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Conflitos na História do Brasil

- Período Republicano -
República Velha

Guerra do Contestado: 1912-1916

A Guerra do Contestado, em linhas gerais, foi um conflito armado, entre a população cabocla e os
representantes do poder estadual e federal brasileiro travado entre outubro de 1912 a agosto de
1916, numa região rica em erva-mate e madeira pretendida pelos Estados do Paraná, Santa Catarina
e até mesmo pela Argentina. A Guerra do Contestado terá tido origem em conflitos sociais latentes
na região, fruto dos desmandos locais, em especial no tocante à regularização da posse de terras por
parte dos caboclos. Representando, ao mesmo tempo, a insatisfação da população com sua situação
material, o conflito era permeado pelo fanatismo religioso, expresso pelo messianismo e pela
crença, por parte do caboclos revoltados, de que se tratava de uma guerra santa.

Preliminares: o poder dos Monges

Para entender-se bem a Guerra Sertaneja do Contestado, é preciso voltar um pouco no tempo e
resgatar o valor da figura de três monges da região. O primeiro monge que galgou fama foi João
Maria, um homem de origem italiana, que peregrinou pregando e atendendo doentes de 1844 a
1870. Fazia questão de viver uma vida extremamente humilde, e sua ética e forma de viver
arrebanhou milhares de crentes, reforçando o messianismo coletivo. Sublinhe-se, porém, que não
exerceu influência direta nos acontecimentos da Guerra do Contestado que ocorreria
posteriormente. João Maria morreu em 1870, em Sorocaba, Estado de São Paulo.
O segundo monge também adotou o codinome (alcunha) de João Maria, mas seu verdadeiro nome
era Atanás Marcaf, provavelmente de origem síria. Aparece publicamente com a Revolução
Federalista de 1893, partidário dos maragatos, mostrando uma postura firme e uma posição
messiânica. Chegou, inclusive, a fazer previsões sobre os fatos políticos da sua época. Atuava na
região entre os rios Iguaçu e Uruguai. É de destacar a sua influência inquestionável sobre os
crentes, a ponto de estes esperarem a sua volta através da ressurreição, após seu desaparecimento
em 1908.
As entrelinhas do que estava por vir estavam se amarrando entre si. A espera dos fiéis acaba em
1912, quando apareceu publicamente a figura do terceiro monge. Este era conhecido inicialmente
como um curandeiro de ervas, tendo se apresentado com o nome de José Maria de Santo Agostinho,
ainda que, de acordo com um laudo da polícia da Vila de Palmas, Estado do Paraná, ele fosse, na
verdade, um soldado desertor condenado por estupro, de nome Miguel Lucena de Boaventura.
Como ninguém conhecia ao certo a sua origem, como aparentava uma vida reta e honesta, não lhe
foi difícil granjear em pouco tempo a admiração e a confiança do povo. Um dos fatos que lhe
granjearam fama foi a presunção de ter ressuscitado uma jovem (provavelmente apenas vítima de
catalepsia patológica). Teria também curado a esposa do coronel Francisco de Almeida, vítima de
uma doença incurável. Com este episódio, o monge ganha ainda mais fama e credibilidade ao
rejeitar terras e uma grande quantidade de ouro que o coronel, agradecido, lhe queria oferecer.
A partir daí, José Maria passa a ser considerado santo: um homem que veio à terra apenas para
curar e tratar os doentes e necessitados. Metódico e organizado, estava muito longe do perfil dos
curandeiros vulgares. Sabia ler e escrever e anotava em seus cadernos as propriedades medicinais
das plantas encontradas na região. Com o consentimento do coronel Almeida, montou no rancho de
um dos capatazes o que chamou de farmácia do povo, onde fazia o depósito de ervas medicinais
que utilizava no atendimento diário, até horas tardias da noite, a quem quer que o visitasse.
Estopim aceso

O estopim ainda estava por acender. Uma empresa estrangeira foi, então, designada para terminar a
construção da estrada de ferro que tinha sido iniciada em 1890 por intermédio do engenheiro João
Teixeira Soares. Esta ferrovia iria ligar as cidades de São Paulo a Santa Maria, no Rio Grande do
Sul. Com a desistência do engenheiro Teixeira, a concessão desta estrada foi transferida, em 1908,
para a Brazil Railway Company, uma empresa norte-americana pertencente a Percival Farquhar.
Além do direito de terminar as obras, ganhou do governo o direito de explorar uma faixa de 30
quilômetros, 15 quilômetros de cada lado da ferrovia. A Companhia desapropriou legalmente as
terras que a margeavam e ofereceu trabalho no canteiro de obras da ferrovia à s famílias de
posseiros que foram desapropriados. Ao mesmo tempo, a concessão garantia que outra empresa
coligada ao consórcio, a Southern Brazil Lumber & Colonization, passasse a explorar e
comercializar a madeira da região, com o direito de revender as terras desapropriadas ao longo da
ferrovia.
Enquanto houve serviço, tudo foi bem. Calcula-se que cerca de 8000 homens trabalharam nas obras
da estrada de ferro: trabalhadores provenientes da população urbana do Rio de Janeiro, de Santos,
Salvador e Recife, com fé na promessa de muitas vantagens e altos salários.
Quando as obras terminaram, uma população enorme de camponeses ficou sem ter o que fazer e
para onde ir. Situação idêntica à de um grande número de trabalhadores de fora que não retornaram
à s cidades de origem porque foram apenas demitidos pela companhia que não honrou o
compromisso de os levar de volta quando chegasse o fim dos trabalhos.
Esta situação era semelhante à dos camponeses expulsos de suas terras por parte de poderosas
empresas madeireiras que também vinham se instalando na região. Neste contexto de miséria e
pobreza entre os caboclos, entrou em cena o monge santo, que inflamaria os habitantes do território
contestado contra a situação que estavam enfrentando e contra a ocupação e exploração de terras
por parte de empresas estranhas à região.

Primeiras mortes

O governo brasileiro, então comandado pelo Marechal Hermes da Fonseca, responsável pela
Política das Salvações, caracterizada por intervenções político-militares que em diversos Estados do
país pretendiam eliminar seus adversários políticos, sentiu indícios de insurreição neste movimento
e decidiu reprimi-lo, enviando tropas para acalmar os ânimos.
Antevendo o que estava por vir, José Maria parte imediatamente para a localidade de Irani com
todo o séquito carente que o acompanhava. Irani, nesta época, pertencia a Palmas, cidade que
estava na jurisdição do Paraná. Como Paraná e Santa Catarina tinham questões jurídicas não
resolvidas por conta das divisas de seu território, o Paraná viu nessa grande movimentação de
pessoas uma estratégia de ocupação daquelas terras por parte do Estado vizinho de Santa Catarina.
A guerra do Contestado inicia-se neste ponto: em defesa das terras paranaenses, várias tropas do
Regimento de Segurança do Paraná são enviadas para o local, a fim de obrigar os invasores a voltar
para Santa Catarina. Estamos em outubro de 1912.
Mas as coisas ocorrem bem diferente do planejado. Tem início um confronto sangrento entre tropas
do governo e fiéis do Contestado no lugar chamado Banhado Grande. Ao término da luta, estão sem
vida dezenas de pessoas, de ambos os lados, e grande quantidade de material bélico do Paraná passa
para a mão dos revoltosos. Morreram no confonto o coronel João Gualberto, que comandava as
tropas, e também o monge José Maria, mas os partidários do contestado tinham conseguido a sua
primeira vitória.
José Maria é enterrado com tábuas pelos seus fiéis, a fim de facilitar a sua ressurreição, já que os
caboclos acreditavam que este ressuscitaria acompanhado de um Exército Encantado, vulgarmente
chamado de Exército de São Sebastião, que os ajudaria a fortalecer a Monarquia Celeste e a
derrubar a República, que cada vez mais acreditava-se ser um instrumento do diabo, dominado
pelas figuras dos coronéis.

O controle começa a mudar de lado

Com a ordem social cada vez mais caótica na região, o governo central designa o general Carlos
Frederico de Mesquita, veterano de Canudos, para comandar uma ação contra os rebeldes.
Inicialmente tenta, sem êxito, um acordo para dispensar os revoltosos; a seguir ataca duramente
Santo Antônio, obrigando os rebeldes a fugir. O reduto de Caraguatá, que antes vira as tropas do
governo fugirem perseguidas por revoltosos, tem agora de ser abandonada à s pressas pelos
mesmos revoltosos devido a uma grande epidemia de tifo. Considerando, equivocadamente,
dispersos os revoltosos, o general Mesquita dá a luta por encerrada.
Mas a calmaria terminaria logo. Os revoltosos rapidamente se reagrupam e se organizam na
localidade de Santa Maria, intensificando os ataques: tomam e incendeiam a estação de Calmon;
dizimam a vila de São João (Matos Costa), atacam Curitibanos e ameaçam Porto União da Vitória,
cuja população abandona a cidade em desespero.
Os boatos chegam até Ponta Grossa e dizem que os revoltosos e seu exército pretendem marchar até
o Rio de Janeiro para depor o Presidente. Os rebeldes já dominam, nesta altura dos acontecimentos,
cerca de 25000 km² da região do Contestado.
O governo federal joga uma outra, e ainda mais dura, cartada: nomeia o general Setembrino de
Carvalho para o comando das operações contra os Contestadores. Então, em setembro de 1914,
chefiando cerca de 7000 homens e com ordens de sufocar a rebelião e pacificar a região a qualquer
custo, chega a Curitiba o general Setembrino de Carvalho. A primeira e mais imediata providência
foi restabelecer as ligações ferroviárias e guarnecer as mesmas para evitar que fossem novamente
atacadas. Como apoio de operações de guerra, pela primeira vez na história da América Latina
foram usados 2 aviões para fins de reconhecimento que não chegaram a efetivar o seu emprego no
Teatro de Operações, devido a um acidente, envolvendo o então piloto tenente Kirk.
Astutamente, Setembrino envia um manifesto aos revoltosos no qual garantia a devolução de terras
para quem se entregasse pacificamente. Garantia também, por outro lado, um tratamento hostil e
severo para quem resolvesse continuar em luta contra o governo.

Mudança de estratégia

Com o passar do tempo, Setembrino adota uma nova postura de guerra, evitando o combate direto,
que era o que os revoltosos esperavam e para o que estavam se preparando, optando, pelo contrário,
por cercar o reduto dos fanáticos com tropas por todos os lados, evitando que entrassem ou saíssem
da região onde estavam. Para isto, o general dividiu seu efetivo em quatro alas com nomes dos
quatro pontos cardeais, norte, sul, leste e oeste e, gradativamente, foi avançando e destruindo
qualquer resistência que encontrasse pelo caminho.
Com esta nova estratégia, rapidamente começou a faltar comida nos acampamentos dos revoltosos.
Isto teve como conseqüência imediata a rendição de dezenas de caboclos. Contudo, a maioria dos
que se entregavam eram velhos, mulheres e crianças - talvez uma contra-estratégia dos fiéis para
que sobrasse mais comida aos combatentes que ficaram para trás e que ainda defenderiam a causa.
Neste ponto da guerra do Contestado, começa a se destacar a figura de Deodato Manuel Ramos,
vulgo "Adeodato", considerado pelos historiadores como o último líder dos Contestadores.
Adeodato transfere o núcleo dos revoltosos para o vale de Santa Maria, que contava ainda com
cerca de 5000 homens. Só que aí, à medida que ia faltando o alimento, Adeodato passa a revelar-se
cada vez mais autoritário, não aceitando a rendição. Aos que se entregavam, aplicava sem dó a pena
capital: a morte.
Cerco fechado, sem pressa e deixando os revoltosos nervosos lutarem contra si mesmos, em 8 de
Fevereiro de 1915 a ala Sul, comandada pelo tenente-coronel Estillac, chega a Santa Maria. De um
lado as forças do governo, bem armadas, bem alimentadas, de outro, rebeldes também armados, é
verdade, mas famintos e sem ânimo para resistir muito tempo. A luta inicial é intensa e, à noite, o
tenente-coronel ordena a retirada, afinal, já contabilizara só no seu lado 30 mortos e 40 feridos.
Novos ataques e recuos ocorreram nos dias seguintes.
Em 28 de Março de 1915,o capitão Tertuliano Potyguara parte da vila de Reinchardt com 710
homens em direção a Santa Maria, perdendo só em emboscadas durante o trajeto, 24 homens.
Depois de vários confrontos, num deles Maria Rosa, a líder espiritual dos rebeldes, morre à s
margens do rio Caçador. Em 3 de Abril, as tropas de Estillac e Potyguara avançam juntas e
ordenadas para o assalto final a Santa Maria, onde restavam apenas alguns combatentes já quase
mortos pela fome.
Em 5 de Abril, depois do grande assalto a Santa Maria, o general Estillac registra que "tudo foi
destruído, subindo o número de habitações destruídas a 5000 (...) as mulheres que se bateram como
homens foram mortas em combate (...) o número de jagunços mortos eleva-se a 600. Os redutos de
Caçador e de Santa Maria estão extintos. Não posso garantir que todos os bandidos que infestam o
Contestado tenham desaparecido, mas a missão confiada ao exercito está cumprida". Os rebeldes
sobreviventes se dispersaram em muitas cidades.
Em dezembro de 1915 o último dos redutos dos revoltosos é devastado pelas tropas de Setembrino.
Adeodato foge, vagando com tropas no seu encalço. Consegue, no entanto, escapar de seus
perseguidores e, como foragido, ficou ainda 8 meses escondendo-se pelas matas da região. Mas a
fome e o cansaço, além de uma perseguição sem trégua, fizeram com que Adeodato se rendesse.
Encerrava-se então, em agosto de 1916, com a prisão de Adeodato, a Guerra do Contestado.
Adeodato foi capturado e condenado a 30 anos de prisão. Entretanto, em 1923, 7 anos após ter sido
preso, Adeodato é morto pelo próprio diretor da cadeia numa tentativa de fuga.
Na data de 12 de outubro de 1916, os governadores Filipe Schimidt (de Santa Catarina) e Afonso de
Camargo (do Paraná) assinaram um acordo e o município de Campos de Irani passou a chamar-se
Concórdia.

Estatísticas do Confronto
• Área conflagrada: 20.000 km²
• População da época envolvida na área de conflito: aproximadamente 40.000 habitantes
• Municípios do Paraná, na época: Rio Negro, Itaiópolis, Timbó, Três Barras, União da
Vitória e Palmas
• Municípios de Santa Catarina, na época: Lages, Curitibanos, Campos Novos e Canoinhas

Alguns Antecedentes e Precedentes


• Ação judicial de Santa Catarina contra o Paraná em 1900, por limites
• Decisões judiciais do STF pró-Santa Catarina em 1904, 1909 e 1910
• Revolta do ex-maragato Demétrio Ramos na zona do Timbó, em 1905 e 1906
• Construção da Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande, de 1908 a 1910
• Criação dos Municípios de Canoinhas (Santa Catarina) e de Itaiópolis, de Três Barras e de
Timbó (Paraná)
• Instalação da Southern Brazil Lumber & Colonization em Calmon (1908) e em Três Barras
(1912)
• Construção do Ramal de São Francisco, a partir de 1911
• 1911: Revolta do ex-maragato Aleixo Gonçalves de Lima em Canoinhas
• 1910-1912: Questão de terras da Fazenda Irani e da Cia. Frigorífica e Pastoril
• Combate no Banhado Grande, em Irani, em outubro de 1912
• 1911: Escrituração de glebas de terras devolutas do Contestado para a EFSPRG
• Disputas pela exploração dos ervais - concessões de Estados e Municípios
• Vendas suspeitas de terras no Contestado, do Estado para especuladores – bendegós
• Disputas eleitorais entre os coronéis da região pelos domínios políticos nos municípios
• Espírito guerreiro do Caboclo Pardo (Revolução Farroupilha e Revolução Federalista)
• Religiosidade: Messianismo, misticismo e fanatismo da população cabocla
• Ideologia Nacionalista – Civilismo na República – Reestruturação do Exército

Mais dados importantes


• Início da Guerra: outubro de 1912
• Tempo da Guerra: 46 meses (out/1912 a ago/1916)
• Auge da Guerra: Março-abril de 1915, em Santa Maria, na Serra do Espigão
• Final da Guerra: Agosto de 1916, com a captura de Adeodato, o último líder do Contestado
• Combatentes militares no auge da Guerra: 8.000 homens, sendo 7.000 soldados do Exército
Brasileiro, do Regimento de Segurança do Paraná, do Regimento de Segurança de Santa
Catarina, mais 1.000 civis contratados.
• Exército Encantado de São Sebastião: 10.000 combatentes envolvidos durante a Guerra.
• Baixas nos efetivos legalistas militares e civis: de 800 a 1.000, entre mortos, feridos e
desertores
• Baixas na população civil revoltada: de 5.000 a 8.000, entre mortos, feridos e desaparecidos
• Custo da Guerra para a União: cerca de 3.000:000$000, mais soldados militares
• A Guerra do Contestado durou mais tempo e produziu mais mortes que a Guerra de
Canudos, outro conflito semelhante em terras do Brasil.
• Em cinco anos de guerra, 9 mil casas foram queimadas e 20 mil pessoas mortas.

Algumas Conseqüências Imediatas


• 20/10/1916: Assinatura do Acordo de Limites Paraná, Santa Catarina, no Rio de Janeiro;
• 07/11/1916: Manifestações nos municípios do Contestado-Paranaense contra o acordo;
• De maio a agosto de 1917: Sublevação popular no Contestado-Paranaense, pró Estado das
Missões;
• Maio e junho de 1917: Ascensão e assassinato do monge Jesus Nazareno;
• 03/08/1917: Homologação final do Acordo de Limites;
• Setembro de 1917: Instalação dos municípios de Mafra, Cruzeiro e de Porto União;
• 1918: Reinício da colonização no Centro-Oeste Catarinense, por empresas particulares;
• Janeiro e maio de 1920: Revolta política em Erval e Cruzeiro;
• Março de 1921: Revolta de caboclos contra medição de terras, entre Catanduvas e Capinzal.

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