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Deu UESUUY entre octmues te meee ficagdo. Peguei-a e a rasguei em mil pedacos. Comida: Omelete de Amoras * 2/7 Bu eostumo contar esta antiga histéria aqueles que gostariam de fazer uma ‘experiéncia com figos ou com vinho de Falemo, com uma sopa de borscht ou com um pranzo caprese. Era uma vez um rei, que se dizia todo-poderoso e dono de todos ‘os tesouros da Terra, mas que, mesmo assim, nfo era feliz e ficava cada vez mais triste, de ano para ano. Um dia mandou chamar seu cozinheiro ¢ lhe disse: “Tens me servido fielmente todo esse tempo, e coberto minha mesa com as mais apetitosas iguarias e, por isso, te tenho aprego. Mas agora desejo uma tiltima prova de tua arte. Prepara-me a omelete de amoras, tal como a que saboreei hé cingienta anos, em minha tenra mocidade. Naquela ocasio, meu pai estava em guerra contra seu ter- rivel inimigo do Leste. Este venceu, e nés precisamos fugir. E, assim, fugimos dia ¢ noite, meu pai e eu, até chegarmos a uma floresta sombria. Nés erramos por ela, € estdvamos prestes a sucumbir de fome e cansago quando, finalmente, nos depara- mos com/uma cabana. L4 morava uma velhinha, que amavelmente nos convidou para descansar, pondo-se a preparar alguma coisa no fogdo. Pouco tempo depois, lé estava a omelete de amoras diante de nds. Porém, mal tinha eu levado 4 boca o primeiro pedaco e j4 me senti maravilhosamente reconfortado, e com renovada esperanca no coragio. Naquela ocasido, eu ainda era muito jovem, e por muito tem- po néo pensei mais nos beneficios daquela iguaria deliciosa. Mais tarde, porém, quando mandei procuré-la por todo o reino, nfo se encontrou nem a velha nem ninguém que soubesse preparar a omelete de amoras. Se atenderes a este meu tilti- mo desejo, farei de ti meu genro e herdeiro do reino. Se, porém, no me satisfi- zeres, deverds morrer.” E 0 cozinheiro respondeu: “Senhor, chamai imediatamente © carrasco. Pois mesmo conhecendo o segredo da omelete de amoras ¢ todos os seus ingredientes, do simples agrido a0 nobre tomilho; mesmo sabendo qual o verso que se deve dizer a0 mexer a panela, ¢ de que modo 0 molinitho de madeira de buxo deve ser girado, sempre para a direita, para que afinal no ponha a perder todo 0 nosso esforgo — mesmo assim, 6 Majestade, terei de morrer. Pois, ndo obstante, minha omelete ndo agradard ao Vosso paladar. Pois como poderia eu temperéla com tudo aquilo que Vés saboreastes naquela ocasifo: 0 perigo da batalha e acau- tela do perseguido, 0 calor do fogo e 0 aconchego do repouso, 0 presente desconhe- cido € 0 negro futuro.” Assim falou o cozinheiro. O rei, porém, silenciou por um instante e, 20 que consta, pouco depois desobrigou-o de seus servigos, regiamente carregado de presenges. 1930 ‘* Walter Benjamin, “Essen: Maulbeer- Omelette", in: G.S., 1V, pp. 380-81. 186

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