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Alguém me chamou, e agora?

por Alberto Filgueiras

Você está no meio de uma


multidão, todos falam ao mesmo
tempo, porém você reconhece uma voz
chamando seu nome e sua atenção se
orienta para esta direção. Você
movimenta sua cabeça, e seus olhos
começam a buscar a fonte daquele som
familiar. Alguns segundos depois você visualiza a pessoa que o está chamando [1].
Esta situação, extremamente comum em nossas vidas, pode estar relacionada
com um intrincado e complexo emaranhado de processos percepto-sensoriais
executados pelo cérebro. Quando, ao meio da multidão, você consegue perceber e
reconhecer uma voz voltando o foco da atenção para esta direção, podemos enumerar,
de forma básica e estrita, quatro processos mentais: percepção, atenção, memória e
emoção.
Ora, como é possível que algo tão simples movimente tanto o nosso cérebro? De
fato, para compreender tantas informações, precisamos anular ou ignorar diversas forças
físicas externas que estimulam nossos sentidos. A audição é mais um dos nossos seis
sentidos (para responder a óbvia pergunta: ‘qual é o sexto?’, bom, há divergências na
literatura, mas propomos a propriocepção que é a capacidade de sentir seu próprio
corpo, tanto internamente quanto externamente, contudo, apesar de parecido é diferente
do tato [2]). Quando ouvimos alguma coisa, significa que estamos não só percebendo,
como ignorando diversas outras informações que não são relevantes naquele momento,
pelo menos é o que julga nosso cérebro. Concordamos com a propositura de Ronald
Henry Forgus [3] quando afirma que a percepção é um processo de extração da
informação, isto é, dentre tantos estímulos físicos externos, selecionamos aqueles que
nos são importantes naquele momento.
Ora, mas se existe uma seletividade para os estímulos físicos externos (ondas
sonoras e luminosas, textura dos objetos, etc.) então existe uma atenção anterior à
percepção? Bom, muitos estudos têm nos demonstrado que sim, haveria uma atenção
automática coordenada por processos bottom-up: certos estímulos exigem maior carga
de energia de nossos sentidos para serem percebidos e o cérebro os reconhece como
mais importantes - é o caso de um som muito alto, uma cor muito intensa ou uma luz
muito forte [4, 5].
Porém, estamos o tempo todo sob as ações das forças físicas externas e nosso
cérebro não ia dar conta de tantas informações se não tivéssemos algumas funções
cognitivas superiores para controlar os processos bottom-up. Entra em ação nosso
controle inibitório, uma de nossas funções executivas do córtex pré-frontal, que vai
auxiliarmos a manter nossa atenção voluntária - aquela que nos é mais comum, a que
conhecemos como responsável por escolhermos para onde queremos olhar, ou ouvirmos
aquilo que desejamos, mesmo que haja mais estímulos concorrendo [6].
Apesar de não nos aprofundarmos, neste texto, na memória e na emoção, apenas
fazemos a ressalva de que a memória vai ser acessada para verificar se a voz que
ouvimos é conhecida e o hipocampo vai dialogar com a amígdala e tentar identificar
emoções positivas ou negativas que possam estar relacionadas àquela memória [2].
Até agora discutimos somente o que concerne à Psicologia Cognitiva, com a
ressalva de algumas organelas cerebrais para que se relacione com algumas funções
mentais: pré-frontal para o controle inibitório e funções executivas, hipocampo para a
memória de longo-prazo e amígdala para a emoção. Significa que apenas dissemos
como, diante de um estímulo, somos capazes de responder (estímulo-resposta, S-R). A
Neurociência nos ensina, no entanto que podemos estudar as funções mentais não
somente pelo sistema de estímulo-resposta. Antônio Damásio clarifica, em sua obra,
que entre o estímulo e a resposta há um processamento da informação pelo Sistema
Nervoso que pode ser alterado de acordo com diferentes características morfofuncionais
de cada organela cerebral. Podemos inferir o modelo S-O-R: estímulo-processamento-
resposta, característico das Neurociências [1, 7].
E quanto à atenção e à audição? Como funcionam no cérebro? Bom, há diversas
teorias que tentam explicar estes processos. Contudo, o que sabemos, é que os estímulos
físicos chegam aos nossos ouvidos na forma de ondas sonoras. Estas ondas são
propagadas através da movimentação das moléculas do ar. A amplitude da onda
determina seu volume, enquanto a freqüência se o tom é mais agudo ou grave. O ouvido
externo capta as ondas através da aurícula que as direciona para o canal auditivo
externo. As ondas são amplificadas e são direcionadas para o tímpano (uma fina
membrana responsável pela divisão entre ouvido externo e ouvidos médio e interno)
que vibra de acordo com as características de amplitude e freqüência. Esta vibração age
sobre os ossículos (martelo, bigorna e estribo) que mais uma vez amplificam e
transmitem as vibrações para a janela oval da cóclea. O líquido coclear é responsável
por transmitir as informações para o nervo auditivo constituído por um feixe de axônios
com via aferente para o bulbo e o núcleo coclear no tronco encefálico. O percurso dos
impulsos elétricos dos neurônios do tronco encefálico constitui-se em três diferentes
vias: colículo inferior do mesencéfalo, núcleo geniculado medial do tálamo e região
cortical A1: córtex auditivo primário localizado no lobo temporal. As informações
processadas no córtex auditivo primário são passadas às áreas de respectivo interesse
para sua compreensão: córtex auditivo do lobo temporal esquerdo quando o som é a fala
ou alguns sons de conteúdo semântico, enquanto o córtex auditivo temporal direito
recebe informações de conteúdos emocionais e musicais [1].
E neste rolo todo, como fica a atenção? Dentro de nossa perspectiva cognitiva,
podemos apontar duas atenções: a atenção automática e a atenção voluntária.
Lembremos que ambas são diferentes e, por consequência, estão envolvidas em
diferentes processos cerebrais.
Atemo-nos nos sistemas da atenção: uma vez que os impulsos elétricos emitidos
pelo nervo auditivo alcançam o tronco encefálico, uma das vias aferentes alcança o
córtex auditivo primário. O cérebro, então, vai processar se devemos, ou não, voltarmo-
nos para aquele estímulo sonoro através do córtex ínfero-temporal, e se devemos manter
nossa atenção voltada para aquele estímulo: sob o controle do córtex pré-frontal.
Contudo, a literatura ainda discute a função destas diferentes regiões cerebrais quanto à
atenção [2].
Mas espere, existe ainda a situação de sons muito altos que nos impedem de
colocar voltar a atenção para outros estímulos sonoros. O que acontece quando nos
deparamos com amplitudes de onda acima de 130 decibéis é o Reflexo de Atenuação.
Apesar das divergências na neurociência, o que se encontrou até agora é que o ouvido
humano possui uma estratégia de atenuação dos sons muito altos: o músculo tensor do
tímpano que se liga ao martelo, e o estapédio que se liga ao estribo e o ossículo da
janela oval da cóclea, se enrijecem diminuindo a vibração dos ouvidos médio e interno.
O paradoxo entre a intensidade da amplitude e o enrijecimento do músculo tensor do
tímpano e do estapédio podem ser traduzidos pelo cérebro como perigoso ao organismo
o que provoca comportamentos de evitação do som como, por exemplo, levar as mãos
ao ouvido para diminuir a vibração da aurícula e impedir a entrada de ondas com altas
amplitudes [2].
Poxa vida, quanta coisa se relaciona somente com a audição! Se dúvida há muito
mais perguntas do que respostas na ciência contemporânea, mas aos poucos estamos
mostrando evoluções no sentido da compreensão dos complexos processos que
envolvem percepção e atenção.

[1] KOLB, B., WISHAW, I. Q. (2002). Neurociência do Comportamento. Barueri:


Manole.
[2] LENT, R. (2004). Cem Bilhões de Neurônios: Conceitos Fundamentais de
Neurociência. São Paulo: Atheneu.
[3] FORGUS, R. H. (1971). Percepção: o processo básico do desenvolvimento
cognitivo. São Paulo: Herder.

[4] TREISMAN, A. (1992). Perceiving and Re-Perceiving Objects. American


Psychologist. 47(7), 862-875.
[5] ROSSINI, J. C., GALERA, C. (2006). Atenção visual: estudos comportamentais da
seleção baseada no espaço e no objeto. Estudos de Psicologia. 11(1), 79-86.
[6] GAZZANIGA, M.S., HEATHERTON, T. F. (2007). Ciência Psicológica: Mente,
Cérebro e Comportamento. 2ª Edição. Porto Alegre: Artmed.
[7] DAMASIO, A. R. (1996). O erro de Descartes: Emoção, Razão e o Cérebro
Humano. São Paulo: Companhia das Letras.

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