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5 MARIO DE ANDRADE: A FUNCAO PUBLICA DA ARTE E DO ARTISTA Seu zoe, mesure ingens Miri de Andrade Pretendemos aqui delimitar 0 univers cultural eas principais preoenpagées do personagem histérico ¢ homem puiblico que foi Mirio de Andrade, expoente singular do Movimento Modernist brasileiro. Florestan Fernandes, no artigo “Mario de Andrade eo folclore brasileiro”, usta com propricdade a magnitude desse inteleerual (Os antagonism eas limicagSes provacaram nele uma reso que € um grto épio de revolt, 0 epeticulo mais emocio- ante aot meus olhos na litescura brasil, conto exigéncia afetva como inguietagio — agtada pela its de sinconi- zagio humana de milhares de braleirs que se ignoram te ciprocaesimplesmente. (1946-140) Mécio ocupou singular posiio nas décadas de 1920, 1930 ¢ 1940, sendo um dos acculadores mais veementes ¢ convictos das ovesnarrativas pstaas, nese perodo, sobre a cultura brasileira. Era impressonante a enudigio desse paulista, que natceu na ‘ua Lopes Chaves, no centro de Sao Pail, oriundo da pequena Turpursia do fim do século XIX e inicio do século XX. Miso leu e uisou tudo 0 que esava ao seu alcance: Mars, Freud, Frazes i-Beubl, Durkheim, Conhecia simbém socidlogose anzopslogos leis, como Manoel Bomfim, Gilberto Freyre, Cimara Cas- loe Olvera Viana. mr Com Mario de Andrade, aidéia de culeura brasileira pasa a desdobrarse em scties que Ihe slo correits, come tradigio, na cionalidade eorginalidade, tendo em vista dscusio formulacto de um nacionalismo estético, ‘ua concepeso de cultura brasileira raz em seu bojo um dos aspects de maior riqueta na obra desse intelectual, que a petma- nente busca de reslugio da tensSo presente nas vias dicocomias cicada modemidade: popular vem eradito, particular vest un versa; arte pra versus arte imterstadsstadigio vera passadismo orginalidade sem reproducio. Uma letara da obra de Mitio de Andrade deve concemplat tanto o sea inteese pela atte popular e pelo folelore quanto pel arte eruita, pela arte colonial e pelo Barroco: a busca de uma Vis coxlizadora da cultura brasileira, como ele proprio preconizava Assim, dscuiremos a concepso de cultura brasieia,prese te no pensamento de Mitio de Andrade, em suas vertentes ciss, buscanda desvendar e compreender os principais element consttutivos dessa concepefo. A concepgao de cultura Incerpretamos Mario de Andrade como um ator que « persoifica a figura do homem pablico, a partir da luta que preendeu para a construsio ¢ implementagio de um projewo coe de imbito nacional, perseguindo sua missio de tornar 0 brasileiro cidadio consent, partcpe do projeto de consteuo da nagfo. “Mario de Andrade € obcecado pela questio da cultura siera. Ele quer observcla, pesquisa, pescrutar-he o ritmo, tum projeo em mente: fazer com que o povo viva sua culcura 6 asi poder se recanhecer como nag. Acreditaa que, por dessa vivénci-reconhecimento, seria possvel a superagio dia da hiseéria, 0 que possiilcaria a exstencia de mutagbes, pre « evolugéo, visando a “milhoria da humanidade”, como ele pro se exprimiria [Nessa perspectva, pretendeu instituir uma consciéncia pibli- ‘ea que transformasseo relacionamento das pessoas em “comunhio vivida”, ‘Ao longo de sua erajerdria intelectual, Mésio constrain uma posigo politica firme a rspeito da ar, vista por ele como pritica culrural extremamente relevante para a organizacio da vida coletva Por essa mesma rurio, entende que a expresso artistca deve revelar lun compromisso social, € © sentido social da arte, segundo sua concepeio, atinge sua plenitude quando consegue ensejar um sen- Aido piblico, isto & coletivo “Mirio possui um compromisso radical com o devir, com 0 sc, dai sua necesidade de participacio na realidade do seu tempo. Foi um defensor ferrenho da vida pablica ¢ das manifes- tagées coletivas, centrando seu interesse em fendmenos como a lin- fu filada, of ritos socias, os folguedos, as dangas draméticas, a Jiteratura de cordl, os cantadores populares. Decorte da a sua prépria concepso de possa, como atividade tiatva por exceléncia. Miro retoma 0 sentido grego de pois ado- ‘undo a attude de liberdade inerente aos artistas de seu tempo. Esa psig x frmada, quando excreve A cnn que no é laura (1925). Na coneepgio de Mario de Andrade, 2 poesia e 0 flelore, assim como qualquer manifesacio estética, devem ser retidos em tua vivacidade. E por isso que a pesquisa etnogrifica ¢ 0 contato direwo com os producores da cultura sé téo importante. Como resultado das viagens por ele empreendidas, foram pro- Ausidos vérios textos, entre as quais se destacam os artigos sobre o Aleijadinho e sobre a pintura tradicional no Brasil, publicados na Revise do Brasil, em 1920 ¢ 1924; 0 liv O turstaaprendiz relato ttnogréfico de sua viagem ao Nordeste ¢ Norte, em 1928, © um onjunto de relatérios © monogrfias, laborados a partir de suas [pesquisas sobre arte colonial brasileira, enviados a0 SPHAN". "Macs publicado em Misi de Andrade, Car de bali: conespondénia ‘om Rodrigo Melo Franco de Andrade, 1936-1945, SPHAN, 198) 113 Pr intermédio dessa producio ¢ possvel avaliara riqueza da formagio intelectual de Mério de Andrade, que tematizaw em pra= Fundidade os conceitos de cultura, simbolo, arte, estévica, étca € folclore, © que, a partir desse trabalho, claborou urna definisio de cultura brasileira, entendendo-a como um proceso de cragio pet= manente, cuja dinamica seria eapaz de producit um sentido de uni= versalizagio, de comunhio com a totalidade da civilizacio, isto & ‘om 0 conjunco dos procesos de comunicagéo do homem ocidental ritmo € volume da criagio de Mirio de Andrade 380 surpreendentes,frutos no sé de imensa cratvidade, mas também dda acurada capacidade de observasio, as quais deve ser agregada aprecvel cultura geral de que era detentor Hoje, o tabalho que realizou podera ser perfeitamente inco pporado ao que vem sendo chamado de nova etnografia", que supa lum encontro intersubjeivo encre pesquisidor e pesquisado, jando uma atitude de envolvimento e participasio no contexto 50 cial pesquisado. Mério de Andrade ¢ um etnégrafo aprendiz que ‘no entanto, dé ligdes de mesere ‘A proposta de Mério consiste em manter uma atitude esté ‘no interior do modo de conhecimento das priticas culturas. ‘A questio sobre o modo de conhecimento artitco implica dlscussio sobre a relagio entte os concttor de etéica ehistria, rmodernidade rompes com o conceit tleolégico e progresivo histéra ede arte fo sentido contemporinco que interes regis ras obras do pasado, pois exte pode ser capaz de impulsionar ‘iagio, a invensio, ist ga civilizaglo. Tal contemporaneidade significa a negacdo do passado, mas a sua metaboizaio, «sai corpora na atualidade, “Mario 6 to visceralmente preocupado com a caso est que, em muitos dos seus wrabalhos, 6 comum encontar uma flexio sobre a técnica utlizada pelos arta em suas cringe. S gundo Métio, a maior ou menor efcicia da técnica e sua adeqt Cone tives desenvoids por alguns gees names de Antopooga suai como Jes Cif, Pal Rabinowe Renato Row, as cut, 14 2 expresso asciam-se& contemporaneidade da obra, revelando procesos culms subjacentes. Mio inaugera uma teflexdo sobre 4s matcrildades em que a cultura se encara ¢reafrma a neesi- dace de considera os patimetoscoleivos para a sa dicusso tran, no seu bojo, no 36 uma concepeéo da contemporancdade, mas também de tras, de hstxa ede me- tnéva, E oporeuno registrar a seguintepassgem de uma de sas carts «Palo Duarte: 0 eda Ente scr do passdo esr passaista hé uma grande diferenga, dizcle. Goethe era do pasado mas ndo passadista.Passaditaé fo ser que faz o pape de carro de boi numa exrada de asf. (a Duane, 1977.23), Mitio prope uma valorizagéo do passado, mas nfo uma vol- ta sem criéros ou ext, jf que, segundo o autor, ele € fonte de ‘onhecimento apenas na medida em que produz inspiragio para o desvendamento de tadigbes,cujo conhecimento abre possbilidades de fatuco, ‘Ao mesmo tempo, para Miso, histria€oengajamento com a onsemporancdade, compromisso com o tempo atl. Assim épre- iso romper com a visio esttca do pasado € inventar 0 presente, desvendlo, para que se poss chegara novos patamares de cvilizasio. © novo conceito de his, inreduzido com o Modemismo, ‘onduz Micio a um rompimento com a posturs tradicional, que s- ppunha wma consinuidade ence pasado, presente efitro, ese deta os grandes fitos sociopolticos. Ao contitio, Mirio de Andrade ro Alga nocesidade de invengio do dado contemporineo, propondo, fan sus narrative imagens, sioteses originals para a culture basen: A valornaio da hudicidade, da criaividade da preguica A rcllecio sobre a preguga parece indicar um deslocamenco do conceto de Histria para o conceto de Geografia, uma ver que 4 relagéo do homem com a natureza € um locus de produsio de Jentido, de signiticados, de clasifcagbese de representagées cole "as. Ou, a0 contrtio, podemos pensar que bd uma historciagso da natures? 115 a realidade por meio da culeura, corna explicitas suas ligagBes com @ povo e, mediante a coleta de documentos sobre as manifestagées foleléricas, busca entender e interpretaro Brasil hhomem brasileiro ¢ seu destino. f nesse ano que dle si de Si Paulo ¢ passa trés meses entre 0 Norte ¢ o Nordeste do pais, exe perigncia da qual resultou O suria aprendix (1928). sobre 0 povo brslizo, de constiuigio mesa, uma visto expresa maioria de suas obras e, com espacial énfase, em Mcunaima (1 ‘que, por sua ver, eta da problematica questo da ambigncia topical Mitio de Andrade eo de seus contemporinens revelam a mesma s sibilidade alera para o seu tempo, ancorada no presente, Afni centre arttas ¢ pensadores asim distanciados podem ser explicadas pe Faro de compartlharem condigdessemelhantes par a ciao culsra. faxo de Mitio conhecer a obra de Max Weber, épossvel aprox los no que die expeito a0 modo de considera a tadigfo, uma ‘que ambos 2 concebiam como fonte de legivimsiade,¢& esa legit rmidade que a fz significaiva na contemporancidade batido por Lévi-Strauss, especialmente no que se refere questo do totemismo*. Retomamos, aqui, 0 conceito de eivilizagio que, para MBtio, adquire uma nuance relatva & temitica da ecologia, isto é,8 adequagio do homem ao seu ambient, inclusive ao clima que, no «aso bral E por ese motivo que Mario vi se interesar peas tradigdes patrimoniais iméveis © méveis, pelos rgistos deixados na arqui- tetura, na pincura e no mobiltio, mas também nas aividades t6o- nica ¢esércas, valores ¢crengastransmitidos oralment. Por meio dessas tradig6es, comunicam-se nosoes de continui- dade, esabilidade e venerabilidade. A tradigio supe a éica do s- frado,sendo sua transmissio sempre riuaizada, Decorte dat 0 in- terese de Mirio pelos tos socas, plo conjunto da sabedota coletva {que se expressa em manifestagbes culturis especies, as quis, por sua vez, ttm vigéncia porque possuem legtimidade e contempora- neidade, ito 6, 0 sentido socal em vigor (Weber:1991). Como jé afitmamos, Mévio elaborou dois conceitos extrema Inente importantes ¢ operscionais para a compreensio da cultura brasileira: 0 de tadigdes méveis e iméves. Segundo ele, cadigbes tnodificam-se no tempo ¢ espago € conseguem fundir © atal no tradicional; evoluer por ess proprias como evoluem a cantiga, & pocsia e as dangas populares. ‘Tradigbes iméveis sio menos passveis dle mudanga do que as méves, embora ambasrefltam o imaginario th povo. De modo geri, as tradigbes méveisconseguem expressar 0 sentido popular da contemporaneidade. 0 inceresse de Mario orientavase por todas as formas de max nifestagéo da tradisao. Buscava a “histéra 2 contrapelo", como pre- ‘onizava Walter Benjamin (1985), Ineressva-se por codas as mani festagdes cultaras capazes de revelar a singularidade de um povo. Buscava o que se tomava insantineo, 2 producio cultural em sua Vivacidade intrinseca, Matio parecia nutrit uma indagasio subjacente Ay suas exploraées da culcura brasileira: 0 modo singular por meio do (qual ela expresa o jogo permanence entre universal eparcula. FE oportune mencionar que es cia sen pateriorment al seria propicio A preguica. Em 1926, em Cli do jabuti, Mério demonstra que jé percebe Em 1927, avangando em sua reflesio, procura conceituar @ Nese momento, Mério procurava construir uma visio cre ‘As numerosesconiluéacias encontradas entre 0 pensamenta Apesar de nio dispormos de qualquer referéncia quanto (© aneopogs Fane Clade Ls eas mee Osseo (1973) bovou uma nova manga de incerpretar o totems: pri carl que Tia epi anls ou veges para designar ot grupos de paretee Fnidos por um ances mum. Anim, a exper de aatoters seme chssifear os grupos sociis por meio doesabeecimento de homologs ads oie ada ane ea a cul, Arrelagio entre cultura e arte [No pensamento de Mério de Andrade, a relagio entre culeura fe arte se expressa, em primeiro lugar, pela sua concepgao sobre “o tiseae 0 artesio", contida em pequeno enstio de mesmo nome € a 7 fem outas passagens da mesma obra, Aypeciot darter pldsticas Brasil (1975), “Mitio esté preocupado com a expressio viva da arte, com st contemporaneidade, daf sua atengio para com o material usado que certamente tem vigéncia e marca histricas — e com 0 cone texto cultural e simbélico, que atravessa as obras de arte em si Por ser fendmeno coletivo, a arte &eapaz de expresar os sin- tomas de cultura, pois represenea a simtese, waz a marca da univer: saldadee,simultaneamente, da singularidade do arta e da obra, inserido em sua lingua, em sua cultura, em seu tempo e em seu pals - j ‘A.obia de arte deveria possuit uma fore, uma aura* advinda ie sae ees cane Bees ean oo a de sua capacidade de expressar valores da coletvidade, tomando concredzapto de uma lingnagem singular © dominio pessoal Imais luidos © mais autoconscientes 0s canais para a criagio € a un conjunto de tenicas deve levar 8 leitimidade da expressio, tecepyio das ids das manifetages eséicas, resultando daf uma ‘nfo ao caos, Toda obra de arte, por mais que express individual producio attic social eexeicamente engajada,atuande ao mes- dade do artista, contém uma dimensio universal, que & uma es Ino tempo sobre a realidadee sobre a matéia sensive. de toralidade contida na are, que revel segundo Mio de A Peer ene oneal foarte ere dade, a marca recorrente em todas as manifeagdes do esp Individuo e sociedad, ¢ € nessa medida que a arte pode expressr hhumano twodos de ser da coletivdade, formas de socablidade, de difeten EE exatamente ess a relagio entre cultura e arte, pois toda of ago, criadas a partir do convivio intersubjetivo entre os indivi de arte, na concepgio de Mario, ¢ uma obra aberta, ou sa, duos, 0 que é sempre fruto de uma luta, de um embate, de uma belece process de comunicagio com o pablico receptor, Fito procura (Weber, 1991) ‘usc a ciao ou a exiténca préva de céigos socas compart Mario novameate se aproxima de Weber, ao construir uma dos que tornam o dilogo posivel. Assim, na ciasfo estica “epécie de “moda ideal” do artista e sua produsio. Neste modelo, deviam ser identifcados os “sntomas de cultura”, que Mico b arte deve ter um sentido socal, © 0 artista deve ser capaz de ex- cava par o Bras sar, usando uma linguagem singular, sentiments coletivos. Arte significa expresso coletva, manifesagio da comunt Seu artigo sobre Lasar Seal”, de 1928, consticui claro elogio de, da cultura. Cultura, por sua ves, é 0 espago no qual se de I ese artista que, provindo de outra hstria ¢ de outa cultura, bam o pensamento ¢ as priticas sociais que constroem formas ube exprestr, com muita propriedade, a realidad brasileira clasificasao coletiva. Dai decorre sua concepsio to atual de As discusses de Matio de Andrade sobre arte e culeura reve tur, como constculda por cbdigos, por meio dos quais se or um importante ponto de inflexio na sua tjetéra intelectual: vida soca na-se de sua descoberta do significado do Barroco na constiuicéo Mario compreendia @ ane como expresso cultural cole sas propasigbeseséieas. suma diva, © que 0 aproxima outra vez do pensamento ant ‘Assim como outros modernists, Mirio relizou uma verda- poldgico, desta feta de Marcel Mauss (1974), na medida em concebe a arte como reciprocidade, isto &,acontecendo por melo procesos de roca, canais de comunicagéo, o que permite ot produtiva a diferenciagio no interior ds diversossegmentos da cledade, ensejando assim significaivas expresses de socabilidad ns Em 1928, no artigo inttulado “O Aleijadinho", Mério se pressa em com de euforia:“Antinio Francisco Lisboa é 0 sinico isa brasileiro que eu considero genial, em toda eficicia do terme! (Andrade, 1975:18). De modo geral os autores que discutiam a moderidade matizaram a questio da tradigio, do passado relacionado a co «rugio do futuro. Ness sentido, mais uma ver destacam-se 38 festagies histrias ¢ estéicas do Barroco, entendido como um I produtor de sentido, um ponto de convergéncia para observagao reflexio de virosincelectais modemisas. © Barroco traz a lembranga do passado,transformando-o agora. lumina também a idéia de uma arte vivida, suscitando ‘onjunto completo de manifestages simbicas erituais, que figuraram o periodo. Parece sero apelo da arte vivida — defo ‘evacerbada — no periodo Barroco, 0 que interessa aos modernist Reistra-se aqui, mais uma ver a confluéncia entre Mirio jamin, que parecem compartihar as mesmas idéas ¢ formular ‘mesmas artculagdes entre 0s concstos de passado, tradigdo © \Gria: “A verdadeira imagem do passado perpassa, velox. O se deixa fixar, como imagem que selampeja ireversivelmente, ‘momento em que ¢reconhecido” (Benjamin, 1985:224) Mario de Andrade quer reconbeces razer A tona um mot to da histéria brasileira em que arte e cultura estavam prof mente entrelaadas na experigncia coletiva No Brasil colonial (do século XVI ao XIX), ¢ sob as dis condigdes socais e polticas que caracerizaram 0 periodo, co tui-se um acervo signifcativo de obras arquiterbnicas e musi narativas¢ imagens capazes de sustentar a idéia de uma civ brasileira © Barroco e, especialmente, a obra do Alejadinho ine ‘am, na concepgio de Mario, uma verdadeira estética mestiga, sgularmente brasileira: “Ele ransporta a0 seu climax a tradigao colonial de nossa arquitetura, Ihe dando uma solusio quase | ce que s poderé ter por brasileira por isto” (Andrade, 1975:31). 120 | Univensioade ESTADUAL DO CEARA [Uiisttoreen eanraat= Pars Miso, Aljainho encara o prot do anisay na noida om qu expres setimntos estas oes (© Alejadinho, surgindo da ligfo de Pedro Gomes Chaves, ‘vem genializar s mancts dese, ciando ao mestno tempo wm taptico da igrja que é x daica solusto original qu jamais faventou & arquitetura bras, E 0 que tenho por absol- tamente genial nestainvenszo & que ela contém algamas das ‘onmneias mais intimas, mais arraigadas © mais étnicas da pcologia nacional, é um protétipo da realidade brasileira. Es fe tipo de igeja, fxado imoralmence nas duas Sio Francisco ‘de Ouro Preto e Sio Jodo 4ELRei io coresponde apenas 20 ‘gosto do tempo, refletindo at bass porruguests da Colénia, ‘como i se dssingue das slugées barocasluso-coloniais, por ‘uma el ou qual denguee, por uma graga mais sensual ¢ e0- cantadora, por uma delicadera tio suave, eminentemente bra- shea. id ibd:34), Mitio reconheceu no Barroco um momento de efervescéncia criativa, um processo original de produgio cultural, o que esclarece ‘mais uma ver seu conctito de madicao, compreendido em confor- tmidade com os de hisebria e cultura. Tais conceitos foram por ele ‘entendidos como trabalho, isto € transformacio de matéria-prima. ‘A cultura € vista como um continuo ato-no-tempo ques por sua ver, instaura a realidade da meméria, que se perpetua nos arquivos ‘eacervos que atestam a existncta da tadigio. ‘Ainda uma aproximasso entre Mario ¢ Ben} wen saio “O narrador", este ‘timo assim se express: “A reminiscéncia funda a cadeia da tadigéo que transite 0s acontecimentos de ge- ragio em geracio. Ela corresponde & musa épica no sentide mals amplo” (19752211). 'A partir da década de 1930, o adveato de novas cecnologias de comunicagio propicia uma discussio imporcante sobre as formas te transmissio das experiéneiasestéticase soca, e sobre o papel da rte ne wunstruco de referencias coetivas. ‘Mario deu mata imporincia aos ritos sociais, conforme se pode inferir nas leituras de Macunaima (1928) © O sursteaprendiz: Em seu en- 121 (1928), Para ele, os rituais — folguedos, festas populares, estas ligiosas, carnaval, ritos civicos — revitalizam a meméria coleth como centro vivo da tradigéo visindo ao furaro. Este é o pr pposto de cultura entendido como tabalho produzido coletvame ‘6, acumulado e refeito pelas gerag6us no decorcer da histia, coneree¢ diferenciada, que se manifesta peas rlagSes sciis que «os vitos grupos esabelecem uns com os ouLos com a natureza a consituigio da cultura coda « obta de Métio existe a preocupasio de conectat 0 esxéico € 0 politico. Porm, na fine que vai de 1927 a 1931, hé urna carga maior de emosao em suas formulagdes politias, « uma ‘xpresio politica mais nia em sus criagoes estétcas, que tornam. ross expliciea a busca dessa conexao. Nessa fase, el etavaatento 208 sintomas de cultura brasileira, para faréos resplandecer em nova sintesecritiva e politics. Sin- tomas que, uma vez desendados,proporcionariam a ligagio do Bras ‘cor sua conterporancdade, ao mesmo tempo particule universal. Segundo Ancona Lopes (1972), 0 trabalho de pesquisa dsen- volvo por Mézio procuria justamence conhecer, mapear tis sin- tomas, os quas extariam expressos na wlogia: Cli do abut (1927), ‘Amar — verbo inranstvo (1927), Macunaina (1928). A esse respeto, & clucidativa a anise da incéeprete de sua Elementos constitutivos do nacionalismo estético No tiajeto intelectual de Métio de Andrade, hi um alt propésito de elaborar uma concepsio de euleura brasileira que exe Presse 0 modo de ser especifico dessa nagso, constiuida nas ter twopicais da América Acculeura é percebida como uma positividade dinamica, c uma entidade autogeradara de seus horizontes, A realidade brasileira apresenta“sintomas de cultura” que tabelecem sun positividad, sua concremde para a construsto de um ‘odo nacional. Desvendar esse nacionalismo constitui uma etapa conhecimento universal. A idéia ¢, entio, valorizar singular, coms Preender a matéris que o constitui para, por meio de um perma niente reelaboragéo da linguagem, atingr o universal Nacionalismo é na concepeio de Mério de Andrade, un qualidade & qual vinha aderir a arte, um conceito estético co preendido em sentido amplo como eapacidade de criagto, Florestan Fernandes, no artigo jf citado, assim se expresa obra: (Cs do jabuevaletia como a representassa de elementos po- polaes edo pass, em Amar — verbo intrasitow 0 pre- sente ubano © a burgusia, «em Macunaéma, grapos site specifics, mas toalizando o povo brasileiro, no presente € ro passado, no urbano e no sual, na fltesta primitiva © no progeesio da grande cidade. (Lopes, 1972:236) © que impor, todavia, que em Miri de Andrade a distincia entre arte popular ¢ arte erudita diminui consderavelmence, axingindo em algumas produgies excepcionas um grau de in. ‘expenetragio cde equilibrio notiveis E preciso resulta, con- tudo, 2 ausénca de finalidades chauvinistas; € por iso que ‘sf acima o adjetivo nacional, Nacional aqui signifce ex: presvdade, exstncia de um padeo caracterstico e proprio. e cltua. (19462139). Mario quer compreender a culeura brasileira e, mais do que iso, quer construtla, nomedla, desvendatIhe a face. E, our pri Inciro momento, foi ofolelote a via que Ihe petmitiu compreender 0 contexto nacional 0 folelore he ofereceu a medida da cultura do ovo, por ser expresio autéaica que abriga rages de cater éico- Iligioso, erltico eafetvo. © foldore€ ura importance elemento metiador na concep dle cultura bestia, Era preciso conhecer a cultura bralira€ a foxca de sua vertente popular pesqusar as fontes ¢ wansformar © Mirio nfo considera 0 nacionalismo como o substrato luma identidade homogénes, mas sim uma positividade empiri "aE 123 ‘exude do fore em pritica cienifics, institucional e artic, pensava Miri F importante realar que, na contigo de repentance ex plar da modernidade, Miso scrdiava na plurlidade de valores desde que cles apresenasse im modo de ser orignal. Asim, val res difeencados, milipos,hererogéneoe signifcam “

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