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1. Onus de prova 1.1. Regra: os factos constitutivos A regra em direito é que, quem alega um determinado facto, tem a obrigagao de prova-lo. E 0 que conceptualmente se designa de énus de prova. O artigo 342.° do Cédigo Civil preceitua precisamente esta regra. No entanto, a lei circunscreve a obrigagao de prova dos factos que sejam constitutivos do direito que se alega, isto é, aqueles que servem de fundamento ¢ que substancialmente configuram uma determinada posigao juridica. 1.2. Factos impeditivos, modificativos e extintivos Além de factos constitutivos, existem factos impeditivos e modificativos. Os primeiros sao os factos susceptiveis de obstar a que um direito invocado se tenha validamente constituido (v.g., ineapacidade, simulagio, erro, dolo, etc.) e ainda os que, operando ab initio, apenas retardem o surgir desse direito ou a sua exequibilidade. Por sua vez, os factos modificativos so os que os que podem ter alterado 0 direito que seja invocado, tal como ele validamente se constituiu (v.g., a mudanga de local de uma servidao de passagem). Finalmente, os factos extintivos so aqueles tenham produzido a cessagio de um determinado direito, depois de este ja validamente formado (v.g. condigao resolutiva, termo peremptério, pagamento, prescrigao, etc.). énus de prova destes factos pertence a parte contra quem é invocada a existéncia de um determinado direito. Por exemplo, se uma parte alega que forneceu a pedido da parte contraria uma determinada quantidade de mercadoria, compete-lhe provar esse fornecimento. A parte contraria cumpre provar qualquer facto que impeca, modifique ou torne extinto o direito do fornecedor. E por isso que quem alega um determinado fornecimento nao tem que provar que o comprador ndo pagou o prego, antes é a este que incumbe provar que pagou o prego, sob pena de, ndo 0 fazendo, ser condenado a proceder a esse pagamento. 2. Inverso do énus de prova 2.1. Introdugio Existem, contudo, situagdes que constituem uma excepgao a regra de repartigdo do énus de prova conforme a natureza dos factos que esteja em causa. O conhecimento deste regime é muito relevante porque uma configuragao da prova no sentido contrario ao regime legal pode conduzir & perda de uma causa. 2.2. Acces de simples apreciagio negativa Estas acces visam unicamente obter a declaragdo da inexisténeia de um direito ou de um facto [art.’ 4°, n.° 2, al. a) do Cédigo de Processo Civil] - ndo envolvem o reconhecimento de um direito a constituir ou a condenagdo da parte contraria a reconhecé-lo ou a cumpri-lo. A classificagao de uma acgdo como de simples apreciagdo depende do pedido formulado, pressupondo ainda a andlise de um direito ou facto concreto e de uma situagdo de incerteza grave. So exemplos de acgdes de simples apreciagdo negativa, as acgdes de impugnagdo de justificagZo notarial e ainda uma acgdo em que se formule o pedido de apreciagao de que nada se deve (v.g., a.um fornecedor). Precisamente nestes casos, ¢ de acordo com o disposto no art.° 343.°, n. 1 do Cédigo Civil, compete a parte demandada o énus de prova dos factos constitutivos da existéncia do direito cuja inexisténcia a parte demandante pretende ver ser declarada. Ou seja, ocorre a inversdo do énus de prova, E compreende-se que a: itui principio que a parte contra quem é invocada a inexisténcia de um direito, esta em melhores condigdes de provar que esse direito existe, jd que um facto negativo é sempre de prova mais dificil do que um facto positivo. A inversio do énus da prova em beneficio do titular do direito que bencficia de presungio, radica no facto desta ser j4 a prova, ainda que impugnavel, da sua existéncia e da sua titularidade. 2.3. Presuncées legais Do mesmo modo, quando uma parte beneficie de presungdes legais, compete parte contrdria a prova dos factos que possam elidir es presungo, para que deixe de valer enquanto tal. 2.3.1. E 0 que sucede, designadamente, com a presungdo decorrente do disposto no art.” 7.° do Cédigo do Registo Predial. Segundo este preceito, quem tem um prédio registado a seu favor na Conservatéria do Registo Predial goza da presuncio legal da titularidade do direito de propriedade correspondente (ou de outro direito real, conforme o caso). A parte contriria se pretender fazer reverter para si esse direito tem que alegar e provar factos que destruam essa presungao legal, a saber, factos que permitam concluir que esse direito real, apesar de registado a favor de uma pessoa, efectivamente é por si exercido e titulado, de acordo com os requisitos que a lei faz depender esse reconhecimento. 2.3.2. Outra situago, também muito recorrente nos Tribunais, verifica-se em sede de acidentes de viagao, no ambito do art.° 503.”, n.° 3 do Cédigo Civil, que estabelece uma presungdo de culpa do condutor do veiculo por conta de outrem pelos danos que causar, aplicavel nas relagdes entre ele como lesante ¢ o titular ou titulares do direito a indemnizagao (eft. Assento do STJ, n.° 1/83, de 14.04). Isto é, quando alguém conduza um veiculo sob a ordens e no interesse de terceiro (v.g., de uma sociedade comercial de que 6 funciondrio), a lei presume que esse condutor tem a culpa, respondendo pelos danos que causar, salvo se provar que nao houve culpa da sua parte. Tem, assim, que alegar e provar que a culpa na produgio do sinistro & imputavel no todo ou em parte ao condutor do outro veiculo, sob pena de ndo o fazendo, ser obrigado a indemnizar. 2.3.3. O mesmo sucede ao proprietario ou possuidor de edificio ou outra obra que ruir, no todo ou em parte, por vicio de construgao ou defeito de construgio. Salvo se provar que ndo houve culpa da sua parte (0 que é de prova muito dificil) ou que, mesmo com a diligéncia devida, se nao teriam evitado os danos, ter que responder pelos danos causados (art. 492.°, n° 1 ex vi art 487°, n° 1 in fine do Cédigo Civil). Concomitantemente, quem tiver em scu poder coisa mével ou imével ¢ bem quem tiver assumido 0 encargo de vigildncia de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que ndo teve culpa ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que ndo houvesse culpa sua (art. 493.° do Cédigo Civil). 2.4. Caducidade A caducidade de uma aegdo corresponde a verificagao do decurso de um determinado prazo para que uma determinada acgdo pudesse ser instaurada. Findo esse prazo, a parte ndo pode exercer judicialmente o direito que até esse momento era titular. Contudo, salvo nos casos em que essa excepgdo peremptéria possa ser conhecida oficiosamente pelo Juiz (que apenas & admissivel quando a acgio verse sobre matéria excluida da disponibilidade das partes - art.° 333.°, n.° 1 do Cédigo Civil), compete & parte demandada 0 dnus de alegagdo e prova da caducidade do direito de accionar. 2.5. Recusa de cooperacaio Finalmente, 0 art.” 519.°, n.° 2 do Cédigo de Processo Civil e o art.° 344.°, n° 2 do Cédigo Civil estabelecem expressamente a inversio do énus de prova quando uma determinada parte tiver culposamente tomado impossivel a prova a quem tivesse o énus de a efectivar, designadamente recusando a exibigdo de documentos que apenas a mesma tenha em seu poder ou possa obter, sem prejuizo de outras sangdes que a lei admita sejam aplicadas 4 desobediéncia ou falta de declaragdes. Sendo a recusa ilegitima, verifica-se a inversdio do énus de prova, que contudo pressupde que tenha havido uma recusa de cooperagdo processual por uma das partes que tenha tornado culposamente impossivel a prova ao onerado. A jurisprudéncia tem, no entanto, considerado que nio se verifica a inversio do énus de prova quando nao exista uma indicagdo precisa de que a parte disponha dos meios de prova que Ihe forem solicitados e se verifique, por outro lado, que os elementos instrutérios relevantes poderiam encontrar-se na posse de uma entidade administrativa, a quem poderiam ter sido requisitados.

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