You are on page 1of 24
Os caboclos de Montemér Encontramos felizmente um documento de subido valor, que vem resolver a questio dos Paiacis, relati- vamente a terras de Guarani, Transcreve-lo-emos depois que tivermos feito algu- mas consideragdes, que julgamos precisas, Vamos deva- gar. Foi esta questo somente uma arma de perseguicao aos descendentes daqueles indigenas, pois nunca pessoa alguma reclamou contra a posse mansa e pacifica dos mesmos caboclos, que em todo tempo se encarregiram dos servigos da povoacao de Montemér-o-velho, como b os caminhos, limpar as fontes, e até eram éles que jam a Capela da Padroeira, fazendo as festas dos santos coin a solenidade possivel, ¢ conseguindo imagens por subscrip¢cdes, nas quais se vé o nome do revd. Vigd- tio Araripe, e assim do Vigario Celgo Monteiro, assinan- do cada um 2$000, que duvido sejam capazes de me contestar. Faziam ainda concertos na capela, como das con- tas que tenho em meu poder. E tudo corria em santa paz quando em 1908 foi nomeado vigario de Aquirds o revd. dr. Araripe. Ja em 1902 0 intendente de Guarani, Luis Eva- tisto da Silva, aconselhado pelo dr, Pedro Rocha, pedia ao exmo, sr. Governador do Estado os féros da légoa de terra por ser Proprio Nacional, ¢ assim, o exmo, dr, Pedro Augusto Borges, 4 vista dos documentos que lhe apresentei em requerimento, negou-os terminantemente, como tudo se vé do meu artigo de agradecimento ao 280 REVISTA TRIMEN exmo. senhor, publicado no /ntransigente do dia 3 de dezembro de 1902. Fui auxiliddo, como se vé ali, pelo notavel e talen- toso patricio advogado Luis de Miranda, ‘Esta questéo era uma questaéo sem questao como diz o povo, pois o revd, Vigario do Aquiras para haver os féros das terras inventou que Nossa Senhora da Con- cei¢do era possuidora de um pseudo-patrimdnio, e os caboclos, convictos de gue a terra Ihes pertencia por posse imemorial, respondiam que donos de terras nao pagam féro das mesmas, e ndo pagaram. Custou-lhes caro a recusa, porque o revd. Vigario desenvolveu borrivel perseguicdo aquelles miseraveis, le- vou-os 4 cadeia por muitos dias, e vendo que ndo os vencia pela forga, mandou derribar as cercas dos seus rogados, onde esplendiam vigesas plantagdes de legumes e mandioca, e foi dentro de pouco tempo tudo derru- bado 2 devorado pelos animais dos potentados de Guarani, Amigos do sr. Vidrio reprovaram o seu acto de selvageria ! Fez s, revm, o que sua consciencia mandou, e muito mais fez o sr. Jodo Eufrasio, homem desalmado e per- verso, seu alter-ego, com a proteccdo de seu tio o cel, Inacio Pereira Lima, Sub-delegado da vila, e caboclo de Guarani nunca mais plantou durante os annos de 1909 a 1985. Fez mais, tendo o dr, Juiz de Direito, Josias Sisnando de Lima, dado sentenga a favor dos caboclos, apesar de todas as reclamagées aos poderes constituidos e ainda da proteccdo do distinto cearense dr, José Lino da Justa, que os tem atendido e acolhido, nao cessaram até o dia de hoje as destruigdes das mattas e carnaubais por parte dos comparsas do sr. Jodo Eufrasio em terras dos cabo- clos, auxiliares que levam na troga os esforgos que fa- zem estes para se opor a tais uzurpagoes, Em Guarani a lei é uma ficgdo, e as autoridades policiais dali pouco caso fazem de ordens emanadas de Chetes de Policia, como aconteceu com as do dr. Borba e dr. Meneses, quando exerciam aqueles cargos. __DO_INSTITUTO DO CEARA 281 Nao foi o zelo pela capela de Montemér que le- vou o revd. Vigario Araripe a proceder tao deshumana- mente contra homens ignorantes mas honrados, porem outros motivos de interesse, como se vé da sua carta de 23 de dezembro de 909, de que temos copia, e que deve estar acostada aos autos. Esta carta 6a prova clara e irrefutavel da persegui- Gao tiranica movida contra os ordeiros caboclas do Gua. Tant O revd. Vigdrio Araripe declara com firmeza que a questao de féros & questdéo de honra para éle, e que de janeiro de 1910 em diante seria tigoroso, e o foi bar- baramente. Aquela carta é peca digna de apreciagdéo da parte dos homens de bem, Toda a perversidade de seis anos contra pobres ca- boclos se resolve neste singelo dilema: ou Nossa Se- hora da Conceicéo de Guarani tem patriménio e per- tence-lhe a légua de terra, ou nao tem, e a terra per- tence aos descendentes dos Paiactts por sua posse ali desde tempos imemoriaes, E foi nesta intengao que se levantou a extorgdo, que privou os caboclos de arrotearem as terras de que estive- tam sempre de passe. Ao exmo. d. Joaquim Vieira, como ao exmo. d, Ma- noel Gomes, eu disse por mais de uma vez: Nossa Se- nhora da Conceigéo de Guarani nao tem patrimonia, afirmo-o eu, como o que cavou mais fundo nas origens do Ceara, e se ado, apresente o revd Vigario Araripe o documento de patrimonio exigido, ¢ en me retire com os caboclos que venho apatrocinando desde ior, ha 24 anos, Nao era atendido, porque nao tinha um titulo, nao tinha posigéo, nem tinha dinheiro, que hoje vale mais que todas as honras do mundo. Pois bem, agora vamos ver se ha patriménio, O exo, sr. Bardo de Studart, autoridade em as suntos de histéria, responde com a sua inteireza de cara. cter auma carta de Romualdo Barata, em que perganta: 282 REVISTA TRIMENSAL se nos estudos e pesquisas, que tem feito em assuntos de histéria, encontrou por ventura documento de doagao, ou patriménio feito a N.S. da Conceigdo, padroeira de Montemér-o-velbo, hoje Guarani; @ s. exc. responde: Em resposta 4 vossa carta pagina retro tenho a de- clarar que jamais encontrei, jamais li documento ow pa- pel referente 4 doagdo ou patrimonio feito 4 Nossa Se- nhora da Conceigéo, padroeira de Montemor, hoje villa de Guarany, Podeis utilizar-vos desta minha afirmativa para o que vos aprouver, Ceard, 1 de Junho de 1915. Barao de Studart. Esta reconhecida a sua tirma pelo tabeliéo Pergeu- tino Auguste Maia. Entretanto, o revd. Vigdrio Araripe, com medo nao sabemos de que, passou nos cobres as suas proprieda- des, dizem, antes de qualquer resultado da questdo, que éle bem recomendou e foi-se alem dos mares com um ano de licenga. | Vou agéra provar, quanto baste, que os descendentes dos Paiacus nunca saitam da Iégua de terra que Ihes foi demarcada em 1707 pelo desembargador Soares Reimao, e em 1760, depois da expulsdo dos jesuitas, pelo desem- bargador Gama Casco. Refere o Barao de Studart a pagina 180 do sen pre- cioso livro Notas para a Histéria do Ceard, publicado em Lisbéa, em 1892, que em fins de dezembro de 1762 o director da villa de Porto Alegre, no Rio Grande do Norte, Tenente Coronel José Gongalves da Silva, em vir- tude de uma precatéria assinada por Miguel Caldeira, conduziu comsigo os Indios ¢ tudo que lhes pertencia e a igreja do lugar, mas a mortandade que experimentaram logo ao chegar a Porto Alegre, quer de infermidade, quer de fome, foi ainda maior e lastimavel. Fugiram, portanto, para a sua antiga residencia. Adeante, a pag, 181, diz: Aftnal a piedade de Bor- ges da Fonseca deu-lhes guarida na villa de Montemdr o novo, erecta na serra de Baturite, DO INSTITUTO DO CEARA 283 Entretanto, 0 coronel Joao Brigido, o fundador da Historia do Ceara, o primeiro que colheu documentos, arrolou factos, esmerilhou os acontecimentos de épocas passadas, descreveu revoltas e homens de todos os tem- pos desta antiga provincia, diz a Pagina 68 das Ephé- mérides do Ceara: que o governador de Pernambuco, em 20 de inargo da 1767, mandara estabelecer os Paia. cus € os Jucds nos seus antigos sitios, Estes deviam mi- nistrar uma relacéo das pessoas existentes para se re- solver a criagéa de novas villas, de sorte que o mesmo governador mandou erigir em villa com a denominagdo de Arneirds a aldeia dos Jucds, Voltéram os Indios a Montemér, e ali ficaram até © presente, como se vé das provas que vou apresentando, Na veriagéo da Camara municipal da vila do Aqui- ras do primeiro de abril de 1813, lé-se que: acordaram 08 veriadores despachar um requerimento do indio José Cabral de Melo, capitdo-mér da povoacaéo de Montemér © velho, pedtndo para haver derrama na dita povoacao, Tesolvendo a dita camara que requeresse ao exmo, Go- vernador, que foi quem determinou que houvesse der- cama nesta villa (Aquirds) e Cascavel, Na veriagdo da mesma camara de 20 de dezembro de 1821 acordaram em observancia ao oticio do depu- tado da Junta de 16 do mesmo mez, fazerem cobrado- tes e escrivaes do dizimo nos lugares desta villa, po- voa¢do de Montemér, pela forma seguinte : Para cobra- dor da villa o Tenente José Martinho Pereira Faganha, para seu escriyio a Francisco .,, aqui esta estragado o resto do nome, Para Motitemér elegeram cobrador, Jodo da Costa Monteiro, e seu escrivao o indio José Martins. Note-se que nas veriagdes eu resuino o mais pos- sivel, e€ s6 me refiro ao que diz respeito aos indios. Na veriagdo de 15 de janeiro de 1822, entre di- versas resolucdes ha a seguinte : acordaram em quarto lu- gar apresentar a Memoria do Commandante dos Indios da Povoagaéo de Montemér o vetho, José Francisco de REY, DO INSTITUTO 36 284 REVISTA TRIMENSAL Montes, que aceita tudo menos o quererem os indios passar sem um Director branco que os ditija. Na veriagao de 8 de julho de 1822, acordaram in- formar um requerimento des indios de Montemdr o ve- Jha aos senhores do Governo pedindo o aumento da freguesia, Na veriagéo de 2 de agosto de 1824, acordaram dar posse a José Rodrigues Pereira, para servir 0 cargo de Director dos indios de Montemér o velho, na forma da provisdo que apresentou do Governo Provisorio, Na veriagdo de 30 de setembro de 1824, entre ou- tros assuntos, acordaram fazer ver ao mesmo Governo Suoremo Salvador uata representagéo das indios de Mon- temér o velho sobre a necessidade de parocho. Consta a Portaria da Junta da Fazenda de 12 de setembro de 1827 ao Juiz de Féra do Aquiras que re- metesse uma elagdo circunstanciada sobre a quantidade de terreno desocupado pelos indios da Povoagdo de Mon- temér o velho por haver sido removido o seu aldeiamento para a villa de Mecejana, para serem aos dessa vila en- corpotados, com declaragéc das ditas terras de Montemdr 9 velho, suas confrontagdes e sitios pelos ditos cultivados, e estado de cultura dos mesmos sitios, remetendo outra relagdo das dimensdes € confrontagoes etc Por esta portaria supde-se que os indios foram todos levados para Mecejana, Em 6 de fevereiro de +828, a Junta da Fazenda no- meia o capitéo José de Sousa Machado para exercer 0 emprego de Administrador do rendimento das terras que pertenciam aos préprios nacionais desta Provincia por se haver removido o aldeiamento dos mesmos indios para a vila de Mecejana, o qual José de Sousa Machado ficasse autorisado para arrecadar as ditas terras como conveniente julgar a bem da Fazenda, Foram-lhe re- metidas as instrugdes convenientes. Na veriagéo da Camara do Aquirds de 22 de oitu- bro de 1829, tendo-se de responder o oficio da Presi- déncia de 18 de agosto désse ano, sobre esclarecimento pedido pela Camara dos Senadores para colonizagao de DO INSTITUTO DO CEARA 285 estranjeiros, o ntimero destes que poderd receber, a des- cri¢do topografica da vila (Aquirds), a povoacdo de Mon- temér o velho, outrora situada pelos indios, e hoje deserta em o ano de 1825, por terem uns perecido, outros emi- grado, € o pouce que restava foi puxado para a Direcgdo da villa de Mecejana. Este acto da puxada dos indios de Montemér para Mecejana ¢ 0 unico em que se tala em indios, Muito de proposito vou publicando o que ha con- tra os Indios de Montemér, pois que a quem lé ésses documentos parece que tais Indios se extinguiram ; va- mos ver, O sr. inspector da Tesouraria de Fazenda, Luiz Li- berato Marretros de Sa, baixa uma portaria em 13 de oi- tubro de 1834 ao Procurador Fiscal José Ferreira Lima Sucupira, para que proceda na conformidade da lei para serem incorporadas aos préprios nacionais as terras de Montemér que pertenceram aas Indios, tm sessdo da Tesouraria de Fazenda de 3 de agosto de 1835, propondo o Procurador Fiscal que se providen- ciasse sobre 0 meio de arrecadacéo dos féros das terras de Montemér o velho, pertencentes aos préprios nacio- nais, deliberou-se cometer a cobranga ao colector dos Tendimentos nacionais das freguesias do Aquirds, Mece- jana e Cascavel, exigindo-se-lhe uma minuciosa infor- magao a respeito das confrontagdes das ditas terras, com declaragdes das que esto devolutas e cultivadas, quais 08 seus rendeiros, a quantos anos est4o de posse, quanto pagam de foro e por que titulos, Deliberou o sr. Inspector em sessdo da Tesouraria de 4 de agosto de 1835, de conformidade com o acto da Mesa, que se consultasse ao colector dos Rendimen- tos nacionais das freguesias de Mecejana, Aquirds, e- Cascavel, José de Queirés Lima, a fiscalizagio e co- branga dos féros das terras de Montemér o velho, per- tencentes aos préprios nacionais, exigindo-se-lhe pre- viamente uma circunstanciada informagdo a respeito das confrontagdes das mesmas, com declarag%o das que es~ 286 REVISTA TRIMENSAL to devolutas, e cultivadas, quais os rendeiros, quanto pagam de foro, Désses actos da Repartigéo de Fazenda conclue-se que no decurso de 10 anos, de 1825 a essa data de 1835, nada se fez senfo pedir informagdo das confronta~ cézs das terras de Montemér, quais as devolutas, as cul- tivadas & &. ‘Eu li uma cépia da adjudicagao da terra de Mon- temér a préprio nacional, que fiz entrega ao nosso ad- vogado, na qual se vé que ali ficaram residindo diver- sus Indios, entre os quais Manuel Baptista, aquele de quem se fala mais de uma vez em documentos officiais, © mesmo que em dias de novembro de 1891, como ca- pitao-mor dos descendentes dos Paiacts, me pediu to- masse sob minha protecgéo os mencionados Indios, visto ja ser falecida seu protector, o dr. Manuel Soares da Silva Bezerra. Aceitemos que de facto, Montemér velho em 1835 tenha ficado de uma vez préprio nacional, sim, Sinhor. Vamos aos documentos. if Na veriagéo da camara municipal do Aquirda, de 22 de agosto de 1836, acordaram os veriadores representar 4 Assembléa Provincial sobre o termo da vila e¢ munici- piv, pedindo para patrimonio as terras de Montemér 0 velho, e no sendo atendidos, ainda na veriagio de 8 de abril de 1838, tornaram a pedir ao Presidente da Pro- vincia, em resposta ao seu officio de 19 de fevereiro desse anno, no qual solicitava indicasse a mesma camara as necessidades do municipio, e aquella camara pediu de novo a légua de Montemér o velho para seu patri- modnio, € ainda desta vez ndo teve resposta, o que pa- rece nada se havia feito sobre féros, Aqui fica realizada a minha suposigéo, e por isso chamo a atteng¢do dos que me léem: Na veriagdo da re- ferida camara de 22 de abril de 1843, em que responde 4 circular do Presidente da Provincia, sob n.017 de 8 _ DO INSTITUTO DO CEARA do mesmo més, pede a légua da terra de que estado de posse os Indios de Montemér o vetho para patriménio da mesma camara, Atenda-se bem que, se em 1843, oito annos depois da adjudicagao da terra de Montemdr o velho a proprio nacional, os Indios Paiacus estavam de posse dela, é claro que nunca sairam do lugar da sua povoagio, é claro que eram os donos da mesma povoagio, E’ a Cii- mara Municipal do Aquirds, a cujo municipio pertencia a povoagdo de Montemér o velho, que o afirma, que vai aqui transcripto foi copiado dos livros de veriagdes da Camara Municipal do Aguiras, arquiva- dos na Secretaria do Governo, muito perto de nés, onde podem ser verificadas as minhas citagdes sem muito tra- balho. Ora, 0 que parece certo é que ndo teve efeito o tal propric de Montemér o velho, e a razéo esta em que se ndo conhece acto algum que se refira quelle feito, e ninguem déle fala sengo os que se opsem ao direito dos caboclos, Se realinente Montemér o velho era proprio nacio- nal, por que razio 0 Governo da Republica quando re- meteu em 1890 para este Estado os de Soure, de f rangaba, e Messejana, afim de serem cobrados os {Sros em bem das respectivas Intendéncias, nia remeteu tam- bém o de Montemér velho ! Por que razdo em 3 de dezembro de 1902, quande o Intendente de Montemér o velho, hoje Guarani, Luis Evaristo da Silva, requereu a Iégua de terra de Monte- mér velho para cobrar foros em proveito da sua Inten- déncia, 9 presidente de entdo dr. Pedro Borges, a vista do meu requerimento a favor dos caboclus, reforcado pelo parecer do advogado Luiz de Miranda, indeteriu a pretensdo do Intendente, depois de ter ouvido o Direc. tor Geral da sua Secretaria, Miguel Ferreira de Mela, empregado que conhecia a fundo os arquivos daquela Repartigdo ? Ainda, como se explica que o Bardo de Studart, que possui uma das colegdes de documentos histéricos mais 288 REVISTA TRIMENSAL preciosas do Brasil, com a qual tem despendido deze- nas de contos, no segundo volume de 373 paginas das suas Datas e factos para a Histéria do Ceara, que traz noticias sobre casos insignificantes como jornais que fo- ram publicados por meninos, ndo aos diz uma palavra sobre o tal préprio nacional de Montemér o velho, quais os foreiros, quanto foi arrecadado dos donos das terras, ainda mesmo dos brancos, e quem estava de posse dessa terra ? Ainda mais, 0 dr, Joaquim Fabricio, Delegado Fis- cal déste Estado, empregado distinto que foi por muito tempo daquela Reparticao, desejando servir a seu so- gro, o coronel Domingos Carneiro, interessado contra os caboclos de Montemér o velho, que me presentedra com diversas cépias de documentos sobretudo relativos ao Hospicio dos Jesuitas em Aquiras, porque nas buscas, que deu ou mandou dar, nao descobriu algum documento com relacdo a permanéncia do préprio de Montemér o velho, e provasse que os caboclos ndo téem terras? Com relacéo ainda ao proprio de Montemdr o ve- Iho, tive a pachorra de reler os historiadores que se oc- cuparam do Ceara, como coronel Jodo Brigido, senador Pompeu, conselheiro Araripe, dr. Theberge, Catunda, dr. José Pompeu, e ainda o general Abreu e Lima, e ga- ranto que nem um déles teve conhecimento do tal pré- prio, ou o tomou a sério, A adjudicagdo parece que constou apenas de oficios € portarias. Assaltou-me, neste instante, uma ideia que deve de todo tirar a esperanga que ainda possa restar aos sus- tentadores do patriménio da Padroeira de Guarani, que eu queria que éles me explicassem a seriedade com que anddram nésse negdcio, Como é que a légua de terras de Montemér velho ¢ proprio nacional desde 1835, para os inimigos dos cabo- clos, eo Rmo, Araripe fé-lo patrimonio da capela de Guarani? Pertence a terra 4 capela, ou ao governo do Estado? E, no entanto, quantos homens dos mais conside- dO INSTITUTO DO CEARA rados da vila declararam nas audiencias do process dos caboclos contra o Rdo, Araripe e Jodo Facundo, pe- rante o Or, Juiz Substitute de Aquiras, que Nossa Se- uhora da Conceigéo tinha patriménio dado por diversas pessoas ! A quem pertenciam os féres, 4 capela ou a Fazen- da? A capela nao péde ser e sim ao Governo, que peia lei e pelo direito ja os perdeu a favor dos caboclos, que estGo de passe de Montemér desde tempos imemoriaes. Vejamos agora o que dizem alguns vigarios de Aqui- ras sobre ésse assumpto; O Rmo. Padre Antonio Ma- nuel de Souza, ilustre sacerdote, conselheiro e cumplice do Cel. Pinto Madeira na revolugao de 1831, entdo vi- gadrio interino, na informagdo que deu ao Presidente, Dr, Jodo Anténio de Miranda, em to de maio de 1839, tra- tando das igrejas da freguesia diz la em certo ponte: pena & que se nda tome em consideragdo a reforma da- queles estabelecimentos publicos de alcance da igreja e habitantes que moram féra e dentro de uma legua de terras, doada por particulares (segundo me dizem) a be- neficio de tais Indios, e ornato da igreja, distando aquela povoacao e capela seis léguas. Quando um homem do valor de Anténio Manuel, morador e vigdrio de Aquiras, informa que cs Indios téem uma légua de terras em Montemdro velho, doada por particulares, é de crer que nao iria tirar o direite do Governo Geral ou de quem quer que fosse, para da-lo aos caboclos. Se éle tivesse certeza de que a légua de ter- ras era proprio nacional, isso em 1839, quase em cima da data em que se diz fora feito dito proprio, nado seria capaz de dizer e muito menos de afirmar, embora acres- centasse (segundo me dizem) uma couza que ignorasse, A adjudicacao e de 1835; logo 4 annos apenas depois daquele feito, Assim, parece que os Indios estavam gozando por doagdo ou outra qualquer concessdo da légua de terras, ¢ como ta! ndo tinham necessidade de ficar em Messe- jana, Moravam onde sempre haviam morado, na sua po- voacéo de Montemér o velho. 290 _ REVISTA TRIMENSAL O que diz o Padre Antonio Manuel, é justamente o gue disse a Camara municipal do Aquirds na veriagdo de 22 de abril de 1843, ja citada, isto 6, que os Indios estavam de posse da terra de Montemér o velho, Em 23 de agosto de 1844 responde o coadjutor do Aguiras, Padre Norberto Madeira Barros, a S. Ex.* 0 Sr. Presidente Brigadeiro José Maria da Silva Bitencourt, nestes termos: Em observancia ao despacho de V, Ex.* de 17 do mesmo més, no qual me ordena informe o requerimento do Indio Manuel Baptista, primeiramente passo a expdr a razao de toda a arenga désses Indios, . € quererem éles que a igreja seja sua, ¢ por isso. isentos de pagamento dos direitos de iaterramento, ja lhes fiz ver que nao tinha lugar isso, porquanto nao eram mais aldeiados, e por um deereto de D Pedro | que acabou com o Diretério passando éles para as ordenangas, e as- sim que ndo gozavam de privilegio algum concedido aos Indios, 86 sim se fossem novamente aldeados, por isso mesmo que a igreja nda thes pertence &, Quanto a panca- da que diz no requerimento deram nu Indio e derramara sangue ma igreja tal ndo houve e assim como o Indio Manuel Raptista diz em seu requerimento em um sacris- tio Indio tudo se acaba, c para acabar essa intriga nado tenho divida em nomear para sacristéo outra qualquer pessoa ou mesmo um Indio, se V, Ex.2 assim o determinar. Aqui se fala mais de uma vez no Indio Manuel Bap- tista, aquele mesmo de que se faz meng4o no documento da adjudicagao do proprio de Montemér, em 1835, € que me pediu, como ja disse acima, dispensasse minha protecdo aos da sua tribu. A briga ou arenga dos Indios era porque éles se consideravam senhores da igreja, ¢ para se acabarem as rixas, exigiam que se nomeasse sa- cristia a um Indio. Quem impéi, é porque tem forca ou porque dispdi de elementos outros ou de grande numero de homens. el Qs caboclos julgavam-se, como ainda hoje, e euo de- — DO INSTITUTO DO CEARA 2901 monstrei_no artigo de 21 de Setembro de 1909, no Jor- nal do Ceard, senhores da igreja de Nossa Senhora da Conceigéo de Montemér ou Guarani, Em que direito se fundava Romualdo Barata, ca- pitéo-mér actual dos descendentes dos Paiacus, para exi- gir que o vigario Dr. Araripe o nomeaese procurador dos foros de Guarani, ficando éle sé com o poder de dis- por dos recebimentos como bem entendesse? E’ o Rmo, Araripe quem o diz as linhas 49 da segunda coluna do seu primeiro artigo publicado na «Republica» de 23 de Setembro de 1909, Qs caboclos sio sempre os mesmos: as brigas e arengas de 1844 reproduzem-se em 1909, é visivel ai a lei do atavismo, semelhangas de avds, Manuel Baptista devia ser chefe de certo prestigio pois que podia requerer seus negécios e dos seus gover- nados, e tinha a satisfagdo de ver os seus requerimentos despachados e acatados pela autoridade suprema da Pro- vincia, Entre paréntese,— as noticias a respeito de viga- tios foram extrahidas das Correspondéncias dos vigdrios do Aquirds, de 1831 em deante, existentes nos arquivos da mesma Secretaria do Governo, Custa muito pouco se verificar 0 que referi a ésse respeito, Pobres Indios! Em 25 de fevereiro de 1819, El-Rei D, Joao VI faz baixar o Decreto seguinte: Tendo consi- deragao a fidelidade e amor a minha Real Pessoa com que os Indios habitantes nas diversas villas do Ceara grande, Pernambuco e Parahiba marcharam contra os revoltosos que na villa do Recife tinham attentado le- vantar-se contra a minha real soberania e atacado as autoridades por mim estabelecidas; Querendo mostrar quanto o seu fiel comportamento me foi agradavel e fol- gando de lhes fazer mercés; Hei por bem que todas as villas € povoagdes de Indios nas sobreditas Provincias ti- quem isentas de pagarem mais o subsidio militar esta- belecido pela Carta Regia de 15 de maio de 1654, ¢ REV, DO INSTITUTO 7 292 REVISTA TRIMENSAL teguiando na de 3 de agosto de 1805, Que as patentes dos mesmos Indios que sdo por graga isentas de todos os emolumentos, o sejam também do direito do sello no- vamente declarado no Alvara de 24 de janeiro de 1804, sellando-se de graga sem pagamento, e declarando-se as- sim nas verbas do mesmo selo, E que nado sejam obri- gados a pagar quartas partes de seis por cento ou outa semelhante aos seus Directores, aos quais daqui em de- ante mando estabelecer ordenado correspondente pela minha Real Fazenta. Thomas Antonio de Villa-Nova Portugal, do meu Conselho e Ministro de Estado dos Negocios do Reino, assim o tenha entendido e faga exe- cutar, mandando expedir as juntas da Fazenda as or- dens necessarias sem embargo de quaesquer Leis ou dis- posigdes em contrario, E logo depois, pouco mais de cinco annos, em 1825, foram os Indios de Montemdr arrancados dos seus tares € atirados como levas de criminosos para longe dos seus irmdos, ficando, ainda assim, os mais dispostos que ja estavam situados, E’ preciso lembrar que todo o ano de 1824 foi de sofrimentos e de déres para todos os cearenses, em_con- sequéncia das lutas sangrentas da Republica do Equa- dor, e crudelissima vindicta dos sequazes do Governo ; e ndo menos o de 1825, no qual o tribunal de sangue ceifava vidas preciosas de cearenses illustres, tado isso em meio das agonias de uma sécca horrivel, que asso- lava a pravincia, cujos efeitos agravados com as des- truigdes da peste causdram grande mortandade na po- pulacdo, Acrescente-se mais que por ddio a nossa auda- cia, abriu-se 0 recrutamento, e em 3 e 13 do més de novembro désse ano, foram levados nas barcas D, Pe- dro e Gerves, 388 homens, que na viagem de 63 dias ao Rio morreu grande parte por variola, Nessa quadra, no entanto, de séca e de misérias, que foram talvez as causas de sairem os Indios a pro- curar os meios de subsistdncia, sio, em paga de sua de- dicagdo a El-Rei Nosso Senhor, imediatamente trans- _DO SNSTITUTO DO CEARA 293° portados a Messejana onde ado se demoraram como das razdes acima expendidas, Ha cerca de 24 annos, achando-me a ti de no- vembro de i891 em comissdo do Governo do Estado em Montemar, ja entéo vila criada por acto de 9 de setem- bro de 1890, e inaugurada a 27 de oitubro do mesmo ano, conheci o velho capitdo-mér dos Indios ou descen- dentes dos Paiacus, Manuel Baptista dos Santos, que me foi visitar e pedir que tomasse sob minha guarda e proteccéo os caboclos seus subordinados, alegando nado ter mais o seu bom protector, o provecto advogado, Dr. Suares, Aceitei supondo o encargo mais leve Das informagdes que colhi naquele tempo, soube que os descendentes dos Paiacus eram senhores de uma légua de terras em Guarani, e alem dessa noticia soube mais que a imagem da Senhora da Conceigéo pertencia aos mesmos descendentes dos Paiacus, que fot adquirida por dinheire da venda de esteiras, as excelentes esteiras de que faz mengdo o governador Barba Alardo de Menezes na sua Memdria sobre esta capitania, em 18 de abril de 1814. O sino teve a mesma procédencia, isto é, fora trazido da Bahia. Hssas e outras notas passei-as na caderneta de via- gem que tem os nimeros 8 e 9 e ja foram mostradas ao Rdo. Padre Climério Chaves, ao major Cesidfo de Albu- querque Martins Pereira, e Miguel Ferreira de Melo, como ja referi nos artigos publicados no Jornal do Cea- ré, deg e 16 de novembro de 1909, caderneta que fica exposta ao exame de quem quer que seja na Ga- leria Chic do St. Mourdo, a rua do Major Facundo n. 88-a, afim de que se veja e conhega que 4 pag, 28 verso da referida caderneta eu mencionei o nome do capitao-mér dos Paiacus, Manuel Baptista dos Santos, 0 mesmo que é indicado ficando a residir na povoagdo de Montemor depois da adjudicacdo, que se diz ter sido feita em 1835 do século passado, ba oitenta annos da data presente. Vé-se pelo que esta escrito na caderneta que eu ndo podia adivinhar que ao fim de 18 anos teria de me en- 294 REVISTA TRIMENSAL contrar com o Rmo, vigario do Aquirds, que pretendeu sempre ganhar esta questdo pelo direito da forga, O que esta ali 6 0 que eu ouvide pessoas, que me pareceram dignas de informar a verdade. Algumas palavras mais para concluir, lV O Montemér de hoje nao é o Montemér de outrora, dos tempos anteriores 4 criagdo da vila. Era um povoado insignificante, sem recursos nem importancia, quase ex- clusivamente habitado por gente pobre e descendentes dos Paiacus, Em geral os homens que dispunham de meios tjnbam residéncia fora. Na igreja, além de alguma novena promovida pelo chete dos caboclos, celebrava-se apenas a missa de Natal, missa do galo, como Ihe chama o povo, a que aem to- dos os moradores dos arredores compareciam. Ainda quando em novembro de 1891 ali estive ar- ranchado, temei conta de um quarto do Mercado, ala do poente, e o meu arriciro de outro, e os demais em ni- mero de sete ou oito, de igual tamanho, estreitos e su- Jos, como 14 existem alguns para prova, estavam todos desocupados, e um ou outro, que tina a venda poucos géneros, cra de uma insignificdncia digna de nota. Nas duas pequenas ruas, ou pedagos de ruas, via-se uma ou outra pessoa, e as poucas lojas de comércio eram como as de qualquer povoado sem valor, Manda a justiga que eu declare que recebi do sr. Luiz José de Assungéo o mais delicada acolhimento, que muito me penhorou Visitou-me também o coronel Domingos Carneiro, e se alguém mais nao tenho lem- branga, Sei que passei ali trés ou quatro dias, Depois da marte de Manuel Baptista, o velho ca- pitéo-mor, vi Romualdo sempre ocupado com servigos da igreja, e lembro-me que censurando o estado de aban- dono e falta de asseio da mesma, disse-me em conversa © coronel Domingos Carneiro, homem de toda distingao ecriterio: Os culpados de tudo isso sao os moradores DO INSTITUTO DO CEARA 295 de fdra da vila, que, ndo querendo vir aos actos da igreja, mandam o dinheiro de que podem dispér aos caboclos, e estes fazem as suas vezes, Deus sabe ld como, Era Romualdo quem levava as imagens a encarnar 4 capital, tirava esmolas por meio de listas para agui- sigdo de outras, e foi numa dessas que eu vi o nome do tevd. padre Araripe, j4 entdo vigario do Aquirds, assinan- do 2$000 réis para trocar, como se diz entre o povo, a imagem de Nossa Senhora da Satide, de que dei noticia no artigo publicado a 21 de setembro de 1909, no fornal do Ceard. Vi também o nome do padre Celso em outra lista, assinando igual quantia de 2$000 réis, para uma festa de santo na mesma igreja, Padre Celso foi vigario antes do padre Araripe. . De intimeras folhas de papel, de diversos anos, que possui o capitao-mér Romualdo Barata, e que mandei fossem mostradas ao seu advogado, vé-se etn listas de arrematagdes de leildes, esmolas para aquisic¢do de ima- gens, encarnacdo e festas de santos da capela de Monte- mor, que as pessoas mais gradas e influentes da vila assinam as ditas listas, 4 excepgdo do coronel Domingos Carneiro, que nao tenho certeza de ter visto seu nome, E’ de admirar que sendo Romualdo caboclo analfabeto, ignorante e sem importancia no lugar, tenha obtido a assinatura de todos os moradores, e até do sr. vigario Araripe, 0 que prova tinha prestigio ; do contrario é su- por os demais habitantes moralmente inferiores 1 Ro- mualdo, e isso ndo era possivel. Seriameate pensando, 0 que parece é que Romualdo era o encarregado das festas da capela, ou foi até o tempo em que o langou fdra o sr, vigario dr. Araripe, e se ndo, porque assinavam to- dos os moradores da vila as listas de pedidos de di- nheiro para efeitos da igreja ? Se duvidarem, eu publicarei_ todas com reconbeci- mento da firma de cada um dos chefes e potentados da vita. Aquela terra de Montemér o velho em béa cons- ciéncia devia pertencer 4 familia Antas Ribeiro, pois que na escritura de venda dela ao revd, padre D. Pedro 296 REVISTA TRIMENSAL de Souza, em 11 de maio de 1763, traz a clausula de que o comprador nao podera vender a pessoa alguma o dito prédio sem primeiro afrontar ao dito vendedor ou seus herdeiros, e falecendo este dito, 0 comprador pas- sara esta dita venda aos herdeiros déle dito vendedor pela mesma quantia de 2608000 réis, A’ vista das disposigdes desta escritura, 0 padre D. Pedro de Souza nao podia dar, nem doar, nem trocar, hem vender a terra de Montemdr, que inevitavelmente voltou aos herdeitos do Coronel de Antas Ribeiro. E assim, é falsa a tradicdo de que o padre Pedro de Souza, ao retirar-se para Pernambuco, fizera doagdo aos Indios e 4 Nossa Senhora da Conceigéo do Montemor ; della fui vitima, mo conhecendo como ndo conhecia nada de Histéria do Ceard, ao escrever no jornal do Ceard, 0 artigo de 23 de setembro de 1909. De estudos feitos posteriormente cheguei 4 certeza de que nao existe uma sé tradigdo neste Estado que te- nha visos de verdade, a comegar pela lagéa de Poran- gaba, que nunca existiu, A aldeia de Porangaba foi fun- dada na lagéa ‘de Modubim. Provei-o categoricamente as paginas 163 a 165 do vol. XV da Revista do Instituto do Ceara, artigo Algumas origens do Ceara. Tendo ficado abandonada a terra de Montemér por incuria ou esquecimento dos legitimos donos, os descen- dentes do coronel Jodo de Antas Ribeiro, bisavé do dr, Raimundo Ribeiro e desembargador Jodo Firmino € ou- tros, parece que o Governo tinha em pouca valia aquela propriedade, que havia custado o dinheiro do referido Coronel de Antas Ribeiro em hasta ptibtica perante o ouvider Victorino Soares Barbosa, a 7 de maia de 1763. Se os proprictarios legitimos da terra perderam-na por esperteza dos agentes do Governa, é de justica que a perca éle em bem dos descendentes dos Paiacus que dela estao de posse desde tempos imemoriaes, conforme provam a camara, o clero e a povo do Aquirds, Fica bem firmado que patriménio de Montemér nunca houve, e uma das milhores provas é a tomada de contas ao iiltimo procurador de Nossa Senhora da Con- DO INSTITUTO DO CEARA 297 ceigao daquela vila, acostada aos actos, em que se nota que os bens da Padroeira constam de diversos objectos, mas nao possui Ela um palmo de terra. Terminando estas palavras, pego desculpas de ter repisado quase sempre o mesmo assunte. Precisei firmar bem pontos, que devem ser atendidos pelo valor das pro- vas, Antonio Bezerra, Postscriptum, Tenho necessidade de dizer que nesta questdéo nunca perdi audiéncia em Aquiras, nem vistoria em Montemér, nem me recusei a levar os cabolos 4 presenga do_Presi- dente Franco Rabello, nem aos drs. Chefe de Policia, desde o dr. Manuel Matos Correia de Menezes até o dr, José Martins de Freitas, a interceder por éles. a recebe- los em minha casa, donde nunca voltaram sem algum auxilio, e com certa ufania declaro que nunca de qual- quer déles recebi o valor de um nikel, em 24 anos que os protejo. Meu interesse tem sido somente por pena, visto que muito pouces sdo os que nao os odeiam de morte, sem os conbecer nem ao menos de leve. Antonio Bezerra, Nao me tendo sido possivel encontrar o n.2 da Fo- tha do Povo do més de julho do ano findo no qual vem a carta de Jodo Baptista Perdigdo de Oliveira, res- pondendo a de Romualdo Barata, a respeito do patrimd- nio de Nossa Senhora de Conceigdu de Guarani, dou publicidade a que esta acostada as razies do Memorial dos Apetados—os caboclos de Guarani, apresentado ac Tribunal da Relagdo do districto pele provecto advo- gado Dr, Eduardo Girdo, que é a mesma que publiquei naquela data, Ei-la: Fortaleza, 5 de julho de i915. Ima, Sr. Jodo Baptista Perdigao &e Oliveira, Venho por mim e meus 298 REVISTA TRIMENSAL jurisdicionados, os descendentes dos Paijacues, pedir a V. Sia, por sua dignidade de homem de bem, se digne de responder ao pé desta se nas pesquisas que tendes feito sobre assuntas que se prendem a Histéria déste Estado, encontrastes algum documento que se refira a doagdo od patriménio feito 4 Nossa Senhora da Coneeigde de Montemér-o-velho, hoje Guarani, por quem quer que seja; e bem assim me concedais permissdo para fazer de vossa Tésposta 0 uso que me convier. Com muito respeito e subida consideragae. Patricio afect. obr. A togo de Romualdo da Silva Barata José de Castro Monte, Ilmo. Sr, Romualdo da Silva Barata, No conheco documento algum do Governo, de al- guma instituigéo ou de particulares fazendo doagao a Nossa Senhora da Conceigéo, padroeira da antiga villa de Montemér-o-velho, hoje villa de Guarany, Isto affirmo mui conscienciosamente, porquanto, para fazel-o, consultei previamente os chronistas que me precederam no estudo da historia do Ceard, e compulsei os alfarrabios, que pos- suo em grande numero, em originaes ou copia. Creio mesmo que nunca foi concedido patrimonio algum a ella. ‘A ireguesia é de creacéo muito antiga, 1758 segun- do Theberge, que ndo falla em patrimonio a ella con- cedido, tendo, alids notado que algumas das freguesias dos indios tinhdo territorio proprio annexo, independen- temente do territorio proprio dos indios, citando para exemplo, a freguesia do Crato, O Dr, Figueira de Mello, consultou uin velho manus- cripto sobre a Egreja de Pernambuco, importantissimo do- cumento de que extrahiu umas Notas Estatisticas, que publicou, ha mais de meio seculo nesta Capital, sob a de- . DQ INSTITUTO DO CEARA 299 nominagdo de Deseripgdo das Freguesias do Ceard Grande. Possuo copia dessas noticias. Tratando da villa de Montemor v velho, nao falla em patrimonio, dizendo, entretanto, a extensdo della: -— tem esta vigararia legua de latitude e fica dentro da Freguesia do Aquiras para a parte do sul e distante da costa do mar g leguas. O orago da Matriz ¢ N S. da Conceigdo, Pelo que tenho lido, a mim parece-me a Freguesia era amovivel, nao passando mais que de um aldeia- mento de iadios presididos por um Vigario, no inteato benefico de contel-vs aldeiados e evitar-ihes perseguigoes, de que eram victimas, Assim ¢ que sendo a Freguesia erlada em 1758 (segundo Theberge), nao muitos annos depois os seus indios (Payacas) foram transteridos para Porto Alegre (Rio Grande do Norte} e ficou ella despovoa- da (Deseripcdo citada e Theberge). O regresso dus Payacus 4 sua antiga missdo so se ef- fectunu depois que a antiga missio de N.S. da Palma, situada na serra de Baturité, foi elevada a cathegoria de villa em 1704, com o nome de Monte-mor o novo, razdo per que a dos Pajacus ficou chamada: de Monte-mér a velo. O Governador do Ceara Barba Alardo em saa Me- moria sobre a Capitania (1814), tratando da villa de Aquiras, escreveu; A outras sete leguas de distancia para 0 sul esta a povoagdo dos indios Payactis de Monte-mor vo velho, que odo deixam de ser industriosos pelas excel- leutes esteiras que fabricam. Monsenhor Pisarro (1822) na parte em que se oc- cupa tambem da alludida Villa do Aquiras, diz: A Igreja matriz, dedicada a S$, José, tem 4 sua filiagio tres Ca- pellas, uma aldeia de indios denominada Monte-mér o velho e um lugar conhecido com o nome de Cascavel. Vé-se do que transcrevo, que ja esses dois autores néo dao a Monte-mor o velho a denominagdo ou cathe- goria dé.freguezia,—um chama-o de aldeia, 0 outro po- voagao de iudios. REY, DO INSTITUTO 38 300 TA TRIMENSAL Entretanto a tein. 32 de 27 de Agosto de 1836 da antiga Provincia do Ceara, estabeteceat Art. unico. Fica suprimida a Freguesia de Monte-mér o velho e os limites da mesma pertencendu a Freguesia do Aquiras. Ainda ahi, nao se fala em patrimonio. Concluinde concedo permissdo para fazer desta mi- nha resposta o uso que lhe convier, Fortaleza, 26 de Ju- lho de 1915, Jodo Baptista Perdigdo de Oliveira. Para completar éste trabalho a respeito do direito dos caboclos de Montemar as terras de Guarani, caboclos que ja foram apatrecinadas pele competente, illustrado, € subretudo virtuoso ¢ pobrissimo advogado Dr. Manuel Suares da Silva Bezerra, de cujo merecimento dao tes- temunho u Exmo Barao de Studart e um dos redatores do jornat da Ceard, o Sr. Vicente Mendes, no nimero de 2 de dezembro de 1889, 4 pag. 354 do Dicionariv Bio-Bibliogratico Cearense, segundo volume, dou publici- dade a Carta Regia abaixo, que determina que Missio- narios, ou Sacerdotes nada téem que ver com terras de Indivs, Copia da Ordem Régia: Rei fago saber aos que este meu Alvara em forma de Lei virem que por ser justo se dé toda a providencia ne- cessaria para a susteatacao dos Parochos, Indius e Missio- narios que assistem nos delatados certées do Brazil, sobre oO que se tem passado repetidas ordens, que se ndo execu- tardo pela repugnancia dos donatarius ¢ sismarios que pos- suem as terras dos mesmos certdes: Hei por bem e man- doa cada huma Missdo se dé huma fegua de terra em guadro para a sustentagdo dos Indios e Missionarios com declaragdo que cada Aldeia se ha de compor de cem casaes ao menos; e sendo de menos, e estando algumas pequenas juntas, ou separadas huma das outras em pouco ou menos distancia se repartira entre elles a dita legua de terra em quadro a reaspeito dos casaes que tiverem, e quando cresgdo adiante de mancira que se tagam de cem casaes, ou que sejam necessario devidir as gran- DO INSTITUTO DO CEARA er des e mais aldeias, sempre a cada uma se dara a legua de terra por este arbittio para a que jd tiverem o nu mero de cem casaes: e as taes aldeias se estivardo a vontade dos Indios com a approvagdo das Jantas das Missdes e ndo ao arbitrio do Sismanios, e donatarios ad- virtindo-se que para cada huma aldea para o Missiona- rio mando dar esta terra; porque pertence aos Indios ¢ ndo a elles e porque teado-as os Indios as ficam senho- reando os Missionarios nas que thes for necessarias pata ajudar ao susteato, e para ornato e culto das Igrejas. E outro sim hei por bem que os parochos ¢ fundagdo das lgrejas se fagam nas terras dos sismarios ou donata- rios conforme o bispo entender que convem para cura das Almas, e¢ possam admunistrarem os Sacramentos dan- do conta ao Tribunal, que pertencer, e aos quaes paro- chos se dardo aquellas porgbes de terra que ccrresponda a que ordinariamente tem qualquer dos moradores que ndo séo donatarios ou Sismarios e que possam ser lo- gradores das casas, que tiverem para que possao criar co- modamente suas galinhas; vaccis, suas eguas ou came- fos sem os Guaes nenhum pode viver no certéo; e& x cugéo desta lei hei por encarregada aos Ouvidores raes de todo o Estado do Brazil, aos quaes concedo pos- sam determinar o destricto e medigdo das ditas terras com conhecimento summario informando-se das Aldeas, e situagao dellas, como tambem das que necessitar cada homa das Igrejas Parochiaes nas terras das Aldeas pelo que se assentar, pelo Governador nas Juntas das Missdes, e vas das lgrejas pela edificagdo que della tiver feito, ou determinar fazer 0 Bispo para isto, dando conta an Go- vernador na dita Junta das Missées: esta medigdo, re- partigdo farao os ditos Ouvidores Geraes sem outra fi- gura de Juiso sem admittirem requerimentos das partes em contrario deixando seu direito reservado para reque rerem pelo meu Coaselho ultramarino, sem parar a exe- cugéo e sobre este facto dos Ouvidores, ¢ par elles mes- mos se no dito Conselho se achar justificado que al- gumas das pessoas que tem dattas de terras ndo quizer dar a legua de terras, ou mostrar d’alguma maneira o 302 _ REVISTA TRIMENSAL que esta desponho: Hei por bem sejam tiradas todas as que tiver para que o temor do castigo desta pena os abstenha de encontrarem a execugéo desta minha lei: se adimitiraéo as de nunciagdo contra aquelles Donata- rios ou sismarios que depois da repartigéo feita em pe- direm aos Indios, uso dellas, ficando-Ines por premio a terga parte, ndo passando esta de trez leguas de com- prido e huma de largo; pelo que mando a todos os Go- vernadores de minhas conquistas ultramarinas cumpram e guardem esta minha lei, e fagdéo cumprir ¢ guardar como aella se contem sem duvida alguma, Mando registrar Nas partes necessarias para que seja publicado a todos © que por ella ordeno aos Ouvidores Geraes de minhas conquistas ; ordeno-Ihes tambem que pela parte que hes toque executem promptamente este como Alvara que mando valha como Carta, € ndo passe pela chancelaria sem embargo da ordenagdo do livro segundo titulo 39 e 40 em contrario, E se passou por isto vias, Manoel Barbosa Brandam a fez em Lisbéa aos 23 de Novem- bro de 1700, 0 Secretario André Lopes de Laure a fez escrever. Re, Antonia Bezerra,

You might also like