Santos, 1990, p. 34), Como finguagem atstca, a misica caracteriza-se por sa fungzo expressiva. A propria forma de organizagao de seus clemen- tos de linguagem — que segue princpios e padrdes diferenciados, conforme o tempo (histrico) eo espago (Social) determina 0 con. ‘eido expressivo da obra, Assim, o desafio&trabalhar os elementos, ‘usicas bisicos em sua fungao expressiva, preservando, mesmo nas Priticas mais elementares, o carter anstco-expressivo da misica, "Nesse sentido, mesmo as primeiras misicas tocadas no instrumento {devem ser abordadas em sev fraseado, em lugar da sucessio meci- nica de sons que o adestramento visual-motor (lustrado pela cena 3) eo exercicio de leiturartmica da cena 4 costumam produzir. Isso, implica a necessidade de slevionare prepara exercicioserepertério, que, além de promover um progressivo dominio do instrumento, ‘jam signifcativos em termos musicais:“Toda atividade de ensino «darmisiearequero desenvolvimento de priticas que devem se earac= {erizar como expressoes musicaissignifcativas e nlo simplesmente como um conjunto de exereicios para @ assimilagdo de aspectos ‘éenieos eesteuturais" (Queiroz, 2005, p. 55). Em um estigio mais avangado de aprendizado musica, s: tua-sea cena 5 tipica de um ensino tradicional de misica, de cariter ‘enico-profissionalizante, em que, mutes vezes, a pattura &tomada ‘como misiea, como jédiscuido. Conas ne Sentado & mesa, com lips e papel de misica,o estdante Fes” qual deve ver opréximo score num exerci de = Mas a harmonia€realizads como um perio exere- cio de bolas na pauls, sem a menor idcia de como 50a ‘oque est sendo grafadoirepresentado;a "descoberta”™ se sua realidade sonora apenas se di quando, depois «e concluido, o exercicio étocado ao piano. 0 De acorda com os modos de conhecer de Bruner, antrior- mente referids, essa cena coloca em ago apenas 0 mado simbélico, apresentando uma pritica ainda corrente, embora jé denunciada por Daleroze (que procurou superi-a através de sua propostapeda- {6gice) no inicio do séeulo passado, com relago a seus alunos de hharmonia do Conservatorio de Genebra (ef. Santos, 1994, p. 43). situagao dessa cena é tio absurda quanto a de alguém que é eapaz de redigir perfeitamente em latim ou alemdo (com tudo correo: ortografa, gramitica, concordincias,declinagdes) sem tera menor ‘deia do que significa. Nos dois casos, executa-se um verdadeito “jogo de signiticantes", obedecendo a todas as regras de sua orga~ nizagio ¢ artculagto (de sus sintaxe, em suma), sem que se chegue ‘ construir uma significagdo —o que éessencial para a configuracto de uma linguagem, inclusive a atistieo-mascal ‘Como vimos, a notagdo musical ¢ produto de uma abstraglo, permitindo registrar aestruturago musica, sendo dtl para pensar a ‘organizago dos sons na sua auséncia, mas ndo & misica, pois estas ‘se ealiza em sua conereticidade sonora, om profunda caracterstica temporal. A misica, como fato empirico, s6 existe enguanto soa. A paritura no soa por si s6; ela representa os sons. No entanto, 6 ‘0s representa efetivamente quando se liga a um significado sonoro, correspondendo a uma imagem auditiva; quando, so ser lida, pode “soar na cabega” — ou sea, quando os modas simblic ¢iednico se iestigam. Nesse sentido, 6 a posse da imagem sonora [..] €&operaio sobre ela inane oexeticio david masical on ausécia do material coneteto, A operagdo através de proposigdes Imusicissbstrats (grafa musicale proposes logics, hipotésio-dedutivas) supe a audio interior das elagoes ometetas entre parmetrs da linguagem musical. Caso ‘conti, aselabesestabelecidas sero meciniasvaias (Santos, 1994, p38), Essa audigdo interior, entretato,s6 € possivel para quem possui referencias sonorosintemalizados ou, em outros termos, para 6 «quem dispde dos esquemas de percepsdo necessirios &apreensio da linguagem musical. Seas priticas de educagio musical exemplif «adas pels cenas 3 5 s6 podem ser realmente eficazesnessas con 4igbes, elas prOprias nao promovem a formagi dos dtos esquemas de pereepedo. Pot vezes, tis préticas pedapégicas articulam-se a uma vivéneiaprévia ou a outasatvidades educaivas, de modo que, em 4 um método« menos do que a Hosni cl econ se Cem, i ‘se unificadors no modelo dings modraa ema gua dagule gue {apresenado como osu inkcador Ferdinand de Sas” (Dose, 1993, P63; eh. 15.48) 68 Em contrpartida, as ates defronart-se com a impossbilidade {dese estabelecer dcioniios. Nese sentido trechoseguinte msantém um claro paralelo com o posicionamento de Wien, antes eitado: A fotografia, portant, ao tem vocabuléio, © mesmo & ‘obviamente verdadero com espeito pinta, ao deserho te. Exist, sem divida, uma nica de pintr objets, mak 4 Tet que gover a refvda tenes no pode chamar-se ropriamente de sina”, pois no exitem quaague it «qupossam ser denominados,mtaoricament "pale da etratagio ‘Uma vez que notemos pals, nto pode have diclonitio esignicados praia, sombreudos ou outs elmer tos a téenica pietérea (Langer, 1989, p. 102), Esperamos mostra, no curso da presente dscussfo, como ese modelo de linguagem verbal (ede discuso) que serve de pari. metro para as concepebes de Langer acerca da arte ¢ extremamente limitado, no endo adequado para a compreensio quer do uso da lingua nas interagdes cotidianas, quer das linguagens artistic, Na verdade, as controvérsias sobre a rte ser ou no uma linguagem inserem-se numa discussio muito mais ample persis- tente: desde a Antiguidade, dscute-enafilosofio que é linguagem «© qual a sua relagdo com o mundo (et: NEF, 1993), Mesmo com respeito unicamente i linguagem verb, no proprio campo de lin ‘uistica ha teorias em oposiedo, Tanto Saussure ~ coma dicotomia, lingua versus fla —quanto Chomsky - opondo competéncia versus performance ~ instauram uma linguistic do sistema, excluindo do. cestudo ciemtfic da lingua os segundos elementos dos pares, rela tivos @ linguagem em uso”. Dessa forma, estes tedrios estudam & linguagem verbal ~essencialmente humana ~ in vitro, eonsiderando valido apenas: ‘Quuno as ers destes autores. uj inci sf presente ahem livers es doconkocimemto, vero lsios able: Sasa (F970) Chomsky (197), Cy [lo estudo do sistemdtien e do invardvel, do que mo se desenvolve no tempo mas que permanece relativamente fixoe portato possivel de desrever por meio de ears. Destepontode visu, o discus que €ainica"wealidade™ Linguistica exterior, dada exprincia~éum produto teo- rieamentesecundrie dos mecanismos ments que tornam possivel a inguagem ..] (Reyes, 1990, p39) ‘Contudo, tendéncias mais recente no campo da linguistca ise do discurso ea pragmtica®~tomam como objeto de estado a linguagem em uso, tomando centais 0 contexto a in tengo, e eolocande em pauta, entre ouras questbes, os processos de ‘compreensio, interprtagio ede negociagdodo sentido, explicitando, inclusive, o papel dos conhecimentos de mundo e das inferEncias na signticagdo, Nesse quadro, considera-st a linguagem como essen- ialmente ambigua eindeterminads', de modo que a signticegao ndo ‘se esgota no préprio funcionamento do sistema lingustico abstrato, cembora, sem divida, deste dependa, [. sipifcagio no se ach autonomamente no texto ‘somo sea lingunger tives uma significa aoe” plena « identficve. Por outro lado, também parece evident que ‘ ignfcago no 6 uma decorstcia da purse smpesco0- textnlizago dos enuneados, como ea lingua no tvesse > E nests tndncas de nguitica que busearos referents ios prs 8 vio das noes deat como linguagem ¢ como comunicaso Conscien ‘erent, no os propomos 2 abd as divers conibuisbes do campo 6 semidccalsmiologia, Vale lembrar que a peegmtice no & umn amo Ge estuds exclisivo ds linguists ( Moeschler Rebol, 198, sno feremente vinculds & foro, de onde provém muitos de Sees cncios Incr (ef Reyes, 1990, p72). A esse respi, diz Marcuse (2007, 138) “a Ign o tem uma Seminiesfmanens, mas ela € um sistema de signs indterminados em ‘ios niveis rnin, emintico,morfligico pragma). Ver, sin, Franchi (1977,p. 23) Pose (988. 8; Mare 001 p43). 0 neshum nivel ntelinguistio de signifcago. A sugestbo ai feita(.] postu que a signifcago dos enunciados «05 sentidos dos textos slo 0 produto (Fungo) de um conjunto de foes entre os quais a contextualzasd0 ou inser contextual em un papel relevant] Marcuse, 1995,» 45-46) ‘Convém destacar as diferengas entre este posicionamento «de Marcuschi (1995) e 0 de Langer (1989), antes eitado, Enguanto Susanne Langer concebe a linguagem (verbal) como possuindo “unidades permanente de significado” e “equivaléncas fixas” ou seja,“uma signficago“ieral’plenaeidentificavel”, nos termos de “Marcuschi--,esteautor defende uma posieio diametralmente oposta, afirmando que “a significagao nto se acha autonomamente no tex”. ‘No entanto, sea significa ndo se esgota no funcionamento do sis> tema linguistico, ela também se constituistravés dete, que configura ‘um nivel importante da signficagdo; negar este nivel intralingus- tico de signiicagio implicara supor que é possivel toda e qualquer interpretagio de qualquer texto. Em contraposigio a visto dos significados linguistios como fxos, permanentese litera, articula- dos em sucesso no discurso, como defendido por Langer, Marcuschi ‘concebe, portant 2 significagao como resultante de um conjunto de fatores, entre eles a insergio contextual, Dessa forma, slo possiveis tia leituras de um mesmo texto, mas no qualquer leitur, uma ‘vez que, entre os diversosfatoes envolvides, ata também 0 proprio sistema lingustico, Em suma, embora a significagao dependa dele, «la no se esgota no funcionamento do sistema lingustco Neste quadto,“discurso”é algo mais do que acombinagio sucessiva de “unidades de signficago” em “unidades maiores”, como prope Langer (1989, p. 103-104 acima ctado). 0 diseurso ino deve ser tratado apenas como “uma virtualidade previsivel por certa combinagdo de elementos segundo regras sintticas conheci as", embora ests aspects seam, sem divida, suportes necessérios = mas nao suficientes ~ para explicar sua significagdo (Possen 1993, p. 61), n [dizer que flame constnw 0 dscursa significa dizer due ele, submetendo-se a0 que & determinado(certos elementos simtcose semdatcos, certos valores soca) 1 momento em gue fal, comsiderando a situa em gue fala etendoem vistas efits que quer produzi sco, entre 05 recursos allemativos que o trabalho linguistic de ‘outros flames 0 seu prépio, até o moment, the poem A disposi, agueles que the parecem os mais adeatados (Posse, 1993 9. $9)? 0 discurso pode, portant, ser entendido comoa colocagio ‘em funcionamento de recursos expressivos de uma lingua com certa finaidade” (Posseni, 1993, p. 49), Se substituirmosotermo "lingua" — ‘que serestringe ao verbal por “linguagem” esta colocagio também apropriada para aate e podemos tatar a manifestagdo aristiea 0 seja, 0 discurso artistico - como a colocagio em funcionamenta de uma linguagem artistca com cera finalidade, ou em outros termos, ‘0 uso intencional de seus elementos e principio de organizagio, Por iodo exposto, tomas claro que a ubordagem que tata, linguagem verbal simplesmente como um sistem formal, abstrato, em eufo funcionamento se esgota a signiticaglo, ilo pode mais ser sustentada. E assim sendo, tal eonceped0 no pode servir de medida para excluirda ate 0 carter de linguagem, ‘Acreditamos que as novas contribuigdes da linguistica po- dem, num tabatho interdiscplinar,trazer relevantes contribuigaes para a revisio da nogao de arte como linguagem, Enretano, pela ‘complexidade que as questdes acerca da linguagem assumem na Esta perspective permite tla s linguagsm (vsbal) somo produto de onvenjto ou sa, de proceson hisrics esos a0 meso tempo femaquereconhece oscu carter dnimica"Prodirum dscurso contin gino com esa lingua nd sem rela a um inloco, ni tan Sobre propria lingua No mini, sad ver qu ut loco i una pal ‘ra, est colabrando para que ings conte mane un determiad trgo on, inversamenc, prague els vena a modiicurse (Posen, 1098, p 37-58) n histria do pensamento ocident ‘momento, na nogdo de comunicagdo, que subjaz & de linguagem e ‘que inclusive, colocada em pauta pela pragmitica, por sua propria perspectiva deandlise: "A progmtica €a dsciplina linguistice que estuda como os seres falantes interpretam enunciados em con- texto. A pragmatica estuda a linguagem em funcio da comunicagao, ‘que equivale a dizer que se ocupa da relacio entre a linguagem e © falante" — ou, de modo mais amp, da rlagao ene a linguagem e seus usuiris (Reyes, 1990, p17) ‘optamos por nos centrar, neste digo e Decodificagao: uma concep¢ao de comunicagao Um modelo corente de comunicapto € o que se baseia na dicotomia “eodifieagio edecoditicagao"™. Derivado da teoria da co: municasAovinformagao, este modelo jéclisicofundamenta diversas abordagens do texto edo discuso, assim como discussdes a respeito das linguagens artistcas, sua apreciagio e seu ensino, Tratando a ‘comunicago como um provesso em que 0 emissorcodifica a men- sagem e o receptor a decode, tal modelo pressupde que, havendo ‘© dominio do e6digo ~ que permite uma decoulificagao adequada ~,0 sentido original da mensagem (ou, em outros termos,a inteng0 ‘do emissor) pode ser resgatado, (© problema desta concepeo ¢ 0 seu mecaniismo: & como se oemissor, ao codifcar a mensagem, colocasse a sua significagdo Ne re dean, poems desta tro modelo corent: 2 concep da ate como expresso e comunicri. Esa € uma pespectva coast 80 Romantismo, gu trata arte como expresso de setimentas eens, col ead coro cori nogtes de genie, amp «eriginalidae [ess forma es de comengio¢ walmart desartada 0 gh posi Tin que vane strata como linger. ogo decomunicsto ent, ‘ea Inrameatesuboinaa de expres, de mado que acomumicago € ‘comida coo devon dings, da emptia.da comma oe, {dvenconrerreaenocio do ats ea doespctador Sobre est concep ‘cosseis proba, ver Pen € Alves (2001, B 0s pedagos dentro de um balde eo enviasse ao receptor, ete, por sua vez, de posse das regras de “montagem”, reconstitulsse a signi- fieagdo original da mensagem. Nesta visio, marcada por um alto grat ‘de automatsmo, 0 dominio do c6digo garantiria uma “leituta” (ou se, uma decodiicag20) univocae sem ambiguidade Esse modelo, portanto, desconsidera tanto atvidade ~ 0 “‘tabatho", nos termos de Possenti (1993) ~ dos interlocutores {emissore receptor, no modelo em discussto), quant os processes de iterpretagio e de negociagdo do sentido, No entanto, [-] 0 alate nem ¢ ini, nes todo-poderoso, Entre ele ‘© oouvinte esté a lingua, ena verdad, 0 que fi dito, se, ‘or um ldo, 3 garam qual pode apclaro loco, 56 scusado de produzir um efit qu no intenionav, pode ser garanta do interlocutor de que tal eeito decor do aque fo dito. E que € possvel um tablho diferente sabre 4 mesma coisa ..] um [suet] conti enunciado ara produzir um certo efit ouo trabalho sobre un ‘enunciadoparaextrar ele uncer eto, A ecncidéncia lo & garantida, Se a lingua fosse um sistema estrurado efetivaments, isto 6, no indeterminado, da qual inerlocuors se apro- pritsem, este tipo de resultado a sera possvel. |] Os ineroeuores no so nem eseravosaem snore lingua, ‘Sto trabalhadores (Posse, 193, p. $8 ‘Se comparaemos a abordagem de Possenti eo modelo de co- ‘municagdo em pauta, toma-sebastane evidenteo mecanicismo deste likimo. A “lingua”, de que trata Possent,corresponde ao eéigo, ¢ © falante ou locutor, a0 emissor, Para esse autor, o locutr escolhe, entre os miltplos recursos que a lingua oferece sua atividade, squeles que mais adequadamente servem a sua finalidade (Possent, 1993, p. SB) Assim, seu trabalho no se red a uma “codifeaga0” da mensagem que a tone passvel de uma “decodifeagao” automiitica, ‘exatamente porque a lingua nio é simplesmente um “cbdigo",ndo é tum sistema plenamente determinado, Como jé discutido, o sistema linguistico no atu sozinho na construgao da signficaga,sendo rele- ™ ‘antes diversos outros fatores (como. contexto, os conhecimentos de ‘mundo, a inten, a elagdo entre os inerlocuores, entre outros), de modo que é possivel um trabalho diferente sobre o que € dito. Dessa forma, nem sempre hi coincidéncia entre que o locutor pretend & ‘a interpretagdo do interlocutor, ue por sua vez também éativo eatua ‘a construso da significagdo, nto sendo apenas umm mero "receptor «de uma mensagem, Mesmo quando o sistema linguistico & compart thado, a “Leitura” nunca éunivoca. A concepgdo de um receptor que ecodifica a mensagem resgatando a sua plena significagio como pretendida plo emissorrevelase, pois, uma simplificagio iealizada do processo de comunicagao em sua complexidadee dinamismo,seja ual for 0 “eédigo” ~ ou tipo de linguagem utilizado. Vernos, pois, que a nogdo de eédigo tem raizes na tradi saussuriana (a citicada na primeira parte deste artigo), que tata a linguagem como ‘um sistema abstrato, formal, independente de seu uso, ‘As considerapées de Possent (1993, p. 58), antes apresen- tadas, aplicam-se também as linguagens aristieas, que, reconheci= ‘damente, penitem millplas “leturas”possivels, Toma-seevidente, portant inadequagao do modelo de comunicao baseado na cod fieagao e decodifcagao para o tatamento das linguagens atisticas 'No entanto, as nagies de cédigo e decoificagdo sto cor- rentes em estudos acerea da arte e seu ensino ~ tendo sido inclusive cempregadas em alguns de nossos trabalhos anteriores, Ana-Mae Barbosa (1991, p. 53), autora constantemente referida no campo do ensino de arte, trata do “discurso decodifcador”. Por sua vez, Fonterada (1994a, p. 36) ~ que defende uma compreensio feno- ‘menolégico-exstecial da linguagem verbal, passive de seraplicada também a Hinguagem musicale seu ensino ~ afrma que o aspecto ‘comunicaiva da linguagem depende de ue se compartlhe um “mes- ‘mo ecdigo lingustico”, Inclusive, apesar de sua fundamentaglo se poiar marcadamente em uma visio romdntica (Penna: Alves, 2001), (0s Parimetros Curticulaes Nacionais para a éea de Arte no ensino fundamental empregam ocasionalmenteo term “cédigo", como na passagem seguinte, sobre o ensino de arte a “escola tradicional” “competi a ele [0 professor] ‘transmitir” aos alunos 0s cédigos. 15 concetos e eategorias, igados a padrbesestticos que variavam de linguagem para linuagem” (Brasil, 1997s, p, 10). ‘Acreditamos, entretanto, que muilas vezes ta roges so ‘empregadas. em trabalhos académicos, sem que haja conseigneia das implicacdes decorrentes do modelo de comunicagio do qual se originam. No entanto, uma nogio teériea no & simplesmente um rome que sed a alguma coisa, mas antes ganha a sua significayo ‘no interior de todo um campo conceinial, do qual depende, ¢dessi Forma atua na construedo do pripro objeto de estudo. Em determinado momento, a nogdo de eddigo suas cor Telata forum ites para a critica tanto das condigdes socialmente diferenciadas de avesso& arte quanto da ago da escola na reprodu- ‘eo dessas condigdes. Essas nogdes sio cenras, por exemplo, na clissiea obra de Bourdieu e Darbel (2003 ~ 1° edigdo francesa de 1968), baseada em pesquisa empitica sobre a frequentagdo de mu seus, que infuencia muitos outros autores ~ como Porcher (1982), ‘0 Forquin (1982) —€ em que nos apoiamos em diversos trabalhos (ver Capitulo 2). Na reerida obra, é bastante clara a inlugneia da ‘eoria da comunicagio, como nesta passagem acerca da apreciagio de obras de arte: ‘Quando’ a mensagem aio pode ser devifada sento pelos setentores de um edigo que deve ser adquirio por um longa apendizagem institacionanenteorganizada €evi- dente que a recep depende do controle que 0 reeptor ‘em do cédigo ou, por ous palavras, depende die renga enteo nivel da informapio oferecida eo nivel de ‘onpetncia do receptor (Bourdieu; Darbel, 2003p. 120), Aqui, trabatha-se claramente com um modelo idealizado, fem que a recepeo adequada depende do dominio do edigo, que {eve “ser proporcional”&infarmagdo ofertada. Desse modo, se io No rg anes ene izado lorsque" A nosso ver, no someato a discs desenvolvid, ataduzo mas adgude seria “na ver Que" 16 hhowver algum “desajuste entre esses dois fatores, a reepgo ocorre em niveis timos, permitindo o resgate da mensagem original -neste «aso, a mensagem &correlamente” decifada, ou seja, decodifcada, Diferentes interpretagdes, portanto, no so tidas como naturis e ‘esperadas em tal modelo, altamente normativo; pelo contrrio, io ‘consideradas como “desvios", em relagio a uma pressuposta recep ‘elo “padrio”. Dessa forma, as nogdes de cAdigo e decodificagso, ‘emora possam ser dteis para a discussdo de questOes relativas & apreciagdo artistica (Forquin, 1982, p, 39-44), também possibilitam ‘equivocos bastante graves, como o dese pretender que o ato pedag ‘ico no campo da arte possa tornar “uma mensagem” eapaz de ser ‘decodifiada de modo idéntico por varios indviduos ~ 0s alunos” (Porcher, 1982, p. 19) Seja aplicads A linguagem verbal ou as linguagens antisti- «as, a concepsao de comunicacdo baseada na codificagio e decodi ‘ago pressupte um e8digo (ou sistema linguisico) tomado como um sistema formal plenamente determinado ~enfogue cujs problemas jiidiscutimos. Sendo assim, tal nogdo de comunicagdo ¢ questionada Aalé mesmo no proprio campo da lingulstica [.. Jo madelo textual desenvovido a partir da teria da comunicapdo, que operava na diotomia codicagdo & decodifeago, em que ser superad esubsttuldo por um ‘modelo consrtivo, cognitive imeracionista que permite ‘ero semi como resultado de uma negocigtorealzada com hase em suposigdes mutuamenteacesiveis aos ate- ractantes (Marcuse, 1995, p46, Na‘iea de artes, a persistincia de problemas devivados dessa ‘concepsdo oriunda da teoria da comunicagdo exige esforgos para a ‘sua superago, ao mesmo tempo em que ndo se pode prescindir de lguma concepgio de comunicagao que sustente a discussto das linguagens artistcas. A nogdo da arte como meio de comunicagio & ‘expresso €cortente,embora sem uma maior expiitag, carregando muitas vezes fortes mareas de uma visio romintica, que mistfca n a arte € que nto & capae de sustentar um proto de ensino voltado para a democatizagao do acesso cultura, Para embasar tal projet, precisumes de uma nosio de are como comunicagio © expressio Vineulada a uma concepgdo de linguagem, para que seja possivel drs bases histrices e culturais ~ quer dizer, convencionadas. Eniretanto, uma vez que a convengo ndo se configura como deter- ‘minante absolto, a linguagem artistca ndo deve ser tomada como lum sistema abstrato plenamente determinado — como unt “edi” ‘em eujo funcionamento se esgota a questo da signiicaglo, Fuz-se ‘ecessria,portanto, uma concepeao aberta de inguagem artistic, ‘upaz de articular questdes elativas ao seu uso, contextualizagdo”, 8 intencionalidade e aos procestos de interpreta, entre outras. esse modo, a noo de linguagem artistca seria capaz de articular ‘atitue cradora individual — inclusive na apreciagio eos aspectos, ‘onvencionais relatives aos prineipios de onganizagdo que vigoram fem determinados momentos histricose espagos socias Nos limites deste trabalho, no pretendemos espotaraquestio das nogdes de arte como linguagem e como comunicagdo, ou apre= ‘sentar uma respostadefinitiva de como devem ser abordadas. Antes, Jevantamos problemas e apontamos algumas diregdes, reafirmand Anecessidade de rever tais nogdes, para que Sea possivel elarear as, ‘concepgies que sustentam a nossa ago educativa. * Em sua pesca que ana o cur de professres de misc mca ‘so bisie, Duarte (2004) mos como pense ua visio romitca Ge como comnicaioe expresso, que inlunes,iclsine, concep dos rofesors sobre oensino de misc (ve especiaiment p. 147-158) * ‘Nese seo, €possive pensar, inlusive, em proceron de “reontext- 'izagSo". Como um exemple, nos rela atu (agfo em sales de oncertos) com cbras da msica erie ie tiaham orignalmente ouas fangs com a suite (mses pra dan) ox equem (sia saa pra mis finer) So exemplos que evidenciam que contextual envoe sects cums conhecments de mando, ue podem deri, conforme uae do contest a rigor, ou de apecigo mos its de hoje 78 PARTE I MUSICA(S) E CULTURA(S) 5. POETICAS MUSICAIS E PRATICAS SOCIAIS: reflexdes sobre a educacdo musical diante da diversidade’ ‘Como reconhecer, acolher e trabalhar com a diversidade cultural no processo pedagoyico? Estaé uma discussto que se coloca para todas reas de conhecimento que integram o cuniculo escolar, ‘como um desafio constant na construgdo de uma educago realmente aftizamos que o texto de Maciel (199) est ispontel na inter, 0 melhor a Word Wide Web Grande Rede Mundial) uc ua id care teristic de nossa Epoce, qe tem pemitido vencer as disiacasgeori as, disponiilizando uma quanta varedae infin de inormagtese ‘rode acesivis rapidement, sum smples og, Assi, interessante ‘aera gue nest rane rede viral conver também ifrentes concep {es de potica muss, come veremosadane,Resaltmoe que os texts fe Maciel (1999) e Lopes (1980) contin acesives em 13/10/2010, “Na terminoogi do Citeulo Linguistice de Praga, 0 conceit de actuals todos eos lingisticoscomesponde ao cones de “estanhameno” de Tinguager elabrado pos foralistas sos e signin que na inguagemn sti, sb um ponte de vista farcional, sin inguistico no conti tim instrumentoweicuante de referents preexistetes © externon& i ‘mesmo edo valor autsnomo do sna equ, sob un pono de vista stra inguagem pote apesetaautonania sistema er logo ' ours linguagens funciona, ealizando-se segundo leis, modaldades © Ptencaidadesespecitca” (Siva, 194, p33). 83 reverberades, progresses eravogrates, abreposigdes, nversdes, enim, poets e misicas so digramadores dt lingua (Sarael, 2002, p 46-47) sss considerapdesestendem a nogBo de fungo potica da linguagem verbal & misics, como linguagem nfo verbal A fungo poeta ~ como fungho esttia ~ da linguagem foi iscutida pelos formalist russos, te6rieos da literatura, ¢ pelos estudiosos do Ciculo Linguistico de Praga, dentre eles Roman Ja kobson. Esse teri discute 0 conceito de poeticidade referindo-se uma Fungo estéica ou uma fangio potics da linguagem, Quando ‘essa fngo ¢ dominant, os varios planos da sistema linguistico (os planos fonolbzico, morfoligico etc) passam ater valores prOprios, autGnones, dstintos do papel apenas instrumental que tn 1a Tine _guager verbal coidiana ~sejaalinguagem pritica ou a linguagem tedrica -, em que esses recursos linguisticns esto subordinados & funglo de comunicagdo, ganhando alto grau de automatismo (Silva, 1994, p. 53). Assim, (las diversas amiss que Jobson consagrou fun ‘0 esttica, ou fang potica, da lingusgem verbal] conchise que, em eu entender, nos textos em que agiela fungloactun como daminane as esutiras vehi adgu- ‘em valor automo, orientando-se os sinas linguisticos ara si estos, para“ sua forma exter inte", «80 a una realidage exalingusic orient prépria da fang referencial-ouparaasubjevidade do autor orien ‘ao propria da Fungo expressive (Silva, 1994, p 49-40. Fea claro, portanto, que a fungio podtica da linguagem etal bascia-se nos jogos deestruturaso, na construgio de formas, que Santaella (2002, p. 47) apontou como consttutivas tanto da misica quanto da poesia Se 0 modo de esiraturagdo da Tinguagem musical guards its semehangas com o modo de estruturao da in 84 uagem podtica, i, enti, no coma da ests, gue Iisieae poesia, antes de to,se encontram, Ea que © musical da poesia se enlaga a0 potico da misiea(Sana- ella, 2002, p. 4) Esa perspectiva permite uma concepyio mais ampla da ‘expressio “postica musical”, que eneontra ressondncia na pedpria cetimologia do temo “poesia, que, do grego poiesis, significa “agdo de fazer, rir, alguma coisa” (Massaud, 2002, p. 402). & possvel, centlo, estender a idea de poetica da linguagem verbal ds diversas Tinguagens anistcas nfo verbas, dentre elas a msi, tratando por postica 0 seu processo estético e deeriago, Nesse mesmo sentido, 0 Dicionério de flosfia, de Nicola Abbagnano (1998), remete 0 ver- bbete “posta” (p. 772) ao verbete“esttica”(p. 367-374): Com ese terme [esttica] designase a cifnca(lostca) da arte € do belo, [.] issemos “ate belo" porque as investizages em tomo deses dois objets coincder 08, pelo menos. esto estreitamente mescldas na lesa moderna e contempociea. Iss0 aio ocora, pore, na Flosfia ania, em que s gies de arte «belo ram con sideradas diferentes e reciprocamente independents. A doutina da art era chamada pelos antgos com © nome de seu pdprio objet, poeta, ou ea, are produ, pro- dutva de imagens [.). nquantoo belo (nto inelido 96 nimero dos obetos produziveis nose inclua na podtica «era considera parte (Abbagnano, 1998, p. 367) De fat, segundo Massau (2002, p. 402), “o pensamento cestético comegou pela poesia (Plato, Aristételes)e durante séculos ‘nfo eonheceu outro objeto” Essa concepgio ampls de “podtica musical’, vinculada aos processos esttcos e de estruturagio da linguagem, esti presente no texto de José Jélio Lopes (1990) sobre a misica contemporinea, ‘também atualmente disponivel na interes, onde convivem diferentes cconcep¢des de “postica musical”. Diz oreferido autor: 8s Um nimero crescente de obras oriundas da chamada iisieacontemporineaapresenta formas econiguragdes radicalmente diferentes da tadigdo (|; sto obras estr- turadase concebidas como objetosextticos de organi 2apoinstivel ede contomos indefnidos como resultado se novos procedimentos, de novasdireegdese de novos parimetros numa pita que operou profundose sucess: vos cries como passado, viendo o conto cas eases 4ve open os velhos métodor es seus resultados busca incessant de novas formativdades¢ a0 aprofundamento de novaspostcas (Lopes, 1990), ‘Vése, portanto, que & possivel eonsiderar“posticas musi- Agdiuutiraexpansio dos mercado, pata qual contrib“ obsolescn planed dos prods, afm de poder vender outros novos, di Gaia {Canclni (2008, p. 220: "Ne verdad as polcas industria qe ora ‘smprestves og apes eltics 2 cada ciao aos, oa destaliza oF ‘omputadores a ead ts, ber com as policaspubitas que pe fora de moda aroup acada eis meses eas canes cada ses semanas 80 rmodos de adminis o tempo” 1 aristiea. Porum lado, abe abordar a questio do gost critcamente, ‘ompreendendo, como mostram Bourdieu e Darbel (2003), que 0 20storevela uma competénciaesttiea, send produto de um capital cultural desenvolvido gradualmente, desde a infincia, através da ffequentasto e familiarizagio com determinados bens simbsticos, ‘© que depende, portant, do ambiente sociocultural em que s vive ‘esse sentido, Subil (2003), em sua pesquisa sobre a recepgao da ‘misica meditca entre criangas de 9a 11 anos, comenta: A andlse dos dados revela que a fata de faiirizagdo ‘om © universe erudito ou com a “eutura legitima’, no cas0 a misiceelssea,decome da auséacia do “eapital ultra” [JA mora das erangasenreistadas ara no conhecer o univers d cultura eri, considerando-0 {stranho, longinguo e inacesivel (Sub, 2003, p. 23-24). Por outro lado, & preciso considerar que nem tudo que & Producido pela indistria cultural & necesariamente ruim ¢, histo- ricamente, as relagies entre as esferas de produgao ditas “eruditas” “populares” sto intrincadas. Afial, como mostra Faraco (2001), AA questi & cortamente muito mais complexs do que sugerem as simples dicotomias, Nunca & demas lembrar "que Shakespeare eserevia sas peyas ara serem apre- Seradas como enretenimento num teato popular, ou que Memérias de wm sargento de milicias, hoje um cisco da teratra basis, fo escrito na forma de fot {isto ¢,eapitalos semanaimente no jomal para consumo median, muito semelhante, ness sentido, as novelas de televisto de hoje; ou que commpositore come Bach ou Mo- an (para citar 3 dos) esreveram mits de suts pegs Sob encomenda dirt de seus mecenas pars ornament fests, eventos do cotdiano ov preencher horas de dio (Faraco, 2001. 128), A proposta para misica dos Pardmetros Curticulares Na- ciontis para Arte (Brasil, 19974; 19984: ef. tb Penna, 200%c), uma 2 orientago oficial para a pritica pedagégica nas escola, revela uma concepgao de misica bastante aberta,considerando a diversidade de manifestagdes musica e trazendo, assim, 0 desafio de superar 4 histirica dicotomia entre misica erudita e popular. A proposta para as S*a 8 séries do ensino fundamental, especialmente, busca ‘uma educagio musical que tome como ponto de partida a Vivencia 4o aluno, sua relagdo com a misica popular ¢ com a indistra cul- tural, buscando ampliar oalcance e a qualidade de sua experiéneia cxttieo-musical. Portanto, defendendo uma educago musical que contribua para a expansio ~ em aleance e qualidade da experiénciaanstca «cultural de nossos alunos, cabe adotar uma concepyio ampla de ‘misica ede arte que, suplantando a opesicao entre popular e eruito, procure apreender todas a manifestagdes musiais como signifcs tivas-evitando, portato, deslegitimar a misica do outro, através da {mposigio de uma inica visto. “Assim, a concep de misicae de ate que embasa a nossa pritica pedagdgica torna-sesuficientemente ampla para abarcar a ‘multiplicidad, indicando o dislogo como pritica e principio para lidar coma diversidade. O dislogo como principio basea-se numa ‘concepgio dinimica de cultura, que aentende como "viva", em cons- tant processo, Se as linguagensansticas ~e suas diversas poéticas ‘lo “historicamente construidas”, esta construc histrica no se Cencontra apenas aris de nés, em algum momento passado, mas se ‘processa também no momento present, através das nossasescolhas ‘em relago ds produgdes atisticase a seu “consumo”. © didlogo como principio necessério = Como vimos, alguns autores propdem 0 uso do termo interculturalidade, por considerarem que manifesta, de forma mais clara, © sentido de interagdo, roca, reciprocidade e solidariedade entre as cultura. Lima (2007, p. 31). por exemplo, defende que, na educagio, procidade, 00 seja, marca uma convivéncia solidiria onde as trocas, term intrcultralismo indica uma relagdo de reci- 93 ‘sto mituas, proporcionando aprendizagem ¢ enriquecimento 0s que estio envolvidos nesta relaga0". Nesse sentido, a perspectiva intercultural pode estimular, na priica pedagégica, um processo de fellexdo-asdo-refexdo, em que a relacdo de alteridade seja consi derada © dislogo, fundamental. “A énfase na relacdo intencional centre sweitos de diferentes cultura constitu otro caractersticoda relagdo intercultural”, segundo Fleuri (2000, p. 8 ~ grifos do origi- nal), Realga-s, portanto, a intencionalidade: 0 educador avanga de uma perspectiva multicultural para intercultural quando se empenha ra consirugao e efetivasdo de um projeto educative intencional que Promova a relagio ene pessoas de culturas diferentes. Assim, "0 trabalho intercultural protende contibuir para superar tanto a atitude ‘de medo quanto ade initerente tolerancia ante 0 “outro, construindo ‘uma disponiblidade para a leiura positiva da pluralidade social ¢ cultural” (Fleur, 2003, p. 17) O didlogo entre diversas manifestagdes atsties, trabalhado tem sala de aula, pode promover a troca de experigncias ea amplia- ‘¢80 do universo cultural dos alunos, Como coloca Santos (1990, p 41-42) em artigo sobre a misica na educagao bisica, se os alunos {de uma turma sentam juntos € moram no mesmo bairo, na proxie ‘midade da escola, isso no toma esa tums homogénes, Assim, se 0 trabalho pedagogico for orientado apenas pela experiéncia musical ‘du maioria ~ no que a autora denomina de “pedagogia do agrado” ~ sed certament perdida a riqueza que poderia ser propiciada pela twoca com as expressdese priticas musicais de grupos minoritéros, Para que sea possvelefctivar esse didlogo e troca de expe- rigncias¢ fundamental conhecer a vivencia dos alunos, Ness sentido, ‘“avaliagdo diagnéstica multicultural” é um componente central em curriculos multiculturalmente orientados © trabalho de avaliagio dingndstica implica um acom= panhamento continuo das atvidades desenvolvidas 10 curiculo em 330, 0 objetivo éo conbecimento dos uni ‘verss culturais ds alunos, bem como em que medida 0 Ailogo ent estes ¢ os padres culturassbragados pelo 94 professor ests sendo bem-sucodido,Traballos em grupo, teste, provas dros relexivos (em que o alunos relate, por exemplo suas experineas, bem como o impacto das sul sobre as mesmas), ies de observagto costs ins trumentos ajudare nesta trajtéria. Oajuste de oa que a valagdo diagnos multicultural permite, pode desafat nogdes de multiculturalism que, muitas vezes,tratam da CD da ego (CD 3). 12 Tv (0s 52 grupos que participam das quatro edges do projeto Pernambuco em Concerto, em sua diversidade, congregam distintas manifesta musicas: dos caboclinhos ao rap; do cavalo marinho ‘a0 reggae: do coco de oda a0 heavy metal... Apresentam diferentes _géneros, que se situam em diversos pontos do espectro do erudito 0 popular ~ do tradicional 20 representativo da perifria, em seus _movimentos de resistencia; do “conservador" (psto que “reproduzin- Peas rates expostas considerainosinadequad injustodeominastuat DB (1.1 92936) de Ls Darcy Ribs, pont como seu” (6f, pec, Lins, 200, p42), pois quivaea desconsiderar too proesso ancrior de consi do projets da Ciara, mito mais emotion ‘como ating do Forum Nacional em Defexa da Ecol Pali. Eta LDR 129 ‘A atual LDB, estabelecendo que “o ensino da arte, espe- cialmente em suas expressdes regionaist, constitu componente curricular obrigatério, nos diversas niveis da educagdo bisica, de orma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos” (Lei 9.304196 ~ An. 26, pardjrafo 2), varante um espago para a(s arte(s) rngescola, como jéestabelecido em 1971, coma incluso da Educaga0 Anistica no curiculo pleno, F continua a persist a indeiniglo © ambiguidade que permitema multplicidade, uma vez que wexpressio “ensino da are pode te diferentes interpretagdes, sendo necesséria defini-la com maior prevsio, [esse sentido, alzumes especificapdes a respeita podem ser encontradas nos Pardmettos Curriculares Nacionais (PCN) para os ensinos fundamental e médio (Brasil, 19972, 1998a, 1999), docu- ‘mentos elaborados pelo Ministrio da Educago (MEC), que, embora no tenham formalmente um carter obrgatéric’,configuram wma ‘orientagdo oficial para a pritica pedagégica e tém sido utiizados pelo MEC como referéncia para a avalagio das escoas e alocagio {de recursos. Os PCN para oensino fundamental subsividem-se em {dois eonjuntos de documentos ~ um para os 1° e 2° cicls (1" 3 4 séries), outro para os 3 e 4” ciclos (Sa 8 séries)-, publicados em «portant ao de um longo proceso, comcontradigfesedsputsintss, «ro apenas ora de una pessoa. [A especificagio “especialmente em suas expresses repionas” fo asescentada redo do aria do Ar. 26 a LDB stra da Li 12.287, de 2010 (BRASIL, 2010) "Segundo o Parecer CNEICEB 1°97, do Conselha Nacionl de Edcap20 {CE}. "0s FCN [par os Ie ciclos do esi fundamental] esta de ‘um fo legitima, de compténiaprivativa do MEC ee contr em ‘uma propsiio pedaaipica ser carter organi, qu vis a elora de ‘uliade do esino fundamental eo desenoiviento prison do pro- ‘Esor. E nest pespecva que deve ser presenta fs Secretaria Et sais, Munieipas es Esclas" Bras, 1997, p,2)-Or volumes poterioes {os PCN ne fram mats submetidos aprecigao do CN *Poseioamensavavésda Le 112742006, csi fundamental ampliado para nove aos, antcipand se» obrigtredade de marcus nese nivel 130 1997 e 1998, respectivamente, com volumes dedicados is dreas de ‘conhecimento ~ dentre elas, a Arte ~e aos temas transversais que ‘compem a estrutura cuticular. Nos dois documentos para a rea de Arte, sio propostas quatro modalidadesartisticas~ artes visuais (mais abrangentes que as artes plisticas), musica, teatro e danga (Gemaread em sua especificidade) -, mas nao ha indicages claras sobre como encaminhar essa abordagem na escola, que tem a seu cargo as decisbes a respeito de quaislinguagensantistcas, quando € ‘como trabalhé-las na sala de aula (Penna, 2001), No ensino médio, o curricula abarca uma base nacional ‘comum uma parte diversificada, sondo Arte uma “disciplina poten- cial” da rea "Linguagens, Cdigos esuas Teenologias” que integra base comum. Os Parimetros Curiculares Nacionais pra esse nivel e ensino (Brasil, 1999) io bem mais sucintos e genéricos do que (0 documentos para o ensino fundamental texto sobre Arte (como ‘ode qualquer outra disciplina) nto & muito extensoe nfo incl uma propostaespecifica para cada linguagem artistic, Pretendendo uma progressto no processo pedsgésico ao longo da trajetira escolar do aluno,o ensino médio deve dar “continuidade aos conecimentos ‘de ensino pra os sis anos de dade. Foi estbelecida um prazo at 2010 parset implementa (Brasil, 2006). Como consequénei, neste mesmo ‘00 nos Drees Criclres Naconais pars esi fndament de ‘ove anes foram nada (Brus 2008), revogando as Diretizes arenes (rai 1998). ‘Aten ragildad da concepso de “isciplina poten” “O fo de testes Pardmcvos Curiculres ere sido orgatizados cr cada ma das {reas por dscilnas ptereiss no signin gue estas so brian mga recomend que obrigntri pels LDB pla Resolston? (0998 [que esubelose as DrerizesCurclares par. ensino mio] 3003 conbacimerios quests diciplinasrecorame as competénciasehabiades ‘cles efridoremencioaados ox cds doeuentor" Br, 1999.32). "© mesmo acorece com o text sabe Ante dos PCN * Ensino Mi, publ «ado em 202, equ pretends complement os Parmer para est nivel {de cosino (as, 202, p. 178-205), 131 deartedesenvolvidos na edueag2o infantile fundamental em misc, artes vsuais, danca ¢ teatro, ampliando saberes para outras mani festagBes, como as artes audiovisuais” (Brasil, 1999, . 169 grifos do original), Dessa forma, a proposta para oensino médio mantém 2 rultiplicidade interna da deea Buscando compensar o cariter generico dos Parmotos, 0 Ministrio da Educagdolangou, em 2006, 2s Orientagdes currculares ‘pars.o ensino médio, que procuram desenvolve indic ‘sam “oferecerallemativas diditco-pedagégicas para a organizagao do trabalho pedagégico, a fim de atender is necessidades e expects {vas das escolase dos professores na estuturago do curiculo para ‘© ensino médio” (Brasil, 2006b,p. 8). Nesse documento, 0 capitulo edicado 205 “conhecimentos de Arte” apresenta propostas para cada Tinguagem, com indicagdes basicas egerais, mas também de carder pritco, acompanhadas pelo relato de uma experiénca desenvolvida em sala de aula. Dente 0s “prineipiosefundamentos” propostos para a pritia escolar na rea, dostacamos os seguntes vos que pos- O casino de teatro, da mica, da dana, das artes views suas repercusies nas arts adiovissis © miditieas € ‘area ser desenvolvida por professres especial com dominio de saber nas linguagens mencionadas.[-] Sea realdade da escola no permit a rite intense Plinarrecomendvel,trna-se mais coerente consentar ‘0s contedos no campo da formaga0 docent [| Brasil, 20066, 9.202, Assim, tanto no ensino Fundamental quanto no médio, as decisdes quanto ao tratamento das varias linguagensatisticasficam a cargo de cada estabelecimento de ensino. Em ecrta medida, essa flexiblidade procura considerar os diferentes contextos eseolares este imenso pais, levando em conta também a disponibilidade de recursos humanos, Diante das condigdes de nosso sisema de ensino, seria ieralista pretender vincula cada linguagem artstcaa series

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