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A dependéncia de Theoténio Com toda razdo escreve Theoténio que considera “uma questéo secundatia (a de se) 0 criador da teria da dependencia fui eu (ele), Fernando Henrique ou Andre Gunder Frank”, Diria que ndo € ou nao deveria ser questo alguma, Pois como alguma vez assinalou Gunnar Myrdal, to- das as teorias econdmicas surgem do ma- mento politico que gera sua necessidade, sula razéo de ser. Assim o demonstra tam- beim Theotdnio quando faz 0 seu bosque- Jjo da devada pre-guerra, que limitou 0 ingresso de divisas aos paises latino-ame- ricanos e os obrigau a pdr em pratica, com forte intervenedo do Estado, uma politica de substituigdo de importagées, Assim fi- zera a Argentina na pratica quando Raul Prebish era ministro de economia, bem antes de lancar a teoria pela Cepal em 1949. Alef disso, tinha leve familiarida- de no Brasil com Manoiliescu, mas como teorico, apesar de que ele foi tambem Ministro de Economia na Roménia, O que muito duvidoso se alguns dos acima " Resenha tradurida por Ruth Elibath Pucheta. Andre Gunder Frank Theot6nio das Santes — A Tearia da dpendicia: balano ¢ perspectivas, Editora Civilizacao Brasileira mencionados ou outros “criadores" da te- oria da dependencia na America Latina tinham alguma ideta que a lugostavia, Roménia, Bulgatia, Grecia, Irae Turquia, cada um por si, eos Balcds, em concerto, adotaram esta mesma politica estatista de substituigdo de importagées e a defende- ram teoricamente durante a mesma crise econdmica dos anos 30, como bem 0 de- monstra Dilek Barlas em seu livro sobre Ftatism & Diplomaciena Turquia 1929-93 (Brill 1998)... Por certo, sua implementa- a0 foi tambeim inibida por urna forga eco- rnémico-polttica exterior que para eles foi a Alemanha Nazista, como na Ametica Latina foram os Estados Unidos, Poderia- ‘mos nos perguntar por que sua experién- cia e teorizagao ndo alcancaram renome mundial tat como a da Amotica Latina sobre a dopendéncia. A resposta encon- tra-se facilmente ao inverter a pergunta: or que a popularidade da Dependencia nna Ametica Latina sua difusdo pelo mun- do? Theoténio ndo se questiona, mas fazé- Comune pottica ns, WX. 0.1, 9229-019 230 lo e’o mais essencial para entender de que tratou ou de que trata: coma resposta, bastam duas palavras: Cuba e Vietnd. Escrevo ‘tratou' ¢ ‘trata’ porque o numero: atual de uma das duas revistas norte-ame- ricanas mais prestigiosas sobre assuntos interacionais, Foreign Policy (novembro - dezembro 2002 ), e'dedicado.a "que acon- ‘teceu com ... marxismo, valores asiaticos, limites ao crescimento, teoria da depen- déncia, destruigéo muitua assequrada (MAD) ¢ 0 complexo militar-industrial” Fora reconhecer alguma vida ainda ao ul- timo, os demais, segundo os "cerebros. notaveis" como diretor da revista os cha- ma, sao pronunciados mortos (alguns an- tes denascer) ebem localizados na lata de lixo da historia, Ali eles me tém como dependencista. Fernando Henrique sal- vou-se, segundo dizem, por abandona‘a, Nao dove surproender a sentonca, pois ora de se esperar, néo valia a pena terem-se dado ao trabalho de perguntar, © que sim chamaa atengao e'a desfiguracdo do tema, as mas atribuigdes de argumentos e a au- séncia de evidéncia com os quais o doutor professor de Financa Internacional e De- senvolvimento, Andres Velasco, da Uni- versidade de Harvard, pronuncia a sen- tenca de morte. ‘Theotdnio faz o contratio em trés ensaios escritos para audiéncias diversas e reuni- dos aqui, lamentavelmente sem muita re- visio editorial para eliminar repetigges ou construir um argumento unico. TheotGnio revisa a histotia da realidade recente, como ela exigiu a teoria da dependéncia em res- posta a um regime teorico e as associadas politicas econémicas que ja nio tinham Reena mais félego, volta sobre alqumas das dis- crussces bem con hecidas pelos participan- tes e a geracdio de estudantes, politicos e gente comum para os quais tudo isso era 0 pao de cada dia. Mas ainda assim parece que falta, pois varias vezes cada semana recebo infinida- de de e-mails, esta semana do Nepal, de estudantes que ndo tinham nem nascido em “nossa epoca” e que agora me pergun- tam 0 que € isto da dependéncia e onde podariam informar-se, Que bam, pois da- qui em frente posso reenvia-los todos a0 Theoténio. Alem do que, ainda que nao 0 faga neste livro, foi Theotdnio quem ha decadas chamou nossa atengdo sobre ter- ‘mas que fazer nosso proprio estudo da eco- nomia mundial, como logo 0 fizera ele mesmo e eu tambemn ~ pois ndo poderas confiar nos estudos econémicos elabora- dos polos que a conduzem ao stu gosto, hom nos seus porta-vozes "teoticos", vale dizer ideolagicos, como esse, dos quais & botéo deamostra e prova esse senor pro- fessor de Harvard com nome e sobreno- me espanhol. Entretanto, ainda que nao revise 0 mundo inteira neste livro, as ana- lises mundiais de Theoténio incider o re- fletem-se no que valta a demonstrar-nos sobre a dependéncia, Tambem vale para responder aos cada vez mais criticas de ‘nosso labor que nao foi perfeito, mas ain- da bastante melhorzinho que 0 de nossos entticos mesmos. Isto vale, para comecar, para os criticos vindos da esquerda, que logo foram conduzidos a um beco ser sa- ‘da como era 0 uso do conceito de modos de produgdo para explicar as formactes sociais.latino-americanas, e que nos acu- A deponcknia de Thextia saram de circulacionistas e de que teria mos nos esquecida da luta de classes. E, ¢ clara, vale para os da direita que pre- unciaram morte @ dependéncia (a ela mesma, ndo somente a teoria) precisa- mente na “detada perdida” pela crise da divida dos anos 1980. Pois ainda muito mais do que o investi- mento estrangeiro, a crise da divida ex- tera (¢ interna ~ especialmente ligadas ‘no Brasil) converteram os mesmos Esta- dos da Ametica Latina em instrumentos fieis e habets da financa internacional, que sugava ~ e ainda o faz ~ 0 sangue do pov para os bancos de Wall Street e para o Te- souro norte-americano. No Mexico respon dia-se aos de Washington que nao pode- mos apertar mais 0 cinto, pois ja" nao co- memos ontem. E lembremos do Fuyjshack que sofreram os pobres peruanos quando eseolheram Dom Alberto por que prome- teu NAO implementar a politica do FMI que oferecia seu opositor Vargas Llosa, Nem bem presidente, fez pior do que Vargas Llosa tinha prometido fazer, Ou vejamos a pobre Argentina, que fora o pats mais orguihoso do Continente cam a so- cigdade mais europeizante, agora destro- cado como nenhuma outra nacdo, fora a Ruésia, pela dependencia da dotar em si supervalorizado no mercado mundial. Se isto nao etuma manifestacdo de dependén- cia, senhor perito em finanga internacio- nal Velasco, agradeceria qualquer escla- recimento sobre o que sim podria ser. “Theotdnio dedica especial atengao ao nosso compadre da dependéncia, Fernando Henrique Cardaso. E com muita razdo, rnd somente por serem ambos brasileiros, sim pelo mau exemplo que nas tem dado ste ultimo. Pois vem mudando de voca- bulatio vatias vezes ate’chegar d presiden- cia do Brasil e durante seus 8 anos de off cio que esto por terminar enquanta ter- mino estas linhas. Mudando de vocabula- rio digo, mas ndo de carater nem de poli tica, como bem assinalou tambem Theoténio, De carater, teve a gentileza comigo de ligar, senda presidente, quan- do sardo hospital e de lemibrar (e agrade- cer) em varios foros publicos por eu ter ido recebé-lo no aeraporta em Santiago de Chile, quando chegou para o extlio do golpe de 1964. Quanto 4 politica, Theoténio nao o diz, mas poderia té-lo dito, como me recordo FHC me disse em um hotel em Paris: eu sou socialdemocrata e um governo meu fara’o que dentro da socialdemocracia possa se fazor, om ospe- cial no campo interno. E isto fez — bem, ou melhor, mal — cm matefia de politica agraria e social, onde fez bastante menos do que poderiamos ter esperado. Pergun- tem ao MST. Uma das caricaturas mais absurdas que se fez dos dependentistas «a de que eles nao consideravam as condigdes ¢ relacdes “in- ternas” de um pars para enfocar somente uma pretensa dependéncia “externa’” Theotdnia mostra que nossa tese foi mais do que contraria a este enfoque. Alem do que. seria absurdlo que os dependencistas nao estudassem suas proprias sociedades, pois coma tambei nota Theaténio, eles Lem sido predominantemente saciologos, como o proprio Fernando Henrique, que, antes de sé-1o do Brasil foi presidente da Associagéo Internacional de Sociologia 2 A depended Thastio que pelo menos oferaceram alguma pro- tegio fs suas populagées. Nada disto fez FHC no Brasil, campeao mundial nao so- mente no futebol e sim tambem fia desi- gualdade da distribuigao de renda. Do pio @circo das romanos, 0 sambaddromo & 0 futebol podem garantir o circo. Mas onde esta’o pao de cada dia ou a sobrevivencia de jovens que, nas ruas, morrem mais fuzi- lados do que acidentados? Ele entregou tambem a soberania do Brasil aos norte- americanos ao Ihes permitir negar entrada a brasileiros na sua base de foguetes no Maranhao ~ em troca de qué? Freqiientemente me perguntam, e talvez a Theatonio e ate’a Fernando Henrique tambein, 0 que penso agora da dependén- cia, dos acertos e dos erras que comete- mas, Quanto ao primeiro destes erros di- ria: & que pensavamos que nassas concep- goes da dependéncia se diferenciavam muito mais do que agora . Afortunada- mente nossas discussdes— e oriticas a mim escritas por Theotdnio, e por mimacle, a Fernando Henrique, a Jose’ Serra (este mesmo que como seu candidato para se- gui-lo na presidéncia tirou apenas 33% dos votos contra os 61 de Lula), a todos nos sempre ineluinido Rui Mauro Marini — ser- viram menos para afastar que para obri- gar a cada um de nos a fazer seus argu- mentos mais sotidos — e mais proximos aos demais. E nunca houve uma diferenga to grande. Ao analisar a realidade da depen- déneia, antes que qualquer caisa, cada um acrescentou-se um ou outra observagdo a um conjunto complexo que forma a de- pendéncia que continuava crescenda, ndo somente em nossas descrigeies, mas lamen- tavelmente tambemm na nossa realidade. E apesar de que eu ultimamente tenha-me ocupado da historia mundial e nao da de- pendércia latino-americana, dou-lhe agora uma olhada de longe, e vejo somente que ela tem crescido e se fortalecido cada vez mais. E 0 que nos €'revelado muito mais atraves dos Fatos —e daquilo que NAO foi feito ou deixado de fazer, porque nao se pode ou porque se disse que ndo se pode — como freqlientemente o faz a nosso ami- go Fernando Henrique. Ou seja, a depen- dencia esta viva e bem viva. Mas coma dissera um presidente general do Brasil, 0 Brasil esta’bem, mas 0 povo nao, Agora bem, ha de colocar-se outra per- gunta maior; que politica sequir contra a dependencia para acabar com ela e 0 sub- desenvolvimento que desenvalve? Aqui discutimos e discrepamos ainda mais — mas so’ aparentemente, Porque a triste -verdade e° que nenhum de nos, nem os politicos, fomos capazes de dar uma res- posta valida, vale dizer, uma resposta que ‘tentha apresentado resultados ou que possa apresnta-los hoje. Muito menos nos colo- camos a pergunta "e depois, 0 que fazer” ? Aqui reside a debilidade do livro de Theoténio. Nao ea de ndo responder asta pergunta que ndo tem resposta, e sim a de néo coloes-la. Porque ao nao calocar- mos a pergunta de como realmente se DES-dependentizar, 0 que significaria fazé-lo, ao menos o que fazer depois, dei- xamos de ir ao centro do problema. Endo vernos quanto nos enganamos, Nao que nossos antagonistas e inimigos tenham oferecido respostas melhores. Tambein do dizem a verdade de como acabar real- 233

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