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COMPROMISSO DO ESTADO* Kazumi Munakata (Departamento de Histéria da Universidade Estadual de Campinas) © Brasil € mesmo um pais engracado, Pais tropical, abengoa- do por Deus, tudo aqui é diferente, To diferente que foi preciso até mesmo elaborar uma “teoria das peculiaridades” (1) para dar conta dessa singular histéria que se desenrola sob a linha do Equador, onde tudo € vilido e permissivel, onde, por isso, no se verificam préticas historicas — como a luta de classes — que teriam determinado os acontecimentos no outro hemisfério, Aliés, cordial, de indole pacifica, o povo brasileiro nada tem a ver com essa pritica alienigena ¢ hedionda que é a Tuta de classes. Mesmo porque néo hd classes, Como observou Marilena Chaui em sua critica a “teoria das peculiaridades”, aqui a burguesia nao é plenamente constituida para conquistar a sua hegemonia — o que acarreta um vazio de poder; da mesma forma, o proletariado é imaturo e, portanto, em situa- do de “desvio"; hé, em contrapartida, uma classe média inclassificével ¢ * ‘Terceira versio da comunicasdo originalmente spresentada em julho de 1979 no X. Simpésio da Associagéo Nacional dos Professores Universitérios de Histéria (ANPUH), e retomada, com algumas alteracdes estilisticas, num capftulo da disser- fagdo de mestrado intitulada Algumas Cenas Brasileiras, submetida a0 Departamento de Hist6ria do Instituto de Filosofia e Ciéncias Humanas da UNICAMP em 1982, Na presente versio, preserva-se o estilo original, mas foram introduzidas algumas “corregbes”, principalmente no sentido de enxugarihe os resquicios ““cominternia- nos" (leiase, 0 tema da revolugdo burguesa) ainda presenies na primeira redagdo. 1. A sintese desta teoria encontra-se em MOISES, José Alvaro: “Reflexes sobre ‘98 estudos do populismo na América Latina”, So Paulo, Depto, de Ciéncias Sociais da FELCH da USP (mimeo.). 58 Revista Brasileira de Histéria inoperante apesar de ruidosa; o desenvolvimento capitalista, nessas condi- des, s6 pode ser atrasado ou tardio; a ideologia, diante do tamanho vazio, desvio ou inoperdncia, sé pode estar “fora do lugar”; e, finalmente, 0 Esta- do, na auséncia de agentes histéricos (as classes), acaba por assumir a fun- gio de sujeito da histéria. (2) Autonomizado e carregando sozinho todo © peso da histéria, esse Estado, como Deus que na sua crise de identidade acabou por criar 0 mundo, produz, enfim, as proprias classes, atribuindo- thes os seus respectivos lugares na sociedade. E deu-se o Brasil. Enumerar toda a bibliografia que toma como matriz este modelo ana- Iitico seria exigir um exercicio de erudigo, por demais enfadonho. Basta dizer que quase todos os estudos sobre a historia recente do Brasil tém se- guido esse padrdo. (3) Diante de tamanho consenso, duvidar desse modelo talvez seja uma tentativa de suicidio intelectual. Mas também € impossivel ndo deixar de fazer algumas observagies. Quando se fala na auséncia ou fraqueza da burguesia, aponta-se para © fato de esta classe estar em uma situagdo de dependéncia em relagio chamada oligarquia. Produzida no interior e pelo circuito da economia ca- feeira, a burguesia industrial — ou melhor os “industriais” — n&o tem ne- nhuma autonomia: esta econdmica, politica ¢ ideologicamente vinculada aos cafeicultores, Assim, nfo consegue de modo algum propor, e muito menos cfetivar, um projeto hegeménico para a sociedade; é incapaz de conquistar © aparelho do Estado, como fizera outrora a burguesia inglesa. Nesse sen- tido, escreve Ligia Silva: “1g diferenga que mais ressalta entre as duas burguesias (brasileira e inglesa) € 2 fraqueza da burguesia brasileira frente aos seus inimigos, isto é, as forgas iais tradicionais que se opunham a industrializagao."(4) 2. CHAUI, Marilena: “Apontamentos para uma critica da Aco Integralista Bra. sileira”, in Chauf, M. e Franco, Maria Sylvia Carvalho: Ideologia e Mobilizacio Po- pular, Rio de Janeiro, Paz e Terrs/CEDEC, 1978, pp. 19:21 5. Por esse motivo, os textos explicitamente comentados abaixo esto af cita- dos a titulo de exemplos mais recentes (na época da redacao da primeira versio do presente artigo) de andlises que, de uma forma ou outra, estdo imersas nesse modelo SILVA, Ligia Maria Osério: Movimento Sindigal Operdrio na Primeira Re- piiblica, Campinas, dissertagio de mestrado apresentads a0 IFCH-UNICAMP, 1977 (mimeo), p. 60. Revista Brasileira de Historia 59 Os problemas ja comecam aqui: falar em oligarquia e burguesia pres- supde que ambas sejam de naturezas diferentes, como foram presumivel- mente distintas — e portanto inimigas — as “forgas sociais tradicionais” e @ burguesia na Inglaterra. E, no entanto as préprias anélises que falam em oligarquia ¢ burguesia (excetuando-se, 6 claro, aquelas formulagdes que identificam a oligarquia com o feudalismo) ressaltam 0 fato de ambos seto- res estarem inscritos num mesmo universo que o do capital. B 0 que Ligia Silva também reconhece: “a principal rea de acumulacio de capital era justamente a comercislizacio do café, de forma que a inddstria nasce ligada a esse setor. Como entiéo se por violentamente (como fez a burguesia industrial inglesa) aos setores tra- jonais da sociedade se 0 centro da acumulagio de capital estava nesses setores; se a importagio de méquinas para a inddstria téxtil (...) era feita com as divisas acumuladss na comercializacéo do café?” (5) Esta citagdo é curiosa: ao mesmo tempo em que deixa implicita a ra- dical diferenca entre as “forcas sociais tradicionais” da Inglaterra ¢ a cha- mada oligarquia cafeeira do Brasil — 0 que impede mesmo qualquer termo de comparacio —, a autora unifica-as através de um expediente nominalis- ta, isto é, langando mio do termo “tradicional”. E por este adjetivo “tra- dicional” que se pode, enfim, opor como inimigos o setor cafeeiro ao setor industrial, este pretensamente “moderno”. (6) Assim, as anélises recentes que se libertaram do fantasma do feudalis- ‘mo no Brasil so tomadas por uma estranha ambigiiidade: ao mesmo tempo em que afirmam a no contradigdo entre setor industrial ¢ 0 agrério — ambos esto sob a égide do capital —, acabam por restauré-la ¢ continuam a fazer dessa “contradi¢io” a matriz da explicagdo de todos os acontecimen- tos da histéria brasileira contempordnea, seja “a revolugio de 30”, 0 “Es- tado de Compromisso”, 0 “Populismo” e assim por diante. Maria Herminia Tavares de Almeida, na sua tese de doutoramento, acrescenta outros dados para a explicacdo da fraqueza (e, no limite, da au- stncia) da burguesia, Esta fraqueza advém da inexisténcia de classes na- cionalmente constitufdas, e isto porque a economia brasileira nada mais 6 do que um conjunto de “complexos econdmicos de bases e limites regio- 5. Idem, p. 81. 6. Mesmo enquanto uma mera descricio, o emprego do temo “tradicional” € duvidoso: se 0 setor cafceiro é 0 “centro da acumulagio de tapital”, deveria ser 0 pélo mais avangado ¢ nio o “tradicional” 6 Revista Brasileira de Histéria nais”, 0 que determina uma “estrutura de classes espacialmente segmen- tada”. (7) Néio hé que duvidar disto — de que 0 espago econdmico no Brasil nao é homogéneo, Afinal nfo sio de hoje as teorias de “dois brasis”. Mas caberia indagar se 0 peculiar do desenvolvimento capitalista 6 a constitu éio do espaco economicamente homogéneo. E bem verdade que tal desen- volvimento se efetiva pela incorporacao de tudo ao circuito do movimento do capital. Mas essa constituico do universo capitalista é também o engen- dramento de um mundo altamente diferenciado: a populacio é radicalmen- te cindida em burgueses e proletirios; as atividades se diversificam cada vez mais num processo de aprofundamento da divisio do trabalho, e esta en- volve tanto os individuos como também os espacos geogrificos. Nao apenas os individuos passam a se dedicar a um determinado ramo de atividade, como também regiées nacionais ¢ internacionais. (8) Além da fragmentagdo ¢ atomizagio da economia — e como funda- mento disso —, Tavares de Almeida, retomando as anélises de Joio Ma- nuel Cardoso de Melo ¢ Maria da Concei¢ao Tavares, introduz um outro elemento explicativo da fraqueza estrutural da burguesia brasileira, Os in- dustriais brasileiros, segundo a autora, nao estéo vinculados a industrializa- do mas & “expansio industrial”, a qual consiste unicamente na producio de bens-salério. A industrializacio propriamente dita é algo mais: ela visaria "“o proceso concreto ¢ especifico de constituigo da base material indispensé- vel & instauragdo da dinémica intersetorial tipiea de um regime de produgio capitalista plenamente constituido. Ou seja, 0 conceito de industrializagao Jaz referéncia ao surgimento do setor produtor de bens de producdo (insumos basi- cos € maquinaria), sem o qual aquela dindmica néo se configuraria”. (9) A inexisténcia desse setor, que a teoria econdmica consagrou sob a rubrica “D-I", explicaria portanto a auséncia desta “dindmica intersetorial”, sem a qual a economia s6 poderia ser regionalizada e atomizada, e, em conse- qiéncia, a burguesia estruturalmente frégil. Seria, porém, um abuso de ingenuidade se se perguntasse por que o Brasil precisaria possuir um D-I proprio no seu interior para s6 entio in- 7. ALMEIDA, Maria Herminia Tavares de: Estado e Classes Trabalhadoras no Brasil (1930-1945), Sio Paulo, tese de doutoramento apresentada ao FFLCH-USP, 1979, (mimeo.), p. 26. 8. Cf, LENIN, V. 1: El Desarrollo del Capitalismo en Russia, Buenos Ai Ediciones Estudio, 1975, 3* ed. és 9. ALMEIDA, M. H. T. de, op. cit, p. 22, Revista Brasileira de Histéria 61 gressar na erado “regime de producdo capitalista plenamente constituido”? Por que o Brasil deveria produzit méquinas se pode importé-las? Marx, num esbogo de resposta a uma consulta de Vera Zasulitch acerca do cardter da economia na Réssia, jé afirmara que postular a inviabilidade do capitalismo naquele pais por causa da subsisténcia de formas arcaicas de produgio é esquecer que a Riissia “se encontra ligada a um mercado mundial onde predomina a produgGo capitalista”; é sustentar que “para utilizar as méquinas a Ressia teye que passar pelo periodo de incubagio da produsio mecinice, Que me expliquem como puderam introduzir If, em alguns dias, por assim dizer, o mecanismo de trocas (bancos, instituigdes de crédito, etc.) cuja elaboragio custou séculos a0 Ocidente!” (10) Como foi dito acima, 0 desenvolvimento capitalista se efetiva estabelecendo diferengas, criando, no caso, regides especializadas em méquinas ¢ outras em produtos agricolas, matérias-primas ou bens-salério, Por que nao? Da andlise precedente decorre que a fraqueza (ou a inexisténcia) da burguesia — ¢ também do proletariado, visto que a atomizagio da econo- mia e a auséncia do D-I atingem do mesmo modo esta parcela da sociedade — dificilmente pode ser creditada as condigdes do desenvolvimento capita- lista no Brasil. Mas a fraquoza/inexisténcia das classes encontra também uma justificacdo na esfera do politico, ainda que como corolério da fraque- za econémica: dispersa regionalmente, ¢ ocupada em atividades dispares, a burguesia é incapaz de formular um projeto hegemdnico que expresse os {nteresses da classe como um todo, Tanto isto é verdade que a burguesia no constréi nenhum partido nacional. A crise da chamada Repiblica Oligérquica expressaria entdo essa crise de hegemonia que s6 poderia redundar em um “Estado de Compromisso”, © que, por sua vez, cria um espaco autonomizado para a agdo estatal atra- vés de seus aparatos burocréticos. Estes, finalmente, e gracas @ sua auto- nomia, “ayangam & frente das classes ¢ de suas fragdes, ¢ a0 fazélo terminam por alterar as condigées de existéncia ¢ 0 relacionamento entre as diversas forcas sociais”. (11) 10, Apud. FERNANDES, Rubem César (org.): “Dos caminhos para o socials: mo: a controvérsia entre Marx, Engels ¢ os ‘popiilistas’ russos” in Cara a Cara, Cam- pinas, Ano I, n° 1, maio de 1978, p. 142. 11, ALMEIDA, M. H. T. de, op, cit, p. 24 e Revista Brasileira de Historia © gigante adormecido comeca a acordar: 0 mercado interno nacional se consolida, e, com isso, unificam-se nacionalmenet as classes sociais, as quais so outorgados os canais institucionais de expresso. Mas toda essa anélise tem como pressuposto uma singular concep¢io de politica, de projeto politico, de partido de Estado. A politica é sem- pre entendida em termos corporativos, isto é, enquanto um conjunto teé- ico-prético que expressa as aspiracdes imediatas (corporativas) de uma fragdo de classe. Assim, a burguesia cafeeira (ou oligarquia?) tem o seu partido (0 Partido Republicano Paulista); constata-se entdo a auséncia do partido dos industriais (por isso sao fracos); e discute-se até hoje se o Par- tido Democrético de Sdo Paulo expressaria a “dissidéncia oligérquica”, os industriais ou a “classe média”. Mas, antes mesmo dessa busca interminé- vel de partidos adequados as fragGes de classe ou de classes corresponden- tes aos partidos, ndo caberia perguntar se a defesa dos interesses de uma fragdo de classe, interesses quase sindicais, passa necessariamente pela orga- nizagdo de um partido? Caso afirmativo, é imperioso que os cientistas so- ciais comecem imediatamente a procurar partidos correspondentes induis- tria metaltirgica, ao setor canavieiro associado © a Proalcool, ¢ assim por diante. (12) Por outro lado, por que esse dogma de que a cada classe ou fragio de classe corresponde um ¢ s6 um partido? Se & verdade que, no limite € pela andlise (de resto sempre post Jestum), os diversos partidos podem ser agrupados ¢ identificados como um s6 partido, um s6 projeto politico, con- traposto a um outro partido, nada porém assegura a possibilidade de identi- ficagdo imediata entre um partido e uma classe. Mesmo porque os partidos modernos, produtos do universo burgués, nunca se representam a si mes- mos como pertinentes a uma classe, mas como portadores de propostas ge- rais para toda a sociedade. Pode-se argumentar que isso é uma faliicia da ideologia burguesa. Mas, nfo se pode esquecer que a ideologia no é ape- nas uma bela mentira a embalar o sono da alienacao; ela é 0 modo pelo qual os membros de uma sociedade representam e organizam a sua préti- ca. (13) Por isso, os partidos burgueses organizam-se e agem do modo como a sua representacao possibilita — aparecem como portadores da uni- 12. & irresistivel a tentagdo da caricatura quando se assiste hé pelo menos uma década ao espetéculo em que se cobra dos industriais, enquanto fragéo da bur- guesia, a construcgo do seu partido. Por que essa exigéncia? Em que lugar do mundo existe um partido exclusiva e escancaradamente industrialista? De resto, observe-se de passagem que os industriais paulistas tinham seu partido: precisamente o Partido Republicano Paulista (quem diria?), A esse respeito, cf. De Decca, Edgar: O Siléncio dos Vencidos, Sio Paulo, Brasiliense, 1981. 2 13. Cf. CHAUL, M,, op. cit, pp. 911. Revista Brasileira de Historia 6 versalidade ¢ jamais de interesses particularistas; nao propdem uma politica exclusivamente agréria ou industrialista, mas projetos globais onde esta ou aquela politica tem maior énfase. © mesmo raciocinio vale para “o” partido da classe operdria, que é 0 ‘nico que postula explicitamente o seu cardter classista. Segundo a formula canénica, a classe operdria uma s6, assim como 6 um s6 0 seu projeto; ergo deve haver um e s6 um partido da classe operdria, Essa argumentacio, porém, nfo pode obscurecer a obviedade, escandalosamente empirica, de que ha varias maneiras de se conceber esse suposto projeto tinico — alids, muito mais imputado A classe operiria como “voto” (14) do que dela imanente — e um nfimero ainda maior de propostas de sua viabilizaco. Nessa medida, tomar, como faz Tavares de Almeida, as varias organiza- gées e entidades, que, na década de 30, apresentavam-se como portadores do projeto operdrio, como um indicativo da fraqueza da classe operéria que nio se unifica sob uma direc3o tnica (15), € nfo reconhecer que a existéncia de imimeras tendéncias no movimento operdrio pode significar, inversamente, efervescéncia ¢ vitalidade da classe operdria; e, pior, é fazer a apologia do rolo compressor da “unidade a qualquer custo”! ‘Quanto ao fato de a organizagio partidaria estar segmentada regional- mente & preciso considerar dois aspectos: em primeiro lugar, 6 ilusério acreditar que um partido s6 pode se afirmar como tal quando o seu apa- rato organizativo estiver ramificado de modo mais ou menos homogéneo por todo um tertitério nacional. De resto, é talvez. quase inevitavel que haja sempre um p6lo dinimico regional que controle e impulsione a maquina partidéria © a sua orientagio. O que é importante para um partido é que le efetivamente constitua um programa global que visa dar conta de toda uma sociedade. £ por isso — ¢ em segundo lugar — que nfo se pode tomar a0 pé da letra as denominagdes regionais (Partino Republicano Paulista, Partido Republicano Mineiro, etc.) dos partidos durante a chamada Pri- meira Repiblica e, em certa medida, no pés-30, Se 6 verdade que existi- ram inémeros partidos fantasmas (sobretudo no pés-30), & também con- siderdvel o esforgo dos partidos em procurar construir um programa para © Brasil como um todo e, mais do que isso, em buscar aliangas e acordos entre si. i. A expresso € de Merleau-Ponty (cf. MERLEAU-PONTY, Maurice: “E; " in Textos Selecionados, So Paulg, Abril Cultural {Col. “Os Pens: os Revista Brasileira de Histéria Além disso, sabe-se desde Gramsci que as tarefas partidérias nio sd0 monopélio de organizagdes que se denominam explicitamente “pi dos”, Sindicatos, associagSes, igrejas, jornais, etc. séo, via de regra, efeti- vamente partidos, seja formulando verdadeiros programas globais para a sociedade, seja buscando a organizagio daquilo que consideram sua base. Nesse sentido, convém lembrar que os industriais, jé na década de 20, formulavam programas para o Brasil, nfo s6 no interior do Partido Repu- blicano Paulista, mas sobretudo através de seus sindicatos, como o Centro de Inddstrias do Estado de Séo Paulo (CIESP) e 0 Centro Industrial do Brasil (CIB), 0s quais, por isso, exerciam efetivamente a funcdo de partido. (16) Objeta-se, porém, que tais programas no vingaram: a burguesia in- dustrial ndo se apossou do aparelho do Estado. Pelo contrério, débil, inca- paz de viabilizar um projeto hegeménico, ela foi obrigada a estabelecer um compromisso que dé margem autonomizagio do Estado, Novamente en- contra-se aqui uma concepcdo similar Aquela apontada acima em relagdo a0 partido. Ora, se € verdade que o Estado burgués é um Estado de classe, € também indubitével que a burguesia nfo o concebe assim — e muito menos como um Estado de uma frago de classe. O Estado, como preten- dia Hegel, é 0 momento da universalidade objetiva, ou, nas formulagdes de Rousseau, uma das expressdes da vontade geral. Enquanto tal, ele néo representado como expressio de algum interesse particular da sociedade ¢, no limite, apresenta-se auténomo e acima da sociedade, exatamente para se representar como a expressio da totalidade do corpo social. (17) A pré- pria nogdo de “hegemonia”, que esteve tanto em voga, na formulagdo ori- ginal de Gramsci, visava um projeto politico que apaga os rastros do seu particularismo, isto é uma proposta com a qual toda a sociedade se identi- ficasse, que fosse algo tio arraigado nos individuos como a religiéo, um universo que fixasse 0 modo de agir e de representar de cada um dos mem- 16. Cf, DE DECCA, E., op. cit,, ¢ idem, “O tema da industrializagio: politica ” in Tudo 6 Histéria. Cadernos de’ Pesquisa, Sio Paulo, AUPHIB/Brasi- 2, 1978, pp. 35-46. 17. Cf, LOWY, Michael: La Teoria de la Revolucién en el Joven Marx. Buenos Aires, Siglo XX1, 1972. Se de um Indo o Estado é assim representado pela ideologia burgtiesa como aut6nomo ¢ acima da sociedade, de outro, Marx em O 18 Brumédrio de Luis Bonaparte mostra, igo de uma forma especifica do Estado (© “bonapartismo”) — como a dos’ seus leitores.pretendem, contra a adver- téncia explicita do autor no “Prefacio =, mas 0 processo histérico de autonomizagio do Estado na ¢ pt Revista Brasileira de Historia 65 bros dessa sociedade, inviabilizando qualquer possibilidade de contestagao que apontasse para a sua ruptura. Assim, se nos paises do chamado “capitalismo clissico” emergiu 0 Estado moderno, que a anélise retrospectiva deu o nome de “burgués”, tal emergéncia, no entanto, se fez sempre em nome do povo, pelo povo ¢ para o povo. E novamente: nao se trata de uma mera faldcia da ideologia; essa representagdo € 0 indice do modo de constituico do mundo burgués, onde a burguesia e as demais classes se reconhecem como participes desse mundo. Nesse sentido, conceber uma crise de hegemonia s6 porque tal ou qual fracdo da burguesia nio.conseguiu impor seu ponto de vista particular a sociedade € cometer uma subversio total da nogio de hegemonia. Esta implica, vale repetir, a negagdo total de particularismo. A questiio seré re- tomada adiante, Por outro lado, no se pode negar que se efetivou uma mudanca no modo pelo qual se organiza o Estado brasileiro e na relagio deste com os setores da sociedade. Aqui, segundo as formulagées da “teoria das peculia- ridades”, estaria 0 trago caracteristico do caso brasileiro: a autonomia do Estado, Ja se viu aiima que nao ha peculiaridade alguma nisto: o Estado burgués aparece autonomizado, Onde entéo a “peculiaridade”? Segundo a mesma teoria, o “peculiar” é 0 processo histérico do “caso brasileiro” que nfo seguiu as mesmas pegadas dos paises do “capitalismo cléssico”. Em outras palavras, a “peculiaridade” emerge quando se con: trasta a hist6ria do Brasil com aquiso que se convencionou denominar “re- volugdes burguesas de modelo clissico” — que ¢, alids, a pedra de toque da “teoria das peculiaridades”. Mas esse procedimento comparativo 6 curio- 80: em primeiro lugar, postula-se um modelo de““revolugéo burguesa clés- sica”, isto 6, um modelo do modo como a burguesia se apossou do Estado, como se isto fosse um dado visivel, sem se preocupar com 0 fato de que tal revolugo aparece como simplesmente “a” Revolugio, sem adjetivos, ocultando o seu carter de classe. Em segundo lugar, compara-se esse mo- delo com o “caso brasileiro” para se concluir que tudo aqui foi diferente, que a burguesia nao se apossou do Estado, que, por isso, nfo houve revo. lugdo burguesa no Brasil, ou, se houve, ela aconteceu de modo muito sin- gular — daf a “peculiaridade”. Esse procedimento aparentemente simples e verossimil 6, porém, pro- blemético. Nem preciso entrar nas esotéricas discussées metodolégicas e epistemol6gicas para se analisar a validade do uso de “modelos”, da com- paragéo ¢ da analogia como critério de conhgcimento. Nem tampouco € aiecessério considerar que 0 préprio modelo de “revoluco burguesa cléssi- 66 Revista Brasileira de Histéria ca” & uma questo ¢ nao solucdo. (18) Basta que se diga algo extrema- mente elementar: que hé um fosso de cerca de dois séculos entre as revo- lugGes chamadas “cléssicas” € 0 “caso brasileiro”. Diante disso, convém Jembrar a adverténcia de Rosa Luxemburgo sobre a diferenca radical que existe entre as revolugSes burguesas “classicas” e 0 processo revolucionario russo de 1905: “A revolugéo russa tem por primeira tarefa a aboligfo do absolutismo © 0 estabelecimento de um Estado legal moderno, do regime parlamentar burgués. Formalmente (grifo meu], & a mesma tarefa que a revolugio alema de 1848 tinha por objetivo, assim’ como a grande Revolugio Francesa nos fins do sé culo XVIII. Mas estas revolugdes, que apresentam tual revolucdo, realizaram-se em condigdes ¢ num diferentes dos'da Réssia atual. A diferenica essencial (grifo meu] & a seguinte: entre estas revolucées burguesas do Ocidente ¢ a atual revolugdo burguesa no Oriente, desenrolou-se todo um ciclo do desenvolvimento capitalista. (...) Dai resultou. uma situagdo hist6rica estranha e cheia de contradicdes: primeiro, a revolugio burguesa € realizada, quanto a scus objetivos formais, por um prole- tariado moderno com uma desenvolvida consciéncia de classe, num ambiente internacional colocado sob 0 signo da decadéncia burguesa. (...) as camadas da grande burguesia. se mostram, ou abertamente contra-révolucionéries, ot moderadamente liberais. (...) Esta contradit6ria situagdo manifesta-se porque nesta revolusio formalmente burguesa o conflito entre a sociedade burguesa © 0 absolutismo € dominado pelo conflito entre o proletariado e a sociedade bur- sguesa (...)". (19) 18. Para Furet, a idéia de “revolugio” € um “formidével sobreinvestimento psicol6zico e intelectual dos seus atores, [que] néo foi desinvestida pelos historiadores”, Por, sio estes-que conferiram a esse. imaginirio o respeitivel estatuto de fato, através dda construgio de uma noglo como “‘reyolusdo burguesa” — que nio passeria, segundo © autor, de “uma personagem metafisica” (FURET, Francois: Ensaios sobre a Revo- lucia Francesa, Lisboa. A Regra do Jogo, 1978, pp. 139 e 61 ss). Numa outta perspectiva, ¢ mantendo 0 conceito de “revolucéo burguesa”, Hill, num artigo recente, mostra como a Revolucio inglesa néo € burguesa em si, em seus propésitos, mas apenas pelo seu resultado — o “estabelecimento de condigdes muito mais favoriveis para 0 desenvolvimento do.capitalismo do que aquelas: qué prevale- iam antes de 1640". Nao houye nenhum projeto revolucionério, multo menos algum elaborado pela burguesia: “Ninguém, pois, desejou # Revolugdo inglesa: ela aconte- cou.” (HILL, Criétopher: “A Bourgeois Revolution?” in Peacock, J. A. (org): Three British Revolutions: 1641, 1688, 1776, Princeton, Princeton University Press, 1980, pp. 111 © 154), Por outro lado, De Decca, através de uma estimulante Ieitura das obras de Mar ‘nin © Rosa Laxcmburgo, propse uma outra onceuagto da “revalupo burgusst "Quem define o cardter da revolugdo burguesa (...) & & projeyao da praxis proleté (De Deven, O Siléncio..., op. cit., p. 61). Ao mesmo tempo, 0 autor opera um radical deslocamento do tema da “revolugao burguesa” na historiografia brasileira, 19. LUXEMBURGO, Rosa: Greve de Massas, Partido e Sindicatos, Coimbra, Centelha, 1974, 28 ed., pp: 82-85. Revista Brasileira de Histéria or © texto & bem claro: no se pode comparar dois tempos histéricos diferentes. Ora, o peculiar da “teoria das peculiaridades” consiste exata- mente em comparar os incomparaveis, ¢ dai retirar a conclusio dbvia de que 0s incompardveis nfo so compariveis. .. (20) ‘Mas a formulacdo de Rosa Luxemburgo vai além: ela propée situar a revolugio russa de 1905 em sua contemporaneidade, isto é, num tempo histérico que denomina “decadéncia da burguesia”, em que esta passa irre- mediavelmente para o terreno da contra-revolucdo. Esta, por sua vez, é bem qualificada: ela é a historicidade de um tempo em que 0 conflito entre © capital e o trabalho apresenta-se dominante, Em outras palavras, como Jembra Arno Meyer (21), a contra-revolugdo associa-se intimamente a re- volugéo, e mais precisamente, 6 a resposta A revolugio dos tempos modernos. Em que medida se dé essa resposta? Segundo Meyer, a contra-revolu- io, diferentemente do conservadorismo que pretende conservar o existente € do reacionarismo que visa um mito paradisfaco perdido, propde 0 novo, uma nova ordenago da sociedade, Nesse sentido, a contra-revolugio se apropria dos temas da prépria revolugio; ela se apresenta, aliés, como re- volugéo. Ela se apropria, por exemplo, da concepedio de que a sociedade esti dividida em classes — o que o liberalismo ortodoxo jamais admitiria —, e, reconhecendo a existéncia da Iuta de classes como fruto do conflito de interesses que nao encontram canais de expresso institucionalizados, advo- ga a solucio desse problema através de uma reordenagio do Estado e da sociedade: é, por exemplo, o corporativismo. Para tal propésito, a vontade geral que emanava de cada individuo é substituida pela idéia de Nagio — ente anterior, supra-individual ¢ restritivo da possessividade individual — € projeta-se o Estado novamente como momento auténomo, nfo mais en- Quanto encarnagdo da vontade geral, mas da Nagio. O parlamento ¢ os partidos — momentos de mediagio entre o individuo ¢ a vontade geral — i nfo tém mais sentido algum, pois apenas trazem para o nivel do piiblico 0 conflito de interesses privados; o imperativo é, a0 contrério, levar até 0 nivel do privado 0 contetido piiblico da Nagao. 20. Se se comparasse 0 “caso brasileiro” com, por exemplo, a teoria quintica, © resultado seria 0 mesmo: ambos sio incompariveis, dai a “peculiaridade” do Brasil. 21, Cf, MEYER, Arno J. Dindmica da ContraRevolucdo.na Europa, 1870-1956, Rio de Janeiro, Paz ¢ Terra, 1977. 68 Revista Brasileira de Histéria Um dos instrumentos desta tarefa de publicizactio do privado é 0 si dicato regulamentado pela lei € assim trazido & érbita do Estado. (22) Além disso, se a Iuta de classes advém da paixéo do individuo possessivo, & preciso, para superé-la, substituir a paixio — que por definicdo é cega , portanto, ineficaz — pela vidéncia da ciéncia especializada, fria e neutra: trata-se de substituir os politicos pelos técnicos, 0 parlamento pelas comis~ s6es técnicas, enfim, esvaziar © contetido politico da politica. B por isso que Gofredo da Silva Telles, ao referir-se & época em que fora presidente do Departamento Administrative do Servico Piblico (DASP) de Sao Paulo, orgulhava-se numa entrevista “de, com seis colegas, fazer 0 trabalho da antiga Camara e Senado do Estado e de mais 271 cimaras munici- pais”. (23) Alids, & bastante sintomético o fato de os industriais paulistas elegerem seus sindicatos como canais privilegiados de expresso, numa épo- ca em que 0 ideério burgués opera deslocamentos em suas nogées de poli- tica, partido e Estado. Por tudo isso, é extremamente dificil atribuir uma “peculiaridade” a0 Brasil. O que era “peculiar” ao Brasil, isto , um Estado que se apresenta como auténomo ¢ antecipador, demiurgo das classes ¢ da sociedade, desa- parece quando se olha a hist6ria de outros paises, nfo de séculos atrés, mas situada na mesma temporalidade, a saber, os anos 20 30: h4 uma sintonia perfeita. Certamente que o Estado Novo nio é idéntico ao fascismo ou a0 nazismo. Mas também é inegével que todos esses projetos politicos Iutam contra os mesmos ideérios, operam com os mesmos temas, articulam-nos de modo similar e apresentam solugdes praticas mais ou menos idénticas — em suma, participam do mesmo universo da contra-revolucio. Viu-se acima que a contra-revolugio se apropria dos temas da revo- lugdo. Dito de outra maneira, a propria revolucio participa da constituigéo do idedrio contra-revolucionério — e aqui ndo importa se isto se dé invo- luntariamente. E sintomStico que as primeiras manifestagdes contra-revo- lucionérias da década de 20 nao sejam avaliadas na sua exata dimensio pelos préprios revolucionérios: Lénin, por exemplo, criticava os comunis- tas italianos por nfo serem capazes de envolver para a causa revolucionéria nada mais nada menos que Mussolini, ¢ isto mesmo anos apés a adesio deste ao fascismo. Além disso, o mesmo Lénin elogiava D’Annunzio, um 22. A questo do atrelamento sindical como peca chave da efetivagio da, pro- posta corporativista no Brasil encontra-se no meu optisculo A Legislacao Trabalhista 0 Brasil, Sio Paulo, Brasiliense (Col. “Tudo é Histéria” n° 32), 1981. 25. Apud. SOUZA, Maria do Carmo Carvalho Campello de: Estado ¢ Partidos Politicos no Brasil (1930 a 1964), So Paulo, Alfa-Omega, 1976, p. 97. Revista Brasileira de Histéria C dos teéricos do fascismo italiano, como verdadeiro “revolucionério”. (24) s intimeros casos de militantes revolucionérios que passam, nessa época, para 0 lado da contra-revolugio, devem também merecer uma explicagio methor do que o simples anitema de “traicéo” e “oportunismo pequeno- burgués”. Se se analisar alguns exemplos brasileiros, como a passage da ala “esquerda” do que se convencionou denominar “tenentismo” — cujos participantes se autoproclamavam como “revolucionérios” — as posi¢des proximas do Integralismo, percebe-se que tal passagem ndo constitui de modo algum uma ruptura brusca; pelo contrério, 6 um processo muito sutil, imperceptivel para os préprios protagonistas. Essa convergéncia de discursos da revolugio ¢ da contra-revolucio pode ser constatada também nos préprios comunistas brasileiros. O jornal carioca, de 1927, intitulado sintomaticamente A Nacdo, sob a orientacio do Partido Comunista do Brasil (PCB), publica numa de suas edigdes um artigo onde se afirma: -) © homem, como a terra, ainda esté em formacio, Néo hé o br ‘um tipo definido. H& uma mistura desordenada de racas e sub-racas. O duplo caos da terra-e do homem projetase sobre numerosos aspectos da vida nacional”. (25) Nao cabe aqui realizar uma anélise pormenorizada do pensamento ‘marxista no Brasil. Basta apenas salientar que o texto citado — e trata-se apenas de wm exemplo —, a titulo de uma “interpretacio materialista” da tealidade brasileira, nfo faz mais do que articular os temas caros ao que se convencionou denominar “pensamento autoritério”: condigdes geogréficas, ragas em formagao ¢ a inexisténcia de uma unidade nacional. Se a tarefa de construgio dessa unidade cabe 20 comunismo (26) ou ao Estado forte 6 nesse contexto, uma controvérsia muito sutil ¢ mesmo sem sentido: 0 modo de analisar a realidade é 0 mesmo € as solugdes que cada corrente apresenta sdo semelbantes. (27) 24, Cl: KORSH, Karl: Marxisme et Contr-Révolution dans la Premidre Moitié du, XXe, Siécle, Paris, Souil, 1975, p. 189. 25. “A situacio brasileira” in A Napdo, Rio de Janeiro, Ano Il, n. 22.1.1927. © artigo no é assinado, mas provavelmente & de Octivio Bran dos dirigentes comunistas da époc: 26. Num outro artigo do mesmo jornal falase até em “comunismo integral (cf. “As condigées sociais brasileiras” in A Napio, Rio de Janeiro, Ano Il, ns 282, 17.1,1927), 27. "Nessa convergéncia de temas, idéias e suas atticulacdes enconts oculia da “teoria das peculiaridades”, cujas formulagdes nfo passam de reiteracio inconsciente — © por isso mesmo sem critica — de aima leitura do Brasil, produzida nos anos 20 e 30, cuja natureza s6 se desvenda luz do projeto politico que a 0 Revista Brasileira de Hist6ria Em suma, no Brasil, sobretudo na década de 20, e em consonancia com o resto do mundo, comeca a se consolidar um modo de representaco do real — 0 idedrio contra-revolucionério — para o qual contribuem tanto os setores de “direita” como de “esquerda”. Nesse processo nao é despre- zivel a participacdio de um novo tipo de intelectuais — em especial os “‘mo- dernistas” — que nao s6 procuram organizar a cultura nacional, correlata & tdéia de “unidade nacional”, buscando, por exemplo, as “raizes do Bra~ sil”, como também produzir a nogo mesma de cultura. E, mais do que isso, so esses intelectuais que passam a ser recrutados pelas agéncias do Estado, onde propéem reformas do ensino ou atuam como téenicos espe- cializados em cada ramo de administracdo pablica. Em outras palavras, consolida-se aos poucos a hegemonia — se se quiser ainda usar a terminologia gramsciana —, para o que ndo faltam nem 0s intelectuais organicos, nem os érgdos de coerco, ¢ muito menos uma “visio de mundo”, disseminada como religiéo, como 0 ar que se respira, na qual ¢ pela qual todos agem e (se) representam, A pretensa “crise de hegemonia” em que nenhuma classe ou fragao de classe aparece visivel no Estado é exatamente 0 momento de mais completa hegemonia; 0 Estado que aparece auténomo € um dos instruments comprometides com essa he- gemonia. Nao se vé particularismos: eis. hegemonial Por isso, a visibilidade da hegemonia s6 pode ser dada pela ruptura com esse mesmo universo da hegemonia que anula a sua histéria e fixa de antemio os temas a serem investigados. preciso deixar de tomar a0 pé da letra o discurso dos participantes da construgdo dessa hegemonia e co- megat a observar por trés das certezas consagradas — como a fraqueza das classes, 0 conflito entre o federalismo e 0 centralismo, 0 Estado demiurgo, etc, — um projeto politico que visa a hegemonia ¢ que, exatamente por isso, no aparece como tal. Romper com esse mundo cerrado s6 € possivel quando se investiga 0 processo pelo qual essa universalidade' da hegemonia se produziu, isto €, 0 processo de lutas e conflitos que a engendra, enfim, a luta de classes. Revista Brasileira de Histéria nm

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