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‘ Aldo Lopes Dinucci’ Légica e Teoria da Linguagem em Antistenes Antistenes (444-365 a.C.} foi primeiramente discipulo de Gorgias e de- pois de Sdcrates”. Foi, portanto, contemporaneo dos sofistas, tendo tra- vado relagdes com um dos maiores dentre eles, Gorgias, tendo seguido posteriormente a Sécrates, voltando-se entéo contra Gorgias, atacan- do-o numa obra chamada Archelaus, da qual nos restam apenas frag- mentos? (alias, nado nos chegaram sendo fragmentos ¢ titulos de suas obras). Ha evidéncias de que Antistenes cobrava taxas* para a assistén- cia de seus seminarios, o que o aproxima do movimento sofistico. Além disto, era um feroz opositor de Platéo*, Talvez por causa deste conflito pessoal, Platdo s6 0 menciene nominalmente uma vez, no Fédon, entre aqueles que se encontravam com Sécrates na prisio®. Outras alusdes a Antistenes nos didlogos platénicos s6 sao encontradas de modo implici- io, por tris de pseudonimos ¢ adjetivacdes pouco elogiosas. Aristételes, embora cite-o nominalmente varias vezes, ndo Ihe € mais condescen- dente que Platao. Enfim, ha sérias diividas sobre o conjunto de suas doutrinas: os posici- onamentos variam conforme a altitude tomada quanto a questao da funda- cdo da Escola Cinica. Porém, gragas a Aristételes e Platao, podemos entre- ver com alguma seguranca’ quais setiam a légica ea teoria da linguagem de Doutorando em Filosofia na PUC-Rio. Ferrater Mora, Diccionario..., p. 170, vol. 1, ver também Guth Idem, tbidem, p. 308. Idem, ibidem, p. 307. dem, ibidem, p. 310. Platao, Fedon 59 b Guthrie, History of... p. 310. (0 que nos faz pensar 0°13, abril de 1999 106 10 " Aldo Lopes Dinveci Antistenes. Como isto é exatamente o que nos interessa, passemos a andli- se destes temas. 1) A Teoria da Linguagem e a Légica de Antistenes Uma tese é um pensamento paradoxal, sustentado por algum filésofo célebre: por exemplo, que € impossivel contradizer, como disse Antistenes®, Como observa Gillespie, esta passagem de Aristoteles estabelece “que o pa- radoxo ok Eotiv duttdé ye (é impossivel contradizer) estava especial- mente associado ao nome de Antistenes”®. A doutrina de Antistenes traz em si outra peculiaridade: a impossibili- dade de contradizer decorre da impossibilidade de dizer o falso (evSe- Gar). Aristdteles nos informa sobre isto explicitamente: Um Asyos falso é 0 Adyos de objetos nio-existentes [de coisas que nao sao]... Assim, cada Aéyos ¢ falso quando aplicado a alguma coisa outra que aquela que € verdadleira, exemplo: 0 Adyos de ctrculo ¢ falso quando aplicado a um triéngulo. Num sentido ha um Adyos para cada coisa, i.e. o conceito de sua esséncia; mas noutro sentido ha muitos, ja que a propria coisa e a propria coi- sa modificada de cetta maneira ede algum modo a mesma coisa sio, exemplo: Socrates Sdicrates musico. O Abyos falso nao ¢ 0 Ad-yos de nada, exceto num sentido qualificado. Assim, Antistenes estupidamente afirmou que nada po- deria ser descrito exceto por seu proprio A'yog —um predicado para um su- jeito; do que se segue que nao poderia haver contradicdo e. quase, que ndo haveria erro." Um outro comentario de Aristételes revela o interesse de Antistenes a res- peito da definigaa: Assim, a dificuldade revelada pelos ‘AvTia8évetat'! e gutras pessoas igno- rantes € em certa medida apropriada. Eles afirmavam que o que ndo pode ser Aristoteles, Tépicns 104 b 21, Gillespie, "The Logic of...°, p. $80. Aristoteles, Met. V 1024 b 27-34 Os'antisténicns’ ou seguidares de Antistenes. 2 B “4 as Logica e Teoria da Linguagem em Antistenes definido (pois a definicdo assim chamada é ‘uma formula longa’); mas que tipo de coisa é, por exemple: prata, cles pensavam ser possivel explicar, nio dizendo o que é, mas que € como estanho"” Foram descobertos, em didlogas platénicos, tracos de doutrinas similares a estas, as quais, segundo as declaracées de Aristoteles, seriam de Antistenes. Talvez pela animosidade entre Platao e Antistenes, talvez por outro motivo, Platao nao as remete explicitamente a Antistenes. No entanto, ha evidéncias'> de que Platao o critica no Cratilo (429 A ss.), no Eutidemo (283 E, 285 E), no Teeteto (201 Diss.) e no Sofista (251 A, B). Entrecruzando-se as citacdes destes didlogos e as passagens de Aristdteles, podemos fazer idéia do que seriam ate- oria da linguagem ea lgica de Antistenes. Neste artigo, nos deteremos sobre os seguintes temas principais: a concepgao de Antistenes sobre (1) nomes € proposigdes, (I!) falsidade e contradigao, (Ill) definigao, a possibilidade das conexdes Antistenes-Protagoras e Antistenes-Herdclito (Cratilo), conseqitén- cias lingatsticas e légicas da doutrina de Antistenes. (l) Nomes e Proposigées em Antistenes © Cratilo de Platao, cujo tema é a ‘corregio dos nomes’, discute duas teori- as da linguagem opostas. A primeira delas afirma que o nome das coisas € de origem divina: 0 fato de que um grupo de homens concorde que tais € quais sejam os nomes das coisas (convencao) nao garanie de modo algum que estes sejam os no- mes reais das coisas, Haveria, na verdade, um nome proprio, de origem di- vina, para cada coisa. Esta € a tese de ‘Cratilo'”. Segundo a tese de ‘Hermo- genes’, os nomes siio estabelecidos por convengao. Sécrates a principio sustenta a tese de ‘Cratilo’: Socrates argumenta que as agdes (mpdgers), como as coisas (npdypara), tem ‘uma natureza fixe e devem ser executadas com o instrumento préprio, como cortar coma faca, Isto inclui a linguagem, cujos instrumentos, a saber as pala- vyras ou nomes (616nara), tem a fungdo de ensinar sobre, e distinguir, as es- sencias das cvisas reais" ‘Aristoteles, Met. 1043 b 24. Gillespie, “The Logic of...1°, pp. 481-5. Platao, Cratilo 391 4 Guthrie, History of... pp. 206-7. 107 108 16 7 18 9 20 21 2 B 24 Aldo Lopes Dinueci Os nomes sao imitagées vocais das coisas, isto é, convém a natureza destas coisas. Nao so, portanto, criacdes arbitrarias. Além disto, nenhum nome imitaré a coisa melhor que outro: “ou os nomes sao corretos ou eles nao sto nada, [sao] simplesmente sons sem significagao"!®. O nome é essenci- almente unido a coisa’’; assim, “aquele que conhece os nomes conhece também as coisas"'®. Esta tese, atribuida a ‘Cratilo’ no didlogo, é, segundo Gillespie e Guthrie, a teoria da linguagem de Antistenes”, cujos principi- os enunciamos a seguir: 1, Ha um nico nome para cada coisa: este nome se liga a natureza da coisa; é, por assim dizer, uma imitacdo vocal da coisa 2. Os nomes sao de origem divina, nao sao estabelecidos por conven- ¢4o. Nomes simplesmente convencionais nao imitam as coisas e, por con- seguinte, nao podem significa-las, 3. Além disto, sequer s4o nomes, pois nao ha nomes falsos. Ou o nome € verdadeiro e imita a coisa ou nao é um nome, mas um simples som sem significacio. Passemos a avaliar como Antistenes conceberia —a partir desta teoria da linguagem— as proposigdes ligicas: Em primeiro lugar, ao avaliar a doutrina de Antistenes, devemos afas- tar de nosso pensamento a concepgao aristotélica de proposicao, onde ‘o sujeito ¢ o predicado sao termes, correlativos légicos dos conceitos”°. A concepgao de Antistenes é bem mais primitiva: 0 sujeito légico é aquilo do que se fala — ‘ndo nomes ou termos ou conceitos, mas coisas’?!. Antistenes reconhece, portanto, as proposigdes denominativas”? (ex.: "Este € Socrates”). A predicagao €, para Antistenes, dar nome as coisas. A termi- nologia empregada por ele (de acordo com os textos referidos) seria a se- guinte’*; + mpdypa (coisa) e otoia (a natureza da coisa), que se refeririam ao sujeito légico, que no caso € aquilo do que se fala. Idem, ibidem, p.207;

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