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A CORRECAO MONETARIA NO BRASIL * Mario Jorge de Queiroz Goncalves SUMARIO Introdugao; Historico da Correcao Monetaria no Brasil; Ttens Monetarios e Nao Monetarios; Contabilidade ao Nivel Geral de Pregos, Corregaio Monetéria Societria; Corregio Monetéria Integral; Comparagio entre os métodos, Conclusao. OIA wHe Muito se tem falado sobre a inconveniéncia em aplicar o sistema de corregdio monetéria conhecido como “Método Legal”, alegando-se que 0 mesmo distorce os resultados apurados. Neste artigo, o autor aborda a metodologia empregada no referido sistema, relacionando os problemas advindos de seu emprego ¢ a solugao dada pela Comissio de Valores Imobiliarios para contorné-los, com a utilizagdo de Demonstragdes Com- plementares elaboradas pelo Método da Corregao Integral. 1, INTRODUCAO. Nos tiltimos anos, em decorréncia dos altos indices de inflagio vivenciados por diversos paises, surgiu uma constante preocupagdo no sentido de desenvolver e aprimorar técnicas que permitam mensurar ade- quadamente a situago financeira das empresas em uma economia inflaci- onaria. Entretanto, poucos paises chegaram a adotar, efetivamente, um sistema amplo de reconhecimento dos efeitos da inflagdo nas demonstra- gGes financeiras. Em geral, alguns paises adotam certas praticas que mi- nimizam as distordes geradas. 45 Nesse contexto, as praticas contabeis brasileiras de outros pai- ses, principalmente sul-ameri-canos, tem-se notabilizado, ha alguns anos, pelos esforcos desenvolvidos para aprimoramento das técnicas de reco- nhecimento da inflagao nas demonstrag6es financeiras, as quais tém sido de ampla regulamentacdo por parte das autoridades governamentais. A sistematica legal de corregao aplicada no Brasil representou na época em que foi implantada uma grande evolugao. No entanto, a mesma foi calcada numa forma simplificada de reconhecer os efeitos da inflago nas demonstragdes financeiras, levando em consideragio niveis previsiveis de inflago que giravam em torno de 20 a 50% ao ano, quando da edigao da Lei que a implantou. Além disso, houve também, ao longo dos anos, uma evolugao nas necessidades de informagao pelo mercado usuario externo, bem como para gerenciamento, Esses aspectos elevaram a niveis criticos e no mais aceitaveis algumas das falhas originais da sistematica oficial de corregdo monetaria, Tomou-se, assim, uma necessidade a adogdo de sistemas mais completos de reconhecimento dos efeitos da inflagio nas demonstracdes financeiras, destacando-se a evolugdo e implantagao da Corregao Integral, mas como informago complementar, ja que a Corregao Monetéria Oficial continua em vigor. 2. HISTORICO DA CORRECAO MONETARIA NO BRASIL, Os estudos sobre corregaio monetéria no Brasil so tio antigos quanto sio os primeiros pronunciamentos dos estudiosos norte americanos Deereto-Lei N°. 7.377, de 13-3-1945; a Lei N°. 1.772, de 22-12-1952 € a Lei N° 3.470, de 28-11-1958 sio alguns dispositi- vos legais que marcaram o inicio da apli- cago do reconhecimento da inflago nos balangos das empresas no Brasil Os métodos preconizados por essa legislagio foram evoluindo, com a instituigo de novos dispositivos legais, até a promulgago da atual Lei 46 das Sociedades Por Agdes (Lei No. 6.404, de 15-12-1976), que estabele- ceu a filosofia os conceitos do atual sistema de corregdo monetaria, co- nhecido como “Método Legal”. Entretanto, foi através do Deereto-Lei No, 1.598/77 que se fixou 0s procedimentos e difundiu-se a aplicago da corregaio monetaria do ba- Jango - nomenclatura que ficou conhecida no meio profissional - as demais sociedades que nao por agGes. través da Instrugio CVM No. 64, de 1987, a Comissio de Valo- res Mobiliarios introduz, no ambito do mercado de capitais, a “Correyao Integral das Demonstragdes Financeiras”, ou “Corregdio Monetaria Inte- rat” (como distinta da Corregao Monetatia Legal) Todavia, as mudangas posteriores que se processaram na econo- mia do pais, levaram a Comissio de Valores Mobilidrios a alterar alguns procedimentos fixados pela Instrugdo CVM No. 64/87. No entanto, a re- ferida instrugdo continua sendo o guia de orientagdo para todo o modelo da corregao monetéria integral 3, ITENS MONETARIOS E NAO MONETARIOS Os itens monetérios so valores a receber ou a pagar, que perma- necem inalterados independentemente de variagdes dos niveis especificos ou gerais de pregos, como por exemplo de itens monetarios temos o dis- ponivel, realizaveis ¢ exigiveis. No transcorrer de um periodo com inflagio, estes itens so nor- malmente demonstrados em termos de moeda com poder aquisitivo atual, ou proximo do atual. Jé os itens nao monetarios, tais como o imobiliza- do, os estoques e 0 capital integralizado pelos acionistas, possuem pregos que podem variar em decorréncia de mudangas nos niveis de pregos, Em fungao dis-to, os mesmos podem estar tepresentados por valores forma- dos, em diversos exercicios, por moedas com varios niveis de poder aquisitivo. Estes efeitos sdo refletidos, igualmente, na apuragao do resultado de cada ano, como, por exemplo, nas depreciagdes e amortizagdes de certos ativos, ou na baixa de ativos adquiridos ha certo tempo, como no caso dos estoques a7 Evidentemente,o efeito liquid das variagées resultantes das mu- dangas no poder aquisitivo da moeda se altera de empresa para empresa, dependendo dos investimentos em ativos de curta ou longa vida e da rela- ao entre os ativos € passivos monetarios, 4. CONTABILIDADE AO NIVEL GERAL DE PRECOS A contabilidade tradicional nao tem mais lugar nos dias de hoje, pois se atém a manutengao do custo histérico original, nio reconhecendo as alteracdes do valor da moeda. As informagdes nao representam a reali- dade econdmica e os seus resultados sao totalmente defasados diante do ambiente inflacionario, o que vem a gerar os seguintes inconvenientes na anlise da situagao de uma empresa: a) As demonstragdes contabeis nao refletem o poder de compra atualiza- do do patriménio, e a demonstragao de resultados certamente mostrara _ lucros operacionais ficticios; b) Os ganhos e perdas de capital nao so evidenciados nem reconhecidos no periodo em que surgem; c) A adigo de ativos adquiridos em épocas diferentes carece de homoge- neidade; 4) O mérito do administrador em seu desempenho operacional nao ¢ evi- denciado, pois o lucro operacional do periodo pode incluir ganhos ou perdas de capital. A fim de corrigir esses problemas procurou-se desenvolver mode- los que propiciassem a recomposigtio do valor do patriménio em uma data base, permitindo, assim, a realizagao de comparagées e andlise da situagao das empresas Os métodos atualmente aplicados no Brasil, da Correg%0 Moneté- ria Societaria e da Correo Monetaria Integral, so uma variagdo de um dos modelos desenvolvidos, 0 modelo de contabilidade ao nivel geral de pregos. Tal modelo gira em torno de como recompor os valores do patri- ménio pela variagao do nivel geral de pregos, tendo como premissa que 48 08 precos, por refletirem o valor de troca das mercadorias e servigos, es- pelhario em suas alteragdes as variagdes de valores sofridas nas merca- dorias e servigos Porém, na pratica, o que se pode observar é que os pregos se mo- vem a diferentes taxas, de tal forma que a obtengao da medida das altera- odes gerais é feita pela utilizagao de indices médios, que expressam o ni- vel geral de pregos correntes comparados com algum periodo anterior. Ao corrigirmos os balangos pelas variagdes do poder aquisitivo médio geral da moeda, podemos verificar que 0 comportamento dos itens monetarios é diferente do comportamento dos itens nao-monetarios, En- quanto um item monetério é um valor corrente em cada data, um item nao- monetario é suscetivel de uma variagao intrinseca de valor. As limitagdes do modelo da contabilidade ao nivel geral de pregos sto claras, principalmente as que se relacionam com a contabilidade tradicional. Apesar disto tal modelo aten- de sem obstaculos aos requisitos da praticabilidade e objetividade e, se for comparada a sua utilidade com a da contabilidade tradicional a custos historicos pode se verificar que é bastante superior. 5, CORRECAO MONETARIA SOCIETARIA A corregao monetaria societaria é uma simplificagao do modelo de contabilidade ao nivel geral de pregos, onde se considera que todos os ativos nao monetarios estao incluidos no ativo permanente. Assim, por meio da comparagao dos resultados da corregdo de tais itens com a corre- ao do patriménio liquido, que representa a corregao do fundo de valor investido ou sacrificado, no inicio de cada periodo na atividade da empre- sa, temos 0 efeito liquido sobre o resultado. ‘Ao se cortigir 0 Ativo Permanente ¢ 0 Patriménio Liquido, esta se apurando, também, identicamente 0 valor da corregéo monetaria das contas monetarias, o que significa na pratica, que a corregao monetaria do balango corresponde ao ganho ou a perda na administragao do ativo ou passivo monetario. 49 Podemos verificar, ao analisarmos as Demonstragdes Financeiras introduzidas pela Lei no. 6.404/76, que as mesmas apresentam resultados reais, porém as parcelas que compdem o resultado, as origens e aplica- Ges de recursos ¢ as mutagdes patrimoniais sao apresentadas em moedas de diferente poder aquisitivo Desta forma a anilise econdmico-financeira da empresa ¢ prejudi- cada, levando a conclusdes distorcidas que podem gerar interpretagdes incorretas que venham a causar danos & empresa. Os indices calculados sobre 0 lucro liquido sao realizados com base em moedas diferentes, uma vez que 0 lucro liquido esta em moeda do final do periodo, enquanto que as receitas e despesas so apresentadas a valores hist6ricos. O mesmo ocorre com outros indices, como o indice de rotagao de estoques, de contas a pagar e a receber - numeradores e denominadores no se encon- tram nas mesmas moedas, que permitam a correta avaliagio. 6: CORRECAO MONETARIA INTEGRAL © método da corregao monetéria integral foi implantado com © objetivo de enriquecer as informagdes contabeis, principalmente, as apresentadas na Demonstragao do Resultado do Exercicio e na De- monstragao de Origens e Aplicagdes de Recursos, permitindo, assim, uma maior amplitude nas condigdes de andlise do que a corregao societaria Este método visa reconhecer os efeitos da variagio do poder aquisitivo médio da moeda nacional sobre as Demonstracdes Financeiras. Nele, todos os valores contabeis tem que ser traduzidos a um mesmo poder aquisitivo, o que iré mostrar saldos contabeis mais corretos. A aplicago do indice geral de precos pelo método da corregao integral exige que os elementos patrimoniais sejam classificados em mone- tarios e nao-monetérios. Isso porque as mudangas, ao nivel geral de pregos, nao afetam todos os componentes das demonstragées da mesma forma, {As principais vantagens do método da corregao integral so’ a) avaliagao de todos os saldos, inclusive referentes a outros periodos, em uma moeda de mesmo poder aquisitivo, possibilitando comparagdes mais realistas; 50 b) mensuragdo do efeito inflacionario sobre os itens patrimoniais direta- mente expostos, ou seja, os monetérios, Isso propicia informagGes im- portantes para extragio de tendéncias, ©) avaliagéo mais correta dos itens ndo-monetirios, desvinculando-os da classificagao no Balango, gerando, uma avaliagdo mais exata do patri- ménio e do resultado, O que se pode depreender, portanto, é que 0 principal objetivo da correg&o monetiria integral é 0 de aprimorar a qualidade da apuragao do lucro, através da utilizagdo de uma moeda de poder aquisitivo constante. De acordo com o artigo lo, da Instrugio CVM 64/87, todas as companhias abertas esto obrigadas a elaborar e publicar, juntamente com as demonstragdes financeiras atualmente exigidas pela lei societaria (Lei 6.404/76), demonstragdes financeiras complementares. A referida Instrugao disp6e, ainda, que todos os seus elementos de todas as demonstragdes complementares deverdo estar registrados num Unico padrio monetario, mas as mesmas serao publicadas com seus valo- res expressos na moeda nacional da data do encerramento do exercicio social 7. COMPARACAO ENTRE OS METODOS Comparando os dois métodos de corregao monetéria aplicados no Brasil - Método Legal e Método da Corregio Integral - podemos verificar que ambos seguem a filosofia de correc&o por um indice geral de pregos, entretanto, o método previsto na legislagao nao tem carater global, o qual, através de uma forma simplificada de corrego das contas integrantes do Ativo Permanente e do Patriménio Liquido e transferindo a diferenga obtida para o resultado do periodo, consegue mensurar, normalmente, um resultado igual ou proximo do que seria apurado no método da Correcio Integral, sem porém possibilitar uma evidenciagao precisa No modelo de corrego monetaria societéria os inventarios (bem como os outros itens néo-monetarios nao pertencentes ao patriménio liquido) so considerados como ativos monetérios, uma vez que no sofrem corregéo em seu valor, 0 que pode vir a gerar distorgGes no resul- tado. 31 A Lei a fim de evitar a possibilidade de ocorréncia de tais distor- Ges poderia ter ido um passo além, corrigindo os balangos em todos 0 seus grupos, da forma como é feito na contabilidade a nivel geral de precos Ja 0 Método da Corregao Integral permite uma avaliagdo de todos s itens, inclusive os referentes a outros periodos, em moeda de mesmo poder aquisitivo, nao vinculando os itens nao-monetarios a classificacao no Balango 0 que gera a avaliagdo mais exata do patriménio, possibili- tando, assim, realizar comparagdes mais realisticas, 8. CONCLUSAO Na realidade em que vivemos, onde estamos sujeitos aos efeitos inflaciondrios, registrar informagdes com base em dados historicos € nfo permitir que 0 aspecto informativo seja corretamente aplicado, deixando assim de suprir-se os diversos usuarios das informagdes necessarias a to- mada de decisées. Temos, ent&o, que procurar elaborar demonstragdes comple- mentares, as mais completas possi- veis, de maneira que os usuarios da informago contabil possam se valer da informagao adequada. E, pois, de vital importéncia que tais demons- trativos reflitam a situagdo real da empresa, de modo que possam ser utilizados para decisdes sobre in- vestimentos, sobre manutencdo ou nao de ativos e sobre a politica de di- videndos da empresa. No caso especifico do Brasil, houve uma incorporagdo como pra- tica contabil a utilizagaio do método de corregao monetaria societaria, que ajusta os valores do Ativo Permanente e Patriménio Liquido, 0 que ja re- presenta uma evolugo no conceito classico do custo histérico. Hoje em dia, muito se fala em suprimir a corrego monetiria de balango, devido a estabilidade existente na economia brasileira, A nosso ver esse argumento é falho, s6 encontrando respaldo como uma justifica- 52 tiva do governo, utilizada com a finalidade de aumentar a tributagao sobre 0s lueros das empresas, uma vez que essa metodologia pode ser emprega- da muito bem em ambiente de economia estabilizada. Acreditamos, que essa metodologia empregada atualmente na cor regio de balangos consiste num processo intermedirio de evolucao, ja que considera os efeitos da inflagao de uma forma simplificada e que a partir do momento em que todos utilizarmos a correo integral € que passaremos a ter, de um modo geral, valores consistentes, permitindo, assim, se ter lucros e balangos mais validos em termos de informagao. RR BIBLIOGRAFIA _ ALMEIDA, Marcelo Cavalcanti. Corregdo Monetdria Integral das Demonstragées Financeiras. 2 ed., Sto Paulo, Atlas, 1988 HENDRIKSEN, Eldon S. Accounting Theory. Homewood: Richard D. Irwin, 1964. TUDICIBUS, Sérgio de. Teoria da Contabilidade. 4 ed., Sio Paulo, Atlas, 1994. MARTINS, Eliseu, Arlise da Corregéio Monetdria das Demonstra- ¢es Financeiras - Implicagées no Lucro e na Alavancagem Financei- ra, Sao Paulo, Atlas, 1980. MARTINS, Eliseu, IUDICIBUS, Sérgio de e GELBCKE, Ernesto, Rubens. Manual de Contabilidade das Sociedades por Agées, 3 ed., Sao Paulo, Atlas, 1990. 6. SZUSTER, Natan e GONCALVES, Paulo Roberto. A Necessidade Premente da Aplicagdo do Valor Presente pelas Empresas Brasilei- ras, Trabalho aprovado pelo Congresso Brasileiro de Contabilidade, 1992 7. TOSTES, Fernando P. Mudanga na Demonstracdio de Resultado do Exercicio. Boletim Tributario Contabil n. 26/94 n a * Oficial de Marinha, Mestrando em Ciéncias Contabeis pela FAF/UERJ 33

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