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13 PIERRE MONBEIG PAPEL E VALOR DO ENSINO DA GEOGRAFIA E DE SUA PESQUISA 1.B.G.E. - Conselho Nacional de Geografia PAPEL E VALOR DO ENSINO DA GEOGRAFIA E DE SUA PESQUISA Pierre MONBEIG E um defeito comum a longas geragies de professires arvorarem-se em advogados intransigentes das disciplinas por élet ensinadas, O pedante que se cré um profeta e que nao passa, talvez, dum vendedor de tapétes, afirma com grandilogiténcia nada existir de mais belo, mais nobre fe mais Gtil do que 2 sua propria ciéncia. Sera necessario acrescentar mais uma figura ao bailado dos mestres de danca ou de filosofia do “Bourgeois Gentilhomme"? Nao, sem divida, pois os gedgrafos nao reclamam um lugar de excecio ou de va superioridade quando procuram to! nar mais bem conhecida a geografia moderna. Verificam simplesmente a diferenca que separa a geografia tal como 6 ensinada frequentomente, da que dle desejaria que fésse. Admiram-se desta situacio, cuias causas procuram. Ser-se- ia,tentado tcrnar mais conliecido o que é a ciéncia geogrifics em meados do século XX, o explicar sua atua: e seu valor no ensino, a contribuicao que poderd trazer a pesquisa geogrifica a coletividade. Concordamos todos que se a maior parte do piblico culto tem uma idéia mais ou menos exata do que é @ Biologia, a geologia, a economia ou a sociologia, o mes- mo piiblico nio acompanha o progresso das ciéncias geo graficas, quando nao ignora sua existéncia. Para uns a geo grafia é confundida com narrativas de viajantes; um ged- grafo é um explorador, @ rigor um cartégrafo; traz de suas viagens narrativas agraddveis de ouvir-se, sobretudo jdade de ilustra-las de belas imagens. Para se tem a hal wuttus, talves os mais mumercsus, gevgrafia € uma Teme Drauga extremamente penoss de sua infincia. Seu nome evoca listes indigestas de nomes de lugures ou dade nu- méricos, ligdes atrozes que sémente os menos initeligentes © 05 mais obstinados de_nossos condiscipulos chegavam a recitar razoavelmente. Os espiritos brilhantes, ao. con: trério, mostravam-se rebeldes. E ficamos satisfeitos quan- do nossos fithos recebem uma note ma porque nio sou- beram de cor a lista das estagdes da Central do Brasil entre Rio e Sio Paulo, ou os altitudes exatas dos vulcdes ondinos; » fraqueza em geografia € uma espécie de tes 1 Portanto, na methor das hipdteses, a geografia é tida come a irma intelectual do turismo. Na pior das hipoteses, 4 qwografin € uma tortura gratuita imposta as criancas © pergunta-se como séres sensatos puderam tornar-se ges- Rtafos! Se sito corretos ésses dois modos de ver, é claro e 6 initil, quanda née perigosa; é um absur- siné-la, mais ainda praticé-la, e torna-se urgente fe- tomibéin os departamentos de geaprafia das faculde des de filosofia © instituigées come 9 Consellio Nacional de Geogratia, A menos que consigamos mostrar que a geografia contribui para © euriquecimento das mentes jovens ea sua formagao. A menos também que possames provar sua utilidade num mundo onde téda e qualquer ciéncia é também uma téenica, onde téda pecyuinn leva @ der ui instrumento itil & coletividade. E mister, portanto, pro. curar qual 0 valor da geografia no ensino € como moderne instrumemto de trabalho, oe Comeceros por determiner a posigho exata da geogra: fis modern dionte do lugar quate exclusive que stusimen. te se dé 3 meméria no ensino, Geagrafo. algun. detard de condenar esta pseudo geogralia, Taavia, convésn lor. bar que e verdadeira pedagogia nao deiza de recorrer fo fungBes da meméria. Etas s6 a0 desenvolvom ta mada em que passaram por um lieing inteigente, mo que a me. midria na6) se’ Wistingub de qualquer ‘utre eiividade' paleo- Jogica ou fisice. Também nao se trata’ de oposiga siste- matica a qualquer ensino de meméria, mis de oposicéo radical ao ensino exclusive de meméria ¢ que pretende mo- Dilid-la com um trambélho initil. Nada se pode aprender sem esforco_de_meméria_e sem a_aquisicio de uma ne- Rare cet a jum 0 en temética pressupde o conliecimento de certas {érmulas e, Resta aprendizagem. meméria imteligencia foram ambas treinadas e desenvolvidus. O conhecimento da literatura exige que o aluno retenha nfo simente nomes de autores © de obras, mas dads cronoligicos sem os quais seria total 4 confusio, Da mesma forma que nao se podem ter co- shecimentos histéricos sum 0 conhecimento de sélida bage- gem de datas e de fatos, nao se poderia ter bom conhe mento geogeafico sem uma base de nomenclatura, Ser apenas um ponte de partida, mas indispensivel. Por fim, conservando-nos nas preccupacées utilitarias, niio esqueca- mos que a vida cortente requer de cada um de nés ésse conbecimento minimo de nomenclatura geografiea, que é para a ciéncia geogrifica, © que a tabuada de multiplicagao € para a matemitica: nomes de cidades, de rios, de mon- tanhas, de produtos nacionais e estrangeiros, aquisigses de infantil de tal modo integrada em nés mes- tbem nos lemnbramos de quando as adquirimos Por consegiiéncia, um bom ensino de geografia, co- imq_qualauer_ovita_ensine, no pede deixar de recorret & meméria, E necessério reduzir sem médo a massa de no~ mes insipides e de pormenores sem valor; & necessirio, so- bretudo, reduzi-la e proporcées mais justas. Impoe-se uma escolha 20 professor, a quem cabe a dificil tarefa de exer- citar a meméria com inteligéncia. De imediato ergue-se di ante de nés 0 problema do preparo do professor de geogra- fia, a0 qual teremos de voltar. Mas, mesmo reconhecendo até que ponto a maior parte dos professires de geografia foi pouco ou mal preparada para o seu trabalho, ainda causa espécie que educadores, © mesmo simplesmente ho- mens normais dotados de bom senso, se mestrem tao obs- tinados em transformar a geografia em instrumento de ‘cielo de ma y tortura para criancas. Qual a fonte desse érro fundamental que faz confundir ensino da geografia com ensino memori- z0d0? de boa fé, mas errénea, que um nome, um dadb, sao “fa tos geogrificos” e que, a partir déles se labora) a ciéncia feografica. Ora, a peografia_nio_é uma ciéncid_de_fatos isolsdos simples, passiveis de serem conhecidos por si e em si. Neste mesmo érro incorrem os que acreditam ensinar uma histéria cientifica porque ensinam “fatos" histéricos, acontecimentos e datas. Para melhor me tornar compre- @ usar a palavra irénica dum histaria- dor da Idade Média, Manc BLOcH, que. tomando como exemplo 8 queda dum grande ministério da II] Repitblica Francesa, 0 ministério JULES FERRY, parte para a pesquisa do {ato histérico preciso, concernente a éste evento politico. Qual 0 fato e a que momento se passou? Surgem tédas as possibilidedes: 0 momento em que o presidente da Camara de Deputados proclama o resultado do escru- tinio fatal? O momento exato (pols um bistoriadur “cies tifico” deve fazer empenbo em ser exato) no qual um de- putado, desconhecido, seja dito de passagem, depositou na urna 0 volo que {2 pender para um lado 0 prato da ba- Janca parlamentar? Nao seria preferivel fazer referéncia & Visita constitucional que o presidente do Consellio, em minoria, féz a0 presidente da Reptblica para entregar-Ihe 1a demissio ou mais precisamente, e ainda mais cientifica- mente, no minuto em que o chefe de Estado aceitou a reniincia do seu ministro? Pode-se ainda hesitar ¢, dese- jando-se preciso histérica e juridica a0 mesmo tempo, poder-se-ia admitir que, historicamente, a queda do gabi- nete FERRY se situa no momento em que saiu das rotativas © nimero do jornal oficial da Repiblica Francesa, no quo] estava impresso 0 texto oficial da demissao. Desculpem-me' esta reno dos historiadores. M: © {ato fgressio pouco séria pelo ter ligao que MARC Buoux dela \érico nfo se reduz alums sim- pid, dotu; © vetdudeito Nistoriador no se exgotars -nume investigacdo, de aspecto policial, nas apuréneias do tato, pois sabe que o inteyige histérico io reside nas miné- clas cronoloyicus mas na seqiénels compleva das _causas ¢ das cénseqiiéncias, da’ queda do ministério Ferry. O bom professor de listéria procuraré tornar compreensivel esta Seqiiéncia complexa constitulda por miltiplos e pequence fatos cronolégicos, cuja teunide nao constitus um ato Ms \irico. Esta 6 diferente da croncloy ‘Transfira-se 0 exemplo do historiador para _o campo da geografia e chega-se as mesmas conclusdes. E érr0 co mum e persistente pretender tomar e ensinar fatos geogré ficos isolados e atomiados. Nag é a altitude das Agulhas Negras que ¢ um fato yeosréfico, mas 0 conjunto do ma- jes_climaticas, que _< m_cert de vezetagag,_ originanda,. cer los_de_ocupacio do. sole pelo homem e tornando possiveis cortos produtos, Se se quiser um exemplo de geografia humana podemos encon- trar na estacao D. Pedro II da Central do Brasil. A esti ii iio € um foto geogrifico, mas o movimento sua proveniéneia, no, sé-lo-do também as conseqiéncias da presenca dessa estacio na paisagem do bairro da capitel onde ela se encontra, 0 movimento da circulagia urbana e seit ritmo cotidiano e sazonério, uma certa localizagio dos ramos de comércio ligados estacao da estrada de ferro, ete. Dizer- -w que as Agulhas Negras tem X metros de’ altitude ou que a estagio D. Pedro II esté situada em tal rua do Rio de Jeneiro, nao satisfaré 0 gedgrafo, embora sejam ‘as afirmativas indispensaveis, mas que sio apenas a sombra enganadora do fato geogrifico. O podgrafo procurard s_cunjunio_sos feufmenos como os enumerados acima, de maneira_répida,_oz 1 ue_os_unem e faze’ déle um todo vive, Por conseqiiéncia, a nogio de fato geogrifico tal como € correntemente admitida @ errénea, e deve ser corrigida, Se se lignr & nagin ste foto a de irredutibilidade, de precisio rigorosa e de valor intrinseco, poder-se-ia quase dizer que nio existe fato geogrifico © que 0 gedgrafo nao se preocupa em estudar “fato” desta ordem. A pesquisa geopraficn trata dus complexos de fatos e sio ésses comple- X0s que, por sua localizagio no globo, sd0 verdadeiros tos” geogrificos. Cabe ao gedgrafo explicar esta localizacao, procurur-lhe as conseqiiéncias, examinando as relacdes, acoes @ interacdes que nem uns aos outros os elementos consiic, tutiyos do complexe geografico. Complex geogrélico, sim, porque se localiza e porque implica em acdes reciprocas mutaveis do meio natural e do meio humano. A variedade dos componentes do complexo geogrifico € tanto maior quanto mais elevado & 0 grau de.civilizagio técnica al do pelo grupo humano, instalado hé séculos, sono mi Vénios, ¢ muito numeroso. © complexo geografico constitui do pela zona acueareira do Nordeste é, provavelmente, de estudo mais delicado que 0 complexo geogratico amazénico, mas sua anilise recorre menos, aparentemente, as. discipli: nas iris da geogralia, as quais no exigiriam o estudo do complexe geografico “Rio de Janeiro”, A titulo de exemplo ¢ de mancira muito esquemitica, gostaria de indicar o possivel ponte de vista do gedgrafo diante de um complexo geogrdfico industrial. & sabido ‘que a Lorena, regio francesa, encerra em seu subsolo enor- mes reservas de minério de ferro e importantes jazidas de hulha, isto é, as bases de poderosa indiistria metalirgica Nao possuinds étse carvio qualidade exigida para a febricagdo do coque, os metalurgistas lorenos compravam sistematicamente 0 ‘coque fabricado sta Alemanha, mais Precisamente no Ruhr. Hé quatro ou cinco anos atras os téenicos franceses conseguiram noves processes que permi- tem tratar 0 carviéo loreny @ obter assim a moinho de coque, utilizével in loco, ‘Truta-se de uma invengao técnica cujos pormenores ndo interessam a geografia, mas que comeca a ter conseqiiéncias de ordem geografica pois, a partir désses processos novos, desenvolve-se e com: 10 complexo geogrifico loreno. Em primeiro lugar 0 desenvolvimento das indistrias metaliirgicas pesedas, que arrasta 0 das indistrias mecinicas mais leves. Esso desen- volvimento industrial pressupde um afluxo de mio-le-obra, operdrios, empregados de escritério, engenheiros, diretores, 10 atomponhodos ou nao de suas familias. Paralelamente, assi te-se 8 bertura de novas usinas, a0 aumento da populagao urbana composta de elementos hetBréclitos Gnelusive num rosos operirios norte-af-icanos). Parece que essas novas atic vidades industriais atraem uma parte dos Urabalhadores turais e, em conseqiiéncia, a producto agricola reduz-se ou @ orientada para novos produtos. Ao mesmo tempo, as in- Gietriag povas fornecem adulos quimicos que, mais nume- rosos, rrais variados, menos custosos, determinario uma evolugio das culturus, dgs sistemas agririos, dos rendimen- tos e, portento, dos niveis de vida dos agricultores. Encon- tramo-nos em presenca dum conjunto de fenémenos es- treitamente ligados entre si ¢ reagindo uns sdbre os outros, ainda necessario ressaltar que, para serem compre- dos, deve-se conhecer a estrutura do solo onde se situ- am as minas de ferso e de, carvio, hidrografia de super- ficie ou subterianea que coxdicionam a alimentacie dos ho- mens, boa parte do trabalho industrial e a circulagio por j@ aquatica, rios © canais. Igualmente, a réde de vias de comunicagio devera ser ampliada a fim de permitir nio sdmente a saida da produgio mas também a chegada dos materinis de construgho e produtos de alimentacio necess4- ios & enornie populagdo que se redine volta das minas, fe june aur eseritdrios, servicos pGbliees, ete, Essa raziv, entre outras, por que se projeta breve execugio dos tr balls do Mosela e a eletrificagao da via férrea que une a Locena & regiao industrial e agricola do norte da Franca A possibilidude de utilizar © carvao loreno X reduzird as compras de coque proveniente do Rubr, isto é modi cao das corremtes de trifego. Previ-se desde logo que esta nova situacio econémica, indiretamente dependente da pre- senca da hulha e do ferro em determinada regio, facil- mente localizével, nao deixar de trazer conseqiéncias que atingirio mais Ionge que o quadro regional, sairao do do- miniv econdmico e ecoario no terreno internacional. Por fim, © aperfeigoamento de novos processos técnicos ¢ one- roso (as pesuisas de laboratério também 0 foram); éle n30 pode ser realizado por emprésas medianas, mas por axsociacdes novas, financiadas por grandes emp-eendimentos metalargicos, Isto significe que 2 estrutura econémica das u ‘emprésas lorenas evolve para uma concentracio cada vez mais acentuada. Por sua vez, @ estrutura financeira, forte: mente concentrada, vai agi come fuiur geoerafico, pois wcarreta a concentragao espacial. Centros mais modestos de indiistria metalirgica, dificilmente podem resistir con- corréncia da poderosa indistria lorena, também apoiada os recursos naturais, dotada de equipamento moderno'e escorada por forte organizacao financeira. Ja se assiste a migragdes de indistrias pelas grandes emprésas e a redis- tribuicio regional dos diferentes ramos da produsio. Tal o complexo geogritfico, em vias de organizacio, partir de aperfeicoamentos técnicos. Foros forgados « sim- icar_e resumir a exposigio dum processo infin mais complicado do que eparcce aqui. Mais uma prova da delicadeza do complexo geogréficg: Este de_tudo,na paisagem, a qual, formada una mente pelos_elementes naturais e_ pelos. mens, é_a represent do_complexo._ Por ests raziio, 0 estudo da paisagem constitui ica, Mas & absolutamente indispensivel auc o geégrafo nao se limite & anilise do cendrio, & apre- ensio do concreto. A paisagem nio exterioriza todor or ele- mentos constituintes do complexe. Nem sempre nela se en- contrar’o expressos com clareza os modos de pensar, as es- ‘truturas financeiras que sao, entretanto, parceles apres Aveis do complexo geogréfico. Outro perigo — a limitacko Ss @_explicacao. Satisfar-se em ser excelemte méquina fotografica e, nesse jégo atraente, pren- de-se menos @ andlise dos processos do que a sua ‘descri- $80. Passa a0 lado dos problemas pois, submerso pela mas- sa dos fatos ebseivados, ji no pode destingui-los com cla- Fez. A paisagem & um ponto de partida, mas no um fim, Resulta do complexo geogrifico, sem confundir-se com ale. Espero ter explicado suficientemente até que ponto nossa geogrefia so preceupa mate com os legos que gem 20 complexo geogrifico, do que com os fatos isolados 2 que 0° compsem. Fatos de origens diversas, umas fi utras biolé~heas ou his"bricas, econdmicas ou psicolégicas, associam-se ein detetminados setores do planéta. A associ -zet, produto do meio regional, mas carac- yiza uma regido que pode ser cartografada e cuja exten- sio € a mesma db complexo geogréfico. Estamos longe de simplicidade de pparénfia enganadora do pretenso fato geoerifica isolada |e conllecemos agora © que constitui 0 te- ma fundamental da pesquisa geografica modern: 6 de admirar que éste bom gedgrafo, viej penitente por itinerérios estranhos, colecionador de nomes exéticos © evocadofes, se tenha tornado um personagem sé- jo, um désses cientistas que, por vias diferentes mas com (© mesmo amor, oclipa-se em decifrar a complexidede de tu- do que existe no globo? Para compreender essa evolucio a geogratia, basta pensar-se que ela acompanhou o mesmo ritmo que as demais cigncias naturais ou sociais. Basta-nos a reduzida experiéncia individual de cidadao que vive nor meados do século XX para ensinar-nos que nada é sim- ples. Serle anormal que o gedgrafo nio tivesse chegarlo a fessa'mesma descoberta hecimento do mundo pare saber que nada é mais muté- yel que 0 comportamento das sociedades humanas do meio natural, Vivemos mesmo esta grande experiénci ‘die 0 dominio cada dia mais completo do meio por nos- sa ciéncie, por nossos téenicos, por nossos meios de prod Esta revolugao nas relacdes das sociedades humanas € dos meios naturais € muito recente, e diante de nossos thos, adquire proporcdes inéditas. Ainda ha poucos anos se poderia acreditar que a habilidade dos homens seria im- potente para mudar os climas, ogir sdbre o céu. E, entre tanto, até ésse préprio limite esboroa. Diante de tal revolu- do néo causa espanto verificar a inversio dos térmos do Problema geogrifico. O pensamento cientifico do século XIX foi grandemente dominado pelo progresso das ciéncias naturals. A descoberta da natureza era um assombro muito Ni 13 recente. Por outro lado, néo parece que as sociedades hu- manas Jevantem problemas tio graves quanto is ciéncies: era entio a grande época da conquista das liberdades poli- ticat, mas nao ainda a das angistias econémices e socia Os geégrafos partilhavam com seus contemporineos @ trenquila.confiangst nos destinos humanos, mais os menos convencidos de quelo melhor conhecimento da naturez® aca~ boris por conferir | humbnidade © poderio total, go de sua felicidnde. ae Ja do progresso abria-se para sre horizonte. Nesse clisna filoféfico, era normal que a geograi fisica se avantajassel i geografia humana e que as imposicies do meio féssem considerddas a chave do comportamento | Se, desde entad, todos os conhecimentos cientificos suas aplicages técnicas progrediram bem além do que seri de esperar, nossa inquietacao eresceu terrivelmente. Guer- ras, revolusdes, fome, desemprégo, vida em campos de con- centragio aniquilaram téda tranquilidade; x30 como as Erynnias, a compensagio do “progresso”. Se jé no duvida- mos do poder sébre a natureza que nos confere a ciénci (© homem toma-se 0 centro de nossa preocupagéo. Por um peradoxo apenas aparente, quanto mois 2 desenvolvem ci Encias € técnieas, mais duvidamos do futuro de nossas soci- edades. Os gedgrafos sio arrastados para o movimento do pensamento da época atual, da mesma maneira como o ha- viam sido seus predecessores em tempos mais euféricos. Por suas préprias pesquisas que os colocam, tal como mui tos outros pesquisadores, em contacto imediato com os ho- mens, nao podem éles escapar a inquietacio hodierne. Au- tomiticamente, 0 homem ocupa o centro das pesquisas. Em lugar de partir das condigGes ambientes para ir até os gru- pos humanos, a geografia tende cada vez mais a tomar éstes times como ponto de partida. A essa substituigéo dos tér~ mos dos problemas geogrificos corresponde 0 abandono 2: explicagdes unilaterais. Nada é mais simples, bem 0 sabe- mos € 05 geégrafos melhor ainda, soz30 pelo qual a sua georrafia abandonow os fotos particulares para se voltar para a combinagio de fatdres. 4 : ‘Ao delinearmos esta evolugio do pengamento geogré- fico, nao nos afastamos do problema do valor da geogra Pois esta evolugao basta para provar que a geografia no .é simples enumerago. A lista telefénica do Rio de Janeiro € hoje mais extensa do que em 1914, mas continua ‘a ser uma seqiiéncia de nomes. Novas estacées ferrovi rias foram inauguradas entre @ Rio e Sio Paulo, mas sua simples enumerasdo continua a ser uma enumerayiy des provida de inteligéncia. Se a geografia se reduzisse ape- as # nomenclaturas, sem conteiido {iloséfico, continuaria imutavel. A forma enumerativa nada mais é do que o fruto da ignoréneia crassa do que é a geografia, ‘Além disso, admite-se ficilmente que at operacdes mne- ménicas nio sejam as tinicas atividades intelectuais capazes de orientar o geégrafo que estuda as relacdes dos comple- xos. A interpretago do encadeamento dos fatos depende do trabalho intelectual, no qual o encadeamento das idéias & primordial. Pereeber-se-4 isto acompanhando a anilise do mecanismo intelectual na pesquisa geografica tal como aparece num artigo do professor HENRI BAULIG. A primeira fose seria a do explicacio, Faz-se mister tomar a palavra no seu sentido etimolégico, isto é, desen- volver, desenrolar (explicare em latim designa a asso de desenrolor 0 rélo de pergaminho manuscrito). Depois de ter explicado, 0 geégrafo_deve_compreender. Indica que @e deve reuni todos os Tatos por éle desenrolados, pro- curando tomé-los em conjunto, como uma unidade. Se, a esta interpretacéo humanista do método de pensamento do gedgrafo, preferir-se outra, poder-se-ia dizer que o ged- zrafo se encontra em face dum complexo geografico, como uum mecénico diante de um motor desconhecido cuja dispo- sigho quisesse conhecer. B necessirio desmontar as pecas que compsem o- motor, tendo porém o cuidado de identificar cada elemento, de’ ver como se ajusta a outro, de conhe- cer-the a fung3o e avaliar-Ihe a importincia no conjunto. Este trabalho de desmontagem do motor é a explicagao do complexo geogrifico. Depois de identificadas, todas as pe- cas, numeradas, classificadas, nosso mecénico se encontra mais bem preparado para conhecer de que modo a unigo delas constitui um motor e come funciona éste. Ele “com as preende” porque pode, segundo a andlise, aprender as rela- cies dos diferentes elementos entre si e graces a ésse pri- meiro trabalho, descobrit come cada um contribui pare a boa marcha du conjunto. Tais sio os objetivos e as diretrizes da geografia e de seu método. Uma ver feita este indispensivel mise-au-point torna-se mais fécil compreender que ensino da geografia & possivel_de_auxilier_a expansio das funcdes_intelectuais, dos _jovens, Deve ficar bem claro_serésse “0 “papel_fundi ‘menial_do_ensino_e_muilo_particularments_do_ensing_s¢- cundirio. Enviamos nossos filhos as escolas nay siment Puta que encham suas cabecas, mas principalmente para que 0 facam bem. Esperamos dos professores que ensinem # nossos filhos e filhas literatura, matematica, linguas mor- tas ou vivas, histéria, goog jéncias fisicas @ naturais, mas também exigimos que ésses professéres Ihes desenvol- vam as faculdades intelectuais ainda embrionarias. Da_mes- ma forma que 0 teinador de desportos p5e os misculos em condigées de trabalho, o professor, treinador espiritual, tem Qterrivel_encargo de Ihes ensinar_a observar, refletis, eri tigar_e estolher. Aquilo que, no ensino, nao permitisse de- senvolver essas {aculdades mereceria ser sbolido dos pro- gramas sem o menor escripulo. Vamos tentar demonstrar como a geografia responde as exigéncias dum ensino que mais procura formar a mente di que entulhar cérebros. Em t6das as séries escolares, mas sobretudo nas pri- meiras, 0 professor de geografia deve procurar desenvolver nos alunos 0 espirito de observacdo e de precisio. O resulta- do .é facilmente obtido acostumando-se s.erianga a examinar € explicar com atencio uma carta, por mais simples que seja, uma figura, uma projecéo fotogrifica. O aluno deve ser axercitadn progresivamente = localizar com procidio # descrever © documento que Ihe 6 apresentado. Nao seria conveniente que ésse

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