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I INTRODUGAO Chomsky é uma figura singular nfo apenas no pano- rama da lingiifstiea de nossos dias mas, talvez, em toda a histévia dessa disciplina. Sen primeizo livro, publicado em 1957, embora pequeno 6 relativamente despido de aspectos técnicos, revolteionou 0 estudo cientifico da linguagem. Hoje, contando Chomsky poneo mais de quarenta anos, ele fala com autoridade impar acerea de todos as asyectos da teoria da gramitica. Isso nfo quer dizer que os especialistas (nem mesmo a maioria deles) hajam acolhido a tearia da gramatica trans- formativa que Chomsky apresentou hé quinze anos passados, em san obra Syntactic Structures. Em verdade, os estudiosos nfo acolhoram as idgias de Chomsky. Existem hoje, espalha- dos pelo mundo, pelo menos tantas “escolas” de lingtiistica quantas existiam antes da “revolucio chomskyana”. Contudo, a linha “transformativa”, ou “chomskyana”, no € apenas uma entre varias outras escolas. Cerla ou errada, a teoria gramatical de Chomsky é inegavelmente a que mais influén cia exerce a que se destaca pelo seu dinamismo —e nio i estudioso atualizado que se possa dignar a ignorar as con. tribuigées tedricas trazidas pelo autor de Syntactic Structures Qualquer “escola” de lingiiistica, em realidade, tende a ser caracterizada, na atnalidace, em termos da relagio face a certas questdes especificas que mantém com a posigio ado- tada_por Chomsky. Sem embargo, nfo é a reputagéo que Chomsky granjeou entre os estudiosos de lingiifstiea que the confere um posto H entre os “‘mestres do pensamento moderno”. Afinal, a lingiis- tica tedrica ¢ uma disciplina esotérica, de que poucos ouvi- ram falar e que cra praticamente desconhecida até bem recenlemente. Se a matéria, hoje em dia, se vé reconhecida como um remo da ciéneia ~- que vale a pena estudar néo apenas pelos seus prdprios méritos como pelas contribuicées que pode dar para o estudo de outros temas — isso se deve, em grande parte, ao trabelha de Chomsky. Assevera-se que mais de mil professores e estudantes universitérios acom- panharama suas aulas (dadas na primavera de 1969, na Uni- yersidade de Oxford) acerea da filosofia da linguagem e espirito. Pouces haviam tide prévie contato com a Hingiiistica, mas todos, presumivelmente, estavam convencides — ou es- tavam preparados pata se convencer — de que valia a pena realizar um esforgo intelectual pata acompanhar os argu- mentos apresentados por Chomsky, muitas vezes bastante complicados. As aulas de Chomsky tiveram grande reper- cussao pela imprensa, que as divulgou por toda a nagio inglesa, Leltores que ainda no est4o familiarizadas com as tra- balhos de Chomsky podem perfeitamente, a esta altura, indagar das conexdes que subsistiriam entre uma érea de estudas tho especializada, como a gramitica transformativa, © outros campos de investigagio mais conhecides e de im- porténcia reconhecida — como a filosofia e a psicologia. Dessas conexdes trataremos, com algum pormenor, nos capitulos finais do presente livro. Nao obstante, é oportuno fazer um esboco da questio {4 neste momento. Sugere-se, com freqiiéncia, que o homem se distingue mais claramente dos outros animals nfo tanto pela faculdade de pensar ou pela inteligéneia (como se viria a supor 20 usar-se_o rdtulo zoolégico homo sapiens), como pela sua capacidade de valer-se da linguagem. Na realidade, os filé- solos e os psiedlogos debatem, ha tempo, a questéo de saber se 0 pensamento, no sentido préprio da palavra, poderia ser concebido fora do contexto de fala ou da eserita, Podendo ou nifo, é dbvio que a linguagem € de importincia vital em todos os aspectos da atividade humana, como & dbvio que, sem a linguagem, qualquer forma de comunicacio (excluidas, Bg talyez, algumas formas extremamente rudimentares) seria impossivel. Admitido que a lingnagem seja essencial para a vida humana como a conhecemos, é téo-somente natural indagar-sc que eontribuicto pode trazer 0 estud da linguagem para a compreensio da vida humana. Que & entretanto, Imguagem? A essa_pergunta poueas pessoas chegam a pensar em responder. Em certo sentido, sabemos tacos 0 que pretendemns significar ao dizer “lin- guagem”; e o uso da palavra na conversacio cotidiana depende de a interpretarmos todos, como interpretamos outras pala- vras por nds empregadas, de maneira idéntiea ou muito semelhante. H4, porém, uma diferenca entre esse tipo de conhecimento pratico e nao refletido acerca do que seia a Enguagem e a compreensio mais sistemitien ou mais pro- fonca que desejariamos chamer “cfentifica”. Tal como ve- remos nos capitulos seguintes, o objetivo da Lingiifstica ted- rien 6 0 de der resposta cientifien & indagacio “Que & a linguagem?” e. fazendo-o, proporeionar malerisl em que fildsofos e psicdlogos possam apoiar-se ao discutirem a sela- go que enlaga linguagem e pensamento. © sistema de gramética transformativa de Chomsky foi desenvalvido, coma verifiearemos, para propiciar precisa des- criggo matemética de alguns dos mais notéveis tragos da linguegem, De particular importincia a esse propésito & a capacidade que tém as erlangas de derivar regnlaridades estruturais de sua Kngua materna — as regras de gramatica dessa lingua — a partir da fala de seus pais e das pessoas que as rodeiam, fazendo uso dessas mesmas regularidades na construgio de expressbes orais nunca antes ouvidas. Sus- tentou Chomsky, em seus trabalhos mais recentes, que os prineipios gerais determinentes da forma das regres grama- tieais em Mnguas especificas, tais emo inglés, turco e chings, , em grau considerdvel, comuns a todas as linguas buwna- nas. Sustenton, a par disso, que os principios subjacentes 4. estrutara da lingua sip de tal modo especificos € tao alta- mente articulades que devem ser vistos como determinades Diologicamente, ou seja, como constitnindo parte do que denominamos “natureza humana” © como sende genetica- 3 mente transmitidos de pais a filhos. Se assim for ¢ se ocorrer também, como Chomsky assevera, que a gramftica trans- formativa seja a melhor teoria até agora elaborada para deserigio e explicagio sistematicas da estrutura da linguagem humana, torna-se claro que compreensio dessa gramética se faga essencial para todo fildsofo, psicdlogo ou biologista que desejo entender a capacidade de linguagem que © ho- mem tem. A importancia da obra de Chomsky, para campos do conbecimento diversos da linglijstiea decorre, portanto, ¢ principalmente, da reconhecida relevineia da linguagem em todas as drcas da atividade humana e da relacdo peculiar mente fntima que se diz existir entre a estrutura da lingnagem as propriedades ou capacidades inatas do espfrito. Nao & contudo, a linguagem 0 tnico tipo de “comportamento” eomplexo em que se empenham os seres humanos; @ existe pelo menos a possibilidade de que outras formas de ativi- dade tipicamente humana (inclusive, talvez, certos aspectos do que denominamos “eriagio artistica”) também se mos- trem suscetiveis de descticio segundo as linhas de sistemas matemiticos especialmente elaborados e andlogos ou até mesmo apoiados na gramética transformativa. Muitos estu- diosos que trabalham alualmente no campo das ciénoias sociais ¢ das humanidades acreditam que assim seia. Para eles, a formalizacio que Chomsky emprestou & teoria gra- matical serve de modelo e padrio. De que se deixou dito nos Gltimos pardégrafos decorre, ce maneira clara, que a influénoia de Chomsky vem sendo presentemente sentida em diferentes dreas do conhecimento. Até agora, entretanto, o setor mais profundamente afetado pela “revolugdo chomskyana” é 0 do estudo da lingnagem; e € de pesquisas atuais em torno da estratura gramatical do inglés e de outras Ingnas que Chomsky retira a maior parte de suas mais amplas concepgses filoséficas € psicolé- gicas. Tal a razdo por que, neste volume, daremos grande atengo aa substrata lingiifstico do pensamento de Chomsky. A atwal notoriedade @ popularidade de Chomsky nfo se deve apenas, nem principalmento. a seu trabalho no campo da lingiistica e A tepercussio desse trabalho sobre outros i“ ramos do conhecimento, Nos dltimos anos, ele se tornou conhecide come um dos mais insistentes e coerentes eriticos da politica norte-americana no Viena — um “berdi da Nova Esquerda”, que se arriscou & pristéo negando-se a pagar me- tade. de seus impostos e dando apoio ¢ estimulo a jovens que se recusavam a prestar servico militar no Vietna. Indubita- velmente, é a seus escritos de cardter polities e a sua atividade politica que Chomsky deve sua fama atual, espe- cialmente nos Estados Unidos da América. Pessoas em mime- ro relativamente pequeno tera lido os longos e académicos ensaios que ele publicon em Liberation, Ramparts e The New York Review of Books (agora tounides a outros traba- thos @ republicados sab o titulo American Power and the New Mandarins). Contudo, a muitos seré familiar o tema desses ensaios — sua condenaco do “imperialismo” norte- -amerieana e daqueles conselheires governamentais de gabi- nete que, arrogando-se ares de “especialistas” num campo em que nfo hd o que se possa chamar especializacio elen- tifica e onde consideragées de moralidade comum deveriam ter prevalecido, tormaram-se réus da culpa de iludir 0 povo norte-americano acerea do caréter da guerra no Vietnd, acerca do envelvimento em Cuba e de outras questdes. Embora este livro diga respeito principalmente ds con- eepebes de Chomsky em matéria de lingiifstica, deve, talvez, merecer referéncia enfatica a circunstancia de que sua teoria da linguazem ¢ sua filosofia politica nao estéo de modo algum desligadas uma da ontra, como poderia parecer & primeira vista. Como veremos no présimo capitulo, de ha muito Chomsky vera-s¢ apando pelo menos & mais extre- mada forma de psicologia behaviorista — 0 “bchaviorismo radical” asseverador de que toda erenca e todo eonhecimento humanos, bem come todos os “padrées” de pensamento e acko caracter‘sticos do kamem, podem ser explicados como “pabitos” incutidos por um proceso de “condicionamento”, sem diivida mais demorado e mais complexo em seus porme- nores, mas no qualitativamente diverse dos processos pelos quais. nos laboratérios de psicologia. os ratos “aprendem” conseguir comida comprimindo uma alavanea na gaiola em qua estio prescs. O ataque de Chomsky ao behaviorismo radical foi feito pela primeira vez em 1959, em longa e bem Pid documentada resenha do livro Verbal Behavior, de B. F, Skinner, quando ele afirmou que a impréssionante massa de terminologia cientilica e de estatisticas empregadas pelos behavioristas néo passava de camuflagem a esconder a inca- pacidade que tinham de explicar o fato de a linguagem nao ser simplesmente um conjunto de “habitos” e diferir radical- mente da comumicacdo entre animais, Em escritos de card- ter politico, Chomsky faz, agora, a mesma critica visando aos socidloges, psicdlogos e outros cientistas socials, cujo conselho “especializade” os governos buseam: diz que eles “tentam desesperadamente (...) imitar os Iragos superficiais das ciéncias que realmente possuem conteddo intelectual significative”, esquecendo, nessa tentativa, tados os proble- mas fundamentais com que se deveriam preocupar € indo procurar refigio em. trivialidades pragmétieas e metodo- ligicas. Chomsky tem conviegio de que os seres humanos Giferem dos animais e das méquinas o de quo essa diferenca deve ser respcitada tanto na esfera da ciéncia quanto na esfera do governo; sabre essa conviectio sepousam € por ela se unificam a. politica, a linaitfstica e a filosofia de Chomsky. ‘A mensagem que tradnz é conhecida e encontra resposta imediata em todos que véem os homens como irmios e acre- ditam na dignidade da vida humana. Com demasiada fre- qiiéneia, entretanto, € a defesa desses valores tradicionais deixaca a cargo de estudiosos que, em razio da formacio académica recebida, ndo se mostram capazes de utilizar o tipo de argumento suscetivel de influir sobre os telmosos “pragmatistas”. Chomsky no pode ser tio facilmente afas- tado como “liberal despreparado”, Tem tanto conhecimento de filoscfia da ciéncia quanto seus oponentes e pode mani- pular os instrumentos canceituais ¢ matemiticos das cién- cias sociais com a mesma facilidade que eles demonstram. Cahe aceitar ou rejeitar seus argumentos, mas rio cabe ignoré-los. E quem quer que deseje seguir © avaliar 0 peso desses_argumentos deverd estar preparado para enfrentar Chomsky em seu prépria campo — o da Engit{stiea, ou in- vestigacto cientilica da linguagem. Acredita Chomsky, com efeito (tal como delxei anteriormente agsinalado), que a estrutura da Iinguagem ¢ determinada pela estrutura do es- I pirito humano € que a universalidade de certas propriedades caractoristicas da linguagem € evidéncia de que pelo menos essa parte da natureza humana é comum a todos os elemen- tos da espécie, independentemente de raga ou classe e¢ a despeito das clatas diferencas de intelecto, personalidade e atributos fisicos. Essa erenca tem por si larga tradicio (¢ 0 préprio Chomsky, coma iremos ver, relaciona explicitamente suas concepgies com as dos fildsofos racionalistas dos séculos XVIEe XVIII). Nova é a maneira como Chomsky advoga seu vaso © a espécie de evidéncia de que ele se vale. E caracteristico — e & simbélica de sua posigfo e in- fluéncia — que a institui¢io onde Chomsky leva a efeito seus trabalhos em torno da estrutwra da linguagem ¢ das proprie- dades do espirito humano seja urna das oidadelss da ciénota moderna, 0 Massachusetts Institute of Technology, ¢ que as opiniées por ele expressadas ao sintetizar os resultados de suas pesquisas lembrem o que seria mais prdprio de departamentos de humanidades de uma universidade tradi- cional. A contradigéo é apenas aparente. Em verdade, a obra de Chomsky sugere que as fronteiras convencionais oxistentes entre “artes” ¢ “ciéneia” podem e dever ser abolidas. iy 2 A LINGUISTICA MODERNA: OBJETIVOS © POSIGOES Para muitos dos leitores deste livro — possivelmente a maloria — a lingiifstica surgiré como assunto inteiramente novo. Comecarei, portanto. explicando, em termos gerais, 0 que & a lingiilstica. Poderemos, em seguida, avancar para, no préximo capitulo, examinar os aspectos daquela disciplina yue se revelaram de maior importincia no que respeita a formagio do pensamento de Chomsky. A lingitistica € comumente definida como ciéneia da lin- guagem. A palavra “ciéncia” é, no caso, fundamental ¢, apreciando a cbra de Chomsky, muito nos preocupario as implicagSes esse vocdhulo. De momento, podemos dizer que cientifica é a descrigio feita sistematicamente, com apoio ‘em observagies objetivamente certificdveis e dentro da estru- tura de alguma teoria geral adequada aos dados em jogo. Afirma-se, com freqiiéncia, que a lingiiistica propriamente dita é de origern relativamente recente e que a investigacao da linguagem, tal como levada a efeito na Europa € nos Estados Unidos da América antes do século XIX, era sub- jotiva, especulativa e ndo-sistemdtica. Neste contexto, faz-se desnecessdrio indagar se 6 histericamente justiliedvel essa violenta condenaco da passada pesquisa lingiiistica. Ponto importante a assinalar 6 0 de que a lmgiifstica, tal como hoje a conhecemos, desenvolven-se em consciente oposigo a maneiras tradicionais de abordar o estudo da linguacem, maneiras essas caracteristicas de séoulos anteriores. Como 18 teremos oportunidade de ver, esse deliberado rompimente com o passado foi mats agudo e mais definitive nos Estados Unidos da América do que na Europa. Nao houve rejeigio da gramética uadicional mais veementemente expressa do que pela escola “bloomficldiana” de lingiiistica, dominante nos Estados Unidos da América durante os anos que se soguiram & Segunda Guerra Mundial — escola onde Chomsky se formon @ contra a qual, posteriormente, reagiu. Nao discutiremos aqui todas as caracteristicas da lin- gilfstica moderna pelas quais ela se distancia da gramética tradicional; examinaremos apenas as que sdo de relevancia para o tema deste livro, A primeira dessas caracteristicas, freqiientemente encarada como conseciiéneia direta do status cientilico alingido pela lingiistica, € sua autonomia, ou in- dependéncia de outras disciplinas. A gramética tradicional, & semelhanga de muitos outros legados recebidos pela cultura do Qcidente, teve origem na Grécia do sécula V a.C., & esteve. desde seus comecos, intimamente relacionada com a ilosofia e com a critica lterdria. Em estdgios diferentes, predominon ora a influéneia do fildsofo, ora a influéncia literdtia, mas ambas estiveram, até certo ponto, presentes em todos 05 perfados ¢, em conjunto, deram forma as atitudes € pressnpostos com que, ac longo dos tempas, os estudiasos abordaram o estudo da linguagem. Cabe, alids, lembrar que ossas alitades © pressupostos encontram-se a tal ponto disse- minados e enraizados em nossa cultura que nao apenas os especialistas formados 20 longo das linhas da gramitica tra- dicional. mas também 0 homem comum tende a aceité-los sem objecées. Quando o lingifista reelama “autonomia” para sua disciplina, est pedindo que lhe seja permitido tomar posi- clio nova'e objetiva frente A Linguagem, sem prévie compro- metimento com iééias tradicionais e sem ter de adotar neces- sarlamente 0 mesmo ponto de vista de fildsofos, psicdlogos, eriticos literdrios ou cultores de outras especializagies. Nao significa isso que inexistam ou devam inexistir elos entre a Ungiiistica e outras disciplinas que se ceupam da Inguagem: Na verdade, € como seré mostrado nos tiltimos capitulos deste livro, hd, na atualidade, notdvel convergéncia de interesses de lingitistas. psiedlogos ¢ filésofos. Contudo, a aproximacio atual deriyou do desenvolvimento da lingiiistica “auténoma”; 19 foi a lingiiistica (e, mais particularmente a obra de Choms- ky) que inspirou a alianga entre as trés disciplinas, JA se fez referéneia A tondonciosa inclinagéo Titerdria manifestada pela gramatica tradicional, Essa tendenciosidade — qae defluiu do fato de os primeires graméticos ocidentais estarem principalmente preocupados com a preservagio @ interpretagie de textos de escritores gregos classicos — ma- nifestou-se por formas diversas. Os esludiosos tendevam a coneentrar-se na linguagem eserita ¢ a ignorar a diforenca entre falar e escrever. Embora nio inteiramente desprezada pelos graméticos tradicionais, a linguagem falada foi, com demasiada fregiiéneia, vista como eépia imperfeita da lingua- gem escrita, Por contraste, a maioria dos atuais Tingilistas ‘modernos aceita axiomaticamente que o falar é 0 fundamen- tal e que a linguagem esorita é secundaria ¢ detivada; sus- tentom, em outras palavras, que o som (e, mais especifica- mente, a gama de sons que podem ser produzidos pelos chamados “érgios vocais”) & 0 meio a que a linguagem esti “incorporada” ¢ que as linguagens escritas resultam da transferéncia dla fala para um meio secrmdério, viszal. Todas as linguas conhecidas cxistiram inicialmente como lingua falada e milhares de inguas nunca ou sé recentemente adqui- yiram forma escrita. As eriancas conseguem dominio da Vngua falada antes de aprenderem a ler ¢ esctever © conse- gnem-no espontancainenle, sem qualquer treinamento; o ler 2 0 escrever sfio habilidades especiais que a erianga passa a s de aprendizado particular, basoado em seu prévio conbecimento da carrespondente Hngua falada. Em- hora nada se diga neste livro a respeite de fonética e embora todo o material Husicativo seja citade em forma eserita normal, dovor-se-4 ler sempre em menle que nossa prescupa- cio principal seré a linguagem falada. Convém acentuar que adesiio ao principio de primazia do falar sobre 0 eserever io implica falta do interesse e, muito menos, desprezo pelas linguagens cscrilas. Nem im- plica necessariamente (conquanto importa admili que muitos Lingitistas deixam de fazer esta ressalva) que a linguagem escrita seja intciramente detivada. As condigses de sex em- prego sio diferentes das candicées em que se emprega a 20 linguagem falada, No se poem frente a frente o que escreve eo que 16 Assim, informacdes, nonmalmente transmitidas por via de gestos e expressdes faciais que acompanbam o falar (e por um complexo de outras eazacteristieas que padem ser aqui indieadas pela expressfio impressionista “tom de vox”) doverdo ser transmitidas, se puderem sé-lo, quanda se trate de linguagem eserita, por outros meios. A pontuagéo convencional e a pratica de sublinhar palavras para efeito de énfase nfo conseguem traduzir todas as significativas va- riagdes de modulacio e inflexdo presentes nas expresses faladas. Haverd, portanto e sempre, certo grau de indepen- déncia na linguagem escrita. Em muitos casos, como no da Kogua inglesa, a diferenga entre as formas falada e escrita da “mesma” lingua fol aumentada pelo conservantisme das convencies ortogréficas, estabelccidas ha muitos séculos e até hoje mantidas, a despeito das alteracdes ocorridas na forma de pronunciar o idioma em diferentes partes do mundo. A respeito do que dizemos, convém assinalar mais um ponto, Afirma-se muitas vezes, que nenhum des “érgiios vo- cais” tem como fungio tmica ou principal o papel que desempenha na produgio da fala — que os pulmées atendem & respiraciio, os dentes A mastigagio e assim por diante — € que esses “drgiios yorais” uo constituem um sistema fisio- légico, no sentido normal dessa expresso. Nao deve ser esquecido, entretanto, que a faculdade de falar 6 tito earac- teristicn dos seres humans (0 nalural e importante para eles quanto andar com dois pés ¢ mesmo comer. Qualquer que possa ter sido sua causa em algum remoto perlodo do desenvolvimento evolutive do homem, cabe sublinkar 0 fato de que toclos os seres humanos utilizam o mesmo “aparctha” fisiolégico para falar. & pelo menos, adzmissivel que os homens sejam geneticamente “programados” para assim agirem. A importineia desse ponto para as idéias de Chomsky se fard clara em capitulo posterior. Os graméticos tradicionais se preocupavam mais ou menos exclusivamente com a linguagem literdria, padrao; tondiam a desconsiderar ou a condenar como “incorreto”, © emprego de formas nao consagradas ou cologuiais, tanto no 21 falar como no escrever. Com freqtiéncia, deixavamn de com- preender que a linguagem-padrio é, de um ponto de vista histérico, tio-somente o dialeto regional ou social que adqui- tiu_projecio, tormando-se o_instrumento da _administragio, da educagao e da literatura. Em razéio de seu uso mais amplo, por maior atimero de pessoas ¢ para mais extensa gama de atividades, a linguagem-padrio pode dispor de vocabuli- tio mais tico do que o de qualquer dialeto “subpadrio” coe- xistenle, mas nao é intrinsecamente mais correta. A dis- tingdo entre “lingua” e “dialeto” € comumente assentada em base politica. H4 menos difetenca entre 0 sueco, 0 dina- marqués € 9 noruegués, por exemplo, do que entre muitos dos chamados “dialetos” do chinés. O ponto importante é o de que os dialetos regionais ou sociais de uma lingua — do inglés, digamos — nfo sio menos sistemilicos do que a lingua-padeao ¢, relativamente a ela, néo devem ser conside- radas como aproximagSes imperfeitas. Esse ponto merece énfase, pois muitas pessoas tendem a acreditar que somente a lngua-padrdo, ensinada nas escolas, é suscetivel de dos- crigdo sistematica. Do Angulo puramente lingitistico, todos 03 dialetos do inglés so dignos de igual consideragio. A gramitica tradicional se desenvolven com apoio no grego e no latim e foi, a seguir, aplicada — com alteracGes ifaimas e. freqiientemente, sem maior exame — & des- de numerosas cutras Hnguas. Muitas sio, porém, as Iinguas que. pelo menos sob certos aspectos, diferem, sen- sivelmente, quanto 2 estrutura, do grego, do latim e das Mnguas mais comuns da Enropa e da Asia. Um dos prin- cipais objetivos da lingiiistiea moderna tem sido, conseqiien- temente, o de elahorar uma teoria de gramatiea mais ampla que a teoria tradicional — teoria que se mostre adequada A desori¢go de todas as Imnguas humanas © nfo rovele ten- denciosidade em favor de lfnguas que tenham estrutura gramatical semelhante & do grego e do latim. Cabe, talvez, observar, a esta altura, que a lingiiistica nfo empresta apoio aos que aercditam haver diferenca fun- damental entre Jinguas “civilizadas” e Jinguas “primitivas”. O vocabuldria de uma lingna refletiré, naturalmente. as ten- déneias e interesses caracteristicos da soctedade que o em- prega. As linguas mais importantes, como o inglés, o fran- 22 cés @ 0 russo, disportio de grande mimero de palavras que, por estarem relacionadas com a ciénela e a tecnologia mo- demas, deixam de encontrar equivalentes na lingua de alguns povos “‘subdesenvolvidos”, Inversamente, entretanto, haverd palavras na lingua de, digamos, uma semota e atrasada tribo da Nova Guiné ou da América do Sul gue nfo podem ser satisfatoriamente traduzidas para o inglés, o franeés ou o russo, por se teferirem a objetos, flora, fauna ou costumes estranhos & cultura ocidental. Nao se pode dizer, em sen- tido absoluto, que o vocabulétio de uma Iingua seja_mais tico ou mais pobre que o de outra; toda Vingua dispée de suficiente tiqueza de vocabuldrio para exprimir todas as dis- tingdes importantes na sociedade que o emprega. Desse ponto de vista, nao cabe, pois, dizer que uma Jingua seja mais “primitiva” ou mais “avancada” que outra, E isso tor- na-se ainda mais claro quando se passa a considerar a estru- tura gramatical das Uinguas. HA diferencas entre qualquer especifica lingua “primitiva” e qualquer especifiea Kngua “civilizada”. Contudo, em média, nao sio maiores do que as diferencas entre qualquer par aleatétio de linguas “pri- mitivas” ou qualquer par aleatério de linguas “civilizadas”. As chamadas linguas “primitivas” nfo sio menos sistematicas, nem sio estruturalmente mais simples ou mais complexas que as Iinguas faladas por povos mais “civilizades”. Importa accntitar esse ponte. Todas as sociedades humanas de que temos corheeimento falam linguas de complexidede aproxi- madamenle igual; e as diferencas de estrutura gramatical que notamos entre as linguas existentes no mundo séo tais que nfo podem ser correlacionadas com o desenvolvimento cultural do povo que as utiliza @ nfo podem servir de ma- terial para a elaboraczo de uma teoria evolutiva da lingua: gem humana. A lingua como apandgio da espécie humana, 9 fatc de nenhuma lingua ser mais primitiva que qualquer outra ou mais proxima dos sistemas de comunicacao ‘sa pontos que tecebem especial relevo nas trabalhos tecentes de Chomsky. Quais, entiio, os tacos prdprios das Iinguas humanas, aqueles que as distinguem dos sistemas de comunicacto uti- lizados por outras espécies? Dessa questo nos ocuparemos com maior profundidade em porcao posterior deste livro, 23 mas duas qualidades particularmente notdveis da linguagem humana podem ser aqui referidas, A primeira delas é a dualidade de estrutura. Toda Mingua até agora estudada (e podemos confiantemente presumir qne a afirmagio serd ver- dadeira para qualquer lingua que ainda venha a ser estu- dada) apresenta dois nfvcis de estrutura gramatical. Hé, antes de tudo, 0 que poderfamos denominar nivel primério, ou sintdtico de andlise, no qual as sentengas sfo representadas: como combinagées de unidades significativas a que chamare- mos palavres (nao considerando 0 fato de que existem [in- guas em que as unidades sintiticas minimas niio sao palavras no sentide comum da temo). Hé, também, um nivel secun- dério, ou fonoldgico em que as sentengas podem sor repre- sentadas como combinagdes de unidades que, por si mesmas, nfo tém significacko, servindo para identificar as unidades “primétias”. As unidades “secundarias” da lingua sio os sons, ou fonemus (para empregar termo téenico}. Se tomar- mos como exemplo a sentenca Ela foi a Londres (e, apenas para efeito desta exposiciéo, admitirmos a presuncia simpli- fieadora de que cada letra representa um e somente um fonema), poderemos dizer que a sentenca se compte de quatro palavres e que a primeira dessas tmidades “primarias” se earacteriza pela cambinagio das unidades “secundirias” e, t, a (nessa ordem}, que a segunda das unidades “primé- yias” se caracteriza pela combinagio f, 0, i e assim por diante. Importa notar que nao hd nada de pasticularmente novo no principio de dualidade de estrutura, tal como o descrevi. Foi cle reconhecido pela gramatica tradicional. Um traso, porém. deve ser acentuado, Embora en haja dito que as unidades “primarias”, diversamente das “secund4rias”, trans- mitem significado {e isso, pelo menos de modo geral, & verdadeiro), 0 fato de as palavras terem significado nao é a sua caracteristica identifieadora. Como veremos, € poss‘vel analisar a linguagem. no n{vel sintético, sem alusio A cirouns- ¥ineia de as unidades terem ou néo significado nesse nivel; e ha, no mfnimo, algumas palavras que ndo tém signifieads (ex. para em quero ir para casa). Devemos ser cautelosos, portanto, nao descrevendo a dualidade de estratura a que nos estamos referindo em termos de associacio de som e significado. a Admitide que toda lingua apresenta a propriedade de dualidade de estrutura, cabe esperar que a descricfo, ou gramdtica de todas as linguas compreenda trés partes inter- -telacionadas. A parte explicativa das regularidades que governam a combinagio de palavras é a sintaze. Gracas a regras sintéticas, dizemos, por exemplo, que O povo foi 2 praca, em oposi¢io a *O povo a foi praca é uma sentenca gramatical. (© asterisco anteposto a O povo a foi praca in- diea nfo ser gramatical essa seqiiéncia de palavras. Empre- garemos sempre essa notacio convencional padronizada), A parte da gramitica ocupada como significado das palavras e sentencas é a seméntica. E a parte da gramitica relativa aos sons @ suas admissiveis combinacées (por exemplo, 20 fato de que foi, mas nao *fof 6 uma possivel palavra portu- guesa) é a fonologia. Convird, talvez, advertir o leitor, a esta altura, de que ha certa confusio e incceréneia terminoldgica no campo da lingiifstiea, No pardgrafo anterior, introduzi o termo “gra- mética” para referir o conjunto da descrigdo sistematica da Ifngna, abrangendo fonologia, semfntica e sintaxe. Tal é 0 sentido em que Chomsky usa a palavra “gramatica” em sous trabalhos mais recentes; e acolho esse emprego ao longo deste livro, excetuadas as porcdes em que chamo a atengio do leitor para a circunstdncia de estar empregande o vo- cdbulo em sentido algo mais restrito. Muitos lingilistas deno- minam “gramdtica” o que estamos chamando “sintaxe” @ dio interpretaciio correspondentemente restrita a “sintaxe” (con- trapondo-a a “morfologia”). Ha certos pontos essenciais que se traduzem na escolha da terminologia. Nao teremos, entre- tanto, necessidade de abordélos nesta breve e necessaria+ mente superficial apresentagao dos objetivos e posigées da lingitistica moderna. No presente livro, estaremos especial- mente preocupades com a sintaxe, pois este foi o setor em que Chomsky trouxe, para a aspecto mais técnico da lin. giifstica, sua contribuigio relevante. ‘A segunda propriedade da linguagem humana que men- cionaremos é a da eriatividede (ou “abertura”). Entende-se, por criatividade, a capacidade que as pessoas tém de cons- trair e de entender, na lingua-mie, ntimero indefinido de 25. sentengas que jamais ouviram e que, talyez jamais tenham sido enunciadas. O dominio criativo da lingua-mie é, em circunstincias normais — importa assinalar — inconseiente © inrefletido. As pessoas geralmente nao se dio conta de esta- yem aplicando regras gramaticais ou prinelpios sistematicos de formagao, quando constroem sentencas novas on sen- tencas que previamente conheceram. Nao obstante, as sen- tengas que essas pessoas enunciam serio, de modo geral, aceitas e compreendidas pelos que falam a mesma lingua: ~mie, (Devemos admitir, como veremos adiante, certa mar- gem de erro — dai a’ ressalva implicita em “de modo geral”, na sentenca anterior — mas isso néo afeta o prin- eipio que estamos discutindo.) Tanto quanto sabemos, esse dominio erfativo da lingeagem 6 apandgio dos seres huma- nos: & espectfico da espécie. Sistemas de comunicagao utili- zados por outras espécies, que néo a humana, ndo so “aber- tos” de maneira semelhante. A maioria deles & “fechado”, no sentido de que sé admitem a transmissfia de um conjunto finito © relativamente reduzido de “mensagens” distinlas, cujo “significado € fixo (tal como séo antecipadamente de- terminadas as mensagens que podem ser transmitidas pelo cédigo telegréfico internacional), néo sendo possfvel ao animal introduzir variagdes ou elaborar “sentengas” novas. Nao ha davida de que certas formas de comunicagio animal {como, por exemplo, 0 cddigo de “sinalizagao” utilizado pelas abelhas para indicar a directo e distincia de uma fonte de mel} incluem a passibilidade de constrain “sentencas” novas, por meio de variagio “sistemédtica” de “sinal”. Em todos os casos, entretanto, ha correlacio simples entre as duas varidyeis — 0 “sinal” e seu “significado”, Nos termos da descoberta que K. von Frisch expressou em seu célebre trabalho acerca dessa matéria, 6 através da intensidade de seus movimentos corporais que as abelhas indicam a distén- cla entre a fonte de mel e a colmeia; e o parémetro da “Sntensidade” est sujeito a infinita (e continua) variagio. Esse tipo de variagéo continua € também encontrado na Yinguagem humana: podemos, por exemplo, variar a “inten- sidade” com que é pronunciada a palavra muito numa sen- tenga como £ muito diferente. Nio nos estamos, entretanto, referindo a essa caracterfstica, ao falarmos da criatividade 6 da Iinguagem humana. Referimo-nos & eapacidade do cla- borar novas combinacGes de unidades disoretas e nflo apenas 4 de variar continuamente um dos pariimetros do sistema de sinalizagao, de acordo com variagao correspondentemente continua do “significado” das “mensagens”. ‘Tal como opor- tunamente veremos, Chomsky entende ser a criatividade da linguagem um de seus tracos mais préprios, @ traco que d4 lugar a um problema particularmente desafiador que se pie frente a quem pretenda desenvolver uma teoria psieolégica do uso e de aquisicio da linguagem. J temos, a esta altura, introduzidos numerosos dos mais importantes principios gerais que daremos por pressupostos, ainda quando nfo os refiramos explicitamente, nos capitulos posteriores, Sord conveniente que os resumamos aqui. A lin- gilistica moderna afitma ser mais cientifica e mais geral do que a tradicional gramética. Admite que o meio “natural” de expresso da linguagem seja o som (tal como produzido pelos drgios voeais) e que as linguagens escritas derivem das faladas. A gramética de qualquer lingua inclui, pelo menos, es trés seguintes partes inter-telacionadas: sintaxe, semantica e fonologia: e deve, entre outras coisas. explicar a capacidade que as pessoas tém de construire entender nimero indlefinidamente grande de “novas” sentengas na linguasmie. O que neste capitulo se registrou (fazendo-se a devida con- eossiio as diferencas de énfase) é neutro no que diz respeito As divergéncias tedricas que atualmente separam as escolas de lingiiistica. Passaremos, agora, a estudar a escola “bloom- fioldiana” (¢ a “pés-bloomfieldiana” ou “neobloomfieldiana”) ha qual, segundo assinalamos, Chomsky fez seus primeiros estuclos de Iingiifstica. 3 OS “BLOOMFIELDIANOS” No século atual, a lingiifstion nos Estados Unidos da América viu-se forlemente influenciada pela necessidade de desorever tantas quantas possfvel dentre as centenas de linguas existentes naquele pals e ainda nfo catalogadas. Desde a publicago do Handbook of American Indian Languages, em 1911, os lingilistas norte-amerieanos, quase sem excocio, inclujam como parte de sua preparagio académica alguma pesquisa de carter inovador acerca de uma ou mais das Inguas indigenas; muitos dos tragos caracteristicos dos lin- gilistas norte-americanos, podem, pelo menos em parte, ser explicados por tal fato. Antes de tudo, a experi¢ncia de trabalho com linguas indigenas da América do Norte emprestou & baa porcdo da teoria lngiiistiea norte-americana seu cardter pritico © senso de urgéneia. Muitas dessas linguas eram faladas por niimero reduzido de pessoas e, em breve, desaparcceriam, A menos que fossem registradas e descritas antes que isso acontecesse, tornar-se-iam inacessiveis, para sempre, & inves- tigagéo. Em cirounstineias tais, nfo surpreende que os lin- gitistas norte-americanos hajam dado atengio considerével ao desenvolvimento do que sia chamados “métodos de campo” — téenicas para registro ¢ andlise de Knguas que 0 proprio lingilista nao domina e que néo haviam sido anteriormeate postos sob forma eserita. Influiram, sem diivida, outros fato- yes relevantes (em particular. determinada interpretagiio do rigor ¢ objetividade cientificos), mas o fato de que para 28 muitos dos estudiosos norte-americanos a teoria lingiifstica nio aparecia senfo como fonte de técnicas para descricéo de Imgua previamente nao catalogada, foi — pelo menos em parte — motivo para que Chomsky viesse a condenar esse procedimento marcado pela preocupacao com “os mé- todos de descoberta”. Franz Boas (1858-1942), que escreven a introdugio ao Handbook of American Indian Languages (1911), ¢ ali tragon as linhas gerais do método que ele proprio havia elaborado para descricao sistemdtica dessas linguas, chegara & conclu- so de que a gama de variagées que se pode encontrar nas Tmguas humanas era muito maior do que eaberia supor com base em generalizacies a partir das deserigdes gramaticais de linguas européias mais comuns. Constatou que deseri- qées anteriores das Iingnas indigenas ¢ “exéticas” do sub- continente norte-amerieano mostravam-se distorcidas pelo fato de os lingiiistas deixarem de ter em conta a diversidade po- tencial da lingua e pela tentativa, feita por esses mesmos Tingiiistes, de impor categorias gramaticais tradicionais & descricéo de Iinguas para que elas eram inteiramente inade- quadas; assinalon, ainda, que nenhuma dessas categorias ta- dicionais cstava necessariamente presente em todas as Iin- gnas. Para referir dois exemplos dados por Boas: a distingdo entre singular e plural nfo é obrigatério em kwakiull, de modo que “hd uma casa ali” ¢ “ha algnmas casas ali” nio sao objeto de distinefio necessdria; e niio se faz diferenca entre os tempos presente passado em escuimé (“o homem vem” versus “o homem vinha”}. Boas deu também exemplo da situagio contréria, isto é, de distingées gramaticais obrigatérias em cerlas linguas indigenas norte-americanas que néo encon- tram lugar na teoria gramatical tradicional: “algumas das linguas siouan classificain os substantivos por meio de artigos e fazem distingSes estritas entre objetos animados que se movem ou se encontram em tepouso, objetos animados lon- g0s, abjetos inanimados altos © coletivos”. Exomplos desse tipo foram utilizados por Boas para dar apoio & consepeao segundo a qual toda lingua tem sua estutura gramatical peculiar, constituindo tarefa do lingiiista descobrir, para cada lingua, as categorias de deserigio que lhes sejam apro- priadas. Essa concepeio pode ser denominada “estrutu- 9 ralista” (em um dos muitos sentidos que assume um termo em moda). Importa acentuar que a abordagem “estruturalista” néio se confina aos trabalhos de Boas ¢ de seus sucessores norte~ -amerieanos. Enfoque semelhante 34 havia sido adotado por ‘Wilhelm von Humboldt (1767-1885) e por alguns contem- porineos europeus de Boas que, como ele, se especializavam no estudo de linguagens “exsticas”. O “estruturalismo” foi, em verdade, uma espécie de ponto nodal de varias escolas de lingitfstiea do século XX. Parece que hd acordo uninime quanto ao fato de que os maiores e mais influentes nomes da lingiilstica norte-ame- ticana, depois de Boas, na fase que vai da fundacio da Linguistie Society of America, em 1924, até os prinefpios do segundo conflito mundial, sfio os de Edward Sapir (1884- -19390) e Leonard Bloomfield (1887-1949), Os dois autores sio de temperamentos diferentes e divergem, ainda, quanto a dreas de interesse, persuasio filosdfica e natureza da in- fluéneia que exerceram. Sapir especializou-se em filologia gommanicay sem embargo, sofreu a inlluencia de Boas, jé na fase de estudante, voltando-se para_o exame das linguas dos {ndios norte-americanos. Como Boas — e como varios outros estudiosos norte-amerieanos que o sucederam, mesmo nos dias atuais — Sapir era, além de lingitista, antropologista, escrevendo numerosos trabalhos numa ¢ noutra dessas areas. Acresce que os interesses © a competéncia profissional de Sapir abrangiam mais do que a antropologia © a lingiifstica, estendendo-se para a literatura, a miisica ea arte. Sapir ‘escreveu um grande miimero de artigos e resenhas (tratando de varias linguas diferentes), mas apenas um livro. Trata-se do um livro relativamente pequeno, intitnlado Language, divulgado em 1921 e visando o leitor comum. A obra difere fundamentalmente, em contetido e estilo, do Language de Bloomfield, publicado doze anos depois. Bloomfield — como veremos — fez mais do que qual- quer outro estudioso para tornar a lingiifstica uma disciplina autdnoma e cientifica (no sentido que ele proprio atrbuia ao voedbulo “cientifico”}. Com tal objetivo, nao hesitou em restringir as suas discussdes, deixando de considerar wO aspectos da linguagem que, aereditava ele, nfo podiam, ainda, ser tratados com precisio @ rigor suficientes. Sapir, tal como sé poderia esperar, conbecendo seus outros inteses- ses, adota visio mais “hnmanfstica” da linguagem. Acentua fortemente sna importancia cultural, a prioridade da raziio sobre a volicéo e a emocio (sublinhando o que denomina “cardter_prevalecentemente cognitive” da linguagem) e 0 fato de a linguagem ser “puramente humana” ¢ “nao ins- tintiva”. O livzo de Sapir, Language, embora muito mais breve, & mais geral e de mais facil leitura (pelo menos a um nivel superficial) que o de Bloomfield. Est4 recheado de enalogias brilhantes ¢ comparacées sugestivas, mas a circunstancia de Sapir recusar-se a desconsiderar qualquer dos miltiplos aspectos da linguagem empresta a varios de seus enuneiados tedricos — importa admiti-le — wma aura de fluidez que est ausente do livro de Bloomfield. A obra de Sapir contina_a merecer a alencdo dos lingilistas até os dias de hoje. Contudo, nunca existiu uma escola “sapi- riana” no sentido em que existiu e continua a existir uma escola “bloomficldiana” de lingitistica nos Estados Unidos da América, Nao surpzeende que assim seja. Nao nos esten- deremos a respeito de Sapir a nfo ser para ressaltar que muitas de suas atitudes relativamente & linguagem sao, hoje ‘em dia, sustentadas por Chomsky, conquanto as idéias de Chomsky se hajam desenvolvido ao longo da tradicio “bloom- fieldiana” da lingiifstica auténoma. No sentido em que Bloomfield entendia 0 termo “cien- tifico” (e a interpretagdio era comum em sua época), implicava ele rejeigfio deliberada de todos os dados que nao fossem diretamente observiveis ou fisicamente mensurdveis. J. B. Watson, primeiro a adotar 0 enfoque “behaviorista” no campo da psicologia, tinha a mesma concepgio acerca dos objetivos e metodologia da cincia. Segundo Watson € seus adeptos, os psicdlogos niio tinham necessidade de postular a existén- cia do esplrito ou de qualquer coisa que nao fosse observavel, quando se propunham a explicar atividades e capacidades dos seres bumanos, tradicionalmente qualificadas como “ra- cionais” ou “mentais”. Cabia deserever e explicar o compor- tamento de qualquer organismo, desde a ameba até o homem, em termnos de sespostas aos estimulos provindos de caracte- 31 risticas do ambiente. Admitia-se que o aprendizado dessas respostas por parte do organismo pudesse ser satisfatoria. mente explicado através de leis comuns da fisica e da quimica, muito & semethanga de como se pode explicar quo um ter. mostato “aprenda” a responder a variagées de temperatura. ligando ou desligando um forno®. © falar nao passava de uma dentre as numerosas formas de comportamento aberto, on dirotamente observdvel, caracteristicas dos seres hums, hos: e © pensaruento cra tio-somente fala inaudivel (“falar com a musculatura escondica”, tal como dizia Watson). De vez que a fala inaudivel podia ser tomada audivel, quando necessério, 0 pensamento era, em principio, uma forma de comportamento observ4vel, Quando Bloomfield escreveu sua monumental obra Lan- guage, explicitamente adotou o behaviorismo como estrus tura geral para a descricio lingiiistica (tinha nao menos e: plieitamente declarado adesio A psicologia “mentalista” de Wundt em sua obra anterior, An Introduction 10 the Study ef Language. publicada em’ 1914). No sogunde capitulo de Language, chegou a ponto de asseverar que embora padesse, em principio, antectpar so determinado estimule levaria alguém a falar, @ no caso alitmativo pudesse antecipar exatamente o que seria dito, na prdtica, a previsio sé seria posstvel “se conbecida a exata estrutura de seu corpo no momento” (p. 83). O significado de forma lingiifstica foi definido em termos dos “acontecimentes préticos” com que a forma “esté relacionada” (p. 27) ¢, em capitulo posterior, como “a situagéio na qual quem fala s¢ manifesta © a resposta que desperta em quem ouve” (p. 139). Como exemplo de uma situacio simples, mas presumivelmente tipica, em que a Uinguagem poderia ser usada, Bloomficld sugere a seguinte: _ (1) Tohia Marshall disse-moe ser suscetivel de discvesio ti imeizos belnviorstos hajam sosteatado ima Dosa to extcemecn. Guente essa, ‘Sugeze ele. que 0 behavictisme de. Bloomfield eta mals racic que © de muitos psicdlouos que o influenciatam clase porque Sloomfeld fn ue, conve:tido” Go mertalsa, “Fars cxane do funda hue. dese Ponto de vista, o leitor poderd consultar a resenha ‘Marshall faz da obta de Esper, Mentalism and Objectivione in Lingustics (ver a bibtie. eran). 82 Joo © Maria esto passeando; Maria vé macs numa drvore e estando com fame pede a Joéo que apanhe uma delas: Jofio sobe na drvore ¢ dé a magi a Maria; Maria a come. Tal € a maneira segundo a qual descreverfamos normalmente os acontecimentos ocorrides. Uma versio bebaviorista to- maria feicéo ligetramente diversa: 0 fato de Maria estar com fome (“ou seja, alguns de seus miisculos se estavem contraindo 6 algums fluidos sendo segregados, especialmente em seu estémago”) e 0 fato de cla ver a maga (ou seja, ondas de hz reflctidas pela magi alcancavam seus olhos) constituem o estimulo. A resposta mais direta a esse estimulo seria Maria subir na Atvore e apanhar ela prépria a maci. Em vez disso, ela d4 uma “resposta substitutiva”, sob a forma de uma particular seqiiéneia de rufdes. através de seus éraiios fonadores; e isso atra como “estimulo subs- titutivo” sobre Jodo, levando-o a agir como poderia ter agido se ele pripria tivesse sentido fome e tivesse visto a maci. Claro esti que essa anilise behaviorista da situagio deixa muito por explicar, mas nfo nos deteremos para diseutir a questio. A historieta imaginada por Bloomfield d4 ao leitor alguma idéia acerea da manera como se admitia que a Tinguagem opcrasse frente a situagGes priticas, como subs- titutivo de outros tipos de comportamento ndo simbilico; e isso basta pata o objetivo que presentemente temos em vista. A aceitagio do behaviorismo por parte de Bloomfield nia exerceu cfeito apreciével sobre a sintaxe ou a fonologia em sua obra ou na de seus seeuideres (exceto na medida em que favorecer: 0 descnvolvimento de metodologia “em- pirista”, tal como veremas no devido tempo). O° préprio Bloomficld sé fez referéncia ao ponto de vista behaviorista quando traton do significado; © 6 que disse a respeito desse tépico nio teve o cbjetivo de inspirar em seus seguidores 0 desejo de construgzo de uma teoria ampla da semfntica, Considerava Bloomfield que a andlise do significado era 0 ponto fraco “do estudo da Hnguagem” ¢ que assim conti- nuaria “até que o conkecimento humano avancasse para mutto além de seu estado atual” (p. 140). A razdo desse pessimismo residia na convieea de que um conecito preciso do signi- ficado das palavras pressupde descricdo “cientifica” com- A 3 pleta dos objetos, estados, processos, ete, a que so referem {isto & dos quais operam como “substitutos”). Com refe- réncia a um reduzido mimero de palayzas (nomes de plan- lus, animats, varies substincias naturais, etc.), jd havia cou. dicao de chegar a uma definicio razoavelmente precisa por mein de tezmos técnicos do adequado rame da ciéncia (bo- Unica, zoologia, quimica, etc.). Entretanto, para a grande maioria das palavras (Bloomfield dé como exemplo amor @ dio}, isso nfo acontecia, Sua atitude nio podia sendo desencorajar os lingiiistas com relaeao aos estudos das signi- ficados; ¢ nem ele, nem seus seguidores trouxeram qualquer contribuigéo positiva para a teoria ou a pratica da semAntica. Em verdade, por quase trinta anos apés a publicagio do seu livro, 0 estudo do significado foi inteiramente posto de parte pela escola bloomlieldiana, que freaiientemente 0 considcrava alheio A lingiifstica propriamente dita. A atitude bloomfieldiana relativamente ao significado, embora paralisadora no gue diz respeito ao progresso da semintica, ndo foi intciramente prejudicial ao descnvolvi- mento de outros ramos da tooria Hngtistica, Bloomfield jamais chegou a sugerir que Losse possivel doscrever a sintaxe ¢ a fonologia de uma lingna com total ignoréncia do significado de palavras ¢ sentencas (embora haja pouca dit da de que ele oonsideraria isso, caso possivel, muita dese- javel). Entondia que para andlise fonoldgiea e sintitica tornava-se necessirio saber “se duas formas enunciadas eram ‘as mesmas’ ou ‘diferentes’, mas que para esse propdsi- te tude quanto se fazia preciso era um entendimento imediato e superficial do significada das palavras ¢ nio uma descrigao cientifica integral, As consideracéies de ordem seméntica limitavam-se estcitamente & tarefa de iden- tificar as unidades de fonologia ¢ sintaxe e de modo algum diziam respeito 4 especificacdo de regras ou principios disci- Plinadores de suas permiss(veis combinacées. Essa parte da gramatioa devia constittir um estudo puramente formal, independente da scméntica. Os continuadores de Bloomfield levaram para mais além do que ele havia feito a tentativa de formular os prinelgios da andlise fonolégica e sintética sem alusio a significado. 34 Esse esforco sleangou ponto culminante na obra de Zellig, Harris, especialmente em seu Methods in Structural Lin- guistics, publicado, pela primeira ver, em_ 1951, embora 56 complciado alguns anos depois. A obra do Harris cons- titui ao mesmo tempo a tentativa mais ambieiosa e mais Tigorosa ji feita para chegar ao que Chomsky posteriormente intitwaria conjunto de “procedimentos de deseoberta” para a descrigzo gramatical Ora, Chomsky foi um dos lunas de Harris e, mals tarde, um Ge seus colaburadores © colegas; suas primeicas publica- ces muito sc aproximavam, em ‘espirito, as de Harris. Em 1037, quendo pablicado 0 primeito livro de Chomsky, Syntactic’ Structures, ele j& se havia afastado, como verifi- catemes, da posicie que Harris ¢ outros bloomieldianos haviam ‘adotado quanto ao problema dos “procedimentos de descoberta”. Continuou, porém, a sustentar que a fopo- logia ¢ a sintaxe de uma linguagem poderiam @ deveriam ser desetitas como sister puramente formal, sem referén- cia a consideragées semdnticas. A Iinguagem era um instru- mento para expressiio do significado: tornava-se possivel e deseitvel descrover esse instrumento, em primeira insténcia pelo menos, scm aludir ao conhecimento que se tinha do nso a que cle se destinava, A semantica era parte da deseri- cia do emprego da Inguagem; era secundaria em relacio & sintaxe, dela depondente ¢ alheia & lingliistica propriamente dita, Em anos recentes, Chomsky adotou. posicko crescente- mente ev(lica relativamente lingtiistica “bloomficldiana ¢ abandonou muttas das presungies que originalmente admi- tira, Convém sublinhar, todavia, ndo apenas que suas peimel- ras concepedes so formaram dentro da escola “bloorafiel- diana”, mas, também, gue ele dificihmente poderia ter con- seguido og progressos iGenicos que cm lingiifstiea registrou, se 0 terreno no houvesse sido preparado por estadiosos como Harris. 4 METAS DA TEORIA LINGUISTICA Antes de passarmos a considerar as contiibuiges de ordem mais técniea dadas por Chomsky & lingiifstioa, & de conveniéneia inteoduzit © explicar os motivas e as presun. gies _metodoidgicas que ostia na base de sua obra. Neste capitulo, teremos em conta prineipaluente as explicagdes gue 0 priprio Chomsky oferece em seu breve, porém mar. cante livro Syntactic Structures, publicado em 1957. Como xeremos to devide tompo, ele adota uma visio mals ampla do escopo da lingiiistica em obras posteriores. O capitulo 6 de Syntactic Structures tem por titulo “Metas da Teor Lingitistica”, que tomei de empréstimo para este capitulo, Tal como ja deisci assinalado, as concepsies gerais de Chomsky a proposito da tearia lingiiistica, nos termos em Que sio apresentadas em Syntactic Structures, confunden-se sob imuitos aspectos, com as defendidas por outros membros Ga escola bloomlicldiana e, especialmente, por Zellig Harris, Em particular, cabe referir que nfo ha vestigio, nessa perioda, do “racionalismo” tao earacteristico das obras mais recentes de Chomsky. Seu reconhecimento da influéneia recebida dos filésofos empiristas, Goodman e Quine, poderia sugerit que ele partithasse de suas conecpotes: contude. nto hd em Syntactic Structures, discusséo, em termos gorais, das implicacées Hlosdficas @ psioldgicas da gramética. Existem, contnda, um ou dois pontos que distingnem niti- duunente das obras de Harris e de outros aulores bleomtiel dianos a obra inictal de Chomsky. No capitulo 2, assinalei 36 que Chomsky empresta grande realee & eriatividade (on “abertura”) da linguagem humana, sustentando que a teoria da gramatica deve reflotir a capacidade que tém todos quan- tos falam fluentemente uma lingua de produzir e compre- ender senlengas que jamais ouvitam anteriormente. Como Chomsky veio a reconhecer mais tarde, estudiasas anteriores, entre os quais Wilhelm von Humboldt e Ferdinand de Saussure (1857-1938), também haviam insistide sobre a im- portincia desse traco quo é a criatividade. Em verdade, esse traco havia sido dada como pressuposto 0 ocasionalmente transformado em objeto de mencdo explicita desde o inicio da teoria lingiifstica ocidental, no mundo antigo, Contudo, havia sido esquecido, senfin negado, nas formnlagdes bloom: fieldianas a propésito dos objetivos da teoria lingiiistica. A razie desse procedimento parece ter sido a de que os Dloomfieldianos, assim como diversas outras escolas lingiiis- ticas do século XX. Unham eonseiéneia snuito clara da neces- sidade de distinguir, de modo preciso, entre gramatica des- critiva € prescritica (ou normativa): entre a descric¢io das regras quo sio cfetivamente cbservadas quando se fala a Ungua-mie e a presericio de regras que, na opiuiio dos gramiticos, deveriam set seguidas para falar-se “correta- mente” HA muilos cxemplos de regras prescritivas estabele- cidas por graméticos e que néo encontram base no uso normal da lingua. (Em portwgnés. por exemplo, existe a rogra segundo a qual o “correto” & “Assistir ao filme”, em- Bora o mais usual soja, na linguagem corrente, “Assistir o filme”.) 140 preocupados estavam os bloomfieldianos (e varias outras “escolas”) com assentar a lingiifstiea em termos de ciéncia deseritiva que transformaram em questo de prin- cipio 0 nao adiantar quaisquer juizos a propésito de grama- ticalidade ou “corregiio” de sentencas, a menos que tais senlengas passassem pelo ctivo do uso no Hnguajar comum, e houvessem merecido inelusio no corpo daquele material que forma a base da descricdo gramatical. Chomsky insistin em que a grande maioria das sentencas em qualquer corpo representative de promunciamentos regi trados seria de sentencas “novas”, no sentido de que ocor- roriam uma vez ¢ tio-somente uma vez; e insistiu em que isso permaneceria verdadeiro por mais que se prosseguisse a7 no trabalho de registrar pronunciamentos feitos pelos que falam uma lingua-mae, A I{ngua inglesa, como todas as linguas nalurais, consiste de um némero de sentencas inde- idamente grande, do qual somente reduzida fragao ja foi ou viré a ser enuneiada. A descrigio gramatical do inglés pode basoar-se num corpo de emanciagSes efelivamente cans- tatadas, mas desereverd tais sentencas e as classifiearé. como “gramaticais” de modo apenas incidental, por assim dizer, “projetando-as” contra 0 conjunto indefinidamente amplo de sentengas que constituem a linguagem. Recortendo A terminologia de Chomsky, diremos que a gramitica gera {e conseqiientemente defize como “gramalieais”) todas as sentencas da Lingua, n&o distinguindo entre aquelas que j4 foram © as que nio foram emitidas. A distingao que Chomsky traca em Syntactic Structures entre as sentencas geradas pela gramiticn (a lingua) e a amostra dos enuneiados produzidas, em condiges normais de uso, pelos que falam uma lingua-mie (0 corpus), ele volta a tracar em eseritos posteriores, tradurindo-a ‘por ‘meio das nogies de competéncia e desempenha, Essa alteracio ter- minoldgica 6 sintomtica da evolugdo do persamento de Chomsky. que passa do empirisma para o racionalismo, como jd foi mencionado @ se ver mais pormenorizadamenie adianto, Em. suas iltimas obras, embora nio em Syntactic Structures, Chomsky sublinha o fato de que muitas das construcées produzidas pelos que falam uma lingua-mie (amostras de seu “desempenho”) sero, por motivos diversos, ndo gramatiesis. Fssas tazes tém a ver com fatores lin. gilisticamente irrelevantes como lapsos da meméria ou da atengio ¢ disfuncées dos inecanismos psicolégicos respons4- veis pela fala, Admitide que assim seja, seguc-se que 0 lingiiista no pode tomar o corpus dos promunciamentos efetivos em termos de superficialidade, como parte da Ifn- gua a ser gerada pela gramética. Deve ele, até certo posto, idealizar os “dados brutes” ¢ eliminar do corpus todas as elocucdes que os que empregam a lingua-mde reconhece- riam, por force de sua “competéncia” como nio-gramaticais, A primeira vista, pode parecer que Chomsky se tore, aqui. réx da culpa de confundir deseticdn com presericio. 0 que era comum na gramatiea tradicional. Assim, porém, nio Rr) ocorre. A concepgio de que todas as elocucdes de quem fala a Kngua-mae sio igualmente corretas € provadas tais, pelo tinico falo de terem side cnunciadas, embora haja sido sustentada, com freqiiéneia, por lingiiistas que se inelinam pelo cmpirismo, é, em_ iiltima inst€ncia, inadmissivel. E Chomsky tem indiscutivelmente raziio quando reclama para a Iingiiistica 0 mesmo direito de desconsiderar “dados brutos” reconhecide para outras ciéneias. 14, naturalmente, tanto na tcoria, como na pritica, problemas sérios para decidir o que se constitui em fator estranko ou lingiiisticamente irrelevante; e pode muito bem ocorrerque, na prétioa, a “idealizacZo” de dados, advogada por Chomsky, tenda a introduzir algumas das vonsiderngdes normativas que comprometeram grande porcio da gramética tradicional, Isso, eontudo, no afeta o prinefpio geral. ‘Adicional ¢ correlata diferenga que se pode estabelecer entre a concepcio inicial ¢ a concepedo posterior de Choms- ky a propésita das “metas da lingiifstica” diz respeito ao papel que ele airibui ds intuiesies, ow fuizos dos que falam a lingua-mie. Em Syntactic Structures, ele assevera que as senlencas geradas pela gramitica devem ser “aceitéveis para quem fala a lingna-née” (p. 49-50); ¢ considera ponto favo- ravel ao tipo de gramética por cle desenvolyide a cireunstan- cia de também explicar as “intuiefes” de quem fala a Kingua- -mée no que diz respeito 4 maneira como certas sentencas sio dadas por equivalentes ou por ambiguas. Contudo, as intuigges de quem fala a lingua-mie sao apresentadas como prova indcpendente e a explicacio que delas se da é vista como secundaria em relacio & tarefa principal de gerar as senteacas da lingua. Em sna obra posterior, Chomsky inchii as iutuigGes de quem fala a lingua-mie como parle dos dados a serem levados em conta pelo gramético. Além disso, ele, hoje, aparentemente, dé mais crédito & validade e confiabili- dade dessas intwicdes do que dava anteriormente, quando muito se preceupava com a necessidade de submetélas a ensaio por meio de satisfatérias téenicas “operactenais”. Como vimos no capitulo anterior. a Tingiifstica norte- -americana do perfodo “bloomfieldiano” tendia a ser de orien- tagde muito “procedimental”, Questées de teoria eram re- 3o formuladas para se apresentarem como questdes de método (“Como se deve exercer a tatefa pritica de analisar a lin- guagem?”); © comumente se admitia que fosse possivel che- gar a um conjumto de processos que. aplieado ao corpus de material de uma lingua desconhecida (ou de uma Mngua tratada como desconhecida do lingiiista) permitiria correta andlise gramatical da lingua de que 0 corpus fosse amostra representativa. Um dos pontos principais sustentados por Chomsky em Syntactic Structures é 0 de que essa é uma presuncio desnecessiria ©, em verdade, prejudicial: “uma teoria lingiifstica néo deve ser confundida com um manual de procedimentos iiteis, nem se deve esporar que ela ascegure métodos mecinicos para a descoberta de graméticas” (p. 58, nota 6). Os meios pelos quais, na pratica, o lingitista chega a uma e no a outra andlise poderiam incluir “intuicao, ima- ginagio, exame de todos os tipos de indicios metodoldgicos, apoio na experiéncia anterior, ete.” (p. 86), Importante é o resultado; e esto pode ser ‘apresentado o justificado sem alusio aos processos seguidos para aleangé-lo. Néo significa isso que seja imitil tentar desenvolver técnicas heuristicas para deserigdo das linguas, mas simplesmente — para dizé-lo de modo cru — que a prova do pudim esté no comé-lo. Assim como a prova de um teorema pode ser verificada sem que se leve em conta a maneira como a pessoa que elaborou a prova tenha chegado a determinar as proposigdes inter- medidrias relevantes, assim também deve ocotrer no que respeita A andlise gramatical. Como diz Chomsky, esse ponto scria admitido de imediate no campo das ciénetas fisicas @ nfo hi porque a lingiiistica deva colocar ambicées mais altas; e especialmente importa considerar qua nenhum lingiiista aproximou-se, até agora, da formulagaio de quais- quer “procedimentos de descoberta” que merecessem a quali- ficagie de satislatdrios. A tworia lingitistiea deve, portanto, preocupar-se com a fustificagdo das gramiticas. Chomsky vai adiante, para consi- Gerar a possibilidade de formular critérios para decidir se uma particular gramatica é a melhor possfvel. face aos dades. Conelui ele que mesmo esse objetivo — formulacdo de um procedimento de desiséo — & demasiado ambicioso, Pode-se esperar, quando muito, que a teoria lingiifstica proporcione 40 critérios (procedimento de avaliacdo) pata escolher entre gtaméticas alternativas, Em outras palavras, néo podemos esperar a possibilidade de dizer que certa descricio dos dados é correla em sentido absoluto, mas tHo-somente que & mais correta do que uma descrigéo altemativa dos mesmos dados. A distineio tragada por Chomsky entre procedimentos de decisio e procedimentos de avaliagio deu margem a muitos mal-entendidos e a controvérsias desnecesstrias. Afinel de contas, nenhum fisico diria que a Teoria da Relatividade de Einstein, por exemplo, d4 a melhor explicagdo possivel dos dados que abaiea, mas apenas que é melbor que a teoria alternativa. baseada na fisica newtoniana. Uma vez ainda, por que deveriam os lingiiistas pretender mais do que preten- dem as outras ciéncias? Afirma-se, por vezes, que a formula- 40 das metas da teoria lingiiistica, proposta por Chomsky, choca-se com a fato de que, para muitas nguas, néo dis: pomos nem mesmo de uma gramética parcial e, para lingua algnma, contamos com uma gramdtica que possa dizer-se proxima de completa. Isso é fato inegdvel. Contudo, dai nao decorre a conclusfo de qne seja prematuro, em tais cixcuns- tancias, falar de comparactio entre graméticas. A elaboracto de um conjunto de regras gramaticals pie, para o lingitista, a nevessidade de tomar decisGes que 0 levam a manipular os dados desta © no daquela maneira. Ainda que as regras 36 ceserevam reduzida poreto dos daclos, deve haver, de maneiza explicila ou implicita, comparacéo de altemativas. Cabe a teoria lingitistica, afirma Chomsky, tornar explicitas as altcrnativas ¢ formular prineipios gerais para decidir entre elas. Mais uma questo deve ser lovantada. Embora Chomsky esteja, em certo sentido. sugerindo que a teoria lingiiistica, renunciando & busca “bloomfieldiana” de “procedimentos de descoberta”, propanha, para si mesma, objetivos mais modestos que os anteriores, ha também um sentido em que suas proposicées tedricas sic incomparavelmente mais ambi- ciosas que as de seus predecessores. Algums anos antes da publicaciia de Syntactic Structures, em artige pouco divul- gado © iutitulado “Systems of Syntactic Analysis”, Chomsky havia tentado formular, com precisio matemdtica, alguns 4l dos procedimentos de andlise gramatical esbocados no Me- thads in Structural Linguistics de Harris. Convencen-se ele, em razio dessa experiéncia e do exame de outras “cuida- doses propostas pata desenvolvimento da teoria lingiiistica”, do que os esforgos em questo, embora aparentemente volta- dos para a especificacio de “procedimentos de descaberta”, conduziam, de fato, “ndo mais do que a procedimentos de avaliacdo das graméticas” (Syntactic Structures, p. 52). A contribuicio mais original e provavelmente a mais sélida, emprestada por Chomsky a lingiifstica reside no rigor e pre- cisio matemiticas pastos na formalizaco das propriedades de sistemas altemativos de descricao gramatical. Considera- gio mais ampla desse topico deverd esperar pelos capitulos seguintes, Aqui, mencionaremos apenas um ou dois pontos gerais. Nas primeivas paginas de Syntactic Structures, Chomsky fala da gramética em termos de “instrumento para produzir as sentencas da lingua sob andlise”. O uso que Chomsky fez. das palavras “instrumento” e “produgio”, nesse contexto, desorientou muitos leitores, levando-os a pensarem que cle concebe a gramética de uma lingua como um modelo me- cAnico on eletrénico — maquina — que reproduz 0 compor- tamento de quem fala uma lingua, emitindo sentencas. Im- porta acentuar que ele empregou esses termos porque o particular ramo da matematica sobre o qual se estava apoian- do para formalizacéo da gramdtica tam!ém empreza palavras tais como “instrumento” @ até “miquina” de maneiza per- feitamente abstrata. sem referéncia bs propriedades fisicas de quaisquer modelos teais que possam tomar efetivo o abstrato “instrumento”. Esse ponto se tomnard mais claro no préximo capitulo. £ lamentivel, entretanlo, que Chomsky tenha recor- rido & palavra “produzit”, na passagem citada. ‘Tal palayta sugere, quase indiscutivelmente, que a estrutura gramatical da lingua est4 senda deserita do ponto de vista de quem fala ¢ néio de quem ouve; que o gramdtico descreve a pro- dugio e nic a recepefio da fala. H4, coma voremos, um sentido em que uma gramatica do tipo a que Chomsky aludia “produz” sentengas per via da aplicagio de uma seqiiéneia a2 de regras. Chomsky, entretanto, nos previne, continuamente, contra o perigo de confundir a “produgio” de sentengas den- tro de determinado quadro gramatical com a producdo de sentongss por quom fala uma lingua, A gramitica propde-se a ser neutra entre produgao @ recepedo, a ambas explicando até certo ponlo, mas nde mais inclinada por uma de que por outra. Em geral, Chomsky nao fala da gramética a “pro- duzir” sentengas. O temo que costumeiramente emprega & “gecar"'; e esse foi o terme qué antesiosmente empregamos neste capitulo, Mas, nesse contexto, que significa exatamente a palavra “gerat"? J& vimos gue a gramética geratica é aquela que “pro- feta qualquer dado conjunto de sentengas contra o conjunto amplo, e possivelmente infinito de sentencas que eons- a Wngua sob deserieko, ¢ que tal propriedade da gramé- tica & a que tellete 0 aspoeto criador da linguagem humana. Contnde “geralizo” tem, para Chomsky, um segundo sentido, de importancia igual, se nao maior. Este segun- do sentido, em que “gerative” pode ser entendide como “explcito”, exige sejzm especificadas precisamente as regras da gramstica ¢ as condigses sob as quais operam. Talvez possainos melhor flustrar 0 que, no sentido mencionado, sig- nifica “gerativ”, recorrendo a uma analogia matemética simples (e © uso que Chomsky faz do termo “gerar” deriva, de feto do context matemiticn). Tonhamos em conta a seguiute expressie algébrica: 2x-+3y—z. Dado que as variéveis x, y © 2 podem tec, como velor, qualquer dos inteizes, a expresso gerard (nos tormos das opera is) infinito conjunto de valores conse- . Ha 2 e 2=5, 0 resultado seré 7; com x-ly 21, © resultado sera 10; e assim por diante, Podemos dizer. portanto, que 7, — 10, ete. situam-se no conjunto de valores gerados pela fungio em pauta. Se alguém aplicar as regras da aritmetica ¢ obtiver resultado diferente, diremos que incidix em erro, Nao dizemos que as rogras sio indeterminadas e permitem diivida quanto 4 ma- neira como devam ser aplicadas. A coneepeio de Chomsky a respeito das regras de grarndlica é similar. Devem elas ser tHo precisamente especificadas — formalizadas 6 0 termo téc- nico — quanto as tegras da aritmética. Se avangarmos 43 até 0 ponto de identificat as rogras da gramética A compe téncia Tingtfstica de quem fala uma lingus-mée, tal como faz Chomsky em sua obra mais recente, podcremos explicar a ocorréncia de sentencas nda-gramatieais ¢ a ocasional inca~ pacidade de os ouvintes analisarem sentengas perfeitamente gramaticais — muita & semelhanea de como podemos expli- car as diferengas acorridas no cdloulo de uma fungio ma- temtica. Dizemos que ta's diferencas se devem a erros de desempenho — erros cometidos na aplicacie das regras. Segundo Chomsky, a gramétiea de uma Ingua deve gerar “todas e somente” as sentengas da Imngua. Se o leitor se perturbar com 0 acréscimo de “e somente” (que é exem- plo relativamente trivial do tipo do precisia estimulado pela formatizacao). bastar-lhe-& dar-se conta de que, constraindo a gramatiea de maneira que ela gee todas as combinacées de palavras inglesas, por exemplo (e tratar-se-ia de uma gramitica muito simples), poder-se-ia estar segura de gerar tadas as sentencas da Mngue. Contudo. a maior parte das combinacies no corresponderia a sentencas. O acréseimo de “e somente” é, portanto, ressalva importante. A geracio de todas e somente as sentencas do inglés ou de qualquer outra lingua poderia parecer exageradamente ambiciosa. Convém lembrar. entretanto, que isso traduz. um ideal que, ainda que fosse de realizacio impassivel, é meta no sentido da qual o gramético de qualquer Iingua deve continuamente eaminhar; e uma gramética pode ser conside- tada melhor do que outra se, havendo igualdade de todos os demais aspcctas, ela se coloca mais préxima desse ideal, Deve ser também acentuado. embora’ isso passa parecer algo paredoxal, que a adocio do idcal de Chomsky, no sen- tido de gerar todos e somente as sentencas da lingua, nic envolve a coneepefo de que seja invariavelmente nitida a distingo entre seqiiéncias (de palavras} gramaticais e nfo gtamaticais © que, portanto, seja sempre possivel decidir se dada seqiiéncia deve ou nao ser gerada pela gramitica, Chomsky assinala cm Syntactic Siructures que lugar-comum da filosofia da eidncia a afirmagsio de que, sendo uma teoria formulada de manecira tal que abrange os casos claros, pode essa mesma teoria ser usada para tomar posiczo diante de 44 casos duvidosos. Advoga o mesmo enfoque para a lingiifstica; para Chomsky, a gramética gerativa é uma tooria cientifica. Para dar um exemplo simples (que nao é de Chomsky): mutitas pessoas que falam inglés rejeitariam a sentenca The house will have been being built, enquanto outras a acei- tariam como normal. De vez que os juizos dos que tém o portugaés como lingua-mae néio parecem variar sistematiea- mente de acordo com alieragées regionais, admitamos que, para 0 poriugnés como um todo, o status de sentencas como a relcrida 6 indeterminado (em contraste com sentencas inteiramente aceitaveis, como The house will have been built, The house is being built, They twill heve been building the house, ete..¢ inteitamente inaceitéveis como *The house can nvill be built, ete.). Como ndo sabemos de antemio se The house will have been being built 6 ou unio é uma sentenca gramatical, podemos formular as regras da gramitica ce modo a inclrirem todas as seqiiéneias decididamente acei- taveis ¢ a excluirem todas as seqiiénclas decididamente ina- ceitaveis, veriticando, a seguir, se tais regras exeluem ov incluem sentencas como The house nolll have heen being built. {Sentencas desse tipo so, de fate, geradas, e, por isso mesmo, definidas como gramaticais, pelas regras dadas ao inglés em Syntactic Structures.) Neste capitulo, limitamo-nos, em grande parte, a exami- nat as primeltas concepgies de Chomsky acerea dos obje- tivos da metodologia da lingiiistica; assinalemos que, posta de parte a énfase que ele colaca na importéucla da criativi- dade ¢ a rejeicao que fez dos procedimentos de descaberta, © nosso Autor ao oscrover Syntactic Structures, permanece acentuadamente “bloomficldiano”. Deixamos dito que a por- cio mais notdvel e mais original dos primeiros trabalhos de Chomsky consiste em sua formalizacio dos varios sistormas de gramdtica gevativa; os préximos trés capitulos serio devotados a uma explicacto desse topico. Passaromos, depois. ao exame de suas contribuigées mais reeentes para a psico- logia e a filosofia da linguagem, 5 GRAMATICA GERATIVA: UM MODELO SIMPLES © exame da parte mais técnica da obra de Chomsky seri relativamente informal, no pressponda qualquer pre- paro especial em matematica nem aptidao para ela. Serd, contudo, introduzido nm niuncro suficiente de termos e con- ccites para proporcionar 2e leiter alguma idéia dos contornos da gramitiea govativa, tornando-lhe possfvel a apreciagto de seu significado, Cabe asstnalar que 6 também informal o tratamento Verbo + NP (iv) T30 (v) T+thomem, bola, ...} (vi) Verbo ~»{chuton, apanhou, .. Esse conjunto de regras (que sé geraria reduzida fragiio das sentengas do portugués (inglés)) € uma gramitica de estrutura de frase simples. Cada uma das repras tem a forma XY, onde X é um elemento singular e Y uma sucessio formada por um ou mais elementos. A sota deve ser interpretada como uma indicagio para substituir 0 elemento que ocorre & sua esquerda pela sucessiio de elementos que ocorre & sua dircita (“reescrever X como Y”). As regeas (v) e (vi) utilizam chaves para Telacionar um conjunto de elementos qualquer dos quais, mas apenas um dos quais, pode sex cscolhide {em cada caso, dois elementos do conjunto foram indicados: as reticéneias podem ser interpretadas como “elc.”. As refras devem ser aplieadas da maneira seguinte. Iniciamos com o elemento sentenca ¢ aplicamos a regra (i): isso permite © surgimento da sucesso 87 iéncia de simbolos ~— “sucesso” € termo téc- nico) NP+VP. Examinamos tal sucessio, verificando se qualquer dos elementos que nela ocorre pode ser reescrito aplicando-se as regras (i) — (vi). Verifica-se que tanto (i!) como (iii) podem ser empregadas a esta altura 6 ado importa qual venha a ser selecionada. Aplicando (iii), obtemos a seessia NP + vorbo + NP, Temos agora condicao para apli- car (it) duas vezes, soguida por (iv} © (v) duas vezes e (vi) uma vez fem qualquer ordem, exceto pelo fato de que (ii) deve preceder (iv) e (v), assim como (ill) deve preceder (vi) e uma das aplicagbes de (ii). A sucessio terminal gerada pelas regras (admitindo que homem, chutou e bola sejam escolhidas nas alturas apropriadas é 0 -}- homem + chu- tou -+ a-| bola; e tomam-se necessérias nove fases para gorar essa sucessio de palavras. O conjunto das nove sucessées, inclusive a sucesséo inicial, a terminal ¢ as sete intermedifrias, constitui uma derioacdo da sentenca. O homem chutow a bola em termos dessa particular gramétioa de ostrutura de frase. (0 ieitor poderd desejar verificar sua compreensio das regras elaborando, ele prdprio, wm exemple de derivaciio.) Como, entretanto, atribui esse sistema is sentengas a apro- priada estratura de frase? A resposta a essa indagagao é pro- percionada por wna convengio associada & operacio de “rees- crever". Sempre que aplicamos uma regra, colacamos, por assim dizer, parénteses envolvendo a sucessio de elementos introduzida’ pela regra ¢ rotulamos a sucesso contida pelos Parénteses como caso do elemento que foi reescrito por forca da reara. Por exemplo, a sucessio NP + VP, derivada por aplicacdo da regra (i), é colocada entre parénteses e chamada Sentenca (NP + VP}. O paréntesis rotulade, que se associa a NP -+ Verbo + NF & Sentenga (NP + VP (verbo + NP); e assim por diante. Meio alternative e equivalente de repre- sontar o paréntesis rotulado atribuido A sucessio de cle- mentos gerados por uma gramética de estrutura de frase & um diagtama em forma de drvore, tal como ilustrado na fi- gura 2, para a sentenca que nos serve de modelo. Sentenca T N | | | ZN ° homem chutow T N fs Freura 2. Por serem os diagramas em forma de Arvore visualmente mais claros do que as seqiiéncias de simbolos e parénteses, so tais diagramas usados comumente em trabalhos de lin- gilstioa, e deles nos valeremos nas paginas soguintes (a no ser que se ale de exemplos muito simples). © paréntesis rotulade associado a uma sucesso termi- nal gerada por uma estrutura ce frase 6 denominado mar- cador de frase. f dbvio que o mareador de frase presente na figura 2 transmite diretamente a seguinte informacdo: a sucosstio de elementos tenminais o | homem | chutow + a-- hola é uma sentenca que se vomipte de dois constituintes, NP (0 homem} e VP (chutow a bola); 0 NP que ocorre & esquerda de VP compie-se de dois constituintes, T (0) ¢ N (homem); VP compée-se de dois constituintes, Verbo (chutow) e NP (a bola); e 0 NP que ocorte & direita do verbo compte-se de dois constituintes, T (a} e N (bola) Representa, dessa maneira, aquilo que, segundo anteriormente dissemos, poderia ser considerado relevante numa anélise de constituintes imediatos da sentenca, excctuada a circunsléncia de que 0 homem € © sujeito, chutou a bola é o predicado, ea bola é 0 objeto. Contudo, essas nogées e, particularmente a distingfio entre 0 sujeito 6 0 abjote. podem também ser definidas, tal como sugere Chomsky nas Syntactic Structures (p. 80) ¢ torna explicito posteriormente (de maneira espe- cial nos Aspects of the Theory of Suntax, p. 1}, em termos de marcador de frase associado. O sujeito é aquele NP 59 diretamente dominado por Sentenga e o objeto & aquele NP diretamente daminado por VP. O que se pretende dizer com “dominagio” deve fazer-se claro, ausento uma definicao for- mal, a partir dos diagramas em Arvore. Teremos necessidade de recorrer a essa nocdo no exame da gramética transforma- tiva, no capitulo seguinte. HA muttos camivhos diferentes ao longo dos quais a gra- mitica de estrutura do frase, da qual partimos, poderia ser estendido e tornada capaz de gerar mais e mais sentencas do portugués (inglés). O ponto est em saber se uma gramitica desse tipo geral & em prinelpio, adequada para desericio de todas as sentencas que desejariamos considerar bem formadas, ou gramaticals. Chomsky nfo foi capaz de provar que haja’sentengas do inglés que nfo possam ser geradas por uma gramética de estratura de frase (ombora jé tenha sido demonstrado gue existem, se nfio em inglés, polo menos em outras linguas. certas construgées que. em tal sentido, se colocam para além do escopo da gramitica de estrutura de frase). © que Chomsky sustentou, em Syntactic Structures ¢ em trabalhos outros, foi existirem sentencas em inglés quo 36 “canhestramente” poderiam ser colocadas no sistema de referencia proporcionado pela gramética de estrutura de frase — ou seja, isso sd se poderia fazer de mancira que é “oxiremamente complexa, ad hoc ¢ ‘no esclarecedora’ ”. Ponto importante a assinalar é a de que. nesta passagem, Chomsky abre a possibilidade de existirem boas raziies para considerar uma gramética preferivel a outra, embora as duas sejam cquivalentes, no sentido de cada qual delas gerar 9 mesmo conjunto de sentengas. (A isso nos zeferiremos cha- mando-lhe equivaléncia froca). Em Syntactic Structures Chomsky sustenta que uma das prineipais razées para pre- ferir uma gramética transformativa a uma gramiética de estrutura de frase esté em que a primeira é, sob certo as- pecto, mais simples que a tltima. Revelon-se, contuda, muito dificil, tomar formalmente preciso o sentido em que & empregado, neste contexto, a termo “simplicidade”. Como decidir, por exemplo, que uma gramética que exige nimero de regras relativamente reduzido, algumas das quais, entre- tanto, muito complesas, para geraco de corto conjanto de 60 SOREN pei ike al senteneas 6, no todo, mais “simples ou menos “simples” do que uma seguada gramética que mantém para com ela equivaléncia fraca, requerende mimero muito maior de re- gras, nephurua das quais, entretanto, particularmente com- plexa, para gerar 0 mesmo conjunto de sentencas? N&o hi maneixa ébvia de commparar um tipo de simplicidade com © outro. Em seus trabalhos mais recentes, Chomsky dé muito menos importincia & nocio de “simplicidade” e, correspon- dentemente, maior peso ao argumento segundo o qual a gramética transformativa reflete melhor as “intuigées” de quem fala a lingua-mae e é semanticamente mais “revela- dora” do que a gramédtica de estrutura de frase. Podemos pér em relevo as deficiénoias da gramética de estrutura de frase fazendo referéncia 2 geragdo de sentencas ativas e passivas correspondentes, como, por exemplo, 0 homem chutou a bola e a bela foi chutada pela homem. J& tivemos oportunidade de ver como as sentengas ativas podem ser geradas numa gramdtiea de ostratura de frase e Jacilmente poderiam sor serescentadas algumnas regras ao sis- tema para que ele gerasse sentencas passivas. O que nio podemos tepresentar dentro das linhas gerais de uma gra- matica de estrutura de frase é, entretanto, o fato (conceda- mos que seja um fato) de que pares de sentencas como: o homem chutou a bola a bola foi chutada pelo homem (CL) Chomsky confessa-me que afo tem consciéacia de qualquer atteragio de atizude, 20 longo dos anos, com respetta zo papel des medidas de simplicidace © da intuigio. Supde que algumaeonfusio posta ter dezivado do fato de que Syntactic Structures (oi “versio mais clementir de obra anterior Cave, Aquole tempo, nfo podia ser publiceda)” © que, Por eser motivo, “seentvoa antes a copacklade geradova fraca de cue a forte”, stow seguro de gus watorn dos Tnaiisas que leram Syreacic Structores,, quando puiticada em 1957, imerpretou as concepcoce_ gentle de Chomsky aceies da teotia lingifitica segundo as linhas em que as presente! ay capitulo 4, Saber se x obra de Chomsly teria sobre a line mliscica a influgneia guc tove caso Syntactic Structures nfo tivessam sida “tocoadas elementares” — & assunto a cojo propésito s6 cabem conjetuzas, 61 sio “sentidas” pelos que falam a lingua-miie como relacio- nadas ou como a “formarem, de algum modo, um pat” ¢ terem significado idéntieo ou muito préximo. Tal como veremos no capitulo seguinte, essa xelacio entre sontencas ativas e passivas correspondentes, bem como varias outras relacies “intuitivas” @ semfnticas, podem ser explicadas por uma gramética lransformativa. Todas as regras de estrutura de frase até agora apro- sentadas nesle capitulo foram “ibertas de contexto”, isto & todas foram da forma X~* Y, onde X é um clemento sin- gular ¢ Y & uma sucessio de um ou mais elementos, nao se fazendo referéncia ao contexta em que X deve ser Tee: crito em terms de ¥. Consideremos, de oulra parle, um: rogra da segninte forma: X —*¥/W—V (que se deve ler ©X deve ser reescrito como ¥ no contexte W A esquerda ¢ V A direita”, sin wirias as maneiras de indicar ay rostricéw devidas ao contexto).f recorrendo a uma regia senstoc! 20 contexto, formukida dessa mancira, que se poderia cog tar de explicar 0 “acordo”, ow concordiingia, que uss senten- gas inglesas existe enire o sujeite 6 a verbo Com port © mening care & os meninas corrent) © fendmenos. s Ihantes em outeas Tingnas. Usilizarcmos. ay rexcras. sonst ao contexte no présime capttule, Aqui, pademos linitar a assinalar que, de ponto de v4 Ge context sto suscetiveis: de especial da subicta das tegras X—» ¥/W vatidveis contexluais Woe V permanccem “varias”. Cabo aerescentar que qualquer con- junta de sentencas passivels de se_verem geradas por uma gremitica Tiberta de contexta podem também ser geradas por uma gramdlica sensivel ao contexto. A reeiproca, porem, nao é verdadeita. A afirmagio feita, que implica o fato de as graméticas sensiveis ao context screm intrinsecamente mais paderosas que as graméticas lihertas de cantexto (assim como as gra- mitieas de estrutura de frase, Iihertas do conlexto, sio in- trinsecamente mais poderosas do que as gramiticas de estado finito) ilustra, mais uma vez, aspecto muito importante, mas 108 ta formal. gramaticas lihertas serem vistas como subelasse is an contexte, sendo essa 62 extremamente téenico, da obra de Chomsky, aspecto que uilo podemos senZo mencionar num livra como este. O estu- do das propsiedades formais e da capavidade gerativa dos varios tipos de gramétiea se faz como amo da matemé- tica ou da légiea, independentemente de sna releviincia para a doscricio das nguas naturais. O passo revoluciond- tio dade por Chomsky, no que diz respeito & lingtiistica, foi o de recorrer a esse ramo da matemitica (teoria dos auto- mata finitos e teoria das fungées recursivas) aplicando-o as linguas naturais, como o inglés, ¢ nfo a linguas artificiais. constrnidas por Idgiens e por cientistas especializados om compulacio. Fez. ele, no entanto, mais do que simplesmente apanhar ¢ adaptar, para uso das lingiiistas, um jA existente sistema de formalizagéo © um conjunte de teoremas demons: tradlos por outras. Trouxe contribuicio prépria e origiaal para o etude, de um ponto de vista puramente matematico, dos sistemas formais. A investigacio matemétiea a propésito niticas de estrutura de fease ¢, mats particularmente, das granuiticas de estrutura de frase Jibertas de contexto, f teve grande avanco; © j4 se demonstron existirem vi graus de equivalénein entre a_geamitioa de estrutura de: frase e ontras espécies de geamiiea que tamhém formalizam a nocie de “calocacdo entre parcnteses”. ou estrutura de consliluintes imediatos. AUé agora, a investigagio matemd- ica acerca da gramdtica transtormativa, iviciada par Choms- ky. 96 conseguiu progresso relativantente reduzida, Nao obstante, a gramitiea Lramsformativa, como veremos no ca- pitulo seguinte, é sistema de complexidade muito maior que o da gramitica de estrutura de frase (embora possi dar como sustenton Chomsky em Syntactic Structures, que ele permita descrigéio “mais simples” de certas scntencas). 7 CRAMATICA TRANSFORMATIVA psceyemos a muitos pormenores em nusso exame da gramdtica Uansformativa. Tf contuda impossivel compro- ender as concepyoes mais gerais de Chomsky a propésite da nguagen © do cspirito, a menns que se tenha hecimento das caracten as principais do sistema. cho wramatical por ele fundade Iii cecea de quinze se que, desde essa pact, vem sofrencs desenvolvimento mais ou mevos coulinno. ntuado & de carter termino- de estrutura de frase O primeivo ponlo a ser ac Iigieo. Enquanto uma sgramé poe-se exchisivaunente de regras de estrutura de fra gramitica transtormativa (lal como originalmente cancebide por Chomsky) no se compe apenas de regras trarsterma- ivas. Inclui, também, um conjunte de regras de estratnra As rogras transformativas dependem da prévia aplicagio das regras de estrutura de frase © tém o eleito nflo apenas de converter uma sucessio de elementos em outra, mas tanbém, em principio, 0 de alterar 0 marcador de frase associado. ‘Sao, além disso, formalmente mais hete- rogéneas ¢ mais complexas do que as regras de estratura do frase, Daremos alguns exomplos de regras transforma- tivas. Seré preciso, entretanto, introduzir, antes disso, um. adequado conjunto de regras de estratura de frase. Utilizaremos o que 6 proposto por Chomsky em Syntac- tic Structures (p. 111), com uma ou duas alteracées de menot importinoia, tal ‘como segue: 64 (3) Sentenca—+NP + VP (2) VP verbo + NP bo. (2) NP} Sept (4) NPsing > T +-N (5) NPploT+N+s (6) Toa (7) N— thomem, bola, porta, efo, livro, ...} (8) Verbo >Aur + ¥ (9) V— {chotar, tomer, morder, comer, ...} (10) Aux->Tempo (+-M) (-+ ter+ ado (ou ido)) ({-estar + ando (ou endo) } Prescute Passado. (12) Mo» [pader, dever} QL) ‘tempo >} Ohserve-se que esse conjunto de regras permite uma gama de excolhas mais ampla do que as indicadas no ca- pilule anterior. As frases naminais, singulares ¢ plurais, sio explicadas pela reara (3); ¢ am grande nmere de tempos © motlos 6 introduzide Cem vez do puro ¢ simples tempo ado deo hamen chutow a bola) por meio do clemento subseqiicnte desenvolvimente, A regra (10) im- plica que toda sueessio por ela gerada deve conter 0 cle- mento fempe © pode vonter, alGu disso, uma ow anais das ‘irs «le clementos entre paréuteses. (Elemento como sna regra (5}, ade (ido), undo (endo), nar sio antes morlemas do que palavras. Em_verdade, ter, estar, 0, @ ¢ todos os clementos relacionadas do lado diteilo das rogras (7), (9) ¢ (22) também podem ser considerados morfemas. Conluda, néo 6 neeessirio que nos deteuhamos para examinar a diferenca que se faz, em teoria lingiiistica, entre uma “palayra” e um “morfema”). Admitindo que as relagdes que figuram nas regras (7) (9) sejam considcravelmente ampliadas, este sistema de regras de estrutura de frase gerard extenso (mas finite) némero daquilo que poderfamos chamar sucessées subjacentes. Tm- porta enfatizar que uma sucessao subjacente nio é uma * 65 sentenga (como, alids, se depreende das regras citadas acima). As regras transformativas ainda esto por sor aplicadas, Uma das sucess6es geradas pelas regras é: 0+ homem + Presente + pode + estar +. indo + abrir + a+ porta (a qual, dadas as regras transformativas de Syntactic Structures, est4 na base tanto da sentenca ativa o homem pode estar abrindo a porta, como da sentenea passiva correspondente, a porta pode estar sendo aberta pelo homem). leitor pode desejar verificar que essa sucesso é realmente gorada pelas regras, construindo o marcador de frase a ela associado. Em Syntactic Structures, Chomsky detivou as sentengas Passivas de sucessées subjacentes valendo-se de uma regra nal que pode ser apresentada, sem muito rigor, da pina seguinte: (18) NP, -j- Aux V+ NP. NPs 4 Aux | estar -- endo |-¥-b por |. NP, Difere esa regs, sob varios aspeclos, das regras de estru- tra de frase. Nap apenas unt elemento, mas uma sueessi de quatro elementos aparece 4 esquerda da seta; a operagio que € executada por forga da regra assume eacdter complex — envolvendo a perrnuta de dois NP (a que & indicado pelos indices inferiores) © a insercio dos elementos estar, endo © por, em determinades pontos. 14, entre uma diferenga ainda mais importante enbe as regras de estrutura de frase (1) ~~ (12) © a regea trausformativa (13) o tal diferenga diz respetto 4 maneira. eam interpretamos os simbolos que ocorrem nas regras. Numa regra de estrutura de frase, um determinado simbolo designa um ¢ somente mn ¢lemento da sucessiio a que a regra se apliea. Contudo, na aplicacko de uma regra trans- formativa, um determinado simbolo pode reforir-se a uma sucessiio de mais de um elemento, contanto que a suces- sio em causa seja dominada por (isto 6, derivada de — ver pagina 87) tal simbolo no marcador de frase assoviado. Neste sentido, costuma-se dizer que as regras transformativas operam sobre marcadores de frase e no simpiesmente sobre sucessées de elementos, 66 Antes de tudo, ilustraremos o que ficeu enunciado fa- zendo referéncia a um exemplo puramente abstrato. Dada asucessica-+d--efb+f+e+g 4h, gerada por tum conjunto de segras de estrutura de frase que a ela atribui © marador de frase que aparece na fignra 8 (0 leitor pode facilmente reconstruir essas regras), tal sucessiio se converterd, por meio da regra transformativa B-+-D 4+ E—>E-+B, na sucesso c + g +-h+ a | d+ e, com o matcador de frase associndo que a figura 4 ilustra. A < adc D E bof oak Fuse 3 A ¥ B enh ade Fiouaa 4 Em palavras diferentes, como a sucesso de s{mbolos torminais constitu! parte do mareador de frase. podemos dizer que a regra converte um mercador de frase em. outro; @ essa é a propriedade caracteristien das zegras transforma- tivas. A regra por nés apresentada tem o elvito de afastar tudo quanto é dominado por D (inclusive 0 proprio D) e permutar B ¢ E, matendo-lhes intacta a estrutura interna. O mareador de frase referido na fignta 8 e 0 marcador de frase que aperece na figura 4 podem ser chamados, respec- tivamente, subjacente ¢ derivado, com xeferéncia 4 trans- formacao em causa, (Afirmando ‘que o mareador de frase derivado tem a forma particular que the atvibui na figura 4, contornei importante questio tedriea & qual voltare? rapida- mente loge abaixo.) So olbarmos agora para_a sucesso subjacente que vem servindo de exemplo (0 + homem | Presente =! pole -{ estar -|- indo {abrir -f a + porta) © ao mareador de frase: assucindo (que deisel a cargo do leitor), verifiesemos que 0 | homem é inteiramente dominade por NP: Presente + pode -| estar | indo 6 dominade por Awe: V & dominado por V (trata-se de um easo de “autodominagin”) © af porta & dominade por NP, Signifiea isso que a regra transfenniativa (13) € aphieavel , s¢ aplieada (Irala-se de uma regia opeio- ral), convertert a sucesso subjacente cm (13.a} com 0 war exdor de frase derivada corvespondente. (Ba) a 4 porta + Presente + pode -|- estar endo + abrir + por |- 0 + homem Que 6, entretanto, @ mareador de frase derivado correspon dente? A questio é dificil. Admitide que NPz transforma.se no sujeito da forma passiva, que ester se transforma em parte de Aur, de maneira semelhante a como dele sao partes ser + endo on pode (isso, como veromos, 6 necessi- rio para permilir a operacio de regras subseqiientes) e que por so liga a NP, para formar uma frase, contmuam a Permanecer obscuros numerosos pontos relativos & estrutura do marcador de frase derivado. Dois possiveis mareadores de frase aparecem nas figuras 5 e 6. Observe-se que tais marcadores diferem porque um toma por | NP, como parte 68 da frase verbal, enquanto outro o trata como constituinte imediato da sentenca, equivalente em status, por assim dizer, a NP: @ VP. (Note-se, ainda, que coloquei uma interrogaco onde seria colocado 0 rétulo para a frase entre parénteses por + NPi.) Sentenga vp oN es Vid Ny ok ve a 5 porta ALT Presents pole estae ser ends omer ewe 3 — wt 2 Nw vite vf ye po /\, hy porta Aux T {7 | abrir 0 homem Presenie pode estar ser’ endo Ficurs 6 Abordamos aqui importante problema tedrico. A suces- sto derivada, produzida por uma regra transformativa, pode servir como sucesséo subjacente para operagio da regra transformativa subseqiiente ¢ necessitard, em consegiiéncia, ter a si associado o apropriado marcador de frase derivado. 69 Chomsky e sens seguidores dedicaram-se ao estudo desse problema e tentaram estabelecer um conjunto de- conven- des de acordo com o qual se definiria particular espécie de operaciio formal (e.g. omissio, permutagao, ou substitui¢go) para alcancar determinado efeito sobre a topologia do mar- eador de frase que ela transforma; nds observamos essas convenctes ao decidirmos que o efeito da regra B+ D + E — E + B, operando sobre 0 marcador de frase subjacente mostrado pela figura 8 era o marcador de frase derivado que aparece na figura 4. Tratava-se de exemplo muito simples do ponto de vista das operacies envalvidas e da forma do mareador de frase a que elas se aliavam; além disso, tratava-se de exemplo puramente abstrato, nio afetado por quaisquer consideragies ompfricas. O leitor compre- enderd que a situagéo se altera inteiramente quando. vem ao caso formolar um conjunto de regras transformativas para doserig&io do inglés on de alguma outra lingua natural, Introduziremos agora, o as discatiremos brevemente, duas eutas regiastransformativas (ligeitamente dilerentes em forma das correspondents regras que liguram em Syntac- fic Structures, mas sobre elas baseadas e tendo 0 mesmo efeito geral). A primeira & a “tansformagio numérica” obrigatéria: ee (4) Prosente—* [4 oy eg ‘Trata-se do uma regra sensivel-ao-contexto, estabelecen- do que o Presente deve ser reeserito camo s, se © somente se for precedido, na sucessio subjacente, por uma sequéneia de um ow mais elementos dominados por NP, no mar- cador de frase associado, mas que deve ser reeserito em todos 0s outros contextos como “O”, “zero” (isto 6, indieando a auséncia de um sulixo). Trata-se da regra que explica a “concordancia” entre 0 sujeito e o verbo, manifesta em sentencas tais como o homem foi vs * @ homem foram ou a homem é vs * 0 homem sao. Se aplicadas a (13 a), teremos*: (1) Até este ponto os teadutores procuraram adaptar os exemplos ddados em inglés, tanspondo-os para o portugués de modo « ilustrar os eiwun- 70 (Ida) a+ porta + s 4- pode +} estar ++ sendo + aber- ta + por }- 0 + homem Observe-se que aquilo que poderia ser chamado sufixo verbal “abstrato” s 6 aqui introduzido na frente do elemento aque subseqtientemente se liga (A semelhanca de endo indo, introduzidos pela regra de estrutura de frase (10), na frente do elemento a que posteriormente se ligam). A esses sufixos denominamos “abstratos” porque, tal como veremos, assumem, em contextes diversos, formas variadas, inclusive “zero”. siadas do texto, No caso, presente, surge dificuldade especial que precisa de esclaecimento, Segunda Lyons, as regtas permitem gear a sequcacia sequins the 4 man -l Present | may ++ have ++ en 4+ open + the+ door gue € subjacente (de acotdo com as regras fixadas na obra de Chomsey) as has sentenqas.sexuintes: ‘The man may have opened the door ‘The door my have heen opened by the tan Chomsky devivs as sentencas passives medisnte a rogra (13) ae, sem mimicias desnecessitias, assume a deem: (3) NP, 4 Aur} V4 NPp oe Ne, | Aine y he + en + VF by + NP, Essa reyta de ttansfarmagio pode ser aplicala 3 seyiincia subjacente do exeiaplo, convertende acm (13a) The - door | Present | may | have |. en $ bo + en -+ open + by the 4 aman A togra de “Transformagia de afimers” (obtigaistia), fixado em (14), transform (13.8) (ida) the + door fs 4 may + fave + en + be fen open + by + the + man Tem-se, em inglés, uma situagio simples, jf que apenas “door” vai para 9. plural (passia'“coors”), permanecencia invaridvels as dennais. palevras. Comparese, com isso, a siturrie mais complexa do porcugués: i) ‘The door may have been opened by the ian fi} The doors may have been opened by the man fem contraste coms: i} a porta pode estat sendo aberia pelo homem 4’) as portat podem estaz sendo abertat pelo. homers Para evitar complicadas notagbes, os tadutores preferisam manter (14a) gi sua forma simples (correspondents 20 inglés), como se de fa10 apenas “porta” fase afetada (com 0's" — plursl, Mas 0 leitor hf de comsidesar os sentengas A luz da advertencia aqui feita (NT). 7 _A regra pela qual esses sufixos “abstratos” sio colocados apés 0s tadicais apropriados (a “transformacao ausiliar”), pode, em inglés, ser apresentado desta forma: (18) [Tense M M Tense en ++ |have| >Jbave | + Jon ing, be be ing v v Diz essa regra que qualquer par de elementos, 0 pri- meiro dos quais seja Tense, en © ing, sendo o segunda M, have, be ou V, devem ser (obsigatoriamente) permutados, permanecendo inalterado o resto da sucessio, tanto & direita quanto 4 esquerda, Se tal regra for aplicada a (14a), cuja forma, em inglés, & (4a) The 4- door en | open | may 4 have + en + be -|- by + the + man ela implicard a permutagio de 5 deen | bee de en da esquerda para a dire may (isto 6, Tense -- M); open (en | V) suecssivamnente, a, conduzinde a: (15a) The 4 door 4- may |-s-}- have | be + en “open «| en -} by +}. the -|- man Mais uma reyes transformativa deve ainda ser aplicada, que coloca um sfinbolo de fim-de-pulavra (usaremos 0 e: page) entre qualquer par de clementos, dos quais © pri meiro nao seja M, have ou Ve 0 segundo dos quais nio seja Tense, en ou ing. Aplicadn a (15a), essa regra. produs Be (46a) The door may -j- s have be + en open -- en by the man _Tal 6 a forma que nossa sucesso iustrativa assumiria apés terem operado todas as regras transformativas rele- vantes, Finalmente, numa gramética do tipo esbogado por Chomsky em Syntactic Structures, surge um conjunto de regras “morfofonémicas” que convertem a sucessio de pala- 72 vras © morfemas em uma sucesso de fonemas. ‘Tais regras levariam a reeserever may +s como representagao fonémica do que é soletrado mays assim como levariam a reescrever open --en como 0 que é soletrado opene (assim como be 4. s & soletrado is, ran + en 6 soletrado tun, © assim por diante). Chegamos dessa forma, como deverlamos chegar, 8 re- presentagio fonémica de: ‘The door may have been opened by the man Os Ieitores que nfo estavam previnmente familiarizados com 6 sistema de yramdtica trausformativa de Chomsky po- dem ter julyzdo cufadouho eaminhar através (% bomem hyn a fanela? ox “o homem abrin a ). Estaiies agoza precenpades coin a “escolha” de um conjanty difeenle de reyeas (ow com uma diferenca na ordem em que seja aplicada @ mesmo conjmnto de regras) ode duas ou mais sentengas a partir da mesma avenle. Disse que “escalha”, neste sentide, adie & condicio sufictente para produzir diferenga de signi endo enlre as seulencay resullantes. xemplitieando, “Joao se fez de rogadn™ “Jota fea-se de rogado” diferent” (se gundo Syntactic Stenetises) pola foto de uma Wwauslormagio opeional adieional tor side aplioada na geracao da primeira sentenea. As duas seatengas nfo diferem, contudo, emt sige nifiescs; © a regea transformative em pauta (que tem por efeito converter ler-se” em “se fez} pode ser consiclerada como estilistica. * sucesso. sub UL) _ Em inglés, sic dades os sepnintes exemplos, “I dente like eating apples!” (“.. applet for cating” er"... to eat apples"), "T disapprove of his drinking” (“,.. the fact thac he drinfs® er“... the yay in which he drinks" — cf. Chomsky, Language and Mind, p. 27) (NT). £2). No original, o exemplo @ seguénte: “John tooked the word up in che dictionary” e “Toh Ieoked up the word ia the dictionary”, onde se tem a sfeito de converter “Past 4 fool + up + the - word" om “Past { foal + the + word + up”, mm particular pomto da deri- vacio (NT). 7 Em 1965, na obra Aspects of the Theory of Syntax, Chomsky propés ura teoria mais ampla da gramatica trans. formativa. que diferia da anterior sob numerosos ¢ impor- tantes aspectos. Tendo em vista os propésitos que nos guiam, bastard mencionar apenas as diferencas mais gerais entre a gramética das Syntactic Structures e a que poderfamos denominar gramitica do tipo-“aspects”. Ainda agui, o re- curso a um diagrama revela-se étil (cf, figura 8) Componente Componente Elemente inicial isco f—P] trwisformativo Componente Compenente semniatice Funokgieo Frere 8 A diferenca mais sensivel entre as duas graméticas, tat como representada nas figuras 7 6 8, 6 a “parte” adicional de regras yue aparece na gramitica’ do tipo-“aspects” sob © retulo de “componente semantico”. Fm Syntactic Strac- lures, sustentava-se que, embora as consideracées de ordem semantiva néo fossem direlamente relevantes para a descrigao sintética das sontencas, havia “mnareadas correspondéncins entre as ostruturas eos elementos que so revelados pola anélise gramatical, formal, de um lado, ¢ as especificas fun- ges seménticas de outro lado” {p. 101) e que “bavendo determinado a estratura sintatica da [ingua, podemos passar a estudar a maneira come essa estrutura sintética & posta em. uso no efetivo funeionamento da linguagem” (p. 102). 78 Nos anos que se seguiram & publicagiio de Syntactic Struc- tures. Chomsky e seus colaboradores chegaram & conclusio de que o significado das sentengas poderia e deveria ser submetido A mesma espécie de anilise precisa ¢ formal a que sao submetidas suas estruturas sintdticas e que a sem&n- tica deveria ver-se incluida como parte integrante da andlise gramatical das Unguas. A gramitiea de uma Ingua é atual- mente vista por Chomsky como um sistema de regras que relacionam 0 significada (on significades) de cada sentenca gerada pelo sistema 4 manifestaco fisica da sentenga no melo sonaro. Tanto em Aspects como em Syntactic Structures € a sintaxe dividida om duas partes. Contudlo, os dois compo- nentes sintélieos operan) de maneira algo diversa, Agora, € 0 componente hésica da gramnitica (passivel do ser gr0s- seiramente comparado 2 parte de estrutura de frase do siste- ma anterior) ¢ 8 componente Lamsformative que Aplica as apcies semanticamente relevanles, inclusive a pos sibilidade de formacio de: construdes secursivas, A dilesenga enle uma sentenca declaraliva © uma sentenca inlerrogativa oul entre ume senlonga ativa e uma sentenca pa é mais deserila om terms de lansformagces opeianais. mas om tennns de uma eseolha relativa dis reztas bisiews. Esem. plificando, poderia haver uma regra biisiea revestinds a seguinte forma: (a) VP verbo | NPC] agencies) x cicolha do clementy agunciose distinguisia as sucesstes subjagentes is seutenyas passivas das sncessées as correspondentes sentencas ativas. Waveria, entio. uma regra transformativa obrigatéria, eorrespondente 4 regra (13), atris mencionada, operande se ¢ apenas se a_sacessiin “de entrada” contivesse a elemento agencioso, Essa proposta (que & mais fiel ao espirito da proposta de Chomsky do que a seus pormenores} apresenta a vantagem de quo, so formularmos corretamente a regra transformativa, ela nos proporeionaré wm rétulo para ons que domina “por NP,” nos mareadores de frase associados que so referem as sen- tencas passivas (ver a figura Ge texto correspondente). 9 As regras bisicas geram um conjunto indefinidamente amplo de marcadores de frases subjacentes (que representam a estrutura profunda de todas as sentencas que o sistema caracteriza) © estes se convertem em. marcaderes de frases Gerivados (que representam a estrutura superficial das son. tengas} por forca de regras transformativas, a maioria das guais (desconsiderando ag regras “estilisticas”) tarna-se agora obrigatéria, O significada de cada sentenca deriva princi- palmente, se ndo inteiramente, de sua estrutura profanda, fagas a regras de interprotagio semantica; « a interpretacio fonctica de cada sentenea — sua deserigio fisien, om termos ae “sinal” aefistico — ‘Ceriva de sua estratura’ superticial por forga de regras fonoldgica Nao haverd necessidade de Gesvermns a punnenores tée- aicos que distingnem uma gramitien do tipo-taspects” do sistema concoitualmente mais simples apresentadn en Syn. lactic Structures. "Tude quanto vesta a acreseentor a este apavhado das earacteristicas gorais da versio mais recente de gramitica transfurmativa 6 que as varias notes grama Ss semanticamente relevantes sin agony definidas. de praneira explicita, em terns le relactios «le estrulura. pro: funda. (Isto era meramente sugeride cin Syntactic Strne- murs). Podemos ceferit, de nuneira particnlar, a «istinede entre sujeite “Idgico™ festrtura profunda) © sujeila “gra * (esirutiia superficint) de cana sentenca. © sujeita “6 axnele NP dominado imediatameme por $.(— senfenca) oa estrutura profuuda; © sujeito “gramationl™ & 0 NP que se situa mais 4 esquerda © & duminado imediate. mente pelo S que se encontra no topo do @agrama, ta estratura superficial. Por exemple, ima sentenen como I © sujeito gramatical & “Joso” (essa a nocto de sujeite rele. vente pera a exigéncia do eoneordancia eatre 0 sijcila © o verbo, em portugués: Joiio fot persuadido vs eles foram persuattidos, etc.) io foi persuadide por Ari a jogar tenis Contudo, a estrutura profunda de tal sentenca é formada por uma sentenga ($2) engastada em ontra (8); ¢ cada qual dessas sentencas tem ser préprio sujeito légico. Pode- cd eo mos representar a estrutura profunda da sontenga tefexida, sem maior rigor e omitinda todas as informagSes nfo essen- ciais, da maneira apresentada pela figura 9. Ss. ¥ \e Ati Verba: persuadir, NP a | /\ Joio NP Vp | 7 Jia Vero Np. | | jogst sens Trenra 9 Verificaremas que 0 suleito ligieo de $1 (a sentenca matriz) & Arve que o de S« (sentenca engustada) & Joao Alin disso, © sujeito de estutura profunda de $2 confun- do-se com 4 objeto de estrutura profundle de $1 (o NP ime, diatamente dominado por VP). ‘Tal eamo assinala Chomsky, essas relacdes de estrutura profimda so essenciais para a correla inlerprelagao semantica da sentenga. a 8 IMPLICACOES PSICOLOGICAS DA GRAMATICA GERATIVA ‘al como acentuei no capiislo 4, as primeiras obras de: Chomsky foram exeritas dentro das’ linhas tradicionais de ama lingiiistion “auldncma”. Somente mais tarde, em Aspects of the Theory of Syntax, Cartestan Linguistics © Language and Mind, comegon ele a. referirse 2 lingiiistioa dando-a comp camo da_psieslogia eognitiva ¢ insistinde na impord: para investigacao da estrutura ¢ spirit humane. Como deixe) assinalade, ha Introdugio, 6 devido a estas Gltimas consepeies e nig As contribuigies Iéenieas que den 4 lingtiistica, vista como dis ciplina indepeadente, que Chomsky tornou-se: mais conhecido. Em comseqii¢ucia, devotaremos as dois préximos. capitules a umm exposigia da atual maneita de Chomsky enearar esas questies psicoligicas ¢ filoséficas, apresentundo 0 assunto, de forma que pode parecer algo arbitrdria, sob dois titulos, 0 de “psicalogia” ¢ 0 de “filosofia”. Embora a posigio geral assumida por Chomsky em Suntactic Structures fosse, na medida em que a pde clara, indistinguivel da posigao assumida pelos bloomfieldianos ¢ por outros empiristas, houve, desde o infeio, um ponto em que cle discordou de Bloomfield ¢ de muitos dos seus se- guideres, (Nio me estou referindo agora A rejeigio que Chomsky faz de “descoberta” em favor de “avaliagao”. Este probioma, por nés discutide em capitulo anteriar, embora importante, no que diz respeito ao desenvolvimento da lin- 82 giifstiea do apés guerra, & em principio, independente da posigio empirista.) Bloomfield, como j vimos, era um behaviorista (ao tempo em que escreveu Language) ¢ muitos de sous segui- dores partithavam de sua erenca segundo a qual uma versio “mecanista” da linguagem, em termos de “estimle e res- posta", tinha mais de objetivo ¢ de cientifico do que a tradicional clescri¢ao “mentalista” da Jinguagem como vefcula para “expressio de pensamento”. No ano em que foi pu- blicado Syntactic Structures apateceu também a obsa Verbal Behavior, de B, F. Skinner; dela fez Chomsky oportuna tesenha. ‘Skinner (ee era professor de psicologia na Univer- el} é um dos eminentes ¢ dos influentes defensores da _psicnlogia behaviorista atualmente vivos; € seit livre constital a mais pormencrizada lenlativa que até agora se fox no sentida de explicar a aqutisi¢io da lingtuagem dentro da estrulura de uma “teoria do aprendizado” beha- viorista. A resenha feila por Chomsky tornou-se. elissica nese trahalho ele nae apenas submete a livto de Skinner Alum exame penetrante, mms, a@ mesmo tempe, revels seu dominio da lilesatura psicoligica de importincia para o. assunto, Chomsky tem repetido. seus angumentes contra 0 beha- viorisme et muilas ocasides. Resumidos, montam ao se- guinte. Um dos fatos notiveis acerea da Tinguagem & sus “eriatividade” — a circunstneia cle aos cinco on seis anos de idade as eviancas serem capazes de produvir ¢ entender uum niimero indefixidamente grande de clocucdes das cnais nfo tizham tide prévio couhecimenta. A “tenia do apron- dizado” behaviorista, por mais hem sucedida que possa mostrarse no explicar a maueira como certas vedes de “hi- bitos” e “assoeingies” suzgem dentro dos “padrdes de com- portamento” dos animais e dos sees humanos, é tolilmente incapaz de explicar a “crialividade” —~ um aspecto do “com- portamento” humano que se manifesta de maneira clara {embora, talvez, no exclusivamente) na linguagem. Sus- tenta ainda Chomsky que a terminologia do behaviorismo (“estimalo”, “resposta”, “habito”, “condicionamento”, etc.), conquanto possa revestir-se de precisio (e foi tornada pre- 83 cisa em sua aplicacfo a dominios restritas), é tia pouco rigorosa, no caso de efetiva aplicagao } linguagem, que so adaplaria a quaisquer situagées, despindo-sc, conseqiien- temente, de contetido empirics. Na auséncia de wna “res- posta” acessive!, o behaviorista procura refigio numa “dis- posicgao de responder”, que nfo é observada nem passive! de observagio; havendo explicado, em principio. a assovia- gio de palavras (como “resposla®} a abjetos (como “esti- mulos”) e, de maneira idéntica, a aprendizagem de um limitado conjunto de sentencas, 0 bekaviorismo on nada afirma aerea da formagio de novas sentencas ou recarre, neste pont, a alguma indefinida nogio de “analogia. A eritica dirigida por Chomsky contra 0 behavierisne & indubitavelmente valida. Dai ume decorre, naturalmente, {o tanto quanta cx saiba, Chomsky jamais pretenden decor resse} que nenhum aspeelo da linguagem on do uso da Tingaagem possa ser razoavelmente descrito em termes de un mudelo estimulo-resposta. Bonen diigida hi, enlictanto, de que a versin behaviorista acerea da aquisicto da lingnagem, al comp prescutenente formulada, deixa de tocar (e rnito menos de resolver) © problema colocady. por aquilo que Chomsky denomina “oriatividade”. Nem a versio fnicial, nem a versio posterior de gramd tion transformativa & apresentada por Chomsky come padeio psicokigics da maneira como as pessoas constroemn 6 com- preendem pronuneiamentos. A grametica de uma lipyua, nos fermos concebidos por Chomsky, € uma descrigio idea- Tada da competéncia lingiiistiea dos que tém a mesma lingua como lagua-mée. Qualquer modelo psicolégico da maneira como essa competéncia & conerctizada em efctivo desemponho teri de levar em conla numeresos outros fatos que o Tingitista deliberadamente iguora ao definir a nogio de gramaticalidade. Essos fatos psicolégicos importantes in- clucm as Timitagées da memdria e da atencio humanas, 0 tempo accessario para que os “sinais neurais” cheguem do eérebro nos mascuios da fala, a interferéncia de um processa fisioldgico ou psicoldgico sobre outro, @ assim por diante. Muitas das sentencas que o lingitista encara como grama- licais (bem formadas em termos das regras estabelecidas a4 para deserever a competéncia daquele que “idealmente” fala a lingua-mfie) nunea, cm verdade, ocorreriam “natu- ralmeate”; ¢ se construidas deliberadamente, com 0 propési- to de experimentagao lingiiistiea, dificilmente seriam compre- endidas — e talvez néio 0 fossem de modo algum — pelas pessoas que efetivamente empregam a Ifagua. Isso porque tais sentencas ndo podem ser “processadas” scm “sobre- cartogar” os varios mecanismos psicolégicos que tomam parte na secepgiv € na compreensio da fala, Esse & um dos aspectos pelos quais os pronunciamentos efetivamente pro- duzidos pelos que falam uma determinada lingua podem diferir significativamente, ¢ por motivos psicologicamente expliciveis, das sentencas que o lingiiista deseroveria como “gramaticais™. Ontta diferenga —- diferenga que Chomsky tem aventuado com maior freqiiéneia — 6 a de que as elocu- g6es produzidas couleviam uma vasiedade de erros ¢ dis forgdcs (enganos de promincia, senlencas incompletas, hest- tagies, ulleragoes de constengaio ao meio de_uma senlenca im por diante) devido} ao maw funcionamento dos aevanismos. psieolégicos em pauta ou fimitagies a cles inerentes. Kisses dosvios da norma gyamatical coustituerm parle valinsa dos dados com que joga o psicdloge «quando adequiadamente anal arte alguma pe {ragio un estmtura © na forma de operar dos moeanismos subjacentes. ac uso da lingnagem: abora a Tingitisticn @ a psicologia assmmam pontes de vista diferentes com respeilo A investigagao da Tingnagem, Chomsky sempre alirmou que iui relagoes importantes eabse as duas disciplinas, Com efeita, a alteragio gue se pode percober entre sna concepsae inicial @ sua concepcio paste tior da relacio entre psicologia e lingiiistica (relacio a que jd me referi) & em grande parte, uma questaa de énfase. $e Chomsky se inclina agora por ver na lingiiistica antes em tamo da psicalogia do que uma disciplina auténoma, no est4, apesar disso, sugerindo que o lingilista deva aban. donar a invesligagao da lingaagem pela investigagio do uso da linguagem ou a competéacia Iingiiistica polo desempenho lingiiistico. O que ele esté dizendo € que a razao de maior peso para justificar © interesse pelo estude cientifico da linguagem — e mais especialmente pela gramitica gerativa a — € ade que de tal estudo se pode esperar contribuigéo para a compreonsie dos processos mentais, A linglilstica se incorpora, dessa forma, 4 psicologia, nao por forga de qual- quer alteracio substancial da disciplina ou do método, mas pelo significado wiltimo de seus resultados. © apelo 3 “intuigio” que esté mais presente nas wiltimas obras de Chomsky fe que tem sida, com freqiiéncia, mal entendido) pode, também, ser interpretado a essa Inz. Se- gundo Chomsky, duas gramitieas podem ser observacional. mente adequadas (ambas apresentando-se coma fracamente eqnivalentes) no sentido de que ambas geram 0 mesmo conjumto de’ sentengas, Contudo, uma daquelas. gramiticas lalvex seja descritinamenie mais adequada do que a outra, se estiver de acordo com as “intuighes” dos que falam a Kingua mie, no que respeita a questées tais como “ambi- Riticlide estrutural” e equivaltneia oa nao eqaivaléncia do cerlos tipos de sentencas, Tal & a terminologia empregada em Aspects of the Theory of Syntax © om outeas obras s0- conte lerminologioa & reveladora, Mostra qu para Ci + as “intuigdes” de quem fala (isto &, sun reps coal da gramitien da lingua) stv, mais do que as préprias senlengas, o verdadeiro objeto da descrigio, Como tivemes a oportimidade de assinalar ne capitule 4, Chomsky Vinha auterionnente emprestade maior importdu. cin a “simplicidade” comp eritérin para ava de 9 mitieas fracarwente equivalentes; ¢ quando falow dos fulzos de quem eanprega uma lingua, com respeits a questoes como “ambigiiidades estruturais", wuuea sugeriu que esses Juizos ou “intuigdes” fossem de importéncia fundamental: evidenciavam a apreensto da estrutura da lingua de que era eapaz a pessoa em causa, mas no constituiam, por si mesmos, 0 objeto da lingtitsiea, Julga-se, algumas vezes, que o apelo feito por Chomsky iis “intuicties” de quem fala determinada lingua-mie (inclusive as “intuigies” do lingitista, como pessoa que domina determinada lingua-mie) implica algum abrandamento dos padrées de rigor e obje- tividade caracteristicos da lingtiistica bloomfieldiana e de outras abordagens modernas. Tal, porém, nfo ocorre. Chomsky nao sustenta que as intuigdes sejam de imediato acessveis; nem afirma serem elas todas igualmente dignas cd de confianca. Poder-se-é, talvez, argumentar, afirmando que algumas das obras inspiradas pela formulagio que Chomsky faz das metas da lingiifstiea se apdiam numa aceitagio apressada de “intuigées” de um determinado lingitista. Em principio, entretanto, a circunsténcia de ume dada sentenca ser aceitivel, a chounstincta de ela set ott ndo equivalente a alguma outra sentenca e quais sejam as suas implicacdes — todas estas e questées similares situam-se dentro do Ambito do termo “intuigao”, tal como 9 emprega Chomsky — siio pontos sujeitos & verificagto empfrica. Ji em 1958, Chomsky colahorava com o psicdlogo George Miller, escrevendo um trabalho intitulado Finite State Lan- guage €. em 1963, ambos compunkam dois capftulos do Hanitbook of Matheraatical Psychology (onde ba um outro capitulo escrito apenas por Chomsky}. Um dos capitulos a que acima aludimos, escrito por Miller ¢ Chomsky, 0 intitulado “Finitary models of language users”, traga, com algum pormenot, as implicagéies que a gramética gerativa tem sobre a investigacao dos ruceanismes psicalégicos subja- centes ao desempenho ling Decorre, de mareira imediata, da evidén ia oferecida par Chomsky, que as gramiticas de estado finito so inea. das 10 ing pares de gerar alzumas das sentengas eneanh s e-em outras Kinguas, «ue nein modelo de desempenho ago “da esquerda para a disei- haseado uo principio a ta” mereve consideracio s é 7 i em. conned exchiic todas aquelas teovias de produgio e recep fala. onde se admita que « probabilidade de osarréncia de determinada palavra, em determinada posigéo mim pronun- ciamento, é exclusivamente determinada pelas palavras esco- Ihidas para ocuparem as posicies precedentes. Talver. niin pareca muito plausivel que alguém procure explicar a pro- dugéio de uma frase como: ‘acia, da Nés temos estado correndo dizendo que seu elaborador primeiramente seleciona “nds” dentre 0 conjunto de palavras possiveis de usar no infeio de sentengas ©, a seguir, tendo feito essa escolha, seleciona “temos” como uma das palavras que tem certa probabilidade a7 de ocorréncia depois de “nds”; e que depois de haver eseo- Shido “nds” ¢ “temos", oscolhe “estado”, por forca de sua probabilidade de ocorréncia apis “nds temos” e assim por diante. Plausivel ou nin (e uma “plansibilidade” baseada po bom senso afinal de contas nem sempre é digna de crédito), essa concepgao da produgio da fala inspiron consi- derével nimero de pesquisas no campo da psicologia (in- clusive, pode-se acrescentar, algumas que se contém na obra inicial de George Miller). Chomsky demonstrou que essa mancira de ver 4 questio esté mal orientada, a despeito do zefinamento da leoria estatistica sabre que se apsia. © segundo dos “modelos para doscrigio da Tingua” cla- borada per Chomsky. foi a gramitica de estrutara de frases tal como deixamos assinalado no capitulo 6, varias ospécies de graméticas de estrotura de frase podem ser constrafdas, dependendo das restrigiies que se imponham sobre © formato oo mado de operagio de snas regtas, Lato interessante, e foi demonstradn par Chamsky, eae as gramdtieas de este. tua de frase livres de contesto sia equivalentes, no qu rita A capactlade gerativa, Aquilo que se chama di positives de “armazcnamento em camadas” na tearin dos automata, Néo podemos aprofundar este problema altamente técnica, amas podemos a ele aludir rapidameote, de mode a proporeionar av leiler alguma idéia a propésito de tipo de hipsieses relativas a modelos de desempenho que poder ser suyerides por um estuda das propriedades formais da lingua e da capacidade gerativa de particulares tipos de gramAtica. A memdria humana, como tivemos oportimidade de dizer, tem, presumivelmente, apenas uma possibilidade finita {embora talvez muito ampla) de atmazenamento e pode eperar, até certo ponto, pelo menos, com base nv principio do “camadas”, do “iltisno a entrar, primeizo a sair” de sorte que, mantendo-se as mesmas As demais circunstancias, recor damos com facilidade maior ¢ mais rapidamente aguilo que foi “armazenado” na meméria em data préxima. © razodvel supor que a meméria “a longo termo”, ou “permanente”, contém grande porgio de informagées ¢ inclusive as rearas do gramitica, « que se recorre durante © “processamento” 85 de elocuctes. Todavia, estamos aqui preocupades com aquilo gue 0s psicdlogos denoininam “meméria a cutto termo”, de que lancames mio, por exemplo, quando entregemos & 'me- meéria (sem aprendizado ou repeti¢ie) uma relacio de itens desconexos (2. g, sllabas ou digitos sam maior senlido). Se- veras limitagies caem sobre a capacidade da meméria a curto termo, sendo da ordem de sete o nimero de itens que podemos assim ammazenar (‘‘sete mais ou menos dois”, tal como Miller colocou no titulo de um famoso trabalho), Esta 6 a infosmacao de fundo suficiente para tornar clara a hipdtese que passatemos a examinar. ‘Yrata-se da chamada “hipétese de profundidade”, ela- borada ha cerca le dez anos por Victor Yngve, que. por aguela época. trabalhava em problemas Ge andlise sintitica por camputador. Comecemos dando um exemplo puramente abstralo de gramatica de estzuturn de frase, que inclu arsivas: Ty Ame BIC 2) B—» (B)/-D 3) Be» K-18) 4) B® FLO G 5) Ce dat 6) D—» fat 7) Rae tet 8) Foe ef} 9) Ge te of usande iaidsculas risculas para (Acompanhei uma convengio comum. para indicar os elementos auxiliares en dicar os elementos terminais). Observe-se que as regras (2}. (3) © (4) cursivas, mas de diferentes modes. A tegta (2) recursiva & es: querda; a regra (3) & recursiva & divelta; ¢ a regea (4) & auto-engastadora. As figuras 10, 11 ¢ 12 ilustram 0 que se pretende significar com esses termos. Ora, a hipstese de Yngve era a de que as estruturas recursivas 4 esquerda aumentam a “profundidade” ou com- plesidade psicolégica do uma sentenga, pois a recurséo & a 89 A LN 'B AN, E' \ JN PIA Fis. 10 Fie. Fre. 12 | esquerda, diversamente da recurso & direita, faz crescer a quantidade de “espago” ocupado na meméria a curto ten mo durante 0 processamento da sentenca. Quando a “pro. fundidade’ de uma sentenca ullvapassa o limite eritivo’ (ie mile que 6 determinado pela eapacidade da meméria de urlo termo), seu prolongamento se toma de mai ‘io impossivel. Uma das razies de surgirem transforma: Ges numa Hogan é sugere Yngve, eapacitar quem fala a evilar excessiva “profundidade” usando construgoes. equ lentes que se abrem para a direila, em vez de consliuche que se_abrem para a esquerda, em’ determinades polos da producto da sentengs. (Essa hipétese prediz que uma frase como: Jour friend's wife's father’s gardener's daughter's cat seja mais dificil de “processar” do que a versio equivalente que se abre para a direita The eat belonging to the daughter of the gardener of the father of the wife of the friend of John}. 4 A “hipétese de profundidade”, tal como formulada por Yngve, é quase certamente incorreta, pois que se apdia na (1) O exersplo foi maatido em inglés por ser tpico dessa lingue io encontar coiesondente en pomugues (Wh). “et TS 90 presuncio de que as sentengas sejam processadas pelos seres hamanos de modo seraclkante a como geradas no programa de computazo em que ele se vinha empenhando. Além disso, néo € claro que as estruturas que se abrem para a esquerda sejam, para os seres humanos, tia diflcies de “pro- cesar” como deveriam ser nos moldes da hipitese. O inglés dispde de uma variedade do construgées tanto recursivas & direita como recursivas & esquerda, Muito possivelmente ha- verd uma tendéacia geral, como afirma Yngve, de evitar excessiva “profundidade”, apelando para aquelas constru- ges. Existem, contudo, outras Iinguas, inclusive 0 turco & @ japonés, onde as construcies reoursivas se abrem predomi- nanlemente para a esqnerda. ‘Alémn disso, taf comme assinalou Chomsky a0 examinar a hipdtese de Yngve, sio as construghes auto-engastadoras (2 maneira da esemplilieada na figura 12) que aparentemente causam a difieuldade maior; ¢ isso no se pode explicar em termos da nocao de “profindidade”. Coma exemplo sim: ples de aulo-cngastamento, consideremos a seuteuga O Hinra que 9 homem deixou estd om cima da mesa. ‘Yemos aqui uma sentenca O homem deixou o Horo (estritamente falando, temos « sicessio subjacente a esta sentenca) engastada em meiv a O fivro esté em cima da mesa (@ sujelta avi outeas operagées, inclusive a amissio de Q livre na elias relativa engastada). A senlonga eomplesa resullante & pe feitanonle accitfvel. Engastemos, enlretanto, outra senten fem meio & clinsnla previamente cngastada: O liora que 0 hhomem que o jardineiro vin dettou esté em chna da mesa. F ponte controverse v de saber se tal sentenca & aveitivel fou nao. E se engaslarmos outra sentenca em meio a O jar dineiro vit, de modo a resultar, digamos, em: © Iivro que 0 homem que o jardineiro que eu ‘empreguei ontemn vin deixon esté em cima da mesa diremos certamente que o “resultado” & inaceitivel, Sen- tengas como essa, a despeito da simplicidade formal do proceso de auto-engastamento, sio inegavelmente dificeis de “processar”, tanto quando da procupao, coma quando da recepgio da fala, A explicagio, tal como assinala Chomsky, ol nao pode resiciz simplesmente ne fato de existirem limitagdes severas atingindo a meméria a curto termo (embora soja esse, indubitavelmente, um dos fatores em panta) porque construgdes auto-engastadas sto signilicativamente mais di- fiecis de “processar” do que outras construgées que derivam: do evgastamente de um elemento no meio © niio 4 esquerda ou A direita de uma sucessiio. Em outras palavras, todas as estruturas geradas por forca de uma regra que tenha a forma: KoViO) +W {onde V © W sin sucesstes de um ot mais elementos) en- yolvem 0 “atmazenamento” temporitio de W enquanto ¥ iver sendo “processado”. . auto-cngastamento corre quando uma regra teuha a propriedide mais especifiea de fazer com que X e@ Y adquiram o mesmo “valor” (como na tegra (4) acima). A identidade de X ¢ Y parece iutro- duzir complesidade adicional de. ponta de vista da producgio © da compreensiv, Chomsky © Miller sugeriram, como hips- tese capaz de. em principio, expticar esse falo, que o mee; nismo psicoligivo smbjacente ¢ de espécie tal que nie pacle on s6 com dificuldade poderia executar determinada oper fio se ja se eneontcar em meia A exccugin de aperagiie identica, Deve terse tomado claro, a partir dessa disenssiio em torna da hipétese: de “profundidade” de Yagve © da hipstese de Chomsky, wccrea do auto-engastamento, que a investig, sie das propriedades [ormais da geamétiea gerativa pedein resultar em sugestivas implieacdes para o estuilo dos “meca- nismos” psicolbgicos subjacentes ao descmpenho lingiistico. Concluindo este capitulo, faremos breve zeleréneia a alguns experimentos psicoldgicos inspirados pola sramética tran: formaliva, Deixamos referida no capituto anterior a maneiza como Chomsky explicava a rolagdo entre sentenca ativa e passiva correspondentes, entre sentencas afirmativas € negativas cor: respondentes, entre sentencas declarativas @ inferrogativas correspondentes, © assim por diante, através de recurso a um conjunto de regras transformativas opcionais (uma das quais, 02 a transformaciio passiva, examinamos com algum pormenor}. De acordo com essa anilise, as sentencas maicleares (senton- cas simples, afirmalivas, ativas, declarativas, da forma “Jono estava Jendo um livro”) eram mais simples, no que diz respeito ao nikmero de regras aplicadas, do que as sentengas nio-nucleares. Tornavarse tenlador postular que as scnten- gas nacleazes exam inais simples no apenas lingiiisticamente {isto é em termos de um particular modelo de competéncia), mas também psicologicamente e, admitindo estreila corres: pondéncia entre competéncia e desempenho, imaginar expe- rimento com o objelivo de submeter a teste a validade psi- coldgiea dos processas transformativos. Qs resultados de alguns experimentos iniciais foram muito eneorajadores. Mostrau-se, por exemplo, que as sentengas alivas podem ser reeordadas mais facilmente «lo que as sem tencas passivay & as sentencas afirmativas mais facilmente de alivas. De maneira ainda mais surpreencente, demoustrouse, eam base num experimento relacfonada com © Tempo nevessirio part respancer a diferentes tipos de sen- tengas, mo apenas que as laténcias, ou tempos de reacio, eram mais longos relativamente As sentencas passivas ¢ As. senlengas negativas, mas também que a diferenca entro a Taténcia relativa ds sentencas afirmativas alivas ¢ senlengas passivas negativas correspondentes, era igual 3 soma as ile rencas delat com referéncia a sentencas afirmativas alivas © afirmativas passivas, de um lado; @ com sefextocia a sentengas alirmativas alivas ¢ negalivas ativas, de outro lado. Isso poderia ser interpretado como confirmacéo da. hi potese de que se 0 “processamento” de sentengas inclufsse conjunto de operacies transformativas, cada uma das quais exigiria certa e determinada quantidade de tempo para ser levada a cfeito, que as iu Esses experimentas mostraram-se, em verdade, vieiados pelo fate de no tomazem em conta oumerosos fatores rele- vantes. Embora assinalemox a éiferenca entre senlengas ativas © passivas no portugnés, clara est que a maior “natu- ralidade” do uma e nia de outra depende do tipo de frase nominal eu dos nomes que ocarrem como sujcita e objeto 93 subjacentes, depende de serem eles definidos ou indefinidos, de se referircm a seres humanos ou a coisas, ete. Exemplifi cando: Joao estava lendo um livro & mais “natural” do que: Um livro estava sendo lido per Joao mas a sentenga passiva: Jodo foi atropelada por um automével & mais “natural” do que a sentenga ativa correspondente: Um attomével atropelou Jote A menos que as senlengas alivas e passivas correspondentes, que surjam nim experimento do Upo referido acima, seam ieuulmente Snaturais" ndo se pode ter cerlera a propésilo de onde reside a forte da complevidade psicoligiea adicio- val que esti sendo medida pela difecenga de lalénci: Outro falor potencialmente wlevante & a diferenga de extension entice as sentencas ativas © passivas eorresponelentes. Qualquer experiment que objetive submeter a teste a valle dade psicaldgica do uma determinada mexlelo gramatical deve, evidentemente, colovar sob controle todas as varkiveis de descmpenho que s¢jam relevantes ou poteneialinente rele. vantes, na medida em que possam elas ser determinadas. Nox anos mais recentes, os psicdloges cnjas pesqnisas se viram diretamente iospiradas pela. gruwitica gerativa’ parecem ter tomiado maior conscitneia desse probletna. 9 FILOSOFIA DA LINGUAGEM E DO ESPIRITO Passaremos agora das implicagées psicolégicas para as implicagties. mais filosificas da gramética_gerativa. Im- porta lembrar, entretanto, que essa distingio é tal como Goixci registradn 1 inicio da capitulo anterior, algo arbitra tia. Com eleite, faz parte da posigao de Chomsky afirma que a Hngitistion, a psicalogia ¢ a filosofia niin devem con- tinuar a ser encarachs como disciptinas separadas ¢ aut6nomas. Acredita Chomsky que a lingiifstiea pode tracer impor tante contribuicao para o estudo do espirite human © que, jf atualmente, proporeiona evidéncia em fayor de uma e nio de oulra posigao, na longa conlrovérsia filosélica entre racionalistas ¢ empirisias. A diferenga entre essas duas don trinas 6, em seu ponly extreme, a seguinte: alirmam os racio- nalistas que o espfrito (ou “razio” — ¢ dat o terme “saciona- lismo”) & a iiniea fomte do conhecimento humano, enquanto os empisistas sustentam que todo conheeimento deriva da exporigneia (“empirismo” deriva do vocdbulo grego corres- pondente a “experiéncia”). Hi, contudo, @ naturalmente, formulagdes menos extremadas dessa diferenca; ¢ no decurso da longa historia da filosofia ocidental o dehate enire cepre- sentantes des dois campos assnmiu variadas formas. Nos séeulos XVII ¢ XVII, e em boa parte da filosofia européia e norte-americana a partir daquela época, um dos prineipais pontos de controvérsia tern sido a relagio entre 0 95 espirito (se & que existe, e muitos empiristas o negariam) e nossa pereep¢io do mundo ambiente. Trata-se simples. mente de uma questo de segisiro passivo de impresstes sensoriais e de sua subseqiiente combinagio em ternos de leis “de associngio”, tal como sustentavam os empiristas in- gleses Tocke, Berkeley ¢ Hume? Qu ocorrerd, it maneira do que sustentavam filésolos como Descartes, que nossa pereep- sae © compreensio do mundo externo se apdiam em certo mimero de “idéias” {ou soja, conhecimento de ceztas pro- posigdes © certas principios ‘de interpretacio}, sendo tais “idéias” inatas e nio derivadas da experiéncia? A doutrina empitista exereeu grande influéncia sobre o desenvolvimento da psicolagia moderna; e, combinada com o fisicismo ¢ com o determinismo, fez-se responsive) pela com. cepeio defendida por muitos psicdlogos, segundo a gual o conhecimento humano ¢ © comportamento humano sao. in ramente determinados pela ambiente, nfo havendo, quanto a esse aspects, diferenca radical entre seres hnmanos ¢ otiteos animais ow mesmo entre avimais o méquinas. (Por “fisicisano” pretende-sv, neste conterto, indivar e sistema filosélico segundo © qqual lodos os chuneiados relatives a pensamentos, emogies © sensagies de uma pessoa podem ser eeformuladas para st apresentarem como cuunciados acerca de sua condigio cor poral © comportamenta ohservdvel, podende, assim, sev in- troduzida deatto do quadro das leis “Tisieas”; por “determi ism” de acurde com a qual todas os avontecimentos ¢ ferdmenvs fisicns, inclusive as acdes e deck. de seres humanos, que poderiamos considerar resultaiites ‘escalha” ou da “vontade livre”, sig delerminadas por acontecimentos ¢ fendmenos anteriores ¢ sujeitas as leis de causa ¢ efeito. de sorte que nossa improssio de liberdade de escolha é inteiramente ilusdria. O behaviorismo a que se fez releréncia quando do exame da teoria bleomficldiana da lin- guagem, no capftula 8, & portanto, uma versio particular do fisicismo ¢ do determinismo.} A concepgio de Chomsky acerca do homem & mnito diferente: acredita cle que os homens sio dotados de mme- tosas faculdades especifieas (que reunimos soh o nome “es- pirito”), que desempenham papel importantissimo na aqui- 96 sicio do conhecimento ¢ nos habilitam a agir como agentes livres, nfo determinados {embora nie necessariamente ima- nes), face a estimulos externos, provindos do ambiente, Tais so as questées que Chomsky enfrenta em muitos de seus mais recentes irabalhos ¢ de maneira especial em Cartesian Linguistics e Language and Mind. Antes de nos lancarmos a cssas Aguas profundas ¢ turbulentas, seri de conveniéncia examinarmos a evidéncia lingiifstica a que recorre Chomsky com ¢ fite de obter apoio para a sua filosofia racionalista. Tal como tivemos ocasiio de ver, a lingiiistica bloom- fieldiana estava notavelmente 9, por vezes, quase ostensiva- mente desinteressada de questées tedrieas do cardter geral. A maioria dos lingiiistas norte-americanos (e, importa admitir, vs lingiiistas de outras partes do mundo} se, hi dez. ot quinze anos ants, fossem consnltados acerea de qual seria © propasito principal da Tingitisties teriam provalmente res- pondido que cra o de “deserever as linguas”. Muito possi velmente, se sefeririam As vantagens priicas que 0 aprendi- ado da matéria assegusaria para antropdlogos, missiondrios @ ‘pessons outras, cija ceupacio 03 Ievasse a sc comunicarem com povos que falan uma lingua para a qual ainda wio foram excrilas gramitieas. ‘Teriam parads por ai. Muito poncos, talver, nenhum dentre cles, teria dado o tipo de resposta que Sapir sugerin para essa pergunta uo livso Langage, publi ado qana geraeio antes: que a Tingun merece estudlo por > & apandgio do homem ¢ indispensivel an pensaner Em verdade, & possivel que eles. conteaditas dade do uso da palassa “lingua”, no singular, tal como a empreguei, pois isso tende a impliear que todas as linguas possuem algo em comum, ¢ os bloomfieldianos, j4 0 vimos, se mostravam eéticos quanto a esse ponto, © proprio Bloom: field havia dito, em passagom fregiientemente citada, que “as iimicas generalizagoes titeis acerca da lingua sito as genera~ lizagSes indutivas” e que “tragos que julgamos dever consi- derar umiversais podem estar ausentes da prdxima lingwa que venhamos a conhecer”. A alitude de Chomsky, tal como ele a coloca em suas publicagées mais recentes, opie-se de mancita radical & de Bloomfield. Sustenta ele que o propésito central da Linguistica 7 ‘ & o de constrair uma teoria dedutiva da estrutura da lingua- gem humana que seja, a um tempo, suficientemente geral pare. aplicar-se a todas as linguas (nio somente a todas as linguas conhecidas, mas a todas as Mnguas possiveis — a este ponto relornaremos) ©, concomitantemente, nfo tao geral de modo a tornar-se passivel de aplicacio a outros si temas de comunieagio ou a qualquer outra coisa semelhante, que poderiamos nao desejar chamar linguas, Em oulras palavras, a lingiiistica deve determinar as propriedades uni- versais © essenciais da linguagem humana. Era verdade, ¢ como ele préprio reconbece, a posigio de Chomsky 6, nesse ponte, similar 2 do lingitista russo Roman Jakabson, que por muitos anos residir nos Estados Unides da América e de ha muito € um dos mais conhecidos criticos da tradigéo “blaom- fieldiana™ Tal como fskobs n, Chomsky acredita que existam certas unidades fonoldgicas, sintéticas e semanticas de cariter uni- versal, no na sentido de que estejam necessariamente pre- sentes em todas as linguas, mas 10 sentido algo diverso e talvez menos usual de que ser definidas indepen dentemente de sua_ocorréne qualquer Magna parti- cular e de que podem ser adas, quando ovorrem em lingaas particulares, com base na definigio que revebem dentro do ambite da teoria geral. Alirma-se, por oxemplo, que hi um conjunto fixo de mais de vinte tracos distintives de fonologia (e.g. 0 traco de enunciardo que distingue p de & ow ¢ ded na promtineia das palavras portuguesas “pote” e “bote” ¢ “toca” ¢ “daca” ou trago de nasalidade que distingue b de m ou d de nem “bate” e “mate” ou, no inglés, “pad” © “pan”). Nem todos esses tragos serio en- contrados nos fonemas de todas as linguas; mas dentre suas véaias combinacies posstveis, cada lingua faré, por assim di- zer, uma selegio propria, Coisa andloga se dard ao nivel da sinlaxe ¢ da seméntica. Categorias sintdtieas tais como Subs- tantivo, Verbo ou Tempo passado e componentes do signifi cado de palavras, tais como “masculino” ou “objeto fisico” pertencem a conjuntos fixos de elementos em termos dos quais & passivel descrever a estrutura sintdtica ¢ semantica de todas as Jinguas, embora em nenhuma lingua determinada se manifestem necessariamente todos os elementos reconheci- 98 0 REA A Re aT dos como “universais” pela teoria geral, Esses elementos fonolégicos, sintéticas e semfaticos constituem o que Choms- ky denomina universais substantivos da teoria lingitistica. Mais acentnadamente caracteristica do pensamento de Chomsky @ mais original & a énfase que pce naquile que chama universais formais; ou seja, 08 prineipins gerais que determinam a forma das regras e a maneira como operam: dentro do contexto de gramiticas de linguas particulares. As transformacies que relacionam as varias sentencas e cons- trucées, por exemplo, assevera Chomsky, “sao invariavel- mente dependentes de estrufura, no seatido de que se aplicam auma sucesso de palavras por forga da colovacio dessas palavras em frases” (Language and Mind, p. 51) Todas as transformagées que examinames no capitulo 7 (e de maneisa muito especial a transformacio passiva) essa condigdo de vex que. tal coma vimos, sua satisfazem aplicabilidade era deleciniaada pela possibilidade de anativat a sucessia “de entrada” como referéncia ao mareador de frase: associate (c isso G a que Chomsky pretonde dizer fa lande em “dependdncia de estrotara”}) Tmiporlante fate a. assinalar acerca da linguagem, diz Chomsky, & 6 de ave ela nao fax uso de operacées independentes de estrutura para relacionar, por exemplo, um tipo de septenga a outta, A lagio entre a sentenga declarativas Je © a correspondenle sentenga interrogativ: Esteve JoZio aqui ontem? io esteve aqui ontem pode parecer, & primeira vista, passivel de deserigio em termos de uma operagiv simples que leva a permatac, entry si, a primeira @ a segunda palavras (0 que se fax acompanbar de uma alteragio de enlonagio, que nin nos importaré aqui}. (NOTA: Chomsky pretende mostrar que a simples per- 0 rcferida 6 caso particular de una segra mais ampla. Essa tegra, mais ampli deve explicar inclusive a formagio de sen- 99

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