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2 ENTREVISTA COM

MARIA ALICE SETUBAL


postas dêem certo, transformando o trabalho
em referência nacional e contribuindo efeti-
vamente com melhores práticas educacionais.
Um dos principais objetivos do almanaque 4 RECADO DO LEITOR

Na Ponta do Lápis, desde que foi lançado há


quase três anos, é trazer artigos, reportagens,
informações, orientações e troca de experiên-
cias sobre como professoras e professores, de
todas as partes do Brasil, podem trabalhar gê-
5 COISAS DE ALMANAQUE

neros textuais com seus alunos. Aos poucos


ampliamos o número de gêneros tratados, sem
perder de vista os já abordados.
Nesta edição, alguns especialistas tratam
6 QUESTÃO DE GÊNERO:
GÊNEROS TEXTUAIS NA ESCOLA

de como conciliar teoria e prática no ensino de


gêneros textuais. Uma professora do Paraná,
vencedora na última edição do Prêmio, conta
sua experiência. A socióloga Maria Alice
8 DE OLHO NA PRÁTICA:
ENSINAR: O QUÊ? COMO?

Setubal, diretora-presidente do Cenpec, am-


plia a discussão numa entrevista em que
aborda os vínculos necessários entre Cultura
e Educação. Na Página Literária apresentamos
10 PÁGINA LITERÁRIA:
FUNGO

um conto da premiada escritora Eva Funari.


Uma ótima história para professores e melhor
ainda para os alunos.
Como meio de contato privilegiado, nosso
12 ESPECIAL:
A LEITURA EM SALA DE AULA

almanaque quer “alimentar” professoras e pro-


fessores para que tenham ótimas idéias que
inspirem excelentes práticas; ou para que,
apresentando práticas exemplares, inspirem 14 TIRANDO DE LETRA 1:
NA PRÁTICA A TEORIA É OUTRA?

grandes idéias.
A todos um bom trabalho e uma ótima
leitura! TIRANDO DE LETRA 2:
16 MARCAS REGISTRADAS EM
TATUAGENS TRANSPARENTES

TEXTO VENCEDOR:
18 O VALETÃO QUE ENGOLIA MENINOS
E OUTRAS HISTÓRIAS DE PAJÉ

20 O QUE VEM POR AÍ

HISTÓRIA DO ESCREVENDO
21 O FUTURO:
NAS ONDAS DO RÁDIO
A conversa foi de quase uma hora. A socióloga Maria Alice Setubal, diretora-presidente do
Cenpec, falou de temas com os quais tem trabalhado nos últimos anos. Mestre em Ciência
Política pela USP e doutora em Psicologia da Educação pela PUC/SP, destacou a importância de
integrar memória e cultura local nas atividades curriculares da escola. A cultura caipira,
desvelada por Maria Alice na série de livros Terra Paulista*, reforçou as idéias sobre o víncu-
lo entre educação e cultura. A entrevista a seguir foi feita na sede do Cenpec, em São Paulo.

Fios entre Educação e Cultura


Por Luiz Henrique Gurgel

Que impressões causaram a leitura dos tex- Outra impressão que me vem ao ler os textos é
tos de memórias e as poesias das crianças a nostalgia, quer dizer, aquele sentimento de
que participaram da última edição do que antes é que era bom e hoje não é mais.
Prêmio Escrevendo o Futuro? Talvez a pessoa idosa que conta a história não
Maria Alice Setubal – Vou falar em termos tenha mais ou não perceba um lugar como seu,
impressionistas mesmo. É muito bom ver a preo- voltando-se para a nostalgia. A tendência é não
cupação com a passagem transgeracional: ressignificar a época, o lugar, o espaço. É pre-
crianças e professores ouvindo com respeito os ciso que a professora trabalhe com esse tom de
mais velhos relatarem sua experiência, seu nostalgia, caso ele apareça. A nostalgia conduz
saber. Essa aproximação faz com que a escola, a um movimento maniqueísta: antes era bom,
as crianças, a professora pensem um pouco na hoje é ruim. Eu não sei se é ruim ou se é bom.
sua história, na sua experiência. Não adianta querer voltar a um tempo que não
existe mais. O mundo mudou, deu um salto.

“Crianças e professores ouvindo com


respeito os mais velhos relatarem sua
experiência, seu saber. Essa aproximação
faz com que a escola, as crianças, a
professora pensem um pouco na sua
história, na sua experiência.”

A escola pública, hoje, valoriza a cultura local?


Maria Alice Setubal – Eu não saberia respon-
der pensando na escola pública como um todo.
Maria Alice Setubal Vou responder retomando minha experiência de
algum tempo atrás. Há uma tendência de que
Todo mundo fala da historinha da dona Fulana, escolas localizadas em cidades menores tenham
de tal lugar, das ruas de terra, do som do trem, uma ligação maior com sua história. As famílias
das brincadeiras de antigamente. Fico pensando se conhecem e todo mundo faz parte daquele
na importância de o professor ensinar a criança contexto, o que já traz um pouco da cultura local
a olhar, dar valor para o patrimônio cultural que para dentro da sala de aula. Esse movimento
também é dele. É a possibilidade de a criança possibilita que a escola se conscientize e enxer-
conhecer sua história, conversar com os pais, gue a história local como potencial importante.
com pessoas da escola, da comunidade. Essas Mais do que saber as histórias, a instituição
Na Ponta do Lápis – ano III– nº5

situações trazem a narrativa, o narrador, a consegue ficar próximo daquele aluno porque
experiência daquele momento. ele pertence à cultura local, faz parte da mesma
comunidade da professora, da diretora. Buscar
*Composto de três livros, mais série de documentários e um pouco a história da cidade e de seus mora-
uma coleção paradidática, organizados por Maria Alice dores sem dúvida amplia o universo da escola,
Setubal, o projeto Terra Paulista foi lançado em 2004 e pre-
tende estimular um olhar crítico sobre a formação cultural que passa a se olhar, a se enxergar e a valorizar
do Estado de São Paulo. as diferentes culturas.

2
Como incorporar essas questões ao se a cultura indígena não tivesse nada a
cotidiano da escola? ver com elas. Cada um de nós tem essa
Maria Alice Setubal – Estou um pouco história incorporada. Eu trago comigo uma
distante de uma leitura dos parâmetros história de escravidão, uma história de
curriculares, mas acho que ali estão as índio, de classe dominante, uma história
possibilidades. A escola pode trabalhar de todas essas histórias. Direta ou indire-
temas transversais que tratam da diversi- tamente, todos trazem essa história e
dade cultural, por exemplo, na disciplina vivem suas conseqüências.
história. Quanto à intersecção entre edu-
cação e cultura, é possível trazer à escola Essas questões aparecem na coleção
e ao currículo todas as questões do patri- Terra Paulista. Como foi esse trabalho?
mônio cultural. Em qualquer cidade há um Maria Alice Setubal – Foi muito impor-
patrimônio material a ser trabalhado. É o tante para minha experiência pessoal.
prédio da escola, da prefeitura, a praça, a Morando numa fazenda em Itu, interes-
estação, a igreja. São dimensões que a es- sei-me pela história do local, depois pelas
cola pode refletir. Outra dimensão, a do das fazendas do entorno e percebi que
patrimônio imaterial, provém dos saberes todas as histórias se conectavam com a
e dos fazeres. Está relacionada ao traba- história do Estado de São Paulo e com a do
lho de um artesão, a hábitos culinários ou Brasil. Eu desconhecia completamente
a festas tradicionais. É importante, porém, essa história. Sabia dos bandeirantes, do
que tudo isso não fique muito fechado, café, mas eram informações fragmentadas.
isolado. É preciso ressignificar esse Buscando os fios, veio a questão da cultura
patrimônio, valorizar a experiência: caipira. Comecei a entender um outro mundo
“eu estou aqui hoje porque existe rural cujos traços culturais persistem até
uma história, que me fez chegar aqui hoje de forma marginal, não valorizada,
dessa forma. Como posso transformar desconsiderada em São Paulo.
isso numa coisa contemporânea?”.

Como tratar essas questões da cultura “Eu trago comigo uma história de
local, quando os meios de comuni- escravidão, de índio, de classe dominante.
cação concorrem com a escola e lidam Todos trazem essa história e
com outros valores? vivem suas conseqüências.”
Maria Alice Setubal – É muito difícil. A
escola tem um distanciamento do contem-
porâneo. Ela não consegue acompanhar o Percebi, por esse estudo, como é impor-
ritmo que vivemos hoje, talvez nenhuma tante olhar para o entorno e acabar com os
instituição consiga. Há uma enorme defasa- preconceitos. Também entendi como a
gem na competição com a mídia, que busca cidade de São Paulo não olha para o inte-
o espetáculo, sem ter a reflexão como obje- rior do Estado, pois está mais ligada com o
tivo. No Brasil, a televisão atinge 95% da que acontece fora do país. O que é valo-
população. A relação é totalmente desigual. rizado é o “primeiro mundo”. São Paulo
O trabalho com a memória e a história pode não se olha, nega a cultura caipira, quer se
levar a escola a se valorizar, a se perceber, a diferenciar do Brasil. Está na mesma pro-
olhar para seu entorno. Hoje, determinadas porção dos descendentes de índios, em
culturas e determinados segmentos da Manaus, que não se aceitam. Outros esta-
população que não eram valorizados, que dos vêem com preconceito essa postura
Na Ponta do Lápis – ano III– nº5

estavam invisíveis, começam a aparecer. paulista. Somos diferentes – como cada


Essa questão me faz lembrar uma expe- um é – mas não somos primeiro mundo,
riência que tive em Manaus durante uma somos terceiro. São Paulo não se sente no
formação de professores. Todas as pes- país, não busca a identificação; busca,
soas do grupo, apesar de sua evidente pelo contrário, a diferenciação. Se não re-
ascendência indígena, falavam de índios conhecermos nossa história, não nos
como algo completamente distinto, como reconheceremos.

3
Dicas na ponta do lápis
“Gosto de ler o Na Ponta do Lápis “Houve o tempo do sonho.
todinho. Ele me ajuda a compreender
melhor e diferenciar os gêneros No escuro das noites,
textuais, além de dar dicas para o todos sonharam palavras.
trabalho na sala de aula.”
Houve o tempo do acordar.
Sandra Morari Rodrigues
São Paulo/SP Na luz das manhãs,
Compartilhando emoções
todos acordaram palavras.
“Quando recebi esta edição do Depois veio a coragem
almanaque, após folhear e achar de presentear.
lindas as ilustrações fui direto ao
editorial. Fiquei comovida com o que Em cartas lacradas viajaram
li. É muito bom saber que existem secretas palavras.”
outras pessoas que compartilham Apontamentos, de
algumas de nossas emoções Bartolomeu Campos Queirós
vividas em sala de aula.”
Kenit Bernadet Lara Rebelo
Itaúna/MG Cora Coralina A boa surpresa
Formando formadores “Cora Coralina é um exemplo de vida “Foi uma grata surpresa receber a
“É a primeira vez que entro em e de poesia para todos, quer sejam análise do texto do meu aluno. Foi
contato com o almanaque. Gostei seus leitores, quer não. Além disso, muito bom saber que o concurso é
muito! Como trabalho com formação as ilustrações deram um toque realmente sério e que os textos são
continuada dos profissionais de mágico ao texto sobre a poeta.” analisados com o mesmo carinho
educação, esse material será muito Ana Lúcia Bugato que o fazemos em sala de aula. Esse
útil. Vocês estão de parabéns!’’ São Carlos/SP trabalho nos incentiva a melhorar
cada vez mais a nossa prática.”
Simone Terezinha Zocche Laboratório para todos
Cuiabá/MT Simone Alves do Altíssimo
“Continuem com a seção De olho
Sete Lagoas/MG
na prática, excelente laboratório da
Página Literária
prática de produção em sala de aula. Investir na carreira
“Gostaria de parabenizar a seção
Assemelha-se a um curso de “É um privilégio participar do Prêmio
Página Literária, pois tão importante
capacitação a distância. Se Escrevendo o Futuro, juntamente com
quanto o trabalho com literatura é
possível, aumentem as análises meus alunos e colegas de trabalho,
a exploração da trajetória de vida
dos gêneros textuais.” pois este é o meu primeiro ano na
do escritor, suas dificuldades e
Christiane Renata C.de Melo carreira do magistério e o programa
conquistas. Essa exploração motiva
Paracatu/MG já tem contribuído muito para meu
os alunos a buscar outros livros
crescimento profissional.”
e trabalhos do escritor, construindo,
A força do hábito Raquel Queiroz Coelho Ferle
dessa forma, o hábito de leitura.”
“O registro formal de nossas ativi- Santo André/SP
Rosangela da Costa Gomes dades ainda é a grande dificuldade,
Barroso/MG pois nos falta tempo e não temos o Trabalho levado a sério
hábito. O relato de prática de outros “Pude verificar que o Prêmio
Futuro do país
professores na seção Tirando de Letra Escrevendo o Futuro não é apenas um
“Ao saber do Prêmio Escrevendo o
nos incentiva a superar esse desafio.” concurso, mas um projeto. Durante
Futuro, pensei que fosse um concur-
Maria Aparecida da Silva Faria os três anos em que participo, sempre
so como muitos outros, mas ao rece-
Caçapava/SP recebi todo o material; este ano,
ber o material percebi que se tratava
inclusive, tivemos a presença de uma
de um projeto sério de pessoas real- Roxane Rojo coordenadora e do Canal Futura.
mente preocupadas com o futuro do “A Profª Roxane Rojo faz uma Pude perceber que nosso trabalho
nosso país.” colocação importante com relação ao realmente é levado a sério.’’
Solange Maria Gomes Berluni posicionamento da escola, que muitas
Edilane Luzia Ribeiro Ambrósio
Penápolis/SP vezes não valoriza e discrimina a
Rio de Janeiro/RJ
própria realidade e cultura local. Na
Leitura no recesso minha opinião, temos que valorizar e
“A revista está excelente. muito a cultura e a realidade trazida
Vocês conseguiram superar pelo nosso aluno.”
as outras edições. Recebi meu
Liamara Maria F. de Carvalho
exemplar no final do recesso
Santo Antônio da Platina/PR
escolar e já programei todo
o trabalho de produção de Entusiasmo
texto utilizando este material.” “É a primeira vez que estou
Ana Bárbara P. V. Mattos participando do projeto. Estou
Araraquara/SP gostando de perceber o entusiasmo Nº de almanaques enviados: 61.544
Na Ponta do Lápis – ano III– nº5

na minha turma de 4ª- série. Está Nº de cartas-respostas recebidas: 5.243


sendo estimulante para a leitura e a
escrita dos alunos. No almanaque há SEÇÕES MAIS COMENTADAS
experiências que estão me ajudando De Olho na Prática
Escreva para nós! Questão de Gênero
a desenvolver o trabalho.”
Rua Dante Carraro, 68
CEP 05422-060 Jociene Lemes de Campos Especial
São Paulo/SP Corumbá/MS Página Literária
Tirando de Letra

4
Desafio!
Desde a primeira edição do Na Ponta do Lápis a noção de gênero está em debate.
Antes de prosseguirmos com esse estudo, desafiamos você a verificar como
estão seus conhecimentos sobre gêneros textuais. Leia atentamente as afirmações
abaixo e assinale (V) se a afirmativa for verdadeira e (F) se for falsa. Boa sorte!

Verdadeiro ou Falso
têm origens
A. Gêneros textuais são grupos de textos, orais ou escritos, que
de conhecimento,
mesma área
próximas. Ligados entre si por pertencerem a uma
situaç ões de comun icação semel hante.
ocorrem em

B. As conversas entre amigos, o bate-papo no restaurante, as “fofocas” ao telefone,


os cochichos dos namorados são comunicações informais, presentes no dia-a-dia
.
Esses gêneros, chamados de primários, em geral não precisam ser ensinado
s.

C. No ensino de gênero é importante deixar claro para os alunos a situação de


o
comunicação: qual a finalidade (informar, convencer, divertir); a quem se destina
comunid ade, professo r); que posição tem o autor
texto (pais, colegas, pessoas da
a, num
(aluno, professor, narrador); onde o texto vai ser publicado (numa coletâne
livro, no jornal da escola, no mural da sala de aula, no jornal local).

D. Um escritor competente é aquele que, ao produzir sua escrita, sabe selecionar


o gênero no qual seu texto se realizará, escolhendo aquele que for apropriad
o a seu
objetivo. Por exemplo: Se o articulist a de um jornal quer convencer seus leitores
de sua opinião, escreve uma interessante reportagem.

E. A escola, como instituição com função social específica, também tem seus próprios
s de ensino
gêneros, por meio dos quais se desenvolvem as interações escolares, as atividade
e aprendiz agem (texto literário, crônica, artigo, texto didático, avaliação...).
(relato, ata, diário...)

F. O escritor de memórias literárias tem a capacidade de recuperar suas experiências


de vida. Mais do que lembrar o passado em que viveu, o memorialista narra
sua história,
desdobrando-se em autor e narrador-personagem dela. À medida que escreve
o texto,
o escritor organiza as vivências rememoradas e as interpret a, usando a linguage
m literária.

G. Os gêneros científicos e de divulgação científica,


bem como os didáticos para o ensino
das diversas áreas de conhecimento estão
organizados no agrupamento do argumen
tar.

H. Em uma atividade de produção de textos sobre bichinhos de estimação a criança escreveu:


Na
NaPonta

O gato
Pontado

O gato é preto.
O gato mia.
doLápis

Ele come ração.


Lápis––ano

O gato é bonito.
Esse exemplo confirma a prática cartilhesca e mecanicista da linguagem.
anoIII–
III–nº5

Confira suas respostas na página 21.


5
nº5
Gêneros textuais na escola
Para organizar o ensino de gêne- bertas ou, ainda, os textos literários
ros textuais de forma que os alunos como os romances, os contos e as
aprendam mais e melhor a língua que crônicas.
falam, é interessante refletir um pou- Não é só na escrita, porém, que
co sobre as razões pelas quais os existem situações de comunicação
gêneros têm sido considerados ex- mais formais. Uma palestra, por
celentes “ferramentas” de ensino. É exemplo, é uma situação detalhada-
simples: são a forma natural pela mente planejada de comunicação e,
qual usamos a língua para nos comu- portanto, é mais formal. Uma aula,
nicar. Não é possível falar nem um uma entrevista ou um debate na te-
“bom dia” sem utilizar um gênero tex- levisão são planejados em detalhes e,
tual. Não há comunicação sem eles. por isso, também são mais formais.
PARA SABER MAIS Usar os gêneros como instrumen- Podemos chamar de gêneros secun-
tos de ensino na escola dá mais sig- dários os que exigem maior planeja-
O livro Gêneros orais nificação aos estudos escolares por- mento para serem usados. Precisam
e escritos na escola, que os aproxima da língua que usamos ser ensinados na escola para que os
com artigos de naturalmente em nosso dia-a-dia, se- alunos possam dominá-los como ins-
Joaquim Dolz e ja em comunicações informais, seja trumento de comunicação indispen-
Bernard Schneuwly, em comunicações formais. sável para o exercício da cidadania.
entre outros autores, Há momentos em que as comuni- Os gêneros secundários são tão
foi lançado no Brasil cações humanas são bem informais: numerosos quanto os tipos de situa-
pela Editora Mercado em conversas familiares, nos bate- ções humanas de comunicação pla-
de Letras. É uma boa papos no barzinho, nas conversas de nejadas que existem. Então, como
dica para quem quiser trabalho, nos murmúrios carinhosos escolher os que devem ser ensina-
mais informações dos namorados. Chamados de gê- dos na escola?
sobre o tema. neros primários, não precisam ser Muitos estudiosos têm se dedica-
O livro apresenta ensinados na escola, pois são apren- do a responder a essa questão. Dois
várias abordagens didos no uso diário. desses especialistas, Joaquim Dolz
sobre o ensino de Outros momentos de comunica- e Bernard Schneuwly, elaboraram
gêneros textuais ção humana são mais formais, plane- uma tabela com grupos de gêneros
na escola. jados. É o caso de textos escritos (orais e escritos) que devem ser en-
para serem publicados para um gran- sinados na escola. Nessa tabela, os
de grupo de leitores, como os textos autores organizam os gêneros em
jornalísticos, os textos escritos pelos agrupamentos: Narrar, Expor, Argu-
cientistas para divulgar suas desco- mentar, Instruir e Relatar.
Na Ponta do Lápis – ano III– nº5

6
Agrupamentos de Gêneros

ES DE
CAPACIDAD
LINGU
AGEM ENVOLVIDAS GÊNEROS
NA PRODUÇÃO
OS
GRUP

Gêneros da
cultura literá
AR e criação. ficcional: co ria
Ficção
NARR
ntos, lendas
romances, fá ,
bulas, crônic
as.

Ar tigos de d
ivulgação
todas as área ci entífi
s do con ca
R Divulgação
de um relatos de ex hecime de
EXPO conhecim to
e n result ant e conf erências
periência
s cientí
nto,
, seminá f ic
de pesquis a ci entíf ica. explicat ivos r ios, t ex as,
de livros tos
verbetes de did
enciclopé át icos,
didát icos pa dia
ra ensino , textos
áreas de con das div
hecimen ersas
to.

ARGUMENTAR Questões polêmicas


discut idas em sociedade, Car tas de sol
que exigem dos autores um icit ação, c
car t as de rec ar tas do
posicionamento e a def esa lamação, d leitor,
ebates
desse posicionamento. polít icos, ar t igos
de opinião
, editoria
is.

INSTRUIR
Informação de como deve ser
o compor t amento daqueles Manuais de inst rução de dif erent es
que vão usar um equipamento t ipos (que acompanham máquinas,
ou medicamento ou, ainda, f errament as e eletrodomést icos),
realizar um procedimento. bulas de remédio, receitas culinárias,
regras de jogo, regimentos e est atutos.
RELATAR
Necessidade de cont ar
alguma coisa que realment
e Memórias lit erárias, diários íntimos,
ocorreu, o que torna os diários de bordo, depoimentos,
rela tos dif erent es das
repor t agens, rela tos históricos, biograf ias.
narrativas, que são fic
cionais.
Na Ponta do Lápis – ano III– nº5

ejamento, os professore
Para organizar o plan s podem
er o s g ê neros s e cun d ár ios de a cordo com
escolh o int ere
sse e
ca pa c i da de s de l ei tura e escrit a dos alunos e dis
as tribuí-l
os
ao longo das séri es do Ensino Fundament al.

7
Ensinar:
VOCÊ JÁ FEZ O
O quê? Como?
ESTÁ
PLANEJAMENTO? A sociedade contemporânea vive a era da
QUASE PRONTO,
MAS TENHO informação. Jornais, revistas, televisão, rádio,
ALGUMAS DÚVIDAS. e-mail, blog, comunidade virtual, orkut possibili-

zado de
um conjunto sistemati
Seqüência didática é pa ra en sinar um
tre si, planejadas
atividades ligadas en sta en volve
pa. Essa propo
conteúdo etapa por eta org an iza das de
agem e avaliação,
VOCÊ TEM atividades de aprendiz qu er alc ançar.
ivos que o professor
ALGUMAS? acordo com os objet
EU SOU
SÓ INCERTEZA!

Ao organizar uma seqüência didática,


é preciso preparar detalhadamente
EU JÁ DE QUE JEITO cada uma das etapas do trabalho:
TERMINEI O MEU. VOCÊ VAI TRABALHAR
VOU TRABALHAR
COM CONTOS
ESSE GÊNERO COM
A TURMA?
1 Compartilhar a proposta de trabalho com os alunos
FANTÁSTICOS. É importante explicar o trabalho passo-a-passo.
Uma sugestão é fazer uma roda de conversa para
apresentar o gênero que será estudado e
comentar as diversas atividades que serão
desenvolvidas. Organize, junto com a
turma, um plano de ação, anotando
em um cartaz cada etapa da proposta.

ESTOU
PREPARANDO 2 Mapear o conhecimento prévio dos alunos
UMA SEQÜÊNCIA Nesta etapa, os alunos conversam sobre o que
DIDÁTICA. conhecem do gênero que será trabalhado e escrevem
um primeiro texto. Ao propor a primeira produção,
o professor deve detalhar a situação de comunicação:
para quem se destina o texto (pais, colegas,
pessoas da comunidade), qual é a finalidade (informar,
convencer, divertir), que posição tem o autor (aluno,
representante da turma, narrador), onde o texto vai
O QUE ser publicado (numa coletânea, no jornal da escola,
É ISSO? no mural da sala de aula, no jornal local).
Essa produção aponta os saberes dos alunos e dá
pistas para que o professor possa melhor intervir no
processo de aprendizagem.

3Ampliar o repertório dos alunos


Na Ponta do Lápis – ano III– nº5

De posse do mapeamento dos alunos – informação


preciosa para avaliar em que ponto está a
turma – o professor elabora um conjunto de atividades
de leitura, escrita e oralidade, as mais diversas possíveis.
É fundamental oferecer bons e variados textos,
aproximando a turma do gênero em estudo. Essa diversidade
de propostas amplia a possibilidade de êxito dos alunos.
8
tam que a informação circule em quantidade, ve- roteiro de ações. Esse procedimento permite in-
locidade e transitoriedade impressionantes. tegrar as práticas sociais de linguagem – escri-
Diante desse cenário, surge um grande desa- ta, leitura e oralidade – guiando as intervenções
fio para a escola: definir quais conhecimentos do professor.
acumulados no curso da história devem ser en-
sinados e de que forma. Vamos refletir sobre as orientações
Pensar o ensino de Língua Portuguesa, por metodológicas da seqüência didática
exemplo, exige do educador o domínio da língua, A seqüência didática tem como finalidade
de seus princípios de aprendizagem, e uma refle- abordar aspectos envolvidos na produção de tex-
xão minuciosa da realidade, para então organizar tos em um determinado gênero. Esse conjunto
e articular a seleção de temas e conteúdos que de atividades permite que os alunos dominem
devem ser ensinados sistematicamente. as características próprias do gênero em estu-
Para trabalhar com gêneros textuais, é fun- do e tenham condições de escrever cada vez
damental elaborar uma seqüência didática, um melhor.

4 Analisar as marcas do gênero


6 Produzir um texto coletivo
No decorrer das atividades, é essencial a
Esta é uma etapa bastante desafiadora da
mediação do professor, para que os alunos
seqüência didática. O professor coordena a
consigam analisar e identificar os recursos
utilizados pelos autores na escrita.
Por exemplo: ler textos, identificar as
5 Buscar informações sobre o tema
produção do texto coletivo, dando oportunidade
para que os alunos troquem idéias, exponham
Esta é uma atividade valiosa para seus conhecimentos, dúvidas. Neste papel,
marcas próprias do gênero (as expressões
dar consistência ao texto. É preciso o professor incentiva a participação
próprias, os tempos verbais utilizados).
conhecer o tema sobre o qual se de todos, organiza as falas, faz intervenções,
escreve, qualquer que seja a situação transforma o discurso oral num texto escrito.
comunicativa, pesquisando, entrevistando
pessoas, coletando dados da cultura
local. É preciso dominar o conteúdo
(ter o que dizer) e a forma (ter como
dizer), utilizando o gênero mais
apropriado para a produção.

7 Escrever um texto individual


É hora de o professor mobilizar os alunos para a escrita individual.
Para realizar essa atividade, é necessário retomar a situação
de produção e relembrar as marcas próprias do gênero. 8 Fazer a revisão e o aprimoramento do texto
Nessa produção final, o aluno deve pôr em prática tudo o Essa é uma tarefa árdua para professor e alunos.
que foi aprendido ao longo da seqüência didática. Exige ler, reler, identificar o que não está bem claro
e os aspectos que devem ser melhorados no texto.
Por isso, o professor precisa incentivar e auxiliar
seus alunos a vencer esse desafio.

Mãos à obra!
Professor, você já planejou uma

9 Publicar os textos produzidos pelos alunos


seqüência didática para ensinar a seus alunos
um determinado gênero textual?
Em caso afirmativo, gostaríamos de conhecer sua experiência.
Finalizado o trabalho, organize os textos para publicação.
E, se essa proposta ainda não faz parte de sua prática
Escolha o portador mais adequado ao gênero.
Na Ponta do Lápis – ano III– nº5

pedagógica, convidamos você a organizar uma seqüência


Por exemplo: para contos maravilhosos, transforme os textos e desenvolvê-la em sala de aula.
dos alunos em um livro ou coletânea; se você trabalhou Escreva-nos relatando os passos da seqüência
com notícia, publique-as no jornal local, ou no jornal mural. didática e os resultados desse trabalho.
Com a publicação pronta, prepare com cuidado o lançamento.
Convide pais, professores, colegas da escola, pessoas
da comunidade. Essa significativa conquista – de professor
e alunos – merece celebração.

9
FUNGO
A história do estranho amigo
que queria ser escritor.

Eva Furnari *

Luciana tinha um amigo muito especial, o Fungo.


Fungo era um duende fofo que adorava conversar. Ele visitava sempre a Lu e, às vezes, até
dormia lá na caminha azul da casa das bonecas. Ele não gostava muito das bonecas, principal-
mente das magricelas que nunca respondiam suas perguntas.
Outra coisa que o Fungo adorava era escrever. Ele vivia inventando frases, poemas, histórias.
E agora, o que ele mais queria era ter um professor. Queria aprender mais. A Lu, certamente,
não podia ser sua professora, pois sabia menos que ele.
Além do mais, ultimamente, a amizade deles andava estremecida. A ver-
dade é que a Lu andava muito ocupada com as bonecas. Fungo não enten-
dia qual era a graça daquilo. Elas eram muito burras. Aquele Tobi, então,
era uma montanha de músculos inúteis, nem se trocar sozinho ele sabia.
Certa vez, numa daquelas madrugadas sem graça em que se perde
o sono, Fungo viu jogado no chão o caderno da Lu, aberto na
página da lição de casa. Olhou e viu uma redação escrita
com uma letra bem torta:

“Minha familha.
Minha familha é legau. Meu pai xama Aufredo. Minha mãe
xama Denize. Eu sou filia única e teinho çeizano.”.

Çeizano? Fungo leu aquilo e arregalou os olhos! A


redação estava horrivelmente mal escrita! Tinha muuuitos
erros de português, era curta, sem graça, sem nenhumazi-
nha palavra difícil. Além disso, não contava nada dos
parentes, das festas, das brigas e nem do que ela sen-
tia pelos pais! Coitada da Lu, ela ia tirar zero!!! Ele
Na Ponta do Lápis – ano III– nº5

mesmo podia escrever bem melhor! E por quê não?


Ele podia mesmo reescrever e bem melhor! E foi o
que fez. Arrancou a folha com a redação da Lu, jogou
no lixo e escreveu com uma letrinha caprichada:

*Premiada escritora e ilustradora de livros de literatura infanto-juvenil.

10
“Minha Família.
Eu adoro minha família! Meu pai, de nome Alfungo, é um belo exemplar da nossa espécie; é forte,
vistorioso, tem glasmurosas orelhas pontudas, dentes enormes, gloriosos e uma vasta cabeleira
verde bruxulante. Ele faz um lindo par com minha mãezinha, Fenize, que tem as sobrancelhas roxas
combinando perfeitamente com seus dois dentes e meio, com seus cotovelos peludos e seu sorberbo
nariz potialgudo. Eu ainda sou jovem, tenho só 190 anos. Meu pai tem 750 e minha mãe 700 anos.
Tenho 35 irmãos, 145 primos, todos arrechonchados como eu. Adoro meus tios, eles são muito
algitados, fofolgueiros e falhastrões. Tenho muito orgulho da minha esplenforosa família!”

Fungo foi dormir orgulhosíssimo de si. Lá no fundo de seu coração, além de querer ajudar a
pobre da Lu, ele também queria que a professora lesse sua redação e
fizesse comentários. Ela, sim, sabia muito e podia ensinar-lhe
uma porção de coisas.
Fungo ficou ansioso esperando o dia seguinte chegar e,
depois, esperando a hora da amiga voltar da escola. Ela
sem dúvida tinha tirado nota dez. Ela ia agradecer e ver
como ele era culto e depois ia esquecer o Senhor Monte de
Músculos Inúteis, o Tobi.
Mas nada foi do jeito que Fungo esperava. Em vez de
agradecer, a Lu ficou furiosa. Proibiu-o de chegar perto
do seu caderno! Imagine! Ela estava de mal! O motivo?
Ah, ela levou a maior bronca da professora, que não é
boba nem nada, e logo viu que não era ela que tinha
escrito aquilo tudo. É claro, ela não ia mesmo escrever
aquele monte de besteiras! Mas como ela ia explicar que
tinha um amigo duende enxerido? A professora nunca ia
acreditar! E era por isso que ela estava de mal, de mal
para sempre!
Chateado. Fungo ficou muito chateado. Recolheu-se à casi-
nha de cachorros da casa de bonecas e lá ficou quieto, até
o anoitecer.
Quando finalmente Lu adormeceu, ele foi silenciosamente até a mochila e desobedeceu a suas
ordens; pegou o caderno e leu o comentário da professora: Lu, quem fez a redação para você? Não
é certo mentir assim! Não faça mais isso, ok? Fiquei curiosa de saber quem fez essa redação, desse
jeito gostoso, criativo e interessante. Ela está bem escrita, apesar de ter muitas palavras estranhas,
umas erradas e outras inventadas. Quem é essa pessoa cheia de imaginação, que tem essa letra tão
miudinha?
Uau! Redação criativa e interessante! Palavras erradas! Finalmente alguém que podia ensinar!!!
Fungo saiu pulando! Ele queria estudar! Pensou em pedir para Lu levá-lo para a escola. Talvez ele
pudesse assistir aula na mochila. Uau! Talvez virasse amigo de todos lá na escola... quem sabe até
da professora... aí ela ia ver que duendes existem...
Mas Fungo sabia que isso só podia acontecer se ele e a Lu ficassem de bem. Precisava
explicar para a amiga que ele só quis ajudar e também que precisava de uma professora para o
seu sonho de ser escritor...
Na Ponta do Lápis – ano III– nº5

Fungo não gostava de ficar contando seus sonhos, muito menos seus segredos, mas dessa vez
achou que valia a pena. Pegou uma pequena folha de papel e começou a escrever uma longa carta...

“Querida Lu
Preciso explicar....

11
A leitura em sala de aula
Na edição anterior deste almanaque, publicamos uma seção dedicada
às ARTIMANHAS DA LEITURA, em que se fazia um comentário introdutório
sobre o ato de ler, sobre o papel do leitor e sobre o ensino da leitura.
Dando continuidade a essas reflexões, abordaremos alguns outros
aspectos da leitura, priorizando o trabalho em sala de aula.

Dileta Delmanto*

O conceito de letramento Nesta época de profundas trans- Para isso, é fundamental propor
considera os graus de formações em que vivemos, a escola trabalhos com os diferentes gêneros
intimidade do indivíduo com precisa, mais do que nunca, fornecer que circulam na sociedade1, mas
usos e funções da escrita e ao estudante os instrumentos neces- sem deixar de criar situações que
da leitura. Quando alguém sários para que ele consiga buscar, permitam aos alunos desenvolver as
sabe ler, mas só consegue analisar, selecionar, relacionar e or- diferentes capacidades envolvidas
compreender textos muito ganizar as informações complexas no ato de ler. Além de ensinar a ler as
simples, essa pessoa pode do mundo contemporâneo. linhas, é necessário desenvolver a
estar alfabetizada, mas Esse papel da escola ganha capacidade de ler nas entrelinhas e de
tem um nível de letramento relevância em um país como o nosso: ler para além das linhas 2, isto é, deve-
muito baixo. Esse nível para muitos, fora da escola, são pou- mos ensinar, avaliar e cobrar capaci-
aumenta à medida que se cas as oportunidades de contato dades leitoras de várias ordens:
aprende a lidar com variados com a leitura para informação, para capacidades de decodificação, de
materiais de leitura e de exercer minimamente a cidadania e compreensão e de apreciação e répli-
escrita. Quanto mais textos para entretenimento. ca do leitor em relação ao texto, como
alguém é capaz de ler e Por isso, entre outros papéis que sugere Roxane Rojo3.
entender, mais letrado se deve desempenhar, a escola precisa Se, ao propor atividades de leitu-
torna. É importante auxiliar se preocupar cada vez mais com a for- ra, procurarmos contemplar essas
os alunos a desenvolverem mação de leitores. Mas, com que es- diferentes ordens, nossos alunos
procedimentos que pécie de leitores? Que sejam capazes serão capazes não apenas de loca-
caracterizam um bom leitor, de mobilizar que tipos de procedimen- lizar informações, mas de relacionar
tais como: tos e habilidades? Que atividades de- e integrar partes do texto, de deduzir
vem ser selecionadas para que os informações implícitas, de refletir
 voltar várias vezes ao texto
alunos desenvolvam as capacidades sobre os sentidos do texto —captan-
para localizar uma informação
envolvidas no ato de ler? do as intenções e pistas deixadas
ou responder questões
Em primeiro lugar, precisamos pelo autor —, de perceber relações
suscitadas durante a leitura;
ter em mente que não basta ensinar com outros contextos, assim como
 inferir significados das a ler e a escrever: é necessário de- de gerar mais sentidos para o texto e
palavras pelo contexto; senvolver o grau de letramento dos de valorar o que lêem de acordo com
alunos, dirigindo o trabalho para seus próprios critérios.
 observar indicadores como
práticas que visem à capacidade de Parece complicado? Os exem-
títulos, ilustrações, subtítulos,
utilizar a leitura (e a escrita) para plos apresentados na página ao lado
autor, gênero, disposição
enfrentar os desafios da vida em mostram algumas das capacidades
espacial do texto, portadores,
sociedade e de fazer uso do conhe- de leitura utilizadas no dia-a-dia.
considerando-os como
cimento adquirido para continuar
elementos para atribuição
aprendendo e se desenvolvendo ao
Na Ponta do Lápis – ano III– nº5

* Mestre em Língua Portuguesa e autora


de sentido;
longo da vida. de livros didáticos.
 ler procurando reconhecer
a finalidade do texto e as 1. Ver Na Ponta do Lápis n. 4, p. 6. Na Comunidade Virtual do Programa Escrevendo o Futuro
intenções do autor; (www.escrevendoofuturo.org.br), você encontrará muitos e interessantes textos sobre o assunto.
2. Três momentos da escola clássica apontados por Ezequiel Theodoro da Silva em De olhos
 relacionar conteúdo do abertos (São Paulo: Ática, 1991).
texto à vivência de cada um. 3. Letramento e capacidades de leitura para a cidadania. Texto produzido para o Cenpec em 2004.

12
Antes da leitura
Identificar as finalidades da leitura (com que
objetivos se vai ler): para procurar informações,
por prazer, para conhecer determinado assunto, para
atualizar-se, para seguir instruções,
para revisar o próprio texto.
Antecipar ou predizer: antecipar as
informações que podem estar no
texto a ser lido a partir do título, do
tema abordado, do autor,
do gênero textual; ante-
cipar o tema ou idéia a partir
do exame de imagens (fotos,
gráficos, mapas, tabelas,
ilustrações).
Ativar conhecimentos
prévios: incentivar os alu-
nos a exporem o que sabem
sobre o assunto / conteúdo
e/ou forma do texto.

Durante a leitura
Inferir: construir o significado de palavras ou ex-
pressões a partir do contexto da frase; tirar con-
clusões que não estão explicitadas, com base
em outras leituras, experiências de vida,
crenças, valores...
Levantar e checar hipóteses: formu-
lar hipóteses a respeito da seqüência
do enredo, da exposição ou da argu-
mentação; confirmar, rejeitar ou re-
Apreciar criticamente o texto (estética,
formular hipóteses anteriormente
afetiva, ética...): avaliar as informações
criadas.
ou opiniões emitidas no texto; avaliar
Perceber as implicações da esco-
recursos estilísticos utilizados; estabelecer
lha do gênero e do suporte: relacionar
relação entre recursos expressivos e efeitos
gênero escolhido com as intenções do
de sentido pretendidos pelo autor.
autor; estabelecer relação entre suporte e organiza-
ção textual.
Localizar informações (explícitas ou implícitas
Depois da leitura
no texto): situar quem é o autor, de que lugar (físi- Extrapolar: ir além do texto: projetar o sentido do
co/social) escreve e em que época, em que situação texto para outras vivências e outras realidades;
escreve, com que finalidade; em qual portador o tex- relacionar informações do texto e
to foi publicado (jornal, revista, livro, panfleto, fo- conhecimento cotidiano.
lheto); localizar informações importantes para a Apreciar criticamente o
compreensão do texto ou para fins de estudo; iden- texto (estética, afetiva,
tificar palavras-chave para definição de conceitos; ética...): avaliar as infor-
Na Ponta do Lápis – ano III– nº5

localizar informações relevantes para determinar a mações ou opiniões emiti-


idéia central do texto; relacionar informações para das no texto; avaliar recur-
tirar conclusões. sos estilísticos utilizados;
Extrapolar: ir além do texto: projetar o sentido do estabelecer relação entre
texto para outras vivências e outras realidades; recursos expressivos e
relacionar informações do texto e conhecimento efeitos de sentido pre-
cotidiano. tendidos pelo autor.

13
Na prática a teoria é outra?
A professora Heloísa Amaral, do Cenpec, dá dicas
de como construir um bom relato de prática pedagógica,
em que é possível fazer a ponte entre teoria e prática

Muitas vezes se diz que estudos teóricos e observar se, no momento de sua escrita, está
práticas pedagógicas não combinam bem. Uma considerando esses elementos. Por exemplo,
das expressões usadas para afirmar isso, e que muitas vezes o coordenador pedagógico pede
todos já ouvimos, é: “Na prática, a teoria é outra ao professor que faça um relato da prática pe-
coisa”. É evidente que há diferenças entre estu- dagógica. Essa “conversa por escrito” entre um
dos teóricos e sua aplicação na prática peda- professor e seu coordenador pedagógico per-
gógica. Mas, é na relação entre a teoria e a mite falar da aplicação da teoria na sua prática
prática que estão as oportunidades de mudança cotidiana ou sobre como essa prática se encaixa
e crescimento da qualidade que almejamos. no projeto pedagógico da escola.
Essa relação pode ser concretizada, entre outras
possibilidades, por meio de reuniões pedagógi- Relato e relatório são o mesmo gênero?
cas e relatos escritos de prática pedagógica.
O relato de experiência de prática pedagógi-
As reuniões pedagógicas são momentos no
ca tem características muito próprias, que o di-
cotidiano da escola que contribuem para fazer a
ferenciam de outros gêneros. Ele é muito distinto
ponte entre os conhecimentos produzidos pelos
de um relatório. Um relatório precisa parecer
pesquisadores em educação e a prática dos pro-
neutro, não pode revelar sua autoria. O relato de
fessores. Espaço privilegiado para reflexão, elas
experiência de prática pedagógica, ao contrário,
possibilitam a articulação entre ação, reflexão
é um gênero de texto que põe em evidência a
sobre a ação realizada e nova ação modificada
autoria de quem o escreveu.
pela reflexão. A escrita de relatos de experiên-
As marcas de autoria aparecem no texto to-
cia da prática escolar é vital para o estabele-
das as vezes que o autor faz referência às ex-
cimento desse elo. Nesses relatos, o professor
periências muito particulares que somente ele
fala com alguém que precisa compreender sua
viveu com seus alunos, em sua sala de aula, em
prática; ao mesmo tempo que a escreve, reflete
sua escola. Ao relatar essa experiência para
sobre ela, passa a compreendê-la melhor e a ter
alguém próximo – o coordenador pedagógico,
condições de aperfeiçoá-la.
outros educadores – o professor faz uso de
pronomes pessoais e de tratamento, estabele-
Por que escrever relato de prática?
cendo um diálogo com esse leitor.
Cada situação de comunicação definida que Como o relato fala de situações experimen-
se repete produz gêneros de texto marcados por tadas pelo autor, revela as sensações e emoções
essa situação. Essa regra serve para todos os vividas nessas experiências. Isso é marcado pe-
tipos de comunicação, mais comuns e mais com- lo uso de adjetivos que aproximam o leitor dos
plexas, orais ou escritas. sentimentos vividos por quem relata.
Os relatos de experiência da prática pedagó- Vale lembrar que a vivência das pessoas nun-
gica constituem um gênero textual, produzido ca é solitária. Assim, o autor do relato também
em uma situação de comunicação recorrente e revela em seu texto o diálogo com outros su-
própria do espaço escolar. jeitos envolvidos, relembrando momentos, tra-
Para escrever bons relatos sobre sua expe- zendo para seu texto vozes de outras pessoas:
riência em sala de aula, o professor precisa falas dos alunos, do coordenador, dos pais, do
refletir sobre os elementos da situação de comu- diretor da escola, dos palestrantes que ouviu,
Na Ponta do Lápis – ano III– nº5

nicação em que seu texto será produzido e dos autores que leu.

14
O que é preciso para

1
escrever um relato de prática?
Saber que o gênero textual relato de líamos poemas...”), ora no pretérito per-

7
experiência é um diálogo entre o passado feito (“Decidi que ia abordar a situação
vivido, o presente de quem recorda e os de outro jeito”).

2
leitores do texto.
Conscientizar-se de que vai escrever um
Refletir sobre as razões que levam à pro- texto sobre uma experiência vivida que mo-
dução desse texto: desejo de registrar bilizou seus sentimentos e, de certa for-

8
suas experiências, como momento de re- ma, transformou sua prática pedagógica.
flexão sobre sua prática, ou necessidade
de prestar contas sobre como essa práti- Saber que quem relata qualquer fato, em

3 9
ca se encaixa no projeto pedagógico da qualquer situação, necessita da memória,
escola. do registro.

Considerar que a experiência – a prática –, é Ter sempre em mente que o autor reme-

4
o centro do relato. mora situações vividas com outros sujei-
tos, trazendo vozes desses sujeitos para
Levar em conta o veículo em que o relato seu texto, citando direta ou indiretamente
vai circular (no jornal da escola, num texto o que eles disseram. O autor pode mar-

5
manuscrito ou impresso pelo próprio car a introdução direta dessas vozes
autor), e que público leitor vai atingir. com dois pontos, aspas ou travessões.
Outras vezes, os “verbos de dizer” tam-
Considerar que os leitores estão interes- bém podem ser marcas do diálogo que
sados em saber as particularidades da se dá ao longo da experiência, eviden-
prática pedagógica e a maneira pela qual ciando a introdução dessas vozes: “ele

6
essa prática se relaciona com uma teoria disse...”, “na hora em que ele falou...”,

10
e com o projeto da escola. “o pai da criança contou...”, “a diretora
da escola observou...” etc.
Lembrar que, ao utilizar memória, um au-
tor sempre faz um jogo do “agora” com o Observar cuidados comuns que se deve
“ontem”, do “aqui” com o “lá”. Por essa tomar na escrita de qualquer texto: situar
razão, aparecem no texto marcas desse o leitor, dando referências de quando e
jogo, por meio dos tempos onde a situação relatada ocorreu; garantir
verbais. Os verbos são coerência ao relato, relatando primei-
usados ora no pre- ramente o início da experiência e prosse-
sente (“Eu me lem- guindo com fatos que ocorreram na se-
bro...”), ora no pre- qüência; finalizar com uma reflexão sobre
térito imperfeito os resultados da prática pedagógica à
(“Diariamente, qual se refere.
Na Ponta do Lápis – ano III– nº5

15
Marcas registradas em
tatuagens transparentes
A professora Salete Dallanol, de Toledo (PR), mostra como associou,
em seu trabalho com o Escrevendo o Futuro, memórias pessoais
e coletivas com cidadania e convivência. A rua e seus significados
na vida da comunidade foram o ponto de partida.

Dentre os gêneros propostos pelo Programa Dessa forma, conhecemos os costumes e


Escrevendo o Futuro, escolhi Memórias por vá- valores de nossos avós que estão em cada um
rias razões. Estávamos muito envolvidos com de nós como “tatuagem transparente”. Numa
atividades e discussões nas aulas de história e reunião emocionante, pais lembraram dessas
geografia sobre a importância das memórias na “marcas registradas” que estão vivas em seus
constituição da nossa identidade. filhos. O interesse das crianças era tanto que
Para envolver os alunos com o gênero, li o não passavam um dia sem a leitura de memó-
livro Bisa Bia, Bisa Bel, de Ana Maria Machado. rias. Textos como Indez, de Bartolomeu Campos
Encantados pela magia da história, organiza- de Queirós, e Memórias de menina, de Raquel de
mos uma mostra com objetos, brinquedos, fotos Queiroz, auxiliaram a identificação de caracte-
e peças de vestuário antigos carregados de sig- rísticas desse gênero.
nificados e lembranças. Nesse período, obras de arte produzidas es-
Decidi alimentar ainda mais o imaginário in- pecialmente para registrar as memórias da Rua
fantil com o reconto de fatos e causos da infân- Sete de Setembro – tombada como patrimônio
cia e juventude dos pais e avós. Ser professora histórico deToledo – foram alvo de vândalos que
do EJA (Educação de Jovens e Adultos) à noite destruíram parte do grafite e dos quadros infor-
facilitou este trabalho, pois convivo com avós, mativos. Esse fato polêmico foi decisivo para a
pais, tios e irmãos de meus alunos de 4ª- série. escolha do tema do trabalho.
As crianças liam os clássicos para os adultos e Novamente recorremos à leitura: A rua Arnal-
estes, rebuscando suas memórias, contavam do Bloch e Lição das ruas e praças (Cenas de Rua,
histórias de situações vividas. 2004), do jornalista e professor maranhense Se-
bastião Barros Jorge; e A rua da casa do meu Avô
e Reinol das Alagoas (Maceió: HD livros, 1999), do
escritor alagoano José Geraldo Wanderley Mar-
ques. Era importante que os alunos pudessem
“ver e sentir a rua como fator de vida da cidade.
Conhecer o seu nascimento, como nasce um
bebê: com vida”, como afirma o escritor carioca
João do Rio, no livro A alma encantadora das ruas
(1908); ou como explica Sebastião Jorge em Lição
das ruas e praças (2004): “Não há espaço mais
livre e democrático que a rua. É aqui, que a liber-
dade voa alto. Dia e noite. A rua é de todos. Sem
preconceito e distinção de qualquer
espécie”; ou ainda como no poema
de José Geraldo Wanderley Marques:
Na Ponta do Lápis – ano III– nº5

16
“a rua da casa do meu avô era ampla e bela como Durante as oficinas o ritmo de trabalho foi
a aurora”. intenso. Tinha a impressão de que não ia dar
A vida na rua foi inventariada. E pelas ruas conta das atividades; era preciso juntar as par-
eu encontrava uma avó aqui, um vizinho ali, e tes, amarrar as etapas. Confesso que em
suas histórias não acabavam! Ficou claro que a alguns momentos fiquei preocupada com ques-
rua é um espaço de encontro dos amigos, um tões do currículo. Fui muito cobrada por estar
prolongamento da casa. É na calçada da frente participando de um concurso e “esquecendo os
da casa que os pais e os vizinhos, no final do conteúdos”. Procurei aprofundar os aspectos
dia, se encontram para o chimarrão, enquanto lingüísticos com exercícios do livro didático
as crianças ficam por ali, brincando. dos alunos e outros já acumulados ao longo dos
Planejar, organizar e realizar as entrevistas anos de magistério.
com pessoas mais velhas da comunidade foi o Para mim, a tarefa mais árdua foi a revisão
“coração” do trabalho. O apoio da equipe do de textos. Num primeiro momento, criamos có-
Museu Histórico de Toledo foi valioso para a digos para alguns aspectos e, individualmente,
elaboração da lista de pioneiros da cidade. Três as crianças corrigiram seus textos. Dúvidas co-
entrevistados expressaram sentimentos e emo- muns foram discutidas coletivamente. Escrever
ções: um pioneiro que chegou à cidade adulto, o texto na primeira pessoa, sem perder de vista
com família constituída; outro que veio para a a emoção do entrevistado, foi um grande desa-
cidade ainda jovem; e um morador que nasceu e fio para os alunos. Da primeira produção à ver-
cresceu com a cidade. Na roda de conversa, cada são final ficou evidente o salto de qualidade.
qual remeteu suas lembranças naquilo de mais Por meio da narrativa de memória restituímos
significativo: o trabalho, a constituição da família, o diálogo entre passado e presente, reavivando
a infância na rua, recheada de fantasia, traqui- o sentimento de pertencimento e os laços da
nagens e mistério. Fizemos escolhas perfeitas, comunidade com sua história.
tanto no tema quanto na seleção dos entrevis- Agora eu olho para trás e penso: consegui-
tados. Isso foi decisivo para o mos!
êxito das produções.

Indez é um portal do tempo.


Inventário sensível de uma
infância vivida no interior do Brasil.
Isabel encontra um retrato
Bartolomeu Campos de Queirós
antigo de sua bisavó
toca o leitor que acaba lançando
materna, Beatriz, na época
um olhar surpreso e maravilhado
em que ela era menina.
para sua própria infância.
Encantada, Bel passa a
“O avô, com Antônio sobre os carregar a foto pra cima
joelhos, contava pequenas histórias e pra baixo. Em sua
Com gosto de doce [...] que se não entendidas pelo neto, imaginação, ela começa
eram lidas pelos abraços e risos
Na Ponta do Lápis – ano III– nº5

lembrança, Rachel de a conversar com Bisa Bia


Queiroz narra a vida da trocados entre o menino e o avô. e aprende com ela como as
cidade grande e do (p.19) coisas eram antigamente.
interior. Os festejos, “Enquanto bordava, a mãe lia Nessa viagem no tempo,
os brinquedos, as trovas chegadas de cartas, visitas, Isabel descobre, compara
populares, os costumes, presentes, na medida em que a agulha e vive as experiências
o encantamento dos lhe espetava os dedos e encarnava e as emoções de cada
tempos de infância. de vida o linho branco”. (p.85) fase da vida.

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