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OS DE PESQUISA EM ADMINISTRACAO odo sao interdependentes. Ambos buscam realizar o objetivo da ferecenclo resposta ao problema que suscitou investigacao, Consciente relagio teoria/método, este liyro elene 0 método ¢ apresenta alguns sposi¢ao do pesduiisader. A separacao da teoria dé-se aqui apenas para 8 tum livro prético, Ble estd estruturado em 22 capitutos, cada um deles do iin método diferente, por ordem alfabética. Sao cles: andlise de nilse do disciirso, analogias e metdforas, construcao de desenhos, cdo, ethiografia, fenomenologia, fotoetnografia, grounded theory, grupos téria oral, historiogralla, niapas cognitivos, mapas de associacao de do Delphi, metodologia reflexiva, netnografia, pesquisa-acao, téenieas mento, téenicas de cotstrucao, teste de evocagao de palavras € x \étodlo so explicitadés suas palavras-chaves, suas caracteristicns comio.ulilito, alem de exemplos de sei uso em pesquisas ja Na seco sobre como ufllizar sao apresentados passos bisicos Ges operacionais para oleitor. o ado a estudantes de pés-graduagao e de graduacao dos cursos de 0, Educagao e Ciencias Humanase Socias, tm cache miler ankibr | JENS OYOVULSININGY Wa VSINOSad Ad SOGOLAW Sylvia Constant Vergara METODOS DE PESQUISA EM _ ADMINISTRACAO Métodos de Pesquisa em Administragao Taine Gers “Exempla ho Prafessor Podiios F (gtys201-8028 Fax. (31)8220-7475 Eat, eatioacnghedllas com, br Sylvia Constant Vergara Métodos de Pesquisa ~ em Administragao w EDITORA ATLAS S.A. Rua Conselheiro Nébias, 1384 (Campos Elisios) 01203-904 Sao Paulo (SP) ‘Tel: (0 __ 11) 3357-9144 (PABX) ‘wwwatlasnet.com.br SAO PAULO EDITORA ATLAS S.A. - 2005 © 2004 by EDITORA ATLAS S.A. ‘Capa: Zendrio A. de Oliveira Composigdo: Formato Servigos de Editoragio $/C Leda, Dados Internacionais de Catalogagio na Publicagio (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SB Brasil) Vergara, Syvia Constant Métodos de pesquisa em administragso / Sylvia Constant Vergat Atlas, 2005, ~ Sto Paulo : Libliograts ISBN 85-2243963.X 1. Administregao ~ Pesquisa 2. Pesquisa ~Metodologia 1. Tul, 04-7735 ‘cpp-658,0072 Indices para catélogo sistematico: 1. Administrago : Pesquise : Pojetoserelatérios 658.0072 2, Pesquisa: Projets erelatéros Administragio 658.0072 ‘TODOS 0S DIREITOS RESERVADOS ~ & proibida a reprodugo total ou parcial, de qualquer forma ou por qualquer meio. A violacéo dos direitos de autor (Lei n®9.610/98) & crime ‘estabelecio pelo artigo 184 do Cédigo Penal Depésito legal na Biblioteca Nacional conforme Decreto nt 1.825, de 20 de dezembro de 1907, Impresso no Brasil/Printed in Brasil Para Lucas, que me transborda de amor o coraciio. Para Ana Paula, que me vivifica a crenca na competéncia, no cardter e nas relagdes de imensa afetividade. Sumario Apresentagdo, 9 Anilise de Contestdo, 15 Anilise do Discurso, 25 Analogias e Metaforas, 37 Construgio de Desenhos, 49 Desconstrugéo, 62 Etnografia, 72 Fenomenologia, 84 Fotoetnografia, 92 Grounded Theory, 101 10 Grupos de Foco, 111 11 Histéria Oral, 121 12 Historiografia, 130 13. Mapas Cognitivos, 142 14 Mapas de Associagao de Idéias, 157 15 Método Delphi, 172 8 utroo0s we PESQUSA EK AKasTHAGAO 16 Metodologia Reflexiva, 185 17 Netnografia, 195 18 Pesquisa-acdo, 203 19 Técnicas de Complemento, 217 20 Técnicas de Construgio, 229 21 Teste de Bvocagao de Palavras, 243 22 Triangulagao, 257 Uma Palavra Final, 267 Bibliografia, 269 Apresentagao Houve um tempo em que teoria método eram vistos, na pratica, como independentes. Em algumas instituigdes, os estudantes até dispunham de um otientador para o contetido te6rico e outro para o método de investigacao, quase sempre de base positivista. Essa percepgao de independéncia suscitava discussdes sobre o que seria mais importante: a teoria ou o método? Nao era raro encontrar posicionamentos pela prevaléneia do método, razo pela qual muitos cursos de metodologia optaram pelo ensino de métodos pontuais. A iscussdo, no entanto, hoje parece espitria, Teoria e método sdo interdependentes. Ambos buscam realizar o objeti- vo da pesquisa, seja ele descrever, explicar, descobrir, compreender, predizer determinado fenémeno. A teoria pode gerar e dar forma ao método e 0 con- trério também é verdadeiro. Ambos se nutrem, Se o resultado que uma inves- tigagdo alcanga confirma a teoria existente, o estudo pouco acrescenta a com- preenséo jé dominante de um fendmeno, embora isso também tenha 0 seu valor. Se o resultado redimensiona ow refuta a teoria, altera, significativamente, tal compreensao. E.0 método utilizado tem grande importancia nesse processo. Entenda-se aqui por método a intervencio do pesquisador, sua atividade ‘mental consciente para realizar 0 papel cognitivo da teoria, O método, como diz Morin (1996, p. 335), alimentado de “estratégia, iniciativa, invengGo, arte”, estabelece uma relagao com a teoria capaz de propiciar a ambos regenerarem- se mutuamente pela organizagdo de dados e de informacées. 0 método tam- bém aproxima o investigador do fenémeno estudado. Como Morgan (1983, p. 21) assevera, “metodologias sao esquemas de resolucio de problemas que 10 scro00s be resquisa en ADnanisrRAGKO diminuem a distancia entre a imagem sobre o fenémeno e o proprio fenéme- 1no”. Regras e procedimentos operacionalizam a posic&o epistemol6gica do pes- quisador. Este livro, consciente embora da relagio teoria/método, elege o método apresenta alguns postos & disposicio do pesquisador. A separagio, aqui, da teoria dé-se, portanto, néo por crenga epistemolégica, mas para fins didaticos. Apenas. O pesquisador certamente sabera escolher aquele método que é mais, adequado (3) teoria(s) que suporta(m) seu estado, ao problema que suscitou sua investigagao e o faré dentro de seus pressupostos epistemol6gicos. Epistemologia esté referida ao conhecimento, & crenga de como ele pode ser transmitido: se de forma tangivel, objetiva, ou se mais subjetivamente, mais baseado na experiéncia pessoal. Epistemologia positivista, por exemplo, pro= cura explicar e predizer 0 que acontece no mundo social, buscando regulati- dades e relacionamentos causais entre seus elementos constituintes (BURRELL © MORGAN, 1979). 0 método hipotético-dedutivo, um método-raiz. que abri- ga métodos pontuais, ¢ adequado & epistemologia positivista. Epistemologia antipositivista tende a rejeitar a nogdo de que a ciéncia pode gerar qualquer tipo de conhecimento objetivo (BURRELL e MORGAN, 1979). 0 método fenomenolégico, por exemplo, Ihe é adequado. Escolher corretamente o mé- todo € tarefa do pesquisador. Na escotha do método que deveria orientar sua pesquisa, Guedes (2003), por ilustracéo, percebeu a limitagao da epistemologia positivista para investigar discursos e préticas ambientais de empresas trans- nacionais no Brasil e optou pela epistemologia do realismo critico. Ela chegow & conclusdo de que os estudos sobre empresas transnacionais e questoes ambientais “produzidos no Ocidente sfio enganosos, porque simplificam ques- tes de poder e linguagem” (GUEDES, 2003, p. 38) Pesquisa realizada em trés revistas nacionais ¢ trés estrangeiras (VERGA. RA e PECI, 2003), todas de excelente reputacio, buscou descobrir se, em estu- dos organizacionais, 0 discurso de critica aos métodos tradicionais de se fazer ciéncia, isto 6, aqueles de orientagdo positivista, transformava-se em préticas de investigacio, trazendo ao campo diferentes abordagens epistemol6gicas e metodolégicas. Os resultados apontaram a predomindncia de métodos tradi- cionais, Concluimos eu e Alketa — que a aplicacao de métodos optativos em estudos organizacionais requer a construcio e a reconstrugao de outros referen- ciais, requer abrir espacos para outras epistemologias. Sem dtivida, essa con- clusdo serve também a outras éreas da Administracéo, além da drea de estu: dos organizacionais. Vocé, leitor, observard que se trata de um livro prético. Contatos com es- tudantes ¢ professores em sala de aula, em seminérios, em congressos, per- ‘mitiram-me perceber que um livro dessa natureza seria ttl. E espero que o sea. Ele estd estruturado em 22 capitulos, cada um deles apresentando um método diferente, por ordem alfabética. Vocé rapidamente perceberd que dentro de um ponesentagio 11 método podem caber outros; por isso as vezes eles esto aqui desdobrados. Alguns tém escopo mais abrangente; so raizes. Outros tém escopo mais pon- tual; séo frutos. Veja, por exemplo, que o método desconstrutivista ou a andii se do discurso estiio abrigados por um método-raiz: o reflexivo. Outro méto: dovtaiz ¢ 0 fenomenolégico, que abraca, por exemplo, o método etnogréfico, entre outros. De cada método apresento suas palavras-chave, suas caracteristicas prin- cipais, como utilizé-lo, além de explicitar seu uso em pesquisas jé publicadas. ‘A linguagem é simples e direta. Nao faz parte do livro, entre outros métodos, um muito utilizado: o survey, embora seja importante. A literatura sobre ele é bastante ampla; logo, acessé-la é tarefa fécil para o pesquisador. Bons exem- plos podem ser encontrados em Babbie (2001). Na segdo sobre como utilizar, apresento pass0s bésicos e recomendaces ‘operacionais para o leitor que vislumbra a possibilidade de eleger determina- do método para o desenvolvimento de sua pesquisa. A seqiiéncia proposta tem cardter de sugesto. Vocé poder observar que alguns passos seguem necessa- riamente uma ordem légica, como, por exemplo, a definigéo do tema e a ela- boragio do relatdrio, ou sea, primeiro e iiltimo passos de qualquer pesquisa Outros podem ocorrer fora da ordem apresentada, Ha, também, procedimen- tos que podem voltar a ocorrer durante o andamento da pesquisa. #0 caso, por exemplo, da necessidadc de sclecionar novos sujcitos para a realizagio de entrevistas adicionais ou de problemas de pesquisa que precisam ser redefinidos ap6s 0s primeiros contatos com os informantes. Por fim, sublinho que alguns _passos podem ocorrer de forma simultnea com outros. Coletar dadios por meio de observacies, por exemplo, ocorre praticamente durante toda @ permanén- cia do pesquisador em campo, esteja ele realizando entrevistas, aplicando ques- tiondrios ou utilizando outro procedimento qualquer de coleta de dados. Quanto a exemplos do uso de tal ou qual método, apresento trabalhos publicados por pesquisadores estrangeiros, mas, sobretudo, destaco aqueles realizados em mbito nacional. Temos fecundos pesquisadores também. O acesso ao conhecimento por meio da ciéncia tem na pesquisa uma ati- vidade objetiva e subjetiva, discutivel (afinal, ciéncia nao é dogma), carrega- da de reflexGes, contradigdes, sistematizagées e re-sistematizagGes (VERGARA, 2004a). Como lembra Caraga (2002), jd que ciéncia é um organismo vivo, porquanto esté impregnada da condi¢ao humana, apresenta diividas, hesita (es que s6 longa reflexo e apuramento conseguem eliminar. No entanto, logo surgem outras diividas e hesitagées a exigirem novas reflexes e apuramento. © proceso é dindmico, portanto. Aqui, apresento algumas possibilidades metodolégicas. A voce, pesquisador, cabe valer-se de sua sensiblidade e de sua flexibilidade para escolher o encaminhamento da pesquisa € trazer sta contri- uigdo ao campo. Neste sentido, ressalto os seguintes pontos: 12 uérov0s pe resquisn st apsnnisRAGhO a) a qualidade da referéncia bibliogratfica que da suporte ao seu estu- do jd sinaliza para o leitor desse estudo o quanto ele pode ou néio set instigante; ) a articulagdo entre teoria e método é de vital relevancia; ©) aabertura de sua mente de pesquisador e a sensibilidade so de fundamental importancia para sua interpretagao de fendmenos @) as conchisées a que vocé chega devem responder ao problema da investigagao e ser coerentes com a teoria e 0 método que foram por vocé utilizados; ©) quanto mais o estudo avanga no conhecimento existente, mais re- levante ele é; quanto mais voc# expde seu trabalho, seja em congressos, seja in- formalmente a pates, alunos, amigos, leitores em geral,seja formal ‘mente a revisores de revistas especializadas, mais possibilidades tem. de enriquecé-lo com base nas criticas que a ele sao feitas, Ao explicitar os critérios pata avaliacio de artigos submetidos & revista Organizacées & Sociedade, Pinho (2003) menciona que um artigo pode so- frer duas ou trés rodadas de didlogo entre autor e avaliador e 0 objetivo nao é ode desmerecer o trabalho; antes, de aperfeigod-lo. Acontece assim também em outtas revistas, Foi com o intuito de aperfeigoar o contetido deste livro que o expus pre- viamente a Eduardo Davel, brilhante parceiro académico e amigo generoso. La do Canadé, entdo, ele me ajudou a melhorar os textos. Sou muito, muito grata a.ele por isso. Também sou grata a0 Prof. Bianor Cavalcanti e & Profa. Deborah Zouain. A facilitacdo das condigées de pesquisa, pela Ebape/FGY, foi de extrema rele- Igualmente sou agradecida ao Prof. Luiz Eduardo Achutti e & Tomo Edi torial por terem permitido a reproducao das fotografias ilustrativas do méto- do fotoetnografico, Bem, leitor, aqui vai, nesta apresentagio do livro, uma palavra final: todo esforgo que voc8 possa fazer para apresentar um trabalho rigoroso, coerente, consistente e, a0 mesmo tempo, liberto de teias que possam aprisionar uma poss(vel contribuicéo maior, ¢ fundamental. Como fundamental também, jé nos alertam Alvesson e Skéldberg (2000), ¢ que voeé, pesquisador, concentre-se na reflexdo € na interpretacao dos dados no momento mesmo em que os esta coletando e apés a coleta e que o faca com a consciéncia do limite da lingua- ‘gem para gerar conhecimento com base na realidade empirica. Igualmente, que vocé tenha a consciéncia de que reflexao e interpretacio de dados estio situa- sonesewracso 13, das no campo politico, ideolégico, cultural, lingiifstico que, a cada dia, cons- trdi € reconstréi voeé, pesquisador Leituras para aprofundamento ALVESSON, Mats; SKOLDBERG, Kaj. Reflexive methodology: new vistas for qualitative research. London: Sage, 2000, BABBIE, Earl, Métodos de pesquisas de survey. Belo Horizonte: EDUFMG, 2001. BURRELL, Gibson; MORGAN, Gareth. Sociological paradigms and organi zational analysis. London: Heinemann Educational Books, 1979. CARAGA, Bento de Jesus. Conceitos fundamentais de matematica. 4. ed.» Portugal: Gradiva, 2002. GUEDES, Ana Liicia, Empresas transnacionais e questées ambientais: a abor- dagem do realismo critico. Revista Sociologia Politica. Curitiba, 20, p. 25-42, Jun. 200 MORGAN, Gareth. Beyond method: strategies for social research. London: Sage, 1983. MORIN, Edgar. Giéncia com consciéncia. Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil, 1996. PINHO, José Antonio Gomes de, Uma investigagio na avaliacio de artigos sub- ‘metidos a revista Organizacdes & Sociedade. Organizacées & Sociedade. Salvador: EAUFBA, v. 10, n® 28, p. 79-82, set./dez. 2003. ‘VERGARA, Sylvia Constant. Projetos ¢ relatérios de pesquisa em adminis- tragio. 5. ed. S40 Paulo: Atlas, 2004a. PECI, Alketa. Escolhas metodolégicas em estudos organizacionais Organizagées & Sociedade. Salvador: EAUFBA, v. 10, n° 27, p. 13-26, maio/ ago. 2003. Andlise de Contetido A andlise de contetido é considerada uma técnica para o tratamento de dads que visa identificar o que esta sendo dito a respetto de determinado tema Bardin (1977, p. 42) a define como: “um conjunto de téenicas de andlise das comunicages visando obter, por procedimentos sistemticos e objetivos de descri¢éo do contetido das mensagens, indicadores (quantitativos ou néo) que permitam a inferéncia de conhecimentos relativos &s condicdes de produgao/ recepcdo (variéveis inferidas) destas mensagens”. Pode-se dizer que a andlise de contetido tem se desenvolvido desde o inf- cio do século XX. No comeso, a técnica era aplicada, sobretudo, ao tratamento de materiais jornalisticos. Hoje, abraca também transcrigGes de entrevistas, documentos institucionais, entre outros. A disseminacio desse método se deu a partir dos estudos da Escola de Jornalismo da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos (BARDIN, 1977). H_ Lasswell é considerado um dos pioneiros na aplicacao do método, ten- do realizado andlises de imprensa e de propaganda. Nas décadas de 40 € 50 do século XX, pesquisadores como B. Berelson e P. Lazarsfeld se dedicaram & sistematizagio das regras de andlise. A partir dos anos 60, a andlise de contet: do passou a contar com o auxilio de recursos da informdtica. A obra The gene- ral inquirer: a computer approach to content analysis in the behavioral sciences, publicada em 1966 por Stone et al., é considerada uma referéncia no que diz, respeito & andlise com auxilio de computador (BARDIN, 1977; BAUER, 2002). No ano 2004, diversos softwares para esta finalidade j4 estavam & disposicéo no mercado, tais como NUD*IST e ATLAS/ti (KELLE, 2002; TESCH, 1990). 16 strov0s ve mssoursa em auumisrRaghO A anélise de contetido admite tanto abordagens quantitativas quanto qua- litativas ou, ainda, ambas (BARDIN, 1977; FREITAS, CUNHA JR. ¢ ‘MOSCAROLA, 1996; LAVILLE e DIONNE, 1999), apesar de ter sido concebida com bai se na quantifica¢ao. # Palavras-chave Unidades de andlise Grade de andlise Categorias Freqiiéncia de elementos (se a andlise for de base quantitativa) Relevancia de elementos Presenga ou auséncia de elementos Qaqo00a0 Caracteristicas principais GF Presta-se tanto aos fins exploratérios, ou seja, de descoberta, quanto aos de verificagio, confirmando ou nao hipdteses ou suposicbes reestabelecidas. 17 Exige categorias exaustivas, mutuamente exclusivas, objetivas ¢ per- tinentes (BARDIN, 1977; FREITAS, CUNHA JR. e MOSCAROLA, 1996; LAVILLE e DIONNE, 1999). Grandes quantidades de dados podem ser tratadas, bem como ar- mazenadas com 0 auxilio de programas de computador. A interpre- taco, contudo, cabe ao pesquisador. GF Corre-se 0 risco, quando se detém nas freqiiéncias, de perder-se 0 que est ausente ou é raro (BAUER, 2002), porém relevance para a andlise do objeto em estudo. Ye Como utilizar" 1 situagio. 7 Definem-se o tema e 0 problema de pesquisa ‘A cordem aqui apresentada nfo ¢ rigid. Pode, portano, ser altereda conforme a ere avkuseo0 conteivo 17 1 Procede-se a uma revisio da literatura pertinente ao problema de investigacdo e escolhe(m)-se a(s) orientacéo(6es) tesrica(s) que daré(&o) suporte ao estudo. (0 Definem-se as suposigées para o problema sob investigacao, exceto se a pesquisa for do tipo exploratéria, Neste caso, suposigdes pode. ro ser definidas durante o andamento da pesquisa ou ao final. 1 Definem-se os meios para a coleta dos dados, conforme o tipo de pesquisa: documental ou de campo. No primeiro caso, os dados po- dem ser coletados em relat6rios, cartas ou outros documentos da organizagio, No segundo, a coleta geralmente ocorre por meio da realizagao de entrevistas abertas ou semi-estruturadas ou da apli- cagio de questionérios abertos. 1 Coletam:se os dados por meio dos instrumentos escolhi da realizado de entrevistas, procede-se & sua transcri gravadas, (0 Define-se o tipo de grade para a andlise: aberta, fechada ou mista, CF Procede-se & leitura do material selecionado durante a etapa de coleta dos dadlos (cartas, transcrigao de entrevistas, respostas a ques- tiondtios abertos). _Definem-se as unidades de andlise: palavta, expressao, frase, paré- grafo. 0 Definem-se as categorias para andlise, conforme a grade de andlise escolhida, © Grade aberta: identificam-se categorias de andlise, conforme vo surgindo ao pesquisador. Procede-se ao rearranjo das catego- rias durante o andamento da pesquisa. Estabelecem-se cate- ‘gorias finais de andlise. > Grade fechada: definemse preliminarmente as categorias per- tinentes ao objetivo da pesquisa. Identificam-se, no material se lecionado, 0s elementos a serem integrados nas categorias jé estabelecidas. © Grade mista: definem-se preliminarmente as categoria perti- nentes ao objetivo da pesquisa, porém admite-se a incluso de categorias surgidas durante o proceso de andlise. Verifica-se a necessidade de subdivisio, incluso ou exclusio de categorias. Estabelece-se o conjunto final de categorias, considerando o pos- sivel rearranjo, GF Procede-se A andlise de contetido, apoiando-se em procedimentos estatisticos, interpretativos ou ambos. CF Resgata-se o problema que suscitou a investigacao. 18 éropos pe pesquisa st aonasTeagao (3 Confrontam-se os resultados obtidos com a(s) teoria(s) que deu(ram) suporte & investigacao. 1 Formula-se a conclusio. 10 Elabora-se o relatério de pesquisa. Pode-se dizer que a andlise de contetido compreende trés etapas bésicas: (@) pré-andlise; (b) exploragao do material; (c) tratamento dos dados e inter- pretacéo (BARDIN, 197). A pré-andlise refere-se & selecao do material e & definigéo dos procedimentos a serem seguidos. A exploracéo do material diz respeito & implementagio destes procedimentos. O tratamento e a interpreta ‘fo, por sua vez, referem-se & geracio de inferéncias ¢ dos resultados da in- vestigagio. Nesta tiltima fase, suposices poderdo ser confirmadas ou nao. 0 procedimento bésico da andlise de contetido refere-se & definigéo de categorias pertinentes aos propésitos da pesquisa (TESCH, 1990). Categorias so “rubricas ou classes, as quais retinem um grupo de elementos sob um titu- lo genérico, agrupamento esse efetuado em razdo dos caracteres comuns des- tes elementos” (BARDIN, 1977, p. 117). Categorizar implica isolar elementos para, em seguida, agrupé-los. As categorias devem ser: (a) exaustivas, isto 6, devem permitir a incluso de praticamente todos os elementos, embora nem sempre isso seja possivel); (b) mutuamente exclusivas, ou seja, cada elemento 36 podera ser incluido em uma tinica categoria; (c) objetivas, isto é, definidas de maneira precisa, a fim de evitar diividas na distribuigao dos elementos; (d) pertinentes, ou seja, adequadas ao objetivo da pesquisa. Trés grades podem ser escolhidas pelo pesquisador para a defini¢do das categorias: aberta, fechada ou mista (LAVILLE e DIONNE, 1999). Na primei- ta, as categorias so definidas durante o andamento da pesquisa. é uma grade flexivel, pois permite alteragdes até que se obtenha um conjunto final. E reco: mendada para pesquisas de cunho exploratério. Na grade fechada, 0 pesqui sador recorre 4 literatura pertinente ao tema da pesquisa para formular as ca tegorias, ou seja, sfo estabelecidas a priori. Aqui, deseja-se, em geral, verificar a presenga ou a auséncia de determinados elementos. Alerta-se, contudo, para o fato de que alguns elementos podem ficar de fora da categorizacio, uma vez que a grade é rigida (LAVILLE e DIONNE, 1999). £ inapropriada para pesqui- sas exploratérias, sendo, em geral, utilizada para as do tipo descritiva e explicativa. A terceira grade incorpora caracteristicas das duas anteriores. Ca tegorias sao definidas a priori, com base na literatura, tal como na grade fe chada, Contudo, elas so mutiveis. Ao contrério da grade fechada, todos os elementos presentes nos dados coletados potlem ser considerados e, conseqiien temente, integrar as categorias A anlise pode ser amparada por procedimentos de cunho quantitativo, qualitativo ou ambos (BARDIN, 1977; GODOY, 1995; LAVILLE e DIONNE, 1999; ROESCH, 1999). Procedimentos quantitativos privilegiam as freqiién- aniuseo0 covred0 19 cias, ou seja, as ocorréncias de determinados termos ou palavras-chave no texto (BARDIN, 1977; LAVILLE e DIONNE, 1999). Os dados podem ser tratados por meio de técnicas estatisticas simples, como a analise de freqiiéncias, ou por meio de outras mais complexas, como a andlise fatorial e a andlise de variancia (BARDIN, 1977; ROESCH, 1999). Procedimentos qualitativos focalizam as peculiaridades e as relagées entre os elementos (LAVILLE e DIONNE, 1996). Enfatizam o que é significativo, relevante, o que pode nao ser necessariamen- te freqiiente no texto. A interpretacio dos resultados pode ser realizada por ‘meio do emparelhamento (pattern-matching) ou da construgéo iterativa de uma explicagio (LAVILLE e DIONNE, 1999). A primeira modalidade diz respeito & associagdo dos resultados ao referencial teérico utilizado, procedendo-se & comparacao. A segunda refere-se & construcdo de uma explicacio com base nas, relagdes entre as categorias. &, em geral, utilizada em pesquisas exploratorias, Procedimentos quantitativos e qualitativos, contudo, néo sio mutuamente excludentes. Podem ser utilizados de forma complementar, Obtidos 0s resultados, cabe ao pesquisador retornar &s suposic6es formu. ladas (se houver) e confirmé-las ou nao, conferindo as devidas explicacées Exemplos da utilizacao da andlise de conteiido (J Exemplo 1: Gestio da comunicagao organizacional Silva e Oliveira (2003) valeram-se da andlise de contetido em uma pes. quisa sobre gestio da comunicagio organizacional. Os pesquisadores discuti ram a questo da comunicacao sob uma ética instrumental, pautada na gera- fio de conformidade e obediéncia as diretrizes da organizacéo, bem como sob uma ética participativa, vista como uma arena de construcéo de significado. ‘Abordaram a necessidade de se abandonar a visdo tutelada com que o tema vem sendo tratado, em favor de uma visio participativa. Para a realizacdo da pesquisa, cujo objetivo foi identificar os aspectos que {mpactam a construcio de uma comunicagao baseada no sentido de participa: fo, foi selecionada uma empresa brasileira prestadora de servigos de infra estrutura na érea de energia. Esta empresa havia sido privatizada cerca de seis anos antes da realizacdo da pesquisa. A melhoria dos processos internos de comunicagao era tum dos grandes desafios a serem enfrentados pela empresa, nesse contexto de mudangas. Os dados foram coletados por meio de: (a) realizagéo de entrevistas seri- estruturadas com funcionérios da empresa; (b) participago dos pesquisadores, como observadores, em trés reunides da empresa; (c) pesquisa documental. Foram entrevistados 20 funciondtios de diferentes éreas e niveis hierdr Quicos. As entrevistas foram norteadas pelos seguintes tépicos: comunicacio 20 —wtranos ne resqUush Eu ADMINISTRAGKO vertical tanto no sentido da organizacio para os individuos quanto no sentido inverso; comunicacdo entre equipes; comunicagio interpessoal; meios de co- municagao utilizados. Os dados obtidos foram submetidos & andlise de contetido, com o auxitio do software ATLAS/ti, Frases e pardgrafos foram definidos como unidades de anilise. Foram identificados elementos que afetam o desenvolvimento de uma comunicagdo participativa, tendo sido agrupados nas seguintes categorias: di- retrizes gerais da organizacao; identidade organizacional e conflitos de identi- dade entre grupos; integracio entre areas; integracao pessoal; eficdcia dos meios de comunicacio institucional e interpessoal; eficdcia dos canais de co- ‘municagio das pessoas para a organizacio; relagoes hierdrquicas; caracteristi- cas predominantes na cultura e no clima organizacional, Essas categorias fo- ram obtidas a posteriori; logo, os pesquisadores valeram-se da grade de andli- se aberta, No que diz respeito as diretrizes gerais da organizagdo, os dados obtidos revelaram que, apesar de os funciondrios perceberem a necessidade de um esforco conjunto para enfrentarem os desafios aos quais a organizagao esta sujeita, ha dificuldades para o alinhamento do esforgo individual com estas, diretrizes. Entre os principais aspectos referentes a estas dificuldades, os par. ticipantes da pesquisa mencionaram: pouco conhecimento sobre a viséo da matriz. estrangeira da empresa; percepgies diversas sobre a missio c aobre a estratégia da empresa; metas fragmentadas por area, pouco claras e desatua- lizadas; definigdo das metas de modo vertical; auséncia de feedback. No que concerne a identidade organizacional e as identidades de grupos, foi possivel perceber dificuldades para se compor uma identidade organiza. cional forte, devido, em grande parte, &s mudancas pelas quais a empresa vi- nha passando. Nao obstante isso, a busca pela construgao desta identidade parecia ser uma preocupacao tanto dos dirigentes quanto dos funciondrios. Conflitos de identidade entre grupos foram também percebidos, tendo sido citados: individuos com uma viséo mais coletivista e outros mais individualis- ta; individuos que se consideram qualificados ¢ outros que sao vistos como tendo pouca qualificagdo; comportamento auténtico versus comportamento padronizado; individuos que se consideram marginalizados pela empresa e outros que parecem ter sido privilegiados; aco e carreira segundo uma lgica dde mercado versus aco e carreira dirigidas apenas para a empresa. Com relagio & integragdo entre éreas, os participantes revelaram que a auséncia de um sistema para a gestao de processos, a carga de trabalho exces- siva, a rotatividade de pessoal, o desconhecimento da missao ¢ da estratégia da empresa, entre outros fatores, dificultam a construgao de uma visio inte- grada e, conseqiientemente, 0 desenvolvimento de uma comunicagao pautada na participacio. ' pndustoo.contsino — 21 Sobre a integracao pessoal, foi possivel perceber que, apesar do clima de cordialidade, sem disputas exageradas, as relacdes eram distantes, ficando res- tritas aos assuntos de trabalho, Os contatos, quando estabelecidos, eram, em grande parte, proporcionados pela tecnologia (e-mail e telefone). Dificuldades de integracio foram citadas pelos participantes, e a empresa vinha tentando minimizé-las & época da pesquisa. Com relagio aos meios de comunicagéo institucional, a empresa utiliza- ‘va um jornal institucional, informativos on line, um informe mensal de Recur. sos Humanos, comunicados de RH e murais setoriais, Para os participantes da pesquisa, o emprego destes instrumentos era limitado tanto no que se refere & difuséo das politicas da organizacao quanto na promogio do fortalecimento da identidade dos funciondrios com a empresa No que diz respeito aos meios de comunicagio interpessoal, foram cite dos o correio eletrénico, o telefone, as reunides, o contato pessoal e, para al- guns setores, 0 rddio, Os participantes revelaram mais uma vez ser a comuni cacao formal e distante, tendo como principal meio o correio eletrénico. Sobre os canais de comunicacio das pessoas para a organizag&o, os part cipantes destacaram a érea de Recursos Humanos e a érea de Comunicagéo Social. Aspectos positivos, principalmente no que se refere & Diretoria de Re cursos Humanos, foram citados, tais como: fécil acesso aos profissionais da rea, esforcos para a aproximagao com os empregados, promogio de eventos de integracéo, entre outros. Aspectos negativos foram relacionados & falta de cl reza na divulgaco das politicas de RH, centralizacao nas iniciativas de gestao de pessoas, entre outros. No que diz respeito a estrutura hierarquica, foi posstvel perceber a distin cia entre a base e a ciipula da organizacgio, Os gerentes intermedidrios pare- ciam atuar como repassadores de informagéo do topo para a base. No que se refere as caracteristicas predominantes na cultura e no clima da organizagao, os participantes sugeriram que fatores como o carisma da or- ganizagio e sua capacidade de cativar os empregados, além da valorizagio de ‘uma viséo de resultados, afetavam positivamente o desenvolvimento de uma comunicagao voltada para a patticipacao. Por outro lado, o excesso de hierar: quia, a pouca flexibilidade de normas e rotinas, a relagéo paternalista com os empregados, entre outros fatores, pareciam prejudicar este desenvolvimento, Os resultados da pesquisa revelaram aspectos positivos e negativos que podem afetar o desenvolvimento da comunicacéo organizacional segundo uma visio participativa, Com base nesses resultados, os pesquisadores propuseram um quadro de referéncia para a gestio da comunicagio organizacional pauta do nos seguintes aspectos: referenciais, estruturais, instrumentais, relacionais e culturais. Por fim, os pesquisadores argumentaram que a gestio da comuni- ago organizacional deve perseguit a construgéo conjunta de valores a fim de 22, stdrooos pe psqUish eM ADMUNISTAAGAO fortalecer o respeito mtituo, a aproximagio das identidades, o senso de cola- boracio e orgulho de compartilhar um projeto comum. Deve, sobretudo, valorizar a contribuigéo dos individuos como sujeitos de sua acio. =, (1 Exemplo 2: Reconstrucao de identidades em momentos de mudanca organizacional processo de reconstrugio de identidades em momentos de mudanca organizacional foi objeto de estudo para Silva e Vergara (2002), em uma pes- quisa realizada em cinco organizagées brasileiras. Os pesquisadores tomaram como referéncia a premissa de que os contextos de mudanca organizacional tendem a modificar o modo pelo qual os individuos percebem 0 conjunto de relagées sociais relevantes para eles, ‘As cinco organizagées selecionadas para a pesquisa tinham passado recen- temente ou estavam passando por processos de mudanca organizacional. Fo: ram elas: (a) fundagao privada com atuacdo em pesquisa, educacdo e con- sultoria nas éreas de economia e gestio; (b) instituigdo financeira estatal; (c) empresa privatizada que atuava como concessionaria em servicos urbanos; (4) 6rgao da administracio piiblica municipal com atuagéo na fiscalizacao de ‘ributos; (e) empresa farmacéutica multinacional. Os dados foram coletados por meio da realizagio de entrevistas semi estruturadas com cerca de 15 funcionérios de cada organizacio, em um total de 75 funcionétios, O tratamento destes dados se deu por meio da andlise de contetido, com o auxilio do software ATLAS/ti. As unidades de andlise foram frases e pardgrafos. Os dados foram classificados com base nos diferentes con- ceitos abordados pelos entrevistados, entre os quais as miiltiplas relagées so- ciais e institucionais por eles visualizadas no contexto organizacional. Para a classificagéo destas relacdes, quatro categorias foram previamente definidas com base na literatura, caracterizando uma grade fechada. Séo elas: a relacdo do individuo consigo mesmo (et ¢ eu), as relagdes do individuo com o contex- to geral (eu e 0 contexto), as relacées do individuo com os outros individuos por ele consideradas como relevantes (eu ¢ os outros), as relagies estabelecidas pelos grupos com os quais o individuo mantém identidade no contexto (nds € © contexto), Os resultados da pesquisa revelaram diferentes elementos integrantes do conjunto de relacdes que afetam 0 processo de interpretacio do contexto € reconstrucéo das identidades dos individuos. Sao eles: (a) a relagao do indivi- duo consigo mesmo (eu ¢ eu); (b) a relagio do individuo com o seu trabalho (eu e 0 trabalho); (c) as relagées do individuo com os grupos com os quais possui alguma identidade (eu e os meus grupos); (d) as relagBes hierdrquicas (eu os gerentes/os subordinados); (¢) as relacdes do individuo com a cipula AnAuse po conretvo — 23 da organizagao (eu e a diretoria); (f) as relagées do individuo com os outros grupos com os quais néo mantém uma identidade forte (eu e os outros gru- pos); (g) as relagées entre os grupos com os quais o individu mantém uma identidade e os outros grupos (nds e os outros grupos); (h) as relagées entre 0s grupos com os quais 0 individuo mantém uma identidade e a instituicao (nds ¢ a organizacao); (i) as relagdes do individuo com os clientes (eu ¢ os clien- tes); (f) as relagbes do individuo com os colegas que deixaram a organizacéo por ocasido das mudancas (eu e os colegas que saftam); (1) as relaces do in- dividuo com a familia e os amigos que ndo pertencem a organizacio (eu e os entes queridos); (m) as relacdes do individuo com a instituicao (eu e a organi- zagio); (n) as relagdes do individuo com 0 mercado de trabalho (eu e o mer- cado de trabalho); (0) as relagdes do individuo com a sociedade em geral (ewea sociedade); (p) as relacdes da instituico com a sociedade (a organiza- gio ea sociedade); (q) as relacdes da instituicio com o mercado (a organi- zagio e o mercado). Para os pesquisadores, este conjunto de relagbes revela uma mistura de elementos em niveis macro e micro, demonstrando que o sentido da mudanca para os individuos ¢ construfdo pelos valores, dietrizes e regras sociais pre- sentes no contexto, bem como pelas imiimeras interagées das quais eles parti- cipam, Estes elementos parecem afetar o modo pelo qual as identidades pes- suais, coletivas e institucionais séo revonstruidas Os pesquisadores sugerem, ainda, que as organizagdes devem levar em conta um novo tipo de agenda no que diz respeito ao planejamento da gestio de mudangas, que inclui, entre outros fatores: as percepedes dos individuos acerca dlo processo; 0 impacto das mudancas para os individuos, dentro e fora da empresa; o desenvolvimento das interacoes pessoais em meio A acio; 0 desenvolvimento das relagdes de poder e a integracio entre os diferentes ni veis da hierarquia; o tratamento dado as demissbes ¢ 0 que a saida dos antigos colegas representa para os individuos remanescentes; a compreensao dos in- dividuos acerca da missao institucional. Por fim, o conjunto de relacdes apre- sentado suscita outras possibilidades para estudos sobre comunicagio e mu: danca organizacional, bem como sobre as supostas resisténcias dos individuos & mudanga organizacional. Leituras para aprofundamento BARDIN, Laurence. Andlise de contetido. Lisboa: Edigoes 70, 1977. BAUER, Martin W. Andlise de contetido cldssica: uma revisdo. In: BAUER, Martin W.; GASKELL, George (Ed.). Pesquisa qualitativa com texto, imagem som: um manual pratico. Petrépolis: Vozes, 2002. 24 érovos De pesquisa ex aDueusTRAGAO FREITAS, Henrique M. R. de; CUNHAJR., Marcus V. M. da; MOSCAROLA, Jean, Pelo resgate de alguns principios da andlise de contetido: aplicagio préti- ca qualitativa em marketing. Porto Alegre: UFRGS/FCE/PPGA, 1996.17 p. (Série Documentos para Estudo, PPGA/UFRGS, n? 5/96). GODOY, Arilda S. Pesquisa qualitativa: tipos fundamentais. Revista de Admi- nistragao de Empresas. Sao Paulo: Fundacao Getulio Vargas, v. 35, n® 3, p. 20-29, maio/jun, 1995. 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Arelagiio entre os participantes de um discurso pode, contudo, ir além do esquema emissor-receptor. Explorar o sentido do discurso demanda, enti, reconhecer outros personagens: 0 locutor, o enunciador, 0 alocutor e os desti- natérios (BALLALAI, 1989). O primeiro refere-se ao autor da fala. O enunciador, também conhecido como animador, é aquele que profere uma seqiiéncia de palavras. A fala, neste caso, nio é sua. O alocutor é 0 individuo a quem o dis- curso € ditgido, isto ¢, 0 verdadeito destinatério da mensagem. Os destinaté- ros, por sta vez, sao ouvintes, pacientes dos atos. A andlise do discurso compreende diferentes abordagens. Em linhas ge- rais, consideram-se duas grandes escolas: a anglo-saxa e a francesa (CABRAL, 1999; PEREIRA, 1991). A primeira refere-se a uma perspectiva pragmatica, ‘enquanto a segunda diz respeito & perspectiva ideoldgica. Maingueneau (1998) situa a andlise do discurso no entrecruzamento das ciéneias humanas. Com relacdo as abordagens, observa que nos Estados Unidos a andlise do discurso é 26 —_érov0s pe resquisa st anusTRAghO ‘marcada pela antropologia, enquanto na Franca hi uma orientagéo de cunho lingiistico, marcada pela psicandlise. Diferentes enfoques assumidos pela andlise do discurso foram discutidos por Ballalai (1989): a pragmatica, a teoria da argumentacéo e a teoria da in terrogacdo e do questionamento, No Ambito da pragmatica, busca-se o senti- do do discurso, em func do seu caréter utilitrio, de sua utilizagdo em um determinado contexto. Com relacéo a teoria da argumentacao, assume-se a perspectiva de agio sobre 0 outro, de modo explicto ou impliito. No ambito da teoria da interrogacdo e do questionamento, busca-se identificar o sentido de um discurso, definindo-se a questo da qual ele se origina, Gill (2002), por sua vez, assevera que hé intimeras abordagens de andli- se do discurso, porém sugere que se pense em termos de tradigdes tedricas amplas, tais como: (a) lingiistica critica, semiética social ou critica, estudos de linguagem, (b) teoria do ato da fala, etnometodologia e andlise da conver- sagio, (c) pds-estruturalismo. No ambito dos estudos organizacionais, Putnam e Fairhurst (2001) apre- sentam oito categorias de andlise da linguagem: (a) sociolingtifstica, (b) and- lise da conversagao, (c) lingifstica cognitiva, (d) pragmitica, (e) semistica, (f) andlise literdria e retérica, (g) estudos criticos da linguagem, (h) andlise pés- modema da linguagem. A sociolingiiistica trata a linguagem como um sistema de eddigos, no qual comunidades ogauiizacionais definem suas identidades e relagdes. A andlise da conversacio, por sua vez, enfatiza a estrutura da lingua. A ingiiistica cognitiva, ao contrério da andlise da conversacéo, privilegia a li gacio entre formas de discurso e usuarios de lingua, Esta perspectiva aborda © estudo de padrdes do diseurso que emergem de processos mentais. A prag- matica, por seu turno, é um termo amplo, tratado, muitas vezes, como uma abordagem genérica para diversas perspectivas do discurso. Incorpora tanto a forma lingiistica quanto o contexto comunicativo do discurso. Privilegia ca. racteristicas contextuais e trata 0 discurso como aciio e interagao simbdlica em comunidades de fala. A semidtica esta centrada em sistemas de signos, isto 6, da conjugacio arbitréria de um significante (componente material) e um sig nificado (conceito, idéia), Esta perspectiva amplia o foco dos estudos da lin- ‘guagem, ineluindo cécligos no verbais, imagens e objetos. A perspectiva lite- aria eretérica, por sua vez, focaliza simbolos ao invés de signos. Simbolos so “um tipo de signo em que a relagao entre o significante e o significado é pura mente arbitrézia, ou convencional, por exemplo, uma rosa vermelha significan- do amor” (BAUER e GASKELL, 2002, p. 512). Realga o significado e elemen- tos contextuais da linguagem, ao invés de cédigos e caracteristicas estruturais. ‘Ao contrario das abordagens anteriores, que tratam a linguagem por meio de determinados métodos de anilise do discurso, os estudos criticos da linguagem centram-se no discurso e na sociedade. Por fim, na andlise pés-moderna da lin- guagem, temas como poder e resisténcia so vistos como dominantes. sviuse po vscurso 27 A anilise do discurso presta-se a0 leitor cujo objetivo de pesquisa no descarta 0 contetido, ou seja, 0 que est sendo dito sobre determinado tema, mas vai além, Investiga como o contetido € usado para o alcance de determi: nados efeitos. Assim, se é importante verificar a forma pela qual se diz alguma coisa, a andlise do discurso é recomendada como método de pesquisa; se, a0 contrério, basta verificar o que se fala, a andlise de contetido parece vidvel. Esta envolve categorias (processo mais ou menos mecinico de categotizagao), en- quanto a andlise do discutso busca identificar como 0s participantes cons- troem e empregam categorias em sua fala, jd que o discurso pode ter miltiplas fungdes e significados (WOOD e KROGER, 2000). A anilise do discurso compreende diversas abordagens e exige sensibili dade do pesquisador para captar e interpretar a subjetividade do pesquisado. As caracteristicas e os procedimentos apresentados neste capitulo, contudo, so basicos. # Palavras-chave Pratica social Locutor, entincindores, alocutor, destinatarios Destinaridade, isto é, a quem se destina Contexto interpretativo Intencionalidade do discurso ‘Mensagens explicitas ou implicitas Qo000a0Q0 Caracteristicas principais _Permite reconhecer o significado tanto do que esté explicito na men- sagem quanto do que esta implicito; portanto, nao s6 o que se fala, ‘mas como se fala. 1 Permite identificar como se dé a interacdo entre membros de uma organizacao: a participacéo, o processo de negociagio, as manifes- tagdes de poder. _ Um de seus pontos-chave é a destinaridade, ou seja, o receptor. 1 Aanilise do discurso é uma interpretago do discurso produzido por outros. Hé de considerar-se, portanto, a subjetividade do pesquisa- dor. 28 —_éro0os be pesquisa wx aDwanisTRAGAO Exige do pesquisador habilidade para registrar os recursos utiliza- dos pelos participantes para intensificar ou mitigar 0 que esta sen- do dito, pata observar aspectos comportamentais emergentes du- rante o discurso, bem como para registrar fatos relacionados & si- tuagio estudada.* ¢ Como utilizar? 0 Definem-se o tema e o problema de pesquisa. 1 Procede-se a uma revisdo da literatura pertinente ao problema de investigagio e escolhe(m)-se a(s) orientago(Ges) tedrica(s) que daré(Go) suporte ao estudo. GF Define-se o tipo de material a ser considerado como fonte de da- dos para a pesquisa: textos, gravacées de entrevistas, reuniées, con- versas telefnicas ou outras situagées de interagio social. No caso de dados provenientes de entrevistas ou de reunides: © Realizam-se as entrevistas ou patticipa-se das reuniées. © Registra-se 0 contetido literal das entrevistas ou das reuniées, utilizando se gravagSea em éudio. © Registram-se aspectos paralingtifsticos e ndo verbais, em notas de campo. © Procede-se & audigdo das gravag6es, antes de dar infcio a trans- crigho. © Transcreve-se o contetido das entrevistas ou das reunives, va- endo-se de critérios de convencao de transcrigéo. 0 No caso de dados provenientes de conversas telefonicas (no ambi- to de um Call Center, por exemplo): selecionam-se previamente as interagées a serem analisadas. 7 Procede-se a leitura das transcrigées das entrevistas, reunies, con- versas telefénicas ou dos textos selecionados, tantas vezes quantas © pesquisador julgar necessario, _Kdentificam-se as primeiras idéias relativas a0 texto, 1 _ Vergara, Bastos e Gomes (2004), ewla pesquisa & apresentada no exemplo 2 deste capftulo, registraram o fato de que as operedoras de televendas tentarem adiar uma reunifo ‘que esava com seu inicio atrasado em mais de uma hora, alegando que petderiam o énibus. A solcitagao ndo fo aeita pelo Gerente de Venda, 2. Acordem aqui apresentada ndo ¢ rida. Pode, portant, ser alterada conforme a situagéo. soduseoo piscunso 29 ( Identificam-se os pontos-chaves do discurso: como o emissor se pro- jeta, que referéncias utiliza, como se dirige ao receptor, como a lin- guagem é empregada, que dimensdes enfatiza, como se dé a comu. nicagdo ou a argumentacdo (que elementos utiliza. (0 Identificam-se nos dados padrées, isto é, relagées entre caracteris- ticas do discurso, bem como variabilidades, ou seja, diferencas en- tre discursos de diferentes individuos e entre discursos de um mes- mo individuo, Descrevem-se detalhadamente e analisam-se os elementos identi- ficados. Resgata-se 0 problema que suscitou a investigacio, Confrontam-se os resultados obtidos com a(s) teoria(s) que deu(ram) suporte & investigacao. : Formulase a conclusio. Elabora-se o relatério de pesquisa, o0 aoa Para analisar 0 discurso, é importante levar em considerago néio sé os aspectos verbais ou lingiisticos, como, também, os paraverbais ou paralin- giisticos, bem como os nao verbais. Aspectos paraverbais referem-se As pau- sus, & entonayao, as hesitagbes, Aspectos nao Verbais dizem respeito aos ges- tos, aos olhares, & postura corporal, & distncia entre os participantes. Ao ana- lisar materiais provenientes de entrevistas ou reuniées, 0 pesquisador deve considerar as transcrigées, bem como as notas de campo resultantes de suas observagées. ‘As transcrigées devem ser realizadas na integra, sem cortes, corregdes ou interpretagGes iniciais. Deve-se preservar a fala dos participantes. Sugere-se que 0 relatério de pesquisa inclua fragments, trechos do ma- terial analisado, de modo a ilustrar a interpretagéo do pesquisador. # impor- tante, ainda, registrar os critérios de convencao de transcrigao estabelecidos, de modo a facilitar o entendimento do leitor. Pode-se utilizar, por exemplo, a versio apresentada por Wood e Kroger (2000). Exemplos da utilizagao da andlise do discurso (J Exemplo 1: Atendimento prestado por uma empresa de seguiro-satide aos seus usuirios A relacio entre uma empresa de seguro-saide e seus usuarios foi inves- tigada por Oliveira e Bastos (2001) com base no estudo de narrativas 30 érooos De rssquish a ADMAISTRAGKO construidas pelos usuarios e as respectivas respostas fornecidas pela empresa A pesquisa teve como objetivo investigar como a interacio usudrio/empresa é modelada pela construgo de identidade e afetada pela representagio do que 6 um tratamento justo para cada uma das partes. As pesquisadoras destacaram a identidade, entendida como o proceso de expor e interpretar posigdes sociais, afliagdes, papéis e starus, como um pon: to central para o estudo das narrativas. Se, por um lado, para a empresa, a satide é vista como uma atividade comercial, norteada por um contrato que define direitos e deveres de ambas as partes, por outro, para o usudrio, ela é um di- reito, devendo o atendimento ser guiado pelas suas necessidades pessoais. I ‘com base em cada uma das representagdes que os participantes da interago constroem seu discurso. Os dados foram coletados nas correspondéncias (texto) trocadas pelos usuarios e pela empresa, representada pelo servico de atendimento ao cliente. Este servico era realizado, na época em que os dados foram coletados, por seis funciondrias, responsdveis pelo atendimento telefénico e pelas correspondén- cias dos usuarios, em geral, referentes a reclamagGes ou solicitagées. Duas correspondéncias e suas respectivas cartas-resposta foram selecio- nadas para andlise. A primeira tratava de uma solicitagao de anistia de dividas contraidas pelo titular, para tratamento do filho, uma vez que nao havia co- bertura para a situago ocorrida. A segunda referia-se a uma reclamacao pelo mau atendimento prestado por um credenciado. O discurso dos dois usuarios, foi analisado com foco: (a) na identidade dos narradores (afiliagbes sociais, sgerenciamento de imagem positiva, alinhamentos e sentimentos de incluso/ exclusao nos grupos sociais referidos); (b) 0s fatos e suas evidéncias, bem como a carga dramatica presente nos relatos. Os dois discursos apoiaram-se na ar- gumentagao para o aleance dos seus objetivos. Na primeira carta, o autor do discurso apresenta um replaying, ou seja, sua versio da experiéncia como pai cujo filho sofreu um acidente, pagador e, agora, devedor do seguro-satide. Explicita em seu discurso afiliagbes a catego- rias sociais, colocando-se como pobre (“no tenho bens’, “ndo tinha dinheiro para pagar as passagens”, “o pouco dinheiro que tinha era para alimentagéo”, “meu saldrio de funciondrio piblico ndo a para pagar a divida”), velho (‘ndo tenho condigdes de pegar em peso, pois sou velho”) e doente (“tenho problemas de coluna”). Apresenta em seu discurso, de forma indireta, atributos socialmente aceitos, mostrando-se um pai dedicado, responsével, generoso e humilde. A evidéncia dos fatos relatados é fornecida por meio de referéncias: nome de hospitais, cidades, termos médicos e datas. A carga dramética do discurso corresponde & propria situacao apresentada: o acidente do filho. A dimensio do drama pode ser observada pela ordenacio dos fatos relatados. Entretanto, thé uma tinica referéncia explicita 4 emocio: seu desespero devido A doenga do filho, associada ao aumento das despesas e & displicéncia dos médicos, awiusepociscunso 31 0 autor do discurso entende como tratamento justo o cancelamento de suas dividas em virtude de suas necessidades pessoais. Esse é 0 objetivo do discurso, Na segunda carta, a autora do discurso relata seu sofrimento devido ao atendimento médico do qual foi vitima, Seu discurso nao foi construfdo com base em afiliagdes a categorias sociais ou referencias ao exercicio de papéis no Ambito familiar. Apresenta-se, entretanto, como uma trabalhadora consciente e responsdvel (“tinka hordrio no dia em que eu podia sair mais cedo do traba- Iho}, cujas decisdes so baseadas em razées objetivas (“como eu ndo tinha cheque para pagar a anestesia procurei outro estabelecimento que ndo me atra- sasse tanto”, “resolvi fazer no Hospital X porque tinka hordrio no dia...”). Mos- tra-se uma pessoa corajosa e determinada, capaz de protestar e denunciar (“néo me calarei diante de tal brutalidade”). Seu desespero, devido ao atendimento desumano ("a Dra. XZ ndo esperou que eu dormisse e mesmo assim fez o exame G expresso de forma explicita, com evidéncias dos fatos (“eu gritava, chorava. Sua narrativa € dramética. Explictar sua indignagéo, cobrando providéncias, € 0 prOprio objetivo do discurso. A andlise das duas cartas revelou que os locutores ou autores do discurso enfatizam as dimensGes pessoais de suas identidades. Além disso, ambos assu: mem que organizacées s4o pessoas, sendo a primeira carta dirigida ao pr dente e a segunda ao médieo auditor. A segunda, contudo, agradece e soli providéncias & organizacio. A resposta da empresa & primeira carta tratou a narrativa de sofrimento do autor como um relato de problemas. Foi objetiva, mencionando as respon- sabilidades assumidas pelo autor e demonstrando a ilegitimidade do pedido. A-empresa mostrouw-se guiada por regras claras que justificavam a cobranca. No segundo caso, a narrativa é tratada como fato. A empresa foi formal e distante. Além disso, néo se via como co-responsével pelo atendimento. Ape nas comunicou & usuéria o descredenciamento da clinica, A anélise das cartas-resposta tevelou a disténcia da empresa com relacéo aos assuntos relatados pelos usuarios, bem como uma interagéo formal e pa- . Acesso: 2 ul 2004. HASSARD, John. Postmodernism, philusupliy and management: concepts and controversies. International Journal of Management Reviews, v. 1, n? 2, p 171-195, June 1999, KILDUFF, Martin. Deconstructing organizations. Academy of Management Review, v. 18, n® 1, p. 13-31, Jan. 1993. LENGLER, Jorge F. B.; VIEIRA, Marcelo Milano F.; FACHIN, Roberto C. Um exercicio de desconstrucio do conceito e da prética de segmentagio de mer- cado inspirado em Woody Allen. 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Organization Studies, v. 15, n° 1, p. 1-45, 1994, Etnografia 0 método etnografico, originado no campo da Antropologia, consiste na insercdo do pesquisador no ambiente, no dia-a-dia do grupo investigado. Os dados sao, entéo, coletados no campo, em geral, por meio de observacéo par- ticipante e entrevistas, quase sempre semi-estruturadas. A pesquisa etnogréfica é marcada pela obra cldssica Argonautas do Paci 0 Ocidertal, ce Malinowski (1976), cuja abordagem volta-se para a perspect va de conversio, de viver como vivem os nativos. Outra abordagem antropol6- gica ¢ a de Geertz (1978), voltada para a perspectiva interpretativa, do viver com o nativo. Uma terceira corrente refere-se A abordagem pés-moderna, uma continuidade da perspectiva interpretativa. Propostas de utilizagio do método etnogréfico tém sido discutidas, nos times tempos, num contexto de aproximagio das disciplinas antropologia e administragéo (CAVEDON, 1999; JAIME JUNIOR, 1996; MASCARENHAS, 2002; SERVA e JAIME JUNIOR, 1995). Cavedon (2001) amplia essa discuss4o, a0 propor 0 uso de recursos ‘metodol6gicos e formas alternativas de emprego do método etnografico na area de administragéo. Advoga a utilizaco da fotoetnogratfia," isto é, da fotografia como recurso narrative e no, apenas, ilustrativo, uma vez que as palavras so, muitas vezes, insuficientes para descrever o objeto em estudo. O uso do imagético como forma de linguagem nos temete & Antropologia Visual. Outra 1 Sobre fotoetnografia ver Capitulo 8 rmocnia 73 sibilidade diz respeito ao estilo de redagao, no qual se inserem o estilo lite- Fario e 0 poético. si Registro interesse crescente pela perspectiva antropolégica em pesquisas demarketing (BARROS, 2002; ROCHA etal, 1999; ROSSI e SILVEIRA, 1999) Kutiizagao do método emogréfico, nesse contexto, tem contribuido para a Explicagao e a compreensao das dimensées cultura relacionadas aos merca- dos, aos produtos e aos consumidores. P. Palavras-chave Cultura ‘Transformagao do familiar em néo familiar e vice-versa Simbolos, rituais Inserco do pesquisador no mundo do grupo investigado Qgooq0gQaq0 + Caracteristicas principais 1 Possibilita uma compreensao mais ampla da atuagio dos indivi- ‘duos no ambiente organizacional, ao fornecer uma nogéo da reali- dade formal ¢ informal dos diversos niveis da organizagio (MASCARENHAS, 2002). 3 Permite identificar valores do grupo e aspectos do relacionamento centre os seus integrantes, muitas vezes despercebidos pelos gestores, das organizagoes. 10 Permite descobriro simbolismo presente no comportamento de con- ‘sumidores, muitas vezes dificil de ser identificado sem a imersdo do pesquisador no cotidiano do grupo investigado. C0 Possibilita identficar os valores caracteristicos de culturas e subeul- turas de consumo, ndo familiares no contexto global. ©) Proporciona uma visto mais abrangente da satisfacéo de consumi- ores, 20 permitiro contato com os consumidores no ambiente onde ‘0 produtos sao experimentados. 74 —wérov0s ox resouisa ma apunusTeACIO (3 Demanda tempo consideravel para a realizagao da pesquisa, devi- do & exigéncia de contato prolongado do pesquisador com 0 grupo investigado. : Exige do pesquisador um esforco intenso para minimizar os riscos da omissao ou da revelagao de dados distorcidos por parte do gru- po investigado, CF Exige sensibilidade do pesquisador para captar 0 observével. (Exige do pesquisador sensibilidade para atuar no trabalho de cam- po, para ouvir, observar e para reconhecer os momentos mais ade- quados para perguntar, dialogar. 1 Exige do pesquisador a decisao que the pareca ética e, a0 mesmo tempo, que nao distorea a realidade: apresentar-se, oul ndo, como pesquisador.? Ye Como utilizar? J Definem-se o tema ¢ 0 problema de pesquisa, 7 Procede-se a uma revisio da literatura pertinente ao problema de nvestigacdo © escullie(un)-ve (3) rientaggioGes) tedrica(s) que daré(Go) suporte ao estado, 0 Negocia-se o inicio da pesquisa de campo, ou seja, a entrada no am- biente do grupo investigado (nos casos em que hd necessidade de negociagao prévia) Iniciam-se os trabalhos em campo, com os primeiros contatos com o grupo. Coletam-se os dados por meio de observacdo simples e partici- pante. Selecionam-se os sujeitos a serem entrevistados, Coletam-se os dados por meio de entrevistas, fotografias ou outros procedimentos. Registram-se os dados em um diario de campo. Codificam-se os dados. Comparam-se os dados obtidos por meio de entrevistas, observagao € outros procedimentos utilizados. go0 ad a0 2 Para adecisio de apresensarse ou nfo como pesquisador, vr stuagSes vivenciadas por Rial (2003) e Bresler (1997). 3 Acrdem aqui apresentada nfo ¢ rgida. Pode, portanto, ser alterada conforme & situagio. mooranta 75 Analisam-se os dados. Resgata-se 0 problema que suscitou a investigagao. Confrontam-se os resultados obtidos com a(s) teoria(s) que deu(ram) suporte a investigacéo. Formula-se a conclusfo. Elabora-se 0 relatério de pesquisa. aga aaa £ comum que o pesquisador enfrente resisténcias por parte do grupo in- vestigado, 0 que exige habilidade para estabelecer e manter relagdes de con- fianga com o referido grupo. & importante registrar as primeiras impressdes acerca do grupo investi- gado: 0s jargées utilizados, os rituais praticados ou qualquer manifestacéo que provoque estranhamento 2o pesquisador. Com 0 tempo, elementos estranhos tendem a ser considerados familiares. (0s dados coletados, formal ou informalmente, por meio de observago ou entrevistas, deve ser registrados diariamente, Recomenda-se que o pesqui- sador utilize um didrio de campo a fim de manter os registros organizados. Sugere-se, ainda, gravar as entrevistas, sempre que possivel, bem como utili- zar a fotografia para apoiar a coleta de dados. Para auxiliar a andlise dos dados, ha softwares disponivets no mercado, como 0 The Ethnograph, comercializado pela Sage Publications. Exemplos da utilizagio do método etnografico (0 Exemplo 1: Etnografia em uma marcenaria (© método etnogrifico foi utilizado por Brester (1997) para analisar os simbolos e as imagens que norteavam as relacdes sociais e produtivas em uma oficina de marcenaria, ‘Admitindo a necessidade de conhecer a cultura da base hierérquica das organizagies brasileiras, o pesquisador decidiu trabathar em uma fabrica de méveis. Recebeu uma indicacéo para procurat a oficina da Chacara Cogume- Jo, na Grande So Paulo. O contato com a empresa foi estabelecido, ficando acertado o inicio do estagio. No perfodo anterior ao inicio da sua experiéncia como aprendiz de marceneiro, realizou uma revisdo bibliografica sobre pesquisa participante, indtstria moveleira e madeira, Trabalhou diariamente na ofic na, no perfodo de dezembro de 1994 a fevereiro de 1995. Sua pesquisa pros- seguiu durante os outros meses do primeiro semestre do ano de 1995, com a realizagdo de entrevistas semi-estruturadas e a verificacio das anotagées de 76 uérov0s be resquish sh ADMONsTRAGKO © pesquisedor prestou, também, consultoria informal aos donos do negécio, durante o ano de 1995. A oficina da Chécara Cogumelo era alugada, bem como as grandes mé- quinas existentes, Era gerenciada por dois sécios que trabalhavam ali, diaria- ‘mente. A empresa funcionava de maneira informal. Contava, normalmente, com cinco funcionérios, sendo trés assalariados e dois prestadores de servigo. Ha- via, ainda, outro trabalhador que ocupava as dependéncias da oficina. Era um funciondrio do proprietério do imével e das grandes méquinas. Nao havia re- gras rigidas, nem vinculo formal de trabalho. Pensando que estava usando uma roupa surrada ~ conselho de um dos sécios da marcenatia - 0 pesquisador/aprendiz de marceneiro comecou 0 seu primeiro dia de trabalho, lixando tdbuas. Nao foi apresentado aos colegas, nem recebeu treinamento. Trabalhou ¢ observou pessoas e méquinas. Constatou que no estava usando roupas surradas. Roupas surradas eram decorrentes do di a-dia de trabalho. Seus colegas estavam, todos, com o mesmo “uniforme”, rou- pas diferentes, mas igualmente surradas, simbolos de integracéo. O pesquisador logo percebeu que, na oficina, havia um ritual de troca de roupa. Seus colegas marceneiros trocavam as roupas surradas por roupas lim- pas em todos os momentos em que safam da oficina: para almocar, telefonar, comprar cigarros ou outros motivos. Era uma norma do grupo, aprendida no convivio didtio. (© pesquisador experimentou a troca de roupas para ir almocar, na segunda semana de trabalho. Naquele momento, constatou que o simples fato de tirar uma roupa surrada e vestir uma comum marcava um intervalo na jomada dis- ria, refazendo as energias para dar continuidade ao trabalho. Essa primeira troca de roupa constituiu para ele um rito de passagem para dentro da oficina. Pas sou a sentir-se parte do grupo ‘As roupas eram, ao mesmo tempo, simbolos de integragao e diferencia- 40. Nesse contexto, lembrou-se das roupas de trabalho dos médicos ¢ das empregadas domésticas. No ambiente de trabalho dos médicos, a roupa bran: ca indica a integracio. Fora dos hospitais e consultérios, o uniforme é consi- derado um simbolo de status, diferenciando o usuério das demais pessoas. Por outro lado, no caso das empregadas domésticas, os uniformes simbolizam um trabalho pouco valorizado, revelando que o usuario pertence a uma classe so- cial menos favorecida, Na oficina, o uniforme unia os trabalhadores. Fora do ambiente de trabalho, a roupa diferenciava quem a estava vestindo. Ao con- ttdrio da distingéo experimentada pelos médicos, os marceneiros, na rua, eram diferenciados “pata baixo”. Como sugeriut o pesquisador, “dependendo do do- minio, um mesmo artefato pode simbolizar diferentes significados” (BRESLER, 1997, p. 117) emocena 77 0 processo de aceitacio pelo qual passou o pesquisador foi diferente, mais demorado que o dos demais, provavelmente em virtude da proximidade com ‘s patres. Com 0 tempo, 0 pesquisador foi aceito, pasando dos olhares res- tritos aos sorrisos de cumplicidade. Entretanto, algumas distancias continus- ram a existir, 0 que no estranho em estudos etnogréficos. Indagado sobre a sua hist6ria, revelou ser professor e pesquisador, estando ali como um apren- diz, para aprender a trabalhar com a madeira. O convivio didrio revelou, ainda, a relagao dos trabalhadores com a figu- rado pai". As relagées na oficina eram semelhantes ds relacées em casa, onde pai é aquele que protege e detém autoridade. Os s6cios da oficina eram con- siderados “pais” dos empregados. Da mesma forma, 0 dono do imével e das grandes méquinas, alugados por um décimo do prego de mercado que seria cobrado somente pelo galpao, era 0 “pai” dos donos do negécio. Entretanto, se desejassem fazer alguma modificacio estrutural no galpao, ou aumentar sig- nificativamente o niimero de empregados, os donos do negécio deveriam pe- dir autorizacio 20 “pai”, ou seja, a0 dono do imével. O pesquisador observou uma relagao de protecio e amparo aos “filhos” e, ao mesmo tempo, a autor dade do “pai” explicitada pela dependéncia dos “filhos”. 0s donos do negécio tinham, ainda, outro “pai”. Era o melhor cliente da oficina. Garantia mensalmente ao negécio uma entrada minima de dinheiro no caixa, Por outro lado, todos deveriam respeitar as mudangas exigidas por esse cliente Os resultados dessa experiéncia revelaram a importancia da imagem ps- tema na oficina, que servia como um modelo a ser seguido, bem como uma forma de controle. A simbologia dos uniformes foi destacada nos dois contex- tos pertinentes, revelando integracao e diferenciacéo. Para o pesquisador, as sutilezas das relagdes sociais e produtivas dentro da oficina, dificilmente seriam captadas se outro método de pesquisa tivesse sido adotado, (0 Exemplo 2: Subculturas de consumo: os new bikers 0 método emogréfico foi utilizado por Schouten e McAlexander (1995) em uma pesquisa sobre subculturas de consumo. Os pesquisadores definiram uma subcultura de consumo como um grupo distinto da sociedade, formado com base na escolha de um produto especifico, uma marca ou uma atividade. Foram destacadas outras caracteristicas de uma subcultura de consumo: a es trutura hierdrquica, os valores, os jargées, os rituais e os modos de expresso simbélica préprios. 0 grupo investigado pelos pesquisadores foi o dos new bikers, represen: tados pelos proprietdrios das motocicletas Harley-Davidson. O interesse em 78 sctronos be resquish em apuuvisteagha investigar esse grupo no se restringiu apenas ao fato de que estavam ligados, a uma mesma atividade, ou que possufam estilos de vida préprios, mas ao fato de compartilharem a “adoracéo” de um produto de uma marca especifca. A pesquisa foi desenvolvida durante trés anos. Neste periodo, os pesquisadores passatam por varios estdgios de envolvimento etnografico: (a) observagéo sim. ples, quando eram considerados outsiders, pois néo possufam motocicletas; (b) observagio participante, de modo parcial, quando adquiriram motocicletas, (ainda nfo eram Harleys) e eram considerados novatos; (c) imersdo total, quan- do adquiriram Harleys e as utilizaram como principal meio de transporte. Pas- saram, também, a utilizar roupas apropriadas. Durante o ultimo estagio — envolvimento total -, os pesquisadores alcancaram a condido de insiders, sendo gradualmente aceitos em varios subgrupos de motociclistas Harley Davidson. Os dados da pesquisa foram coletados por meio de entrevistas formais e informais, observagéo simples e participante, e fotografias. As entrevistas for ‘mais eram gravadas e, posteriormente, transcritas. Durante as entrevistas que no estavam sendo gravadas, os pesquisadores escreveram notas de campo. Os dados referentes &s observacGes e as entrevistas informais eram permanente: mente registrados em um gravador. Ao final do dia, os dados gravados eram resgatados para serem registrados sob a forma de notas de campo detalhadas. {As fotogratias contributram para “reviver a experiéncia vivide" e, também, re- sistrar visualmente o simbolismo caracteristico desta subcultura, Ajimerséo no mundo do grupo investigado permitiu a familiaridade com publicagées referentes aos diversos subgrupos de motociclistas, o que contri- buiu para a interpretacio e a triangulagao* dos dados obtides por meio de entrevistas e observacao. A proposta inicial de amostragem, que revelava um entendimento super ficial da cultura dos bikers, incluia trés grupos a sezem entrevistados: motoci- clistas, comerciantes e executivos de marketing. A medida que a coleta de da dos foi iniciada, os pesquisadores perceberam que o grupo investigado era muito ‘mais complexo do que imaginavam. A amostra era, entio, ampliada & medida que uma nova categoria de motociclistas emergia Os entrevistados foram selecionados de acordo com os diferentes subgru: os identificados no decorrer da pesquisa. Apresentavam diferencas com rela- io A idade, & classe social e ao estilo de vida. Foram entrevistades membros de varios subgrupos, bem como motociclistas que no pertenciam a nenhum. grupo organizado. Os locais de pesquisa incluiram ralis anuais, casa dos moto- ciclistas (ou, mais comumente, as garagens), concessiondrias, bares, entre outros. 4 Sobre trangulagio ver Capitulo 22 woctaria 79 Foram, ainda, entrevistados executivos da Harley-Davidson, seis comer- ciantes de motocicletas Harley-Davidson e diversos vendedores de acessorios, roupas e parafernélias em ralis. Os dados foram acumulados, codificados, comparados e categorizados em temas especificos. Cada tema foi, entio, tratado como pegas de um quebra. cabeca, que seriam posteriormente unidas, formando uma estrutura conceitual ‘Quatro temas foram identificados, quais sejam: estrutura social, valores cultu rais compartilhados, transformacao da identidade do individuo, agéo de comercializar referente a subcultura de consumo. Os resultados da pesquisa revelaram que o grupo investigado possula subgrupos com interpretagées particulares sobre os valores de sua cultura. No que se refere aos valores culturais compartilhados pelos membros do grupo, foram destacados a devogio & marca Harley-Davidson, a liberdade, o patriots mo ea reafirmago da masculinidade. A transformagao da identidade do indi iduo foi percebida & medida que o grau de integracio aos valores do grupo aumentava, Por fim, a pesquisa revelou que as empresas produtoras de moto- cicletas e acessérios utilizavam elementos simbélicos do grupo para se comu- nicar com a sociedade e atrair novos clientes, (1 Exemplo 3: Etnografia cm fast foods Rial (2003) elegeu o método etnografico para a realizacdo de uma pes quisa sobre fast foods em Paris. A pesquisa teve inicio em 1983, época em que 1 pesquisadora estudava em uma universidade francesa. Teve como objetivo analisat 0s fast foods, cadeias globais de lanches répidos, como um caso exem- plar de tentativa de multiplicacdo mundial de um padréio homogéneo e suge- rir que a ldgica e a dindmica de disseminacio planetéria podem muito revelar sobre os processos de globalizacao cultural contemporaneos. Seu interesse pelo tema nasceu devido A proliferacio dos fast foods na cidade de Paris ¢ & indignacao dos cidadaos parisienses com relacdo ao fato. Além disso, a pesquisadora ouvia freqtientemente comentarios de uma de suas colegas de universidade sobre o trabalho em fast foods, ja que a mesma trabalhava no Quick, o maior fast food na época. Havia, ainda, a possibilida- de de trabalhar em uum destes estabelecimentos, uma vez que empregavam estrangeiros. Inicialmente, a pesquisadora discutiu uma questo metodol6gica relacio nada ao campo e ao objeto da pesquisa. Argumentou que o campo deveria es tat em consonéncia com o objeto da pesquisa, sugerindo que objetos contem ordneos se rebelam contra fronteiras geogréficas precisas, No sui caso, o cam po da pesquisa fo definido como Paris e Sao Paulo. No entanto, foram realiza- das visitas e entrevistas em diversas outras cidades do mundo. Além disso, 80 uronos DePESQUISA N¢ ADMINISTAACAO observagées foram feitas onde a pesquisadora no falava a lingua local nem contava com um intérprete. Pecas publicitérias de fast foods de paises como Turquia, Grécia, Austrélia, Chile, Argentina, Itélia e Estados Unidos foram fornecidas por pessoas que a pesquisadora chamava de cagadores de guarda napos de bandeja. Muitas informagées eram disponibilizadas, Contudo, esta: ‘vam inseridas em um discurso oficial, Acessar as préticas fast foodianas nao era facil. Para a pesquisadora, lugares como fast foods exigem uma antropologia on the road, em movimento, capaz de captar esse movimento. Nesse sentido, a0 invés de uma co-residéncia, foi estabelecida a pratica da co-visita ‘A pesquisadora trabalhou durante trés meses no Quick de La Défénse, na Franga. Na época, 0 estabelecimento tinha mais de 60 empregados e produzia diariamente cerca de 6.000 hambuirgueres. Sua jomada era de dez horas por semana. ‘A insergdo da pesquisadora no Quick se dew como a de muitos que Id es tavam, ou seja, mentindo, Nao revelou aos chefes sua escolaridade nem que estaria realizando uma pesquisa. A exce¢ao ficou por conta de seus colegas de trabalho, seus maiores informantes. ‘A natureza do trabalho exigia concentragéo e preciso. Maquinas e che- fes autoritérios ditavam o ritmo do trabalho e as regras a serem seguidas. Foi assustador desde 0 inicio, ela afirma, Logo percebeu que a interagao entre os trabalhadores era um grande ponto de tensio. Em horarios de grande movimento, os caixas recebiam os pedidos, que eram repassados para os atendentes dos postos de bebidas, sanduiches, centre outros. Estes atendentes ficavam encarregados de entregar os itens pron- tos ao caixa. O modo pelo qual a orem era transmitida pelo caixa constitula, uma das maiores queixas dos atendentes, jd que muitos exigiam rapidez, em uma tentativa de “aparecet” pata os chefes. AA resposta dos fast foods a essa tensao vinha por meio de férmulas este- reotipadas. Palavras em inglés davam um toque impessoal ds ordens. Segundo 1 pesquisadora, geravam uma esquizofrenia lingifstica. Além disso, algumas cadeias contavam com a figura do “producao”, um mediador que trabalha en- te 0 caixa e os atendentes dos postos, com a fungao de prever e determinar 0 preparo de determinado nimero de sanduiches, de acordo com o niimero de pessoas na fila. Ele nao podia deixar que faltassem ou sobrassem itens. O “pro- dugio também estimula ou reprova 0s funcionatios, dependendo da situagao. Hierarquicamente, estd entre os atendentes ¢ os supervisores. ‘Uma caracteristica peculiar dos fast foods & 0 fato de cada estabelecimen- to constituir o territério de uma determinada rede de imigrantes, o que foi constatado pela pesquisadora na Franca e na Inglaterra, No Quick de La Défénse, por exemplo, os empregados eram, em sua maioria, vietnamitas € ‘malgaxes, exceto para os cargos de chefia, Um dos supervisores da cadeia de- rrvocrama 81 clarou que 0 Quick nao empregava negros nem drabes para os cargos de assis- tente e gerente. © mesmo ndo ocorria no MeDonald’s e no Burger King, na Franca. Além da interagao entre os trabalhadores, outro ponto de tensdo era a relagio dos trabalhadores com os instrumentos fast foodianos e os procedimen. tos a serem seguidos. A disciplina exigida impuinha relagées quase sédicas, di zia ela, Trabalhadores deveriam aprender a obedecer aos chefes ea trabalhar segundo a didatica dos gestos fast foodianos. Trabalhadores e méquinas deve- riam ser elos de uma mesma cadei 0 plano de distribuicao dos empregados era estabelecido, conforme a pesquisadota pode observar, de acordo com critérios subjetivos como género, etnia e aparéncia fisica. Para os atendentes, era mais um modo de os chefes se vingarem, Com relacio & padronizagio, a pesquisadora teve uma experiéncia desa- graddvel no que diz respeito aos uniformes, os mesmos, tanto para o verso quanto para o inverno, Em um dia de inverno, ao colocar sacos de lixo do lado de fora do restaurante, 0 que levava em média 20 segundos, a porta se fechou, deixando-a presa na drea de servico durante 15 minutos, sob uma temperatu: ra de~14° C. Seu uniforme era um vestido leve, de mangas curtas. Sua experincia etnografica revelou que as condigées de trabalho nos fast foods eram duras, com poucas recompensas. A visao de seus colegas franceses, contudo, nao era a mesma dos brasileiros e argentinos. O que leva as pessoas ‘a suportarem esse tipo de trabalho foi uma questi levantada pela pesquisa- dora, Brasileiros querem conhecer s méquinas e o trabalho moderno. Além disso, precisam da experiéncia do primeiro emprego. A sociabilidade interna mantém tanto brasileitos quanto franceses nos fast foods. Alguns até visitam local de trabalho nos dias de folga. Em sintese, percebeu que as pessoas traba- ham em fast foods devido ao sentimento de pertencer a um grupo, de compar: tilhar cédigos, sejam eles uniforme, linguagem ou gestos. Leituras para aprofundamento BARROS, Carla Fernanda Pereira. Marketing ¢ etnografia: um levantamento em journals dos anos 80 90. In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAGAO NACIONAL DOS PROGRAMAS DE POS-GRADUACAO EM ADMINISTRAGAO, 26., 2002, Salvador. Anais... Salvador: Anpad, 2002. BRESLER, Ricardo. A roupa surrada e o pai: etnografia em uma marcenaria, In: MOTTA, Fernando C. P.; CALDAS, Miguel P. (Org.). Cultura organi zacional e cultura brasileira. 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O que propicia a comipreensto de tum dado fenémeno sao as esséncias, ou seja, 0 sen- tido verdadeiro de alguma coisa (MOREIRA, 2002). A énfase da fenomenologia recai sobre 0 mundo da vida, 0 mundo cotidiano. i considerado, ao lado do metodo hipotético-dedutivo e do dialético, um dos grandes métodos de pen- samento (VERGARA, 2004a). A fenomenologia foi introduzida por Edmund Husser! (1859-1938), a partir de uma vertente conhecida como fenomenologia descritiva ou trans- cendental. Nasceu como uma perspectiva critica, uma reacdo ao positivismo € a negacdo da subjetividade. Como assevera Dartigues (1973, p. 74): “a objeti- vidade sup6s a colocagéo entre parénteses do sujeito humano e dos modos de apreensao subjetivos da realidade”. A perspectiva fenomenolégica busca “reintegrar o mundo da ciéncia ao mundo da vida" (DARTIGUES, 1973, p. 77). A partir desta abordagem, surgiram a fenomenologia realista, a constitutiva, @ existencial e a hermenéutica (MOREIRA, 2004). Esta ultima, preconizada por Martin Heidegger (1889-1976), é também conhecida como fenomenologia interpretativa, constituindo uma importante referéncia para a pesquisa empirica em administracéo, Estudos amparados pelo método de pesquisa fenomenolégico-herme- néutico buscam o resgate dos significados atribuidos pelos sujeitos ao fenémeno sob investigacdo. Hermeneutica é uma técnica de interpretagao (ABBAGNANO, 1970). Lembrando Spiegelberg, Moreira (2004) afirma que mesmo a feno- FEnoneNoLOGtA 85 menologia descritiva inclui interpretacéo. Assim, os estudos apropriam-se do conhecimento por meio do circulo compreensio-interpretagdo-nova com: preenséo (MASINI, 1991), o que revela ser essa abordagem inacabada, nio es- timulando a busca de uma verdade definitiva (CARVALHO e VERGARA, 2002). O recomecar incessante, um sinal de indefinico para os pesquisadores da cor. rente positivista, é, para os fenomendlogos, “uma maneira da fenomenologia mostrar-se em sua verdadeira tarefa e fertilidade” (MASINI, 1991, p. 66). Como método filoséfico, a fenomenologia estuda o fendmeno como ele 6 dado ao fenomendlogo. Como método cientifico, se o estuda como ele é dado no ao pesquisador, mas ao sujeito da pesquisa (MOREIRA, 2004). Conhecimentos originados no Ambito da fenomenologia podem ser explo- rados por outros enfoques, em um contexto de complementaridade de méto- os, agregando substancial contribuigdo & pesquisa em administracao, Propo- sigGes geradas por uma investigacio de cunho fenomenolégico podem ser uti- lizadas para o desenvolvimento de hipdteses testaveis, valendo-se do método hipotético-dedutivo (CARVALHO, 2003; CARVALHO e VERGARA, 2002), ?. Palavras-chave Esséncia (redugao eidética) Fendmeno Mundo da vida Compreensio, interpretacio, nova compreensio Subjetividade Experiéncia vivida pelos sujeitos Suspensiio do julgamento (epoqué ou redugio fenomenolégica) Abordagem inacabada Qo00QQ0000 * Caracteristicas principais 1 Permite explorar situacdes, valores e praticas com base na visdo de mundo dos préprios sujeitos. G Permite descobrir conhecimentos, ao invés de verificar o saber jé conceituado. 1 Os resultados da pesquisa nao sao generalizéveis estatisticamente, uma vez que se trabalha com amostras intencionais e experiéncias singulares, {86 —_ttronos pe resgunsa em ADastRAGHO (1 Exige do pesquisador habilidade para interagir com pesquisado, conduzindo a entrevista sob a forma de umn didlogo, reconduzindo a exploragio de temas no decorrer da entrevista e mantendo-se aten- to a possiveis desvios relacionados & autenticidade do relato. x Como utilizar! (1 Definem-se o tema e 0 problema de pesquisa. 1 Procede-se a uma revistio da literatura pertinente ao problema de investigacao e escolhe(m)-se a(3) orientacio(6es) teérica(s) que daré(o) suporte ao estudo. Selecionam-se os sujeitos da pesquisa. Elaboram-se questées gerais de pesquisa para orientar a coleta dos dados. 1 Coletam-se os dados, em geral, por meio da realizagio de entrevis- tas abertas ou semi-estruturadas, bem como de observacao partici- pante. 171 Transcreve-se o contetido das entrevistas, quando gravadas. Procede-se & leitura critica dos relatos. 1) Procede-se A identificagio de clusters ou grupos de analise. 1 Interpretam-se os dados da pesquisa, o que pode ser feito por meio de anélise interparticipante, ou seja, agregando a interpretago do pesquisador palavras dos préprios sujeitos. (7 Elaboram-se proposicGes relativas & pesquisa, ou seja, enunciados que permitem a compreensdo do fendmeno estudado. 7 Resgata-se o problema que suscitou a investigagio, © Confrontam-se os resultados obtidos com a(s) teoria(s) que o aa deu(ram) suporte a investigacio. Formula-se a concluséo. 1 Elabora-se o relatério de pesquisa. Nas pesquisas norteadas pelo método fenomenol6gico, a fonte essencial de dados tefere-se ao relato dos proprios sujeitos. A técnica mais utlizada para a ‘obtengéo dos dados é a entrevista aberta ou semi-estruturada, Relatos escritos ‘ou dados visuais, como os desenhos, por exemplo, produzides pelo participante 1 Ardem aqui apresentada néo é rfgida. Pode, portanto, ser alterada conform & situacto. rexowenowocn 87 também podem ser utilizados. Entretanto, técnicas estruturadas, como questio- nérios Fechados, sfo inaproptiadas (MOREIRA, 2002; VERGARA, 2004a). Com relagio a selecéo dos sujeitos da pesquisa, utilizam-se, em geral, cri térios baseados na tipicidade e na acessibilidade ou conveniéncia, como fez, por exemplo, Carvalho (2003). No que se refere ao tratamento dos daclos, a formagao de clusters ou gru- pos de andlise pode ser realizada com base em termos utilizados pelos pré- prios sujeitos da pesquisa, em padres que emergem de coincidéncias obser- vyadas nos relatos ou em padres previamente estabelecidos (CARVALHO e VER- GARA, 2002). Trechos dos relatos so, em geral,utilizados para a apresenta- fo dos resultados da pesquisa, Com relagéo nao s6 a interpretacao dos dados em particular, como tam- ‘bém ao processo de investigacéo como um todo, hi dle admitir-se a presenga da subjetividade do pesquisador. No entanto, para Husserl, o abandono, pelo pesquisador, de pressupostos e julgamentos é inerente ao método feno- menol6gico. Husserl valeu-se do termo bracketing para referir-se & suspenséo do julgamento. Trata-se de “colocar entre parénteses” “partes” que nao deixam de exist, mas que so desconsideradas temporariamente. Este procedimento édenominado epoqué (SANDERS, 1982) ou redugio fenomenoldgica ou transcendental (MOREIRA, 2004). Do ponto de vista hermenéutico, o pesqui- sador deve estar livre para compreender o que se mostra (MASINI, 1991). “Estamos livres quando sabemos dle nossos valores, conceitos e preconceitos € pocemos ver o que se mostra cuidando das possiveis distorgdes” (MASINI, 1991, P.62). Sendo assim, trabalhar para minimizar a deformacio da realidade dos sujeitos em virtude de sua propria interpretacio, ou sefa, cuidar das possiveis distorges, é tarefa do pesquisador. Também é sua tarefa realizar o movimen- to da reducio eidética. Significa buscar a esséncia do objeto, ou seja, 0s atri- butos sem os quais ele nio pode ser identificado (THIRY-CHERQUES, 2004). Exemplo da utilizaao do método fenomenolégico (J Exemplo: Iluminagao em cenétios de servigos 0 método fenomenoldgico foi utilizado por Carvalho (2003) em uma pesquisa sobre a experiéncia dos individuos com a iluminagfo em cenérios de servigos. Teve como objetivo responder a seguinte questo: Como se poderia compreender a esséncia da experiéncia interativa sociotécnica com 0 recurso da iluminacéo nos cenérios fisicos dos espetdculos mereadolégicos de servicos? 0 pesquisador argumenta que metodologias convencionsis, como as am- aradas pelo método hipotético-dedutivo, tém contribuido pouco para o estt- 88 néronos De Pesquisa ime DMousTAAGKO do das interagdes em contextos de servigos. Advoga a perspectiva feno- menolégica como uma alternativa para capturar a esséncia da experiéncia interativa humana com os ambientes. Justifica a opcio por essa abordagem, com base em trés fatores relacionados ao problema de pesquisa: (a) as vari veis ndo padem ser identificadas facilmente; (b) néo ha teorias disponiveis para explicar os comportamentos da populagao estudada; (c) construgbes tedricas ainda precisam ser desenvolvidas. Foi realizada, inicialmente, uma revisio bibliografica pertinente ao tema da pesquisa, em estudos na area de marketing, bem como em outros campos do conhecimento. Para a execucio da pesquisa de campo, foram selecionadas empresas com base nos seguintes critérios: (a) lojas de servicos; (b) gest e capital nacio- nais; (c) exercicio da segmentacao de mercado baseada na visio de tribo ur ‘bana; (d) manutengio consciente ow inconsciente de uma preocupacio com a semiose do espetaculo. Das nove empresas pesquisadas, apenas duuas atenderam aos quatro cri- térios estipulados. As demais atenderam a, pelo menos, tés critérios. Além disso, o pesquisador buscou uma forte diversidade de lojas, bem como 0 con- traste entre elas. A preocupacio com a selecdo das empresas estava relaciona- da com a intencio de reunir e comparar percepcées de consumidores sobre ambientes aparentemente distantes e, com isso, gerar interpretagdes mals sig- nificativas, de modo a contribuir para a disciplina de marketing. pesquisador sublinha que a experiéncia interativa com o ambiente do servigo inclui tanto a participacéo de consumidores quanto a de prestatores de servicos. Sendo assim, em cada empresa selecionada foram entrevistados representantes de trés grupos: consumidores, gerentes de loja e vendedores. ‘Aamostra, do tipo nao probabilistica, fot selecionada por tipicidade e por con- veniéncia. Foram entrevistados 79 consumidores, nove gerentes e 18 vende- dores, rotalizando 106 pessoas. As entrevistas, gravadas em dudio e, poste- riormente, transcritas, foram focalizadas, semi-estruturadas e no padroniza- das, Para as entrevista com gerentes e vendedores, foi utilizado 0 método do incidente critico. As entrevistas com os consumidores foram realizadas com 0 auxilio do modelo de Mehrabian e Russel (1974). Alguns dados, contudo, nao puderam ser reduzidos para as trés etapas deste modelo e, por este motivo, foram analisados separadamente. A anilise dos dados foi conduzida por meio de trés procedimentos: (8) leitura critica; (b) andlise de contetido; (c)classificagao de termos ¢ idéias. Para a apresentagio dos resultados, o pesquisador optou por mostrar a transcri¢do das partes mais relevantes das entrevistas e fazer coments nutridos pelo seu olhar hermenéutico, caracterizando, assim, 0 processo de andlise interpar- ticipate, conforme Morse (1994). Fevouenowocn 89 ‘A pesquisa gerou, inicialmente, 73 proposicées, as quais foram submeti- dasa um grupo de drbitros capacitados para avaliar, analisar, depurar e refind- las, de modo a se obter uma perspectiva mais completa co fendmeno. Apés a apreciagdo dos drbitros, 12 proposigées finais foram excluidas, algumas foram desdobradas e outras tiveram seus enunciacdlos reescritos. Com isso, 65 propo- sigGes finas foram obtidas. A interag3o com um dos érbitros, © arquiteto, mo- tivou ainda a elaboracéo de quatro proposigdes extraordinérias, ou seja, origi- nérias de uma outra fonte que nao a palavra dos sujeitos da pesquisa, Com base nas 65 proposigées finais ¢ nas quatro proposicdes extraordindrias, foram listados 15 temas essenciais do fendmeno estudado, por meio do agrupamen- to daqueles considerados mais relevantes ou mais recorrentes nos relatos. Trata- se, entdo, da esséncia da luz em servicos. Para os participantes, a iluminagio: @) tem uma percepgio esponténea dificil, a menos que o estimulo lu- minoso esteja relacionado a extremos fisioldgicos ou ps{quicos; * b) deve estar em harmonia e integragéo como cenétio, com a ambién- cia e com o estilo da empresa; ©) depende fortemente da mediaglo pelos sistemas sensério, fisiolé- gico e psiquico do receptor; 4) precisa minimizar as potencialidades iatrogénicas? do ambiente e tabalhar a favor da melhoria da qualidade de vida; ©) deve informar acerca do ambiente, dos produtos ¢ da empresa, sem invadir ou prejudicar o corpo ou a subjetividade do individuos 1) pode ser modificada pelos que a experimentam e também pode ‘modificar essas pessoas; 8) € captada predominantemente pela visio, mas interfere em outros aspectos da relacio corpérea do individuo com © ambiente; hh) guarda relagéo complementar e integrativa com as cores presentes no ambiente e com os materiais utlizados no cendtio; 9 est relaionada com etc, mas precisa ser equlbrada com os valores éticos; i) pode favorecer ou deteriorar a sensagio de conforto proporciona- da pelo ambiente; 1 tem seus efeitos fstoldgicos e terapéuticos vinculados & assepsia e Ahigiene do ambien: 1} também comporta a luz natural, que precisa ser controlada para evitar reflexos, brilhos e temperaturas intensos; 2 Toate deni de miinzar quer mal quo stem de uminao pe ‘sa causar ao individuo. . soe 90 éropos a: masUisa ADMANISTRACRO 1m) niio pode ser reduzida a um tipo ideal, nascido de uma fonte ideal cu aplicado a um corpo ideal, devendo antes contemplar a maior diversidade possivel de situagées e demandas; ‘i 1) é efetiva para favorecer a qualidade percebida e para aumentar as vendas, porém nio é capaz por sisé de criar uma experiéncia com- pleta de compra ou de consumo; ©) poderia ser melhor administrada pelas empresas de servicos, ‘Aldm das proposigées geradas (essenciais), o pesquisador destacou algu- mas consideragées conclusivas acerea da pesquisa realizada. Uma das mais importantes refere-se ao fato de que no hé como investigar o fendmeno da iluminagdo em empresas de servicos sem ouvir o cliente. Sublinha que ouvir 0 cliente significa, primeiramente, aprender a se comunicar com ele do modo que ele deseja se comunicar. Outra consideracéo diz respeito a importancia do didlogo com outras disciplinas e outros campos do conhecimento para 0 estu- do do fendmeno de servigos. Também merece destaque o fato de que as em- presas de servicos parecem estar menosprezando, subutilizando ou ignorando as potencialidades da luz como recurso mercadolégico. No que se refere a0 {framework escolhido, o modelo de Mehrabian e Russel foi considerado adequa- ‘do e ao mesmo tempo flexivel, permitindo o registro de depoimentos quando suas etapas eram insuficientes para abarcar a riqueza do que era relatado. Foi destacada, também, a consulta aos drbitros, uma oportunidade para discutir e refinar os resultados da pesquisa. Outras consideragdes foram ainda comenta- das, tanto no que se refere ao trabalho da pesquisa quanto ao trabalho do pes- quisador. Leituras para aprofundamento ABBAGNANO, Nicola. Diciondrio de filosofia. Sao Paulo: Mestre Jou, 1970. CAPALBO, Creusa. Fenomenologia ¢ educagéo. Férum educacional. Rio de Janeiro: Fundacéo Getulio Vargas, v. 14, n® 3, p. 41-61, jun./ago. 1990. CARVALHO, José Luis Felicio dos Santos de. A luz nos cendrios de servigos: fenomenologia da experiéncia interativa dos participantes dos encontros de servicos com a iluminago ambiental. 2003. 300 f. Tese (Doutorado em Admi- nistragéo) ~ Departamento de Administraco, Pontificia Universidade Catoli- a, Rio de Janeiro. VERGARA, Sylvia Constant. A fenomenologia e a pesquisa dos espa ‘gos de servigos. Revista de Administracao de Empresas. Séo Paulo: Funda- Gio Getulio Vargas, v. 42, n®3, p. 78-91, jul./set. 2002, FevommiovocA 91 COLTRO, Alex. A fenomenologia: um enfoque metodolégico para além da modernidade. Caderno de Pesquisa em Administragao. Sao Paulo: Univer- sidade de Sao Paulo, v. 1, n® 11, 18 trim. 2000, DARTIGUES, André, O que é a fenomenologia? Rio de Janeiro: Eldorado, 1973. MASINI, Elie F. S. Enfoque metodoldgico de pesquisa em educagéo. In: FA- ZENDA, Ivani (Org.). Metodologia da pesquisa edueacional. 2. ed. So Pau. Jo: Cortez, 1991 MOREIRA, Daniel Augusto. Pesquisa em administracéo: origens, usos e va- riantes do método fenomenolégico. In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIA. GAO NAGIONAL DOS PROGRAMAS DE POS-GRADUAGAO EM ADMINISTRA. GAO, 26., 2002, Salvador. Anais... Salvador: Anpad, 2002. __. 0 método fenomenolégico na pesquisa. Séo Paulo: Pioneira Thomson Teaming, 2004. RAY, Marilyn A. The richness of phenomenology: philosophic, theoretic, and ‘methodologic concerns. In: MORSE, Janice (Ed.). Critical issues in qualitative research methods. Londres: Sage, 1994. SAMPAIO, Jéder dos Reis. A pesquisa qualitativa entre a fenomenologia ¢ 0 empirismo formal. Revista de Administracao. 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Fotoetnografia Na busca pela renovacio do conhecimento, métodos tradicionais abrem- se para novas possibilidades. E 0 caso da etmografia. Uma variante deste méto- do refere-se & fotoetnografia. Trata-se da apresentacao de uma outra forma narrativa: a imagem, o texto fotoetnogréfico (ACHUTTI, 1997). Esta variante 6 aqui abordada. (0 dirio de campo é o companheiro insepardvel do pesquisador que se fe fazer etnografia. A palavra é 0 meio preponderante para o registro ea vata, magens so ilizadas, na maior parte das vers, de forma dustatva, ‘Andrade (2002, p. 18) afirma: “O antropélogo é um fotdgrafo que escreve aquilo que vé - e muito pouco fotografa.” Ir além da simples ilustragéo, nar- rando por meio de imagens, é a proposta da fotoetnografia. Andrade (2002, p. 20) leva a crer que isto € possivel, ao afirmar que “um antropélogo pode eserever visualmente sobre a alma; um antropdlogo pode escrever sobre e com as imagens”. ‘Tal como o video e o filme etnografico, a fotoetnografia se insere no campo da antropologia visual. Um ponto em comum entre a antropologia e a fotogra fia é a fonte que as alimenta, ou seja, a observacao, o ato de olhar captar emogées, sutilezas, sensibilidades (ANDRADE, 2002). Se, no entanto, a foto grafia 6 usada apenas como imagem ilustrativa, perde-se esse elemento de lnido, Para Achutti (1997), a fotoetnografia exige do antropélogo o dominio da linguagem fotografica, e do fotdgrafo a capacidade de olhar do antropélo- go, seus questionamentos, suas formas de olhar 0 outro. rororrocnanta 93 Sobre a contribuigao da fotografia & antropologia, a observagiio de Andrade (2002, p. 54) parece pertinente: Aprendemos a ver apenas o que praticamente precisamos ver. Atra- vvessamos nossos dias com viseiras, observando apenas uma fraco do que nos rodeia. Os homens modernos nao so bons observadores, e 0 uso de uma mquina fotogréfica pode auxiliar sua percepgio. No caso dda antropologia, o ato de fotografar pode dar uma visio global e uma observacao detalhada, Jd que vivernos em uma sociedade audiovisual (DUARTE, 2002), a fotoetnografia, parte da antropologia visual, pode oferecer recursos interessan- tes para a captacao do fendmeno observado. Em sintese, a fotoetnografia pode set considerada uma metodologia de pesquisa qualitativa que emprega técni cas fotogrétficas aliadas & observacio participante e aos registros escritos para descrever por meio de imagens 0 mundo do grupo investigado. O imagético é preponderante, A palavra torna-se coadjuvante na pesquisa fotoemogréfica. # Palavras-chave Imagem Antropologia visual Othar antropolégico Forma narrativa autonoma Recortes e seqiiéncias Qoo00a Caracteristicas principais GI Adescrigéo de determinadas situagdes por meio de imagens ¢ con- siderada mais profunda do que por meio de palavras. Imagens po- dem provocar lembrancas e reflexes que acabariam se perdendo. GF Tal como 0 texto escrito, o fotoetnogréfico demanda um encadea- mento. Caso contrétio, corre-se o risco de apresentar apenas uma série de fotografias desconectadas, que nao refletem 0 objetivo da pesquisa. CF Anarrativa visual € carregada de subjetividades. 0 pesquisador retrata Sua interpretacio da realidade, que por sua vez serd inter pretada pelo leitor, havendo ainda a prépria subjetividade do con: texto investigado. 94 séroo0s o8 pesquisa ee anmaisTHACAO 1 Acpsio pela fotoetnografia exige do pesquisador certo dominio de ‘técnicas forogréficas, bem como a decisdo pela escolha do equipa- ‘mento e dos acessérios a serem utilizados. : 1 Questées éticas tendem a ser mais acentuadas, uma vez que se tra balha com imagens do grupo investigado. A cémera oculta é vista como uma transgressio ética, embora alguns considerem seu uso vlido sob determinadas circunstincias (RIAL, 2003). ‘Como utilizar! GF Definem-se o tema e o problema de pesquisa GF Procede-se a uma revisdo da literatura pertinente ao problema de investigacio e escolhe(m)-se a(s) orientagdo(Ses) tebrica(s) que dard(Go) suporte ao estudo. C1 Levantam-se os primeiros dados referentes & investigacéo, 0 que pode ser feito conversando com outros pesquisadores, com pes- soas ligadas ao tema da pesquisa, em consultas a fontes divers como a midia, entre outras. Negocia-se a entrada no ambiente a ser pesquisado. 1 Inicia-se o trabalho de campo, com os primeiros contatos com 0 grupo. (0 Definem-se o equipamento fotografico ¢ os acessérios a serem uti- lizados em campo. 7 Coletam-se dados por meio de observagao simples e participante. 7 Registram-se dados do contexto sob investigacdo, por meio da fo- tografia, (0 Registram-se notas referentes & observagao do pesquisador e aos de- poimentos do grupo investigado, em um dirio de campo. 1 Analisam-se os dados. 0 Organiza-se o texto fotoetnogratico, 1 Utilizam-se trechos do didrio de campo ou comentarios do pesqui- sador para contextualizar a leitura das imagens. 1 Resgata-se o problema que suscitou a investigacao, 1 Confrontam-se os resultados obtidos com a(s) teoria(s) que deu(ram) suporte & investigacao, 1 Acordem aqui apresentada ado é rigida, Pode, port situagéo Set alterada conforme ororrwocrana 95 C1 Formula-se a conclusto. 1 Elabora-se o relatério de pesquisa. Em um trabalho de pesquisa, o problema e, mais detalhadamente, as que: ‘t8es a serem respondidas ou os objetivos intermedidrios guiam a elaboracéo de questionérios e roteiros de entrevistas para a coleta de dados. O pesquisa- dior que faz uso preponderante da fotografia para a coleta dos dados e para a apresentacdo dos resultados nao pode se deixar seduzir pela técnica fotografi ta. A fotografia ¢ algo fascinante, sem diivida, mas coletar dados aleatoriamen- fe, esquecendo-se dos objetivos da pesquisa, significa tirar fotografias, e nao produzir um trabalho fotoeiogratico. ‘Accoleta de dados por meio da fotografia requer do pesquisador uma per- manente atitude de imersio no ambiente, de estranhamento e de questio- namento. Hé situagées que, se nao forem registradas no momento em que es to ocorrendo, sero perdidas, pois ha a possibilidade de no mais ocorrerem. Basta ver a seqiiéncia registrada por Achutti (1997), relativa & boneca encon: trada no lixo, apresentada no exemplo 1 (Figuras 2 a 7) O retorno do pesquisador ao campo, apés a pesquisa, é um procedimento que tem suscitado debates entre os pesquisadores. Achutti (1997) assim o fe2, mas em duas situagées diferentes: a primeira como fotojoralista e a segunda como pesquisador. Exemplo da utilizagdo da fotoetnografia (0 Exemplo 1: Cotidiano, lixo e trabalho na Vila Dique ‘A fotoetnogratfia foi a metodologia escolhida por Achutti (1997) em sua pesquisa sobre cotidiano, lixo e trabalho em uma vila popular de Porto Alegre, Vila Dique. Na Vila Dieue, originalmente drea de depésito de lixo, vivem e trabalham mulheres cujo cotidiano, cuja sobrevivéncia e cujas percepgées de mundo se dao a partir do lixo. Um lixo que, como sublinha 0 pesquisador, é produzido e rejeitado por nés. A atividade preponderante na vila é a reciclagem de lixo. A populagao é formada, sobretudo, por pessoas de origem rural, da regis das colénias alemas do Rio Grande do Sul. ‘A pesquisa teve como objetivo investigar os elementos por meio dos quais «a populagao constréi suas identidades, que tipo de apropriagio fazem do lixo, como se dé o processo de trabalho, a organizagao do espaco de suas casas no que se refere as estratégias de reproduco social e quem sao as mulheres tra balhadoras 96 wéronos ne pEsQUIsA eM ADMINISTAAGKO © pesquisador utilizou trechos do seu diario de campo para contextualizar a fotoetnografia realizada. Ao contrétio da etografia tradicional, na qual as fotografias servem de apoio ao relato escrito, aqui pequenos trechos € que auxiliam a leitura das imagens, ‘A primeira visita do pesquisador a vila foi em 1992, como fotojornalista, fazendo uma reportagem para uma revista. A volta a vila se deu para a reali- zacio de um trabalho académico: sua dissertacio de mestrado. Nesse segun- do momento, voltou levando consigo Fotografias tiradas durante a primeira visita, Sua inserco no ambiente a ser pesquisado se deu, entao, sobretudo, por meio da entrega de presentes aos nativos. Como nas palavras de Collier Jr. (2973), a fotografia serviu como can-opener. O pesquisador chegou e imedia- tamente distribuiu as fotografias as pessoas que ali estavam, pasando a fotografé-las olhando e mostrando as préprias fotografias, permitindo-lhes, assim, apropriar-se de sua prépria imagem. Este momento constituiu uma das seges nas quais a pesquisa se dividiu. Foi denominada Imagens dentro da Ima- gem. A Figura 1 apresenta uma das fotografias da referida seco. Forosmocrana 97 Fonte: Achutt (1997, p. CXXIID, Figura 1 Imagens dentro da imagem. pesquisador fez. também um breve relato sobre sta visita aos pioneiros da vila Um trecho interessante que pode até emocionar o leitor foi contado tan- to por meio de palavras quanto de imagens. Foi a chegada de um caminhiio de lixo, momento presenciado pelo pesquisador, quando uma das trabalhadoras encontrou uma boneca movida a pilha, em bom estado, e tentou fazé-la fun- cionar, com pilhas também encontradas no lixo em outra casio. A seqiiéncia das Figuras 2.a 7 narra fotoetnograficamente a situacéo. 98 —seronos De pesqUsh Ex ADAANISTRAGKO Fonte: Achurti (1997, p. LXV), Figura 2 A boneca encontrada (a). Fonte: Achuti (1997, p. LXVD. Fonte: Achutti (1997, p. LXVD. Figura 3 A boneca encontrada (b). ‘Figura 4_A boneca encontrada (0) chute (1997, p. LXVID Figura 6 A boneca encontrada (e). Fonte: Achutti (1997, p. XVID. Fonte: Figura 5 A boneca encontrada (d). rororrNoGeARA 99 Fonte: Achuti (1997, p. LXVIID, Figura 7 A boneca encontrada (9. Durante o trabalho de campo, uma das mulheres contou como dividiam o que achavam e ganhavam. Outra relatou como ¢ feito 0 pagamento pelo ra balho. A estrutura para recebimento e separagio do lixo foi também revelada, A pesquisa, apresentada inicialmente como dissertacio de mestrado do Programa de P6s-Graduagao em Antropologia Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, transformou-se em um livo com dupla entrada: duas capas, duas abordagens antropoldgicas, dois textos, um escrito e outto fotoemografico. O texto fotoetnografico foi dividido em seis segdes: (a) a vila; (b) 0 trabalho e o lixo; (c) retratos; (d) as casas; (e) recortes, formas e cores; (O imagens dentro da imagem, Achutti (1997) propds outra forma de percepedo e narracéo de experién- cias. Um esforgo do observador das fotos de Achutti (1997) permitiria afirmat ue este pesquisador alcancou os objetivos que se propés. 0 trabalho no ¢ com 0 lixo traduz-se como elemento de identidade das pessoas fotografadas, que Ihe dio uma forma organizativa. O lixo trazido pelos homens é cuidado pelas ‘mulheres, dando-Ihe destinos diversos, buscando assegurar 0 sustento das fa milias. Por meio da antropologia visual, mais precisamente da fotoetnografia, © pesquisador mostrou o que as palavras nao dao conta de revelar. Em set tra- balho, mostrou que aquelas pessoas tem, apesar do cotidiano, orgutho, planos, entendimentos, problemas e sonhos. Achutti provoca a teflexao do leitor. 100 © Méropos DE PESQUISA EM ADMINISTRACAG | Leituras para aprofundamento ACHUTTI, Luiz Eduardo Robinson, Fotoetnografia: um estudo de antropolo- gia visual sobre cotidiano, lixo e trabalho. Porto Alegre: Tomo Editorial: Palmarinea, 1997. ANDRADE, Rosane de. Fotografia e antropologia: olhares fora-dentro. Séo Paulo: Estagio Liberdade: Educ, 2002. CANEVACCI, Massimo, Antropologia da comunicagao visual. Rio de Janei- ro: DP&A, 2001. COLLIER JR., John. Antropologia visual: a fotografia como método de pes- quisa, Sao Paulo: EPU: Edusp, 1973. RIAL, Carmen, Pesquisando em uma grande metrépole: fast-foods e studios em Paris, In: VELHO, Gilberto; KUSCHNIR, Karina (Org.). Pesquisas urbanas: desafios do trabalho antropolégico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. Outras referéncias DUARTE, Rosilia. Ginema & educagao, Belo Horizonte: Auténtica, 2002. Grounded Theory ‘A grounded theory & uma metodologia que visa desenvolver uma teoria sobre a realidade que se esté investigando a partir de dados coletados pelo pesquisador, sem considerar hipdteses preconcebidas. # também couliecida como teoria embasada, teoria fundamentada (ICHIKAWA e SANTOS, 2001) o teoria enraizada nos dados. ‘Ao fazer a distingdo entre teoria formal e teoria substantiva, Bandeira-de- Mello e Cunha (2003a) e Ichikawa e Santos (2001) afirmam que a primeira é mais geral e a segunda, mais especifica. A grounded theory afirma-se como teo- ria substantiva que emerge dos dados, por ser representativa da realidade de ‘um determinado grupo ou situagao (BANDEIRA-DE-MELLO e CUNHA, 20033; ICHIKAWA e SANTOS, 2001). Ao contrério da teoria formal, néo visa & gene- ralizagio. Teorias substantivas ajudam a gerar novas teorias formais enraizadas a reformular as ja estabelecidas (GLASER e STRAUSS, 1967). A construgio de teorias substantivas se dé por meio da coleta seletiva, da categorizagio e da saturacao tedrica, ‘A metodologia foi desenvolvida por Bamey Glaser e Anselm Strauss du- rante pesquisas empiricas realizadas em parceria, que culminaram com a pu- blicagao de Awareness of dying, em 1965. Os fundamentos conceituais da metodologia foram apresentados dois anos mais tarde, em 1967, por meio da obra The discovery of grounded theory: strategies for qualitative studies. Glaser e Strauss, contudo, seguiram caminhos diferentes, o que academicamente sig- nifca dizer que 0 desenvolvimento da metodologia se deu por meio de duas linhas distintas: a glaseriana e a straussianc. Glaser, que veio da Universidade Columbia, teve formacdo quantitativa e qualitativa, Strauss, por sta vez, é ori- 102 érov0s pe resquisa st apsmasraagho gindrio da Universidade de Chicago. Recebeu formacio qualitativa e sofreu influéncia do pragmatismo. Pode-se dizer que uma das diferengas mais signifi. cativas entre as duas linhas é que a straussiana buscou sistematizar explicitar téenicas para a operacionalizagao da metodologia, tendo, talvez por esta ra. Bo, sido mais disseminada. # Palavras-chave GF Teoria substantiva © Teoria formal Coleta seletiva de dados CF Sensibitidade teérica O Codificacdo aberta, axial e seletiva CD Coneeitos, categorias, propriedades e dimensées 1 Saturagéo tedrica * Caracteristicas principais © Ametodologia visa ir além da descrisio, exigindo do pesquisador a tarefa de interpretar os dados, identificar os conceitos e catego- rias e gerar uma teoria. © Acoleta e a anilise dos dados nao s4o consideradas etapas distintas do processo de pesquisa; ao contrério, ocorrem simultaneamente. 1D Hao risco de o pesquisador, involuntariamente, deixar-se contami- nar pelas teorias existentes e forgé-las (forcing) aos dados. 7 As teorias relacionadas ao tema em estudo no séo ignoradas, mas utilizadas no final do processo de pesquisa a fim de aumentar 0 poder explicativo da teoria substantiva que esta sendo gerada. As teorias so sempre transitérias, ou seja, esto relacionadas a um dado momento histérico, estando, assim, sujeitas & refutagao. Ye Como utilizar! 7 Definem-se o tema e o problema da pesquisa. raga O##D AGU apresentadn nko fd, Poe, porno Araeredaconfome a cnouoeo musony 103, Seleciona-se a instituigdo objeto de estudo, se for 0 caso. Selecionam-se 0s sujeitos para a realizagdo das primeiras entrevis- tas. Inicia-se 0 trabalho de campo por meio da realizacio de entrevis- tas e observacées. Registram-se os dados referentes ds observagies e as entrevistas, em notas de campo. Coletam-se dados adicionais em fontes secundérias, se for 0 caso. Identificam-se conceitos emergentes clos dados. Agrupam-se concei- tos similares em categorias. Identificam-se propriedades e dimen- s6es das categorias (codificagao aberta) Identificam-se os relacionamentos entre as categorias (codificacdo axial). Procede-se ao refinamento € & integracio dos resultados, identifi- cando-se, assim, a categoria central (codificacao seletiva). Resgata-se 0 problema que suscitou a investigacéo. Procede-se validacdo da teoria por meio, por exemplo, da checa- gem dos resultados com os entrevistados.. ‘Compara: a teoria gerade com as teorias existences a fim de tificar diferencas e contribuigdes. Formula-se a conclusio. Elabora-se 0 relatério de pesquisa. gq a0 00a ao aoaa aa A selegio da amostra é um procedimento flexivel. O pesquisador poderé identificar a necessidade de entrevistar outros sujeitos, além dos previstos, conforme critérios emergentes durante a pesquisa. Em geral, inicia-se a coleta de dados por meio da realizagao de entrevis- tas abertas. A medida que as categorias vio emergindo dos dados, as entrevis- tas tomam-se semi-estruturadas, como ocorrei, por exemplo, no trabalho de campo de Bandeira-dle Mello ¢ Cunha (2003). (Os dados podem ser analisados com 0 auxilio de softwares espectficos, disponiveis no mercado. No site , da Sage Publi- cations, hd diversas indicagdes. Sobre o software ATLAS/ti, especificamente, sugere-se a leitura de Bandeira-de Mello e Cunha (2003a). ‘As categorias identificadas pela coleta e andlise dos dados néo sio imuté- veis, podendo ser descartadas se julgadas nao pertinentes ao objetivo da pes- quisa. Exige-se, portanto, do pesquisador habilidade para identificar dados relevantes e dar-Ihes significado. E o que se denomina sensibilidade teérica. Cabe, ainda, ao pesquisador a tarefa de reconhecer o momento em que 0s da-

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