You are on page 1of 17
Vy Be a ee tr Cadernos Antropologia Imagem ‘Uma publicagio do Programa de Pés-Graduagio ‘em Giéneias Sociais ~ PPCIS ¢ do Nucleo de Antropologia ¢ Imagem ~ NAT 6 Imagens Diversas Cadernos de Antropologia e Imagem 6 age Dives Caderns de Antrepoogia¢ Jsagon & wma publicasio organizeda plo Nice de Antrepolegia ¢ Imagen (NAD), de Oficina de Ensin « Peguisa on Cincies Sais, do Departamento de Cnciae Sais! Instints de Fesfia © (Ginias Hamanes de Universidade de Estado de Ris do Jonsire - UERI. Sua propesa& de otalizar os ‘dcusies om tore de wo da imagem na Cities ‘Socios. epecalmone no Ambite de Antrepeloia, sole ‘um velale para a publcade tonto da litratere jd arviderada ddssice quate de atribuise conienpordnas. Socias/UER) Rua So Francisco Xavier 524, Bloco A - ssala 9001 20550-013 Rio de Janeiro Ry Reprodugio fotogrifica: Barbara Copque Tradupio do Inglés: Elisa Guarand da Costa Tradugao do Francés: Dominique Grandy Colaborou: Gabrielle Conés Braga Publicagio Semestral Solicita-se Permuta/ Exchange desired Ecitores (Glarce Edlers Peizote Patricia Monte-Mér Comiaado Edieria! Clendia Resende Marcia Perire Leite Myrian Sepsleude dos Sento: Pavrcia Birman Rosane Mashdes Prado Valier Sinaer Conacthe Esierial Ane Moria Galane (Usicenidade Federal de Rie de aurirs), Bula Feldmas-Biance (Uviveridede Extadusl de Compina:), Coretia Eckert (Universidede Fedirel de Rie Crouse 40 Sul), Dovid MecDoupel (Fieldwork productions, Anziralie), Dominigne Galles (Usiverridece de Ste Paslo), Elisabet Weetherford (National Maseom of he Amercen Indien, BUA), Brienne Somain (Universidade Estadual de Campuses), Faye Cinsbarg (New York University. EUS), Henri Piault (Ecole des Hentes Etudes ex Sciences Sociales, Franga), Lais Redelfo Villens (Ie Memoriam), Miriam Mortira Lait (Ontversidade de Si Pur Loinss ( London Schoo! of Economics 0 Political Sciences, Inglaterra), Repine Cilia R. Novaes (Waiversdade Federal do Rio de Jancirs), Syloia Gainby Nowaes (Vniversideds de Sao Paste), Silvio De-Rie (cineost), Sylouin Mererce (Inrad Fresca) Catalogagao na fonte UERJ/SISBU/SERPROT 122, Cademos de Antropologia e ImagemyUniversdade do Estado do Rio de Janeiro, Nicleo de ‘Antroplogia Imagem ~N.1 - (1995). -Rio de Jancive: UERJ, NALI995 -w: i Co-publicada com Programa de Pés-Graduayao em Ciéncias Sociis da UERJ. Semestral ISSN 0104-9658 1 Antropologi -Periéieos. . Universidade do Rsado do Rio de Janeiro. Nacleo de Ancropologia¢ lmagem Il. Univenidade do Estado do Rio de Jancico. Programa de PSs Graduapio em Citncias Sociais. eDu 572005) BAUER} - Eizo da Universidade do Estado do Rio de Jancio Rus Sto Francisco Xavier, 524, Maricsed 20880-013 ~ Rio de Janeiro — RJ Tel/Fax: (21) 887-7788 / 587.7789) ordenador de publicapées Renato Casimire; Coordenedor de prodagdo Rosania Rolins; Projto Gréfice Carlota Rios; Artefinal de capa Hieloisa Fortes; Diagramarde Celeste de Freitas; Revivde: Jose Vieglio Rosas Duarte pate ewveplgs BAAAEYYYYY Fotografia e antropologia na Franga no século XTX* No jomal La Lumiére de 31 de marco de 1855, um artigo intitulado “A fotografia e a aniropologia” afirmava: “E necessério que a fotografia venha prestar socorro & antropolo- fia, caso contrio esta permaneceri. durante muito tempo tal como € hoje.” Segundo o autor, a antropologia, apés promissores avan- encontrava-se agora num impasse. Somente a fotografia poderia the dar um novo alento. Um discurso evidentemente parcial que mostra bem as possibilidades que 2 imagem fotogr’- fica parecia poder oferecer 3 antropologia. A producio fotogrifica dos antropélogos no sé- culo XIX fo, alis, particulamente importante. E precisamente esse acervo de fotografias que 1s queremos abordar aqui; tentando preciser © context no qual as bases te6ricas € insttucionais da “nova ciéncia” vieram a se estabelecer, a0 mesmo tempo em que a pri- tica da fotografia tornava-se generaizada, Para terminar este rapido percurso, tentaremos aprofundar as questées introduzidas por essa comparacio e seus reflexos na época atual Se 0s historiadores da antropologia costu- mam considerar as Historias! de Herddote, eseritas hé aproximadamente 400 anos antes de nossa era, como sendo as primeiras obser- ‘vagdes de um género etnogrifico, a antropo- logia enquanto disciplina autonoma surge en- {0 no inicio do século XIX. A criagio, em 1799, da Société des Observateurs de Homme, pode ser considerada o ponto de partida desta nova disciplina. Esta sociedade proveniente da comrente dos idedlogos teve ‘uma ago pouco representativa. Ela desapare- ceu alguns anos depois, em 1805, apés ter reunido pensadores de disciplinas variadas (naturalistas, lingiiistas, fil6sofos, eclesiasticos, médicos, exploradores, historiadores). Digamas ‘que esta primeira tentativa organizadh, dirigida ‘para uma humanidade ‘primitiva® e sobretudo para as “populagdes exéticas’,caracterizou-se por uma abordagem essencialmente pltrdicpli A afirmagio d2 antropologia enquanto disciplina independente e até mesmo cien- ‘fica passou pelo surgimento de outras sociedades cientificas cada vez mais racionalistas, e por seu reconhecimento dentro de grandes instituiges como 0 Muséum d'Histoire Naturelle ou a Académie des Sciences. ‘A “coincidéncia” das datas em que fo- ram criadas essas sociedades eruditas com determinados acontecimentos cruciais da historia da fotografia parece, a meu ver, sublinhar as relagdes estreitas que se esta- beleceram entre a fotografia e a antropo- logia: Cadernos de Antropologia ¢ Imagem, Rio de Janeiro, 6(1): 123-137, 1998 ! "0 preset aigo csi a snes de ‘ura tse de OFA labora ob & ing de An oul © Spain| Marsca, defi fem serio de 1995 ra Universite as Vil > Peni evan ica} fga. ‘undo em 1851 poe renee ds Sect iogaphique © pabcads a0 ano ‘be 1867 De 1851 [af 1860 te comm ‘eborcele tres aca (1828-10791 » test Conic a Unie, JT de rag de 855, p. By +0 qe spa 20 esto ego 3 “pain” «se rit, dio taro Swat. Nese ton, querer a ta de eon cena oF bus, Pec deere Seahadinete tse pos oe ‘nod de ie ea So diese do ss Nata no al do aio, No dia 23 de prio de 1833, Wiliam Fred hack psd primera eno. 1 fol qe ts a cae de ‘empl 0 ero 155 * gprs sr es ots fake France, Pars, impr, mptviale, 1867, in * a conto do ning, compa to nes tego pot pscnades Senter ples, a 0 tose oe veer nace peje pies de ‘ater ene, 18 ~ Em 1839, na ocasiio em que 2 fotografia foi “doada a0 mundo" pela Franga através de Frangois Arago, surgiu uma nova sociedade Cientfica dedicada 3s populagdes exéticas. © fisiologista William Frederic Edwards fundou a Société Hhnologique de Paris* com algumas altas personalidades da €poca, como o natura- lista Henri Milne-Edwards, o historiador Jules Michelet, o escultor Pierre Jean David d’Angers © 0 seguidor das teorias de Saint Simon, Gustave @ichtal. Sua abordagem continuava sendo fortemente pluridiscipinar, reunindo naturalis- tas, gedgrafos, historiadores, arquedlogos exploradores em toro do projeto ‘nico de constituir ‘as verdadeiras bases da cigncia da etnologia" (1841, p. IID. A sociedade etnol6gica buscava, por outro lado, associar a abordagem cientfica com um engajamento politico a favor das populagies estudadus, adotando ~ particu- farmente no que diz respeito escravidao ~ ‘uma posicao decididamente abolicionista. — Em 1859, quando a fotografia foi admi- tida no Salon des Beaux-Arts, junto com a pintura, o orientalista Léon de Rosny fundou 2 Société d'Ethnographie de Paris. A atuaglo da Société ¢'Ethnographie, organizada em varios ‘comités segundo zonas geogrdficas, consistiu essencialmente em reunir documentos sobre as populagdes do mundo. Devido a ‘multiplicidade dos temas abordados ¢ & diver- sidade de seus membros, a Société @'Ethnographie assumiu um caréter bastante amadoristico ou, talvez, pouco cientifico. Em 1867, 0 naturalista e antropblogo Armand de (Quatrefages? (1810-1892), lamentava, por exem- plo, 0 fato de os membros esttamente cien- tistas pertencentes a Société d'Ethnographie serem to pouco numerosos: “Os elementos hist6ricos, filosdficos, lingifsticos e geogréfi- cos dominaram desde 0 inicio a Société thnographie, na qual fizeram falta, em ccontrapartida, os anatomistas, fisiologistas € naturalists. Neste mesmo ano de 1859, Paul Broca (1824-1880), um renomado cirurgido anatomist, fundou a Société d Anthropologie de Pars, cuja tendéncia era inteiramente diferente. A visio de Broca e de seus colaboradores (19 mem- bros fundadores provenientes quase todos da Société de Biologie) ¢ exremamente inovado- 1, pois recusou qualquer especulagio de or- dem floséfica ou politica em seus estudos sobre © homem. Os cientistas optaram por uma abor- dagem que levava em consideragio 0 estudo de fatos tangiveis, a observagao material do corpo a fim de chegar & compreensto do ‘comportamento. Comparada as sociedades ci- entificas anteriores, a Société «Anthropologie introduziu um nitido endurecimento na manei- ra de ver os “selvagens”. ‘A importincia que a Société Anthropologie assum reflete a tendéncia claramente médica adotada pelos antropblogos da época. Essa antropologia, efetuada em laborat6rios gabinetes de trabalho, era chamada de “antropologia entre quatro paredes’. Entretanto, este procedimento era associado a um intenso desenvolvimento das viagens de exploraglo de outras ‘expedides cientificas” apoiadas pelo Estado, principalmente pela aco do Ministécio da Instrugio Pablice 2 partir de 1842 ¢, sobretudo, depois de 1874, pela criagto da “Comissio das Missdes."* Essa rede de informagio implantada através do mundo estava intimamente ligada a0, desenvolvimento dos Cadernos de Antropologia « Imagem, Rio de Janeiro, 61): 123-137, 1998 mpérios colonias fanceses. Lembremos alguns fatos: 1830, inicio da conquista da Argélia; em seguida, no Segundo Impétio, a Nova Caledonia (1853), 0 Senegal (1854), a Cochinchina (1862- 1867) € 0 Camboja (1863); e, na Terceira Republica, Djibouti e @ Costa da Somalia (1884 1892), 0 Sudo e a Nigéria (1888-1895), Assim, os militares eram provedores assiduos de informagdes etnogrificas, a0 mesmo tempo escrtas € fotograficas. O5 arquivos do Servigo Hist6rico do Exércto Francés nos mostram, a respeito dessa producio situada entre o documento etnogrifico € a informacao a servigo do Estado, uma documentacio extremamente importante.” Dentro desse grande movimento de via- gens e exploragdes, convém sublinhar a atua- Glo da Société de Géographie, 2 primeira do sgénero na Europa, fundada em 1821 e que teve 0 seu apogeu na década de 1880. Hla estimulou ativamente as misses no estrangei- ro € acumulou em troca uma grande quantida- de de documentos sobre os paises e etnias visitados. Seu biblioteciio, James Jackson, que teve uma intervencio regular na Société Frangaise de Photographie," deu origem a uma imponente colegio de fotografias. Para se ter uma idéta, ela esté atualmente espalhada entre aproximadamente 50 mil placas de vidro des- tinadas a projegdes em conferéncias e mais de 90 mil tiragens que eram expostas durante as reunides da sociedade. -Além dessas sociedades eruditas,outra ins- tituiglo, muito mais antiga, preocupou-se com 2 antropologia. O Muséum de Histoire Naturelle, fundado em 1793, desenvolveu de fato novos ensinamentos e laboratGrios destinados 20 es- agate reps tudo do homem. A partir do Muséum de ‘Histoire Naturelle foi criado, em 1878, 0 Musée canoe sabe ‘Chisian Paine, image acustice, Far, Cabs de Phaogapie, 1985, cu anda, An Sella, “The body zed the ache’, The cones of meaning, Combed, Ma res, 1988, 308, Pesnagem de esas aves, iio, socio, ‘arbi vbr Fantopeoge.. par Medes Gustave te Bon, Bullen det Soci areola oe Pars The rover de 181, 2 por ocastio dos cursos oferecidos pelo Muséum para preparar 0s naturalistas que iriam partir para as misses, lemos por exemplo: “Nao devemos deixar de colocar no meio dos indi- genas um sujeito cujo tamanho é conhecido, se possivel um europeu, a fim de obtermos ‘um termo de comparacio.” Ef sem dvida pouco excessivo adiantar que neste tipo de operacao se manifesta uma forma de etnocentrismo ov, pelo menos, “ess superioridade exagerada que ‘0s europeus se atribuem em relaglo & maioria cas outras ragas”(p. 258), como j observava ‘Armand de Quatrefages, em 1875. Através dessas propostas, conselhos € de- mais recomendagbes relatados, quer seja nas instrugdes destinadas aos viajantes, nos bole tins da Société d’Anthropologie ou @'Ethnographie ou nas obras de antropologia, percebe-se que os métodos fotograficos para representar os “tipos humanos” est2o longe de serem homogéneos. Os prinipios de Bertllon, estabelecidos de modo definitvo em 1893,” ‘mesmo empregados ¢ preconizados pelos an- tropélogos, como mostra, por exemplo, a es- tteita colaboragio que existiv entre Bertllon e CChervin para a preparagio da Mission Francaise ‘na América do Sul em 1904; nao parecem eliminar outras propostas. Esta insatisfagio reflete, sem dtivida, um questionamento da abordagem estitamente antropométtica, sobre a qual o método de Berillon é baseado, e que 6 visivel no final do século XIX. 0 método antropométrico encontrou sérias limitagdes quando tentaram aplicé-lo no de- comer das expedigdes cientiicas. Essa passa- ‘gem do universo controlado do laboratrio para a realidade selvagem do campo de exploracio uma caracterisica da antropologia do século XIX. Essa armebair anthropology, que consiste ‘em delegar as observagdes a pessoas que nio sio 0s proprios cientstas, precisava redigit instrugdes bem claras”® destinadas aos viajan- tes. Tendo em maos essas dirtivas, 0 viajante, que no era necessariamente antropélogo, observava, anotava, coleava, media 0s corpos, tentando satisfazer da melhor maneira possivel as exigéncias dos cientists que ficavam em Paris. No entanto, ele chocava-se freqiente- ‘mente com as dificuldades priticas do campo € com as resisténcias das populagbes @ aplica- ‘lo das instrugées sobre 2s medidas antropo- métricas. A defasagem entre 2 concepeo te6- rica do “tipo humano” e o proprio ser humano no parece ter sido considerada pelos “cientis- tas. Assim, a antropologia de Emest Chantre? subdiretor do Muséum d'Histoire Naturelle de yon, questionava a zplicacio do método an- twopolégico 20 trabalho de campo. Na volta de uma missio 2 Arménia, em 1892, ele relatou: “Eu substitut pelo emprego metédico da foto- sgrafia uma parte dessas medidas preconiza- das por cientistas que raramente tiveram a oportunidade de praticar fora de seus labo- rat6rios. Estas medidas complicam-se com operagdes sempre longas demais para os povos de dificil acesso’ (1892, p. 7). Nesta proposta de Ernest Chantre, 2 fotografia apareceria como alternativa para a antropometria estrita. Temos outra manifestacio dessas divergén- cas entre fotografia e antropometria na obra de Eugine Trutat, La photographie appliquée a Vhistoire naturelle (1884). © autor, diretor do Muséum d'Histoire Naturelle de Toulouse mas também fot6grafo amador e membro da Société Cadermos de Antropologia e Imagem, Rio de Janeiro, 6(1): 123-137, 1998 Photographique de Toulouse, defende nesse texto um uso da fotografia em antropologia sistematicamente contririo 20 “todo antropo- métrco’, defendido partcularmente pela Société @Anthropologie. “Para esses cientistas, a an- twopologia parece reduzirse a uma tabela de nimeros*, enquanto que para ele, “o estudo dos caracteres distntivos do homem, assim reduzido a um método puramente matemitico, petde parte de seu valor para o verdadeiro naturalista (ibid, p. 3). Se Trutat reivindicava ‘uma abordagem mais visual dos tipos, exigia no entanto 0 meio de representacio que fosse ‘© mais exato possivel, questionando “a inexa- tido dos desenhos destinados a representar as diversas ragas (ibid, p. 7). Entre aqueles que defendiam esse tipo de abordagem, que tende a ver os corpos antes de medilos, Paul Topinard vai, sem divida, aprofundar-se mais. Sem negar a contibuico a antropometra, da qual seu mestre Paul Broca foi um dos promotores, ele consatou que determinados caracteresfisicos the escapavam. Em particular os cabelos, que ele define como sendo “de ordem essencialmente descritiva’ nio podem ser apreciados por medidas antro- pométricas. Em 1881, quando apresentou suas observagdes sobre indigenas realizadas no decorrer de uma viagem 3 Algéria para a Société Anthropologie, no hesitou em dedlarar que elaborou suas pesquisas sem fazer uso de rnenhum instrumento de medicao. Ele parecia estar buscando um método mais adaptado que 2 antropometra para a realidade do trabalho de campo. Tentando determinar as diferentes tipos existentes a pantr do rosto, afirmmava que ‘essa caracteristica “aprecia-se melhor, no esta- do da ciéncia, pela visto do que através de og weopdoi mensuragdes"” Topinard defendia a idéia de gue essa abordagem nao consttuia uma solu- Gio ficil, mas que necessitava um olhar expe- riente que permitisse taduzir em palavras a aparéncia de um corpo e, em particular, de lum rost. Esta intervengao diante da Société Anthropologie desencadeou um movimento de defesa entre 0s demais membros, que con- sideraram essa iniciativa como uma negagio dos métodos antropométrcos que seria capaz de colocar em petigo o crédito cientiico de sva disciplina, em raz3o de uma tendéncia “pitoresca” ou até mesmo “sentimental”. Topinard defendew-se ressaltando nio ter ne- numa tendéncia anistica, e mostrou sua des- confianga em relacio @ imagem fotogréfica, justificando-se por nao ter utilizado 0s servigos de um fot6grafo: “Gostaria que observassem que 0 tipo Kabyle no € belo, e que isto explica 0 fato de nao dispormos de fotos suas (ibid, p. 459). Topinard sempre permaneceu critico face 2 utilizagio da imagem fotogrifica em antropologia. Assim, quando da interven- go de Gustave Le Bon, perante a Société Anthropologie, sobre 0 uso da fotografia em antropologia, Paul Topinard respondeu cate- goricamente: “A fotografia mais correta, toma- dda segundo as regras cientificas desejadas, no ‘seria jamais capaz de produzir senio uma projec2o central, com todas as suas ilusdes."* © méodo de Topinard consistia, em primeiro lugar, em destacar os “caracteres descitivos", ‘ou seja, em encontrar as palavras certas para descrever os indigenas. No seio da Société d'Anthropologie, Topinard destacava-se também por sua vonta- Cadernos de Antropologia ¢ Imagem, Rio de Janeiro, 6(1): 123-137, 1998 Pas Toa "ome dr are, ep. 27 2 types digs angen 9. ck pa. > bln deb @ 17 de reverie de Tat, 760. 131 > Buletin de a Soci o be jo de 1881, 518, 132 6 de de estabelecer uma pesquisa sistemdtica sobre as “racas puras”. Para ele, ‘a raca pura caracterizada por um tipo Gnico, atualmente palpivel, sem andlise, é um mito" De fato, nessa vontade generalizada de evidenciar ti- pos, a questio da mistura destes introduz um Arduo problema. Entretanto, apesar das reti- céncias de um antropGlogo como Topinard em relagio & fotografia, esta se apresenta como uum meio de tentar resolver essa dificuldade, 420 propor fixar as diferencas e frear uma evo- ugdo que tende a confundir os diversas ipos. A partir de argumentos como esse, Emest Conduché, por exemplo, tentou mostrar em ‘um artigo em La Lumidre, em 1855, 0 cariter insubstituivel da fotografia para os antropélo- 808. "Onde esti o ponto vital da ciéncia antro- pol6gica? E precisamente saber desembaracar, no meio dessas misturas, 0 que pertence a uma raga e o que pertence a outra. A ciéncia das ragas humanas € composta por uma infi- nidade de elementos fugazes, impossiveis de serem captados; todos esses elementos se fi- xam espontaneamente sobre 0 papel através a fotografia" (1855). Este novo argumento no alude tanto 2 precisio da imagem fotogrifica ou 3 sua facul- dade de nommalizar o olhar sobre 0s corpos; ele é sobretudo relativo & sua capacidade para distinguir uma organizagio em uma situacio desordenada, para tomar visivel aquilo que ds Alo eens, coleio axropligca do pinpe Rein Bonaparte. Jatin PAceimaaon, Pars 158 Musée de (Mone. Gadernos de Antropologia ¢ Imagem, Rio de Janeiro. (1): 123-137, 1998 Nk parece confuso. Aliés, rata-se de um racioc- rio muitas vezes empregado para defender as aplicagées cientificas da fotografia: ela permite eenxergar mais do que os nossos simples olhos. Conduché, imbuido de um espirito ao mesmo tempo paridério e ut6pico a favor da fotogra- fia, airmava que © procedimento fotografico funcionaria de maneira automitica. Ele subli- nhou finalmente 0 cardter “fugaz" ¢ “inapreensivel" do objeto de estudo dos antro- pologos, que 86 a fotografia era capaz de captar. Dessa forma, os dlbuns de Roland Bonaparte (1858-1924), inttulados “colegdes antropolégicas", estio ligados a essz vontade classifcatria e sua validade baseia-se sobre uma logica do miimero, Foram de fato assina- Jados, quando assumin a presidéncia da Soci Frangaise de Photographie em 1919, “mais de 7 mil dichés tirados por ele na América e na India para fixar o cardter de populagdes que nao eram bem conhecidas’.* ainda hoje, podemos contar pelo menos 3 mil fotografias assinadas por ele na colegio do Musée de Homme. Roland Bonaparte era um membro assiduo da Société d'Anthropologie desde 1884; a par- tir de 1886, passe a freqientar 2 escola de antropologia a ela ligada. O tinico mestre em antropologia que recorihece & Paul Broca, fun- dador dessas duas instituigies. Em 1865, ele redigiu suas Instructions générales sur Vantbropologie, que visavam padronizar as observagdes para torné-las “tio compardveis entre si como se elas nao fossem provenientes de virias pessoas (ibid, p. 6). Quanto 2 foto- ‘rafia, ele acrescentava: “Reproduziremos atra- vés da fotografia: 1) as cabegas nuas que de- Cadernos de Antropelogia « Imagem, Rio de Janeiro, 6(1): 123-137, 1998 Fog «anpeogi Verto sempre, sem excegio, serem tomadas ‘cxatamente de frente, ou exatamente de perfil, 6 outros pontos de vista nao tém nenhuma utlidade; 2) retratos de pé, tomados exata- mente de frente, o sujeito de pé, nu na medi- da do possivel, com 0s bragas pendentes 20 lado do corpo. Todavia, os retratos em pé, com as vestimentas caracteristicas da tribo, também tém sua importinia, (ibid. p. 6). Ata- vés dessa instrugbes, Broca definiu o que cha- rmava de ‘*colecbes antropol6gicas’, as quais ‘eram constituidas por levantamentos numera- dos, amostras de todo tipo, moldagens de gesso « Fotografias. Formado pelos principios de Broca, Roland Bonaparte elaborou a realizacio de uma ampla “colegio antropolégica’ na qual estio incluidos seus Albuns fotogrificos Cada 4lbum tem 0 nome de um grupo étnico (Kalmouk, Peucr-Rouges, Australiens, Lapons, Hottentots etc.) € alguns deles podem agrupar uma centena de pranchas, contendo em geral dois clichés: um de frente € outro de perfil. land Borage, eto de lien Barapa, io be Nap Ase tm ine de cca nla, de open pelo sudo das ci, sobre 2 peep, «depts 2 antepdoga © 3 taxi. Sa seen pemito- The pres vias sociedad * Osan, Bult de fe Soi Fama de daw de ‘eroresio do cape presen, 26 ce sae 1313, > Fedo comida que a rio fanesa na ‘ica 6 Sul Georges de Cru Monte, er 1903, fe us da ime feng ereegns feng segundo mnge de dep eon 134 Neste projeto quase megalomaniaco, a fotografia ndo era convocada nem para fazer com que a vida dos indigenas fosse com- partilhada, nem para que fosse vista. Trata- va-se mais de representar por imagens um caso geral através de alguns casos particu- lares. Para tanto, era preciso eliminar qual- quer vestigio de contato pessoal com os indigenas, apagar toda referéncia a um lo- cal de vida ou a um instante vivido, a fim de apresentar um tipo humano universal, € nao um individuo particular. Assim, os pla- nos de fundo eram neutralizados recorren- do-se a uma tela de fundo. Apés 2 elimina- 20 do contexto, o indigena fotografado sur- gia como se tivesse sido grampeado pelo entomologista, parecendo dessa forma bem apropriado para um estudo objetivo. No entanto, esse projeto gigantesco nao deu certo, e $6 foi utilizado uma vez ou coutra pelos antropélogos. Em 1892, Roland Bonaparte deixa-o de lado para se dedicar a trabalhos relativos a0 reino mineral vegetal, em particular 2 um estudo sobre a movimentagio das geleiras alpinas e um imponente herbério. De fato, a imagem fo- togrifica no parece adaptada para repre- sentar 08 “tipos", ja que estes nio tém ne- nhuma existéncia real. Seria ent&o contra- dit6rio exigir dela que reproduzisse perfei- tamente a realidade e, 20 mesmo tempo, que representasse um conceito, uma abs- tragdo, uma nogio teérica. A atitude de Roland Bonaparte em rela- fo 3 fotografia, que consiste em abandond- 1a apés té-la praticado ativamente, no cons- titui um caso isolado. Se até o inicio do século XIX 05 antropélogos continuaram a trabalhar com fotografias,” intmeros sinais indicam que esse procedimento acabou mostrando-se decepcionante. Constatamos que, ‘com 0 uso", 2 convicgio de que a fotografia constituia o instrumento perfeito dissipou-se. Progressivamente, defeitos que se acreditava serem passageiros mostraram- se delicados de serem resolvidos. As criti- cas & fotografia tiveram tanto um cariter técnico quanto metodolégico. Apesar de 2s relagGes entre 2 fotografia ¢ a antropologia terem sido tio intensas na época, essa co- laboragio acabou em fracasso. Essa ten- déncia era aliés visivel em outras 4reas como a medicina, refiro-me particularmen- te 2 psiquiatria, onde a imagem fotografica comecou a ser cada ver mais negligencia- da, até ser abandonada por completo. Esta reviravolta geral em relagio a fotografia no foi um sinal do fracasso da fotografia em si, mas sim do abandono de seus métodos de andlise. Seria sem divida excessivo pensar que o fracasso da representacio fotogrifica tenha provocado as mudancas radicais observadas posteriormente em diversas reas cientificas, sobretudo em antropologia. Mas € provivel que questionamento das teorias pela imagem fotogrifica tenha influido evolugio, onde a fungio do olhar e apenas a observagio visivel acebaram tomando-se marginais ‘A antropologia, para adquirir seus titulos de nobreza cientifica, parece ter sido obrigada a voltar-se para uma pratica da escrita, em detrimento da imagem. De fato, Gadernos de Antropologia ¢ Imagem, Rio de Janeiro, 6(1): 123-137, 1998 a imagem fotografica, por seu cardter “automatico", nao tem um valor descritivo, © a passagem para o texto tomou-se inevitavel. No século XX, a questo da descrigao transformou-se em uma questio crucial para o etndlogo. Em Tristes tropiques, Claude Lévi-Strauss observou que: “Se eu encontrasse uma linguagem capaz de fixar essas aparéncias 20 mesmo tempo instaveis € rebeldes a todo esforgo de descrigao (..) eu poderia aceder de uma 86 vez aos mistérios de minha profissio (1962, p. 48). Pelo mesmo motivo, a imagem fotogré- fica viu-se novamente concorrendo com outro instrumento: o desenho. © antropé- Jogo Bernard Lortat-Jacob afirmava, por exemplo, que: “Sabemos que as ciéncias naturais preferem o desenho 2 fotografia. Paradoxalmente, este iltimo € mais preci- so: ele pode sublinhar determinado trago, dar énfase 2 um detalhe, acentuar uma caracteristica que o fot6grafo € incapaz de captar. E antes de mais nada, o desenbista tem o privilégio de colocar no papel o que Ihe agrada; sobretudo, ele tem a posssi- bilidade de evitar as singularidades e os defeitos que o incomodam” (1994, p. 166). Para ele, a fotografia nao podia sustentar uum discurso: ela nao diz nada e continua sendo um registro, enquanto o desenho jé seria da ordem de uma andlise Talvez a pritica da fotografia seja de fato inteiramente contraditéria com a etnologia, que visa afirmar-se enquanto disciplina cientifica: 2 etnologia funda no particularismo um procedimento que busca ope meng atingit 0 geral, sendo incapaz de ir além das aparéncias ¢ limita-se a reduzir a reali- dade 20 que € visivel, estigmatizando a presenca do observador que gostatia de ficar invisivel; ou mais, ela corre o risco de uma derrapagem estética uma vez que pode ser também um meio artistico. Porém, hoje em dia, so raros os antropélogos que no utilizam a fotografia nna experiéncia intima e secreta que consttui © trabalho de "campo", Dentro desta nova abordagem da antropologia, com a revalorizagao, ¢ até mesmo a consagracao do trabalho de “campo”, abre-se uma rea inusitada para a fotografia. Bronislaw Malinowski, que marcou © inicio de uma nova antropologia com o seu principio da “observagio participante’, foi um utilizador prolixo da fotografia. Depois dele, o uso da fotografia tornou-se na grande maioria dos casos uma evidéncia, sem tentar pensar as incidéncias teGricas desse uso: a imagem fotogrifica toma-se familiar, ¢ assume com freqiéncia a forma de foto-lembranca Recentemente, o antropélogo Philippe Descola definiu a fotografia como sendo “uma garantia tangivel de que nés realmente estivemos em tal lugar onde afirmamos ter estado" (1994, p. 26). Um comentario que nao deixa de lembrar a observacio feita por Michel Leiris em L'Afrique fantéme: “Eu preciso ver as fotos que acabam de ser teveladas para poder imaginar que me encontro em algo que se parece com a Africa.” Em uma pesquisa futura, talvez, seja in- teressante analisar essa articulag3o em tor- Cadernos de Antropologia ¢ Imagem, Rio de Janeiro, 6(1): 123-137, 1998 135 ciemos como cxenplo Claude Suds do Bai, Paris, Po, 1954 Ver, Phos 1952 1962 Le Mesage, Pati, Rew Nove, 1994 136 1no da imagem fotogrifica e da pritica do tra- balho de campo. As titimas orientagdes te6ri- cas em antropologia, que vieram renovar de maneira extremamente enriquecedora a refle- x20 2 respeito do procedimento antropol6gico e sua relaglo com a realidade, constituem aliés ‘um incentivo para esse tipo de questionamento. Referéncias bibliograficas BANTA, Melisa © HINSLEY, Cutis. (1986), From ste sigh ihe pe of mage fapary Cmbrilee Nase: Peabody Museum Press. BUSTARRET, Claire. (1992), “Vulgariser la civilisation: science et fiction d’aprés photographie, in: Usages de l'image au xixesidcle. Paris: Créaphis. ‘COLLIER John Jr. (1986), Visual ant y photography as research method, Stanfor University of New Mexico Press. COPANS, Jean e JAMIN, Jean. (1978), Aux ori= gines de l’anthropologie francaise. Les ‘Mémoires de la Société des Observateurs de Homme en V'an Vil. Paris: Sycomore. COUTANCIER, Henott (org). (1992), Peaux- Rouges. Autour de lavcollection anthro- wlogique ‘du. prince Roland Bonaparte. ‘Thonen-les- Bain: Editions 'Albaron. DESCOLA, Philippe. (1994), *Retrospections”. Gradhiva, 1° 16, 1-M Place. ication causale”, in: Les idées je. Patis: Colin. (1988), "Lex de Vanthy * Para oer mains deals 2 respi dessa scidae enfic, ver Jean Copan e Jan Jain, A orgies de Vantopolge fangate Les mémaies dels Soc des tries de FH en Tan I Pais, le Syme, 1978, Podemos pensar, em particular, como Clifford Geertz, nas Estados Unidos, que considera que 2 antropologia, longe de ser uma ciéncia exa- ta, aproxima-se mais de uma abordagem est tica ou artistca, A publicagio recente de obras de fotografas tiradas por etndlogos™ favorece uma reflexio neste sentido. DIAS, Nelia. (1991), Le musée d'ethnographie dy rocadéro, 1878-1908. Paris: Ed. du EDWARDS, Elizabeth. (1990), “Photo. ‘graphic types: the pursuit of method’ Visual Anthropology, New York: Horwood Academic Publishers. v. 3 (2 3), p. 235. — (01g). (1992), Anthropology & Photography 1860-1920, New Haven: Yale University Press. KILANL, Mondher. (1990), “Les anthropologues et leur savoir: du terrain au texte”, in: Le discours antopologique. Paris: Keren PHELINE, Christian. (1985), *L'image accusoirice”. Cahiers de la photographie, Paris, 17. ROUILLE, André. (1989), La nie en France "ave 1871, Pais acd SEKULA, Alan, (1989), “The body and the archive. The contest of meaning, Cambridge Cadernos de Antropologia ¢ Imagem, Rio de Janeiro, 6(1): 123-137, 1998 sae Resumo : | nascimento da fotografia € contemporineo ao aparecimento de uma nova discplina cientfica: a antropologia. Na Franga, 2 ancopologia passou rapidamente para 2s maos dos médicase bilogos que praticavam uma “anochair anthropology” em seus labortérios. A imagem focogfca foi perceba inicialmente como um aperfeicoamento do desenho € entrou no Musée d'Histoire Naturelle em 1840. Rapidamente, grandes projetos sobre 0s “tipos humanos* tiveram inicio com a ctiagao, em 1859, da Société d'Anthropologie de Paris; a perspectiva médica toma-se dominante e se orienta cada ver mais arama abordagem antropclgica, diane seus principis para a prise do ouefotogrfica, Progessvamente, 05 métodos fotogréficas parecer incapazes de satsfazer 2s exigéncias desta antopologia médica, Assim, por volta do final do século XIX, a imagem fotogifica ¢ abandonada pelos anttopdlogos. Ao mesmo tempo, os métodos estitamente médicos antropométricos foram esquecides. Ser4 que 2 imagem fotogréfica ainda contribu para mudar completamente os métodos de compreensio do Outre? Palavras-chave: fotografia no século XIX, antropologia ¢ fotografia, histéria da fotografia francesa. Abstract The invention of photography happens at the ee te sppeanace ofa ew seme e: anthropology. In France, physicians and biologists quickly fis main scholars by rai a in thei laboratories. A firs, the photographic image was considered Improvement of drawing. It was introduced in the Muséum de Historie Naturelle de Pars in 1840. Then vasious photographic projects on “human types" were created with the institution of the Soctie Anthropologie de Paris in 1859. A medical approach prevailed and prescribed antheapomenic sues, ‘Which dictated their principles to the photographing perspective. But photography appeared progressively unable to satisfy the requirements of this medical anthropology. So, 2t the end of the KOR cenny, the photographic image was abandoned by anthropologists Ar the same time the sticly medical ‘and anthropometric methods were forsaken 2s well. Did photography, by its falure at the time, contribute to change completely the methods used to understand the Other? | Recebido em dezembro de 1986. Aprovado em outubro de 1967 Cadernos de Antropologia ¢ Imagem, Rio de Janciro, (1): 123-137, 1998 137]

You might also like