You are on page 1of 8
Hts Rinne * A Condicdo da Muther — Amor, peixdo e sexualidade — Marta Suphey + A Funcao do Orgasmo — Wilhelm Reich * Reproducéo Sexual — Essa nossa (des!conhecida — Manilena Chaui ~ * A Revoluedo Molecular — PulsacBes politicas do descjo — Felix Guattari + Sexualidades Ocidentais — Philippe Ariés/A. Béjin (orgs.) Colegao Primeiros Passos #0 que é Fa Danda Prado + O que é Feminism — Branca Moreire Alves/ Jacqueline Pitanguy Colecao Tudo 6 Histéria + A Familia Brasileira — En/ ce Mesquite Semara Dialética da Familia Génese, estrutura e dinamica de uma instituicao repressiva Introdugao e orga 0: Massimo Canevacei do a edicao brasileira igria C. F. Matos Apres Textos de: Morgan, Engels, Ténnies, Freud, Lu-Hsi Malinowsky, Reich, Marcu: Mead, Adorno, Horkheimer, Haberm Laing, Esterson, Mitchell . Mitscherlich, Tradugao: Carlos Nelson Coutinho editora_brasiliense ‘OBO OFWCES MULTLICANDO CULTURA 1987 162 HEGEL EA FAMILIA 4 .miverslidede: propriedade deve ser, de certo modo, despojada "u cardter puramente “privado” © egoista, sem com isso perder © seu cardter de propriedade. Essa funcéo é desempenhada pr mente pela familia, ou, mais exatamente, pelo direito heredit familia. J4 que é a familia como totalidade, ¢ nfo o individuo, se toma o verdadeiro sujeito da propriedad. dle herdar ¢ considerado apenas como tomar posse do “patriménio, que em F ieee ap eau = 4 caracteristica limitagao da liberdade e rape jo cardter universal da propriedade, que se ropriedade esté ancorada na familia, eo diz io penal sua permanéneia através as gerugOes, 0 individuo reeebe sua pro priedade, por assim dizer, como um feudo doedo pela prope un fe, em Nirtude de uma ordem natural ctema, a fim de que es eee a 7 prelate S6 assim, gracas & fungio fica-se aquela elevacio do Estado acima da esfera da pro} que fora indicada na separacao entre o Estado ¢ a sociedade civ sociedade e 0 Estado sdo dispensados da tercfa de assegurar a pri- meta gatania“peremptria da prepiedde, vino que ena ‘aa 5 fol cumprida pela familia* E com essas fungées que a familia, no perfodo seguinte, ingressa na sociologia burguesa: ou seia, como base” do Estado e da sociedade (...). Herbert Marcuse 3 FD, § 178, sprints decisva Tina, cviare aravis da qual a toe Hexsine da FROMM Fromm nasceu em Fr 900. Depois de ter concluido os estudos de psicologia, sociologia e filosofia em Munique e em Heidelberg, especializou-se em psicanélise no Instituto de Berlim ‘Antes de ser obrigado a emigrar para os Estados Unidos, onde resi- diu até sua morte (ocorrida em 1980), colaborou com a Escola de Frankfurt, ¢ foi quem mais contribuiu, no ambito da Teoria Critica, para unir psicandlise e marxismo. Tudo isso num periodo hist6rico fem que a ortodoxia puritana do Diamat staliniano, impunha a conde- nagao da teoria freudiana, acusada pura ¢ simplesmente de idealismo pequeno-burgués, assim como a consagragéo da reflexologia de Paviov como ‘nica psicologia oficial. Mas, se a batalha de Fromm naqueles draméticos anos 30 permaneceu como algo de excepcional importdncia teérica e politica, © periodo que vai da emigraco 2 integracdo na sociedade americana coincidiu com um indubitvel processo involutivo. Sabe-se que os outros exilades da Escola de Frankfurt expressaram, com 2 dialé- tica do iluminismo, o seu antagonismo tedrico “negativo” em face dos valores que constitufam a sociedade monopolista-autor mascarando a substancialidade repressiva de conceitos como dlemo~ razo, cultura, amor. Fromm, ao contrério, foi tomado pela necessidade, inteiramente ideoldgica ¢ individualista, de construir “‘sin- teses” acriticas de tipo culturolégico, colocando-a_si_mesmo_numa. ‘de superioridade meta-histérica diante dos eventos que, como ele dir, apareciam-lhe como “um campo de observago empfrics”. ‘Assim, © “revisionismo” neofreudiano nasceu como sintese de Freud e de Jung, conciliando o inconeilidvel (cf. A Linguagem Esquecida) 164 AUTORIDADE © SUPER-EGO: 0 PAPEL DA FAMILIA. Ou 8 sintese “americana” de Marx e Freud (tio diversa da sintese crigindria tentada na Alemanha), apés uma conciliagao desse iiltime com Jung, tornou-se uma espécie de produto hibrido, no qual ambos So reduzidos ¢ neutralizados & condigdo de “cientistas”, para final. mente construir-se, sobre os seus restos, uma ideologia humanitéria ¢ lsica, tendencialmente pacificatéria (mais do que pacifista) e so. cializante. © ‘recho inclufdo nesta antologia faz parte da mesma pesquisa sobre autoridade ¢ familia, realizada pelo Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt, da qual jé selecionamos o trecho de Marcuse. A tarefa de Fromm, na referida pesquisa, consistiu em desenvolver a atticula- Sto dialética entre a génese do caréter autoritério e a estruturacao do dominio de classe. Com base nessas premissas, Fromm descobriu aue © pai, no proceso de interiorizagao da estrutura caracterial autoritéria, nao encontra em si 2 base do seu papel de autoridade constituidora do Super-Ego, mas antes “reflete” 0 autoritarisme repressivo das relacdes sociais © das estratificagdes objetivas de classe. Isso redimensiona, de um ponto de vista estrutural, as possibilidades educativas antiautoritérias ou permissivas como fruto de uma esco- ha voluntarista © individual, que deixe de lado o problema da estru- tura caracterial e econémica. A familia faz com que a violéncia objetiva das relagdes sociais ado manifeste diretamente a sua brutalidade, mas o faca através da interiorizacio da obediéncia a um sistema hierarquico ¢ autoritério desde a infancia; predispée, portanto, a uma captura direta ¢ incons. ciente da subjetividade. Disso decorre a debilidade do Ego. A agres- sividade, sublimada e reprimida, impede a tomada de consciéncia da necessidade de superar 0 autoritarismo das relagoes sociais ¢ fami- Hares. Em lugar da hipétese da “‘revolucio" em sentido psicolégico néo apenas politico, surge a hipstese da “rebeliao”. Ou seja: dé-se Solugdo ao dilema “caos/tirania” tornando-o funcional a um pro- cesso. que legitima e controla-«-rebelido como tase prevista, na medida em que desperta o desejo — ¢ leva-o a se tomar realidade — da submisso & autoridade constituida. O rebelde é a crisilida da arre. gimentacdo miliciana nas “tropas de choque”. Essa dialética zevo- lucdo/cebelido, através da qual um processo liberatério se transforma m seu contrério — gracas também a funco da familia, micromodelo 165 DIALETICA DA FAMILIA que reflete 0 co ma — é sem dt ticos da Teoria Critica em geral rossiste- 3 jis de classe do macrossist njunto das relagdes social an ida um dos portos te0ricos mais altos ¢ caract 2 tice ¢ do jovem Fromm em particular. ilia Autoridade e super-ego: 0 papel da famili Extraid Fi in Sexpe E. Fromm, Lautorird © la femig! Extra ; Florenca, Guar Freud aborda a questo da autoridade em ligacio com dois a ques autori ‘ ; problema: a plog ds main 0 Ser Eg, Sev CHENG oeectsiva que Fie wate ob mostra a importancis Leieyer rane A comsiigbo de ‘ia om oA Jagio da massa com © chete. sso pecaramente ma tego da massa com o cel, “Uma el aie pel Aria”, escreve, “€ um conjunto de ing = lumivam como seu ideal do Ego o mesmo objeto ¢ dU, P i srumiram Com identificaramse reciprocamente em seu Eg . Ta io mune dose gaa rma do mash # 3 igualmente importante — segundo Frew eae) aco S também em seguica iremos lids ate a pert é necessario ilustrar brevet “ e “ld”, € ee eae ced conseitos em Freud. Ele supée és instAncias © significado desses ie seal lo iho siquico: \aadaanegeneno=SupeH EES? Ho sto cacs de “pactes" entendidas de modo estatico, mas naneoes” ¢ nao sao fungdes rigidamente separadas, mas fungdes tigi ‘a forma origindria © indi- a autoridade € waco do goes de em sentido dinamicos que se convertem uma na outra. OWé jerivado ‘oo sentimento de justiga social, da im originéis significa que setimemmatimos ands meemos, Uae i i yr ele, assim com: o trio ¢ por ele sti ce ide que ao possara aspirar a elas” (ibid. p. 118). ne mesmo, a fim de que nfo possam 3 Freud, Psieoi 166 AUTORIDADE E SUPER-EGO: © PAPEL DA FAMILIA ferenciada do aparelho psiquico. “Originariamente, toda a libido se acumula no Id, enquanto o Ego esta ainda em formagio e € débil.”: Q Ego é “a parte do Id que foi mod... -ada pela influéncia direta do mundo exterior”." Representa “aquilo que se pode chamar de razio ¢ reflexividade, em oposic&o ao Id, no qual esto contidas as paixdes” + Freud resume sua idéia do Ego na seguinte formulagéo: “Nés nos formamos a imagem de uma organizagio coerente dos processos Psiquicos numa pessoa, ao que damos 0 nome de Ego. E a0 Ego que se liga a consciéncia. O Ego domina o acesso & motilidade, ou seje, € 0 defluxo das excitagées no mundo exterior; é a instancia psiquica que exerce um controle sobre todos os seus processos parciais, que de noite vai dormir ¢ aciona a censura do sonko. Do Ego provém também as remogées, mediante as quais certas tendéncias psiquicas devem ser excluidas ndo apenas da consciéncia, mas também de ourres formas de existéncia ¢ de atividade".® QMSupertigo, mente chamado por Freud também de Ego ideal ou ideal do Ego, € — filogen mais delicada ' do aparetho psiquico. Freud indica sua funco “WmaaUtoxobseevagagy “Ra consciéneia moral, na censura onirica ¢ na intluéneia determi- MmantexexercidanA@UEMOEa0%’ Em Neue Folgen der Vorlesungen, cle indica a auto-observagio, a conscifncia moral e a formacdo de ideais como as trés fungées do Super-Ego.$ A questdo de saber se o exame da realidade é uma funcio do Super-Ego recebe em Freud respostas sontraditcrias.” A constituicao do Super-Ego é colocada em estreita Gelagdorcommonpail Ja antes de qualquer relacdo objetual, o pequeno se identifiea com o pai; e, por was do primeira —¢ mais importante — ident agdo do individuo, a iden- # Das Teh und das Es, in Gesarsmelte Schriften, Viena, 1925, vol. VI, p. 391 8 Ibid, p. 368, + Ibid, p. 369, ¥ Tbid, p. 359. ° Nuova serie di lezioni irurodutttive alla psicoanalisi, trad. 1958, p. 426. * Psicologia delle masse e analisi detl'lo, cit, p. 108. 4 Nuova serie, cit, p. 41 ° Psicologia delle masse, ci jane, Roma, DIALETICA DA FAMILIA 167 tificagdo com © pai da pré-hist6ria pessoal”.*? Trata-se, portaato, de uma ideatificasio priméria; a qual ¢ reforcada por uma identiicagdo secandiria, que é 2 repercussio da fase edipiana. Sob a pressdo do medo causado pelo citime do pai, o pequeno € coagido a renunciai gos seus desejos sexuais dirigidos & mae © aos desejos hostis ¢ ciu- mentos dirigidos ao pai; a identificagio com o pai ¢ a Jnwodugio dos seus preceitos ¢ proibigdes tomam mais fécil a renincia. O me io por uma angiistia interior, que © protege auto- jéncia vivida da angiistia externa. Ao mesmo fempo, a erianga atinge por essa via algumas das mets proi- bidas: através da identificasto, tornou-se igual 20 pal. Uma suas die duas faces, as quais corresponde 0 duplo contetido do Super-Ego: “Tu deves ser assim (como 0 pai)... Nao podes ser assim (como © pai), o seja, nfo podes fazer tudo o que ele faz; varias coisas so reservadas a el externo € subst maticamente contra a ex ‘ uma tradicao” * e é a interioriza- ‘Super-Ego torna-se “o portador de uma tra ior sin da coorgdo exiemast A relayo do Soper-Ego com 0 1a é um relagdo de dupla face. Por wm lado, 0 Super-Ego consti ums “formagdo reativa” contra os processos pulsionais do Id;* po outro, retira do Id suas energias ® (...). i ‘Apesar das contradigoes e dos pontos obscuros da teoria di ‘Super-Ego e da identificagio, Freud forneceu aqui um ponto de vista decisivo sobre o problema da autoridade e, além disso, da dinamica ‘Sua teoria.fornece uma importante contribuiedo para respon- der a seguinte pergunta: gomonéypossivelsquerorpodersexistentserurrs 30 Das Ich und das Es, cit., vol. VI, p. 375. 31 Ibid., ps 378. 12 Cf, Dat Ich und das Es, eit, p. 381. 13 Nuova serie 14 Lravvenire di ur 15 Das Ie und das Es, cit, p. 401 18 Hlemmung, Symptom und Angst, in Gesammelte Schriften, eit; vole XH, p- 33. 168 AUTORIDADE E SUPER-EGO: 0 PAPEL DA FAMILIA A violéncia © 0 poder externos, encarados nas autoridades que a cada momento dominam uma sociedade, sic uma componente indis- pensivel para que se realize a docilidade e a submissio das massas a tais autoridades. Por outro lado, é claro que @™e0ergaonextema Gndoqseplimitapayeginedicetamentescomomtalzyse 2 massa obedece as solicitagdes e preceitos das autoridades, nflo o faz somente pelo medo diante da violéncia fisica e de meios de coercdo fisieos. E Heche que isso também ocorre, de modo excepcional ¢ transité- io. Uma docilidade que se apoiasse apenas sobre 0 medo diante de’ meixatescoetatoeasextere"unparsinn-cnscimengdebsamy (aulongowprazowexcessivamentescarasyeparalisaria a qualidade do de- sempenho de trabalhadores que s6 obedecessem por medo numa medida insustentével para a producdo, pelo menos na sociedade mo- derna; ¢ criaria einda uma labilidade ¢ uma instabilidade das relu- Ges sociais igualmente inconcilidveis, a longo prazo, com as exigén- cias da producdo. Disso decorre que, se poder externo esté na base da docilidade das massas, ele deve porém modificar na psique dos individuos a sua qualidade. A dificuldade que emerge aqui é resolvida em parte com a formacéo do SUP@tEB. E pomumeiondele, ‘As autoridades so inte- riorizadas como representagdes do poder externo; ¢ 0 individuo age em conformidade com os preceitos e proibigdes do poder nio mais unicamente por medo de punicGes externas, mas por medo da instin- cia psiquica que ele construiu © poder exierno operante na sociedsde aparece diante da crianga educada em familia na pessoa dos genitores (na familia pa- triarcal, em particular na pessoa do pai). Através da identificacdo com o pai e da interiorizagdio de seus preceitos e proibigdes, a instan- cia do Super-Ego é revestida dos atributos de moralidade ¢ poder. * Porém, uma vez construida essa insténcia, realiza-se ac mesmo inverso. O Super-Ego € sempre de novo projetado no portador da, Auioridadess6biuimemtendads: ou, em outras palavras, o individuo reveste a autoridade existente com as caracteristicas do seu Super-Ego. }Bssa_projecio do Super-Fgo nas autoridades impede em grande DIALETICA DA FAMILIA ios medida que elas sejam submetidas x uma critica racional! Acred:ta-se na moralidade delas, em sua sabedoria e fora, inclusive em medida notavelmente independente de suas manifestaces reais. E, vice-versa, as autoridades tornam-se assim capazes de ser sempre novamente inte- iorizadas e de se constituirem como depositérios do Super-Ego. A transfiguragio das autoridades mediante a projecdo das qualidades do Super-Ego contribui para esclarecer uma dificuldade. Com efei é facil compreender por que a crianca, privada como é de experiéncia de vida e de capacidade critica, considera os genitores como ideais e pode portanto assimilé-los no precesso da formacao do Super-Ego. Para 0 adulto, dotado de maior capacidade critica, ja seria muito mais dificil ter © mesmo sentimento de veneragdo pelas autoridades socialmente dadas, se essas tiltimas nao conservassem para ele, através da projecao do seu Super-Ego nelas, precisamente as qualidades que 0s genitores tinham outrora aos olhos da crianga. A telacdo Super-Ego/autoridade ¢ uma relagdo dialética, O Super-Ego é uma interiorizacdo da autoridade ¢ a autoridade é transfi- gurada pela projecao nela das caracteristicas do Super-Ego; e, nessa forma transfigurada, ¢ novamente interiorizada. gfsutoridadeneySuper, (ERoWsAoNinseparavels O Super-Ego ¢ 0 poder externo intcriorizado; ‘9 poder externo ganha tanta eficacia porque conserva as qualidades do Super-Ego. Esse, portanto, néo é de modo algum uma instncia que, uma vez constitufda na infancia, permanece sempre operante do mesmo modo no komem, independentemente de como se apresen- ea sociedade om que vive; ao contrério, na maior parte dos casos, © Super-Ego praticamente desapareceria, ou mudaria compietamente de carter e de contetido, se as autoridades dominantes nao pros- seguissem ou, mais exatamente, néo renovassem continuamente 0 processo, iniciado na infancia, da formacio do Super-Ego. O fato de que as autoridades sejam revestidas das qualidades morais do Super-Ego nao significa que a presenga do Super-Ego, una vez formado, e sua projecdo nas autoridades, bastassem para torné-las ficientes, caso no fossem elas as depositérias do poder fisico. Assim como a crianga, através do Super-Ego, interioriza o poder que emana do pai, do mesmo modo a manutencio e renovagéo do Super- Ego no adulto repousam constantemente numa interiorizagio do 170 AUTORIDADE £ SUPER-EGO: 0 PAPEL DA FAMILIA poder externo; embora o Super-Fgo transforme em medo interno o medo em face de um perigo externo, o fator decisivo de sua formagig © conservacdo € precisamente o poder externo e 0 medo em face dele. A angiistia externa nao poderia ser interiorizada, nem © poder fisico tansfigurado em sentido moral, se ndo existissem essa angistia © esse poder. Constatacéo, porém, que requer uma limitaco. As experiéncias las da primeira infancia e da juventude sao mais importantes para a formacdo do caréter de um individuo do que as experiéncias vividas dos anos subseqiientes. Nao que as experiéncias infantis determinem o cariter de tal medo que eventos posteriores nao sejam mais capazes de modificé-lo (isso ocore em medida notével apenas no neurético, que se caracteriza precisamente por uma maior ou menor caréncia de capacidade de adaptacio do aparelho psiquico Por sua fixagéo na situagio infantil); mas tais experiéncias criam disposiges que causam uma relativa lentidio e inércia do aparetho Psiquico em face de mudangas reais. Para nosso problema, isso signi fica que — se as experiéncias vividas infantis produziram um Super. Ego forte — esse iltimo opde freqiientemente uma relativa resistén- cia a condigdes de vida que exigiriam um Super-Ego diverso. © mo- tivo pelo qual certas estruturas psiquicas conservam freqiientemente suas forgas além da necessidade social reside no cardter relativa- mente determinante das experiéncias vividas infantis. Tais discre- pancias entre estrutura ps{quica e realidade social podem ser, de Festo, puramente transitérias; e, para que a estrutura psiquica se conserve por longo tempo, é preciso que intervenhum mudancas sociais que reconstituam seu condicionamento. Poder-se-ia dizer que a estrutura psiquica tem a funcao de uma pega que conseiva a maquina em movimento, mesmo apés uma interrupgéo do motor, mas somente Por breve duragao. A necessiria articulagdo de Super-Ego e autoridade nao se apoia apenas no-fato-de que-o Super-Ego deve ser continuamente-reproduzi= do por autoridades reais e poderosas, mas também no fato de que Ado € suficientemente forte ¢ estavel para executar as tarefas que Ihe cabem. Ha, certamene, tipos de personalidade — desde a pessoa normal até 0 cardter obsessive patolégico — eujo Super-Ego é vio DIALETICA DA FAMILIA m forte que controls plenamente suas agdes © seus impulses, mesmo no caso de n&o se encarnar em poderes ¢ pessoas reais. ‘qantesmciomnautragie. No homem médio, a instancia astante forte para que seja suficiente apenas o medo da propria reprovacdo. O medo das autoridades reais, com 0 poder que detém; a esperanga de vantagens materiais; 0 desejo de ser amado c elogiado por elas; a satisfacdo derivada da realizago desse descjo (recom- pensas, promogées, etc.); bem como a possibilidade de relazdes obje- tuais sexuais, e especialmente homossexuais (ainda que inconscientes € nao realizadas), com tais autoridades: tudo isso so fatores pelo menos to fortes quanto o medo que o Ego tem do Super-Ego. ‘A relagio entre Super-Ego e autoridade é, portanto, complicada. Ha casos em que 0 Super-Ego é a autoridade interiorizada, enquanto a autoridade € 0 Super-Ego personificado; ha outros em que € a con- vergéncia de ambos que cria aquela docilidade ¢ aquela submissdo voluntiria que marcam em medida tao surpreendente a praxis social Dado que 0 Super-Ego surge, desde os primeiros anos de vida da crianca, como uma instancie condicionada pelo medo do pai e, a0 mesmo tempo, pelo desejo de ser amado, (aiRfeimiiaSemevelameom ae Mas a produce ‘do Super-Ego ¢ apenas uma das tarefas realizadas pela familia enquan- to representa¢ao psicolégica da sociedade, néio podendo ser separada da estrutura pulsional global ¢ do cardter de um individuo tal como é produzido na familia. Freud indicou © peso decisivo das expe- ncias da primeira infancia na formacdo da estrutura pulsional & do cardter de um individuo; e mostrou que o papel principal no desenvolvimento da psique individual ¢ desempenhado pelas relagoes afetivas com os genitores, pelo tipo de amor, de medo ou de ddio em relagao a eles. Desse modo, cle deu uma contribuigio essencial para a compreensio da cficacia da familie no cumprimento das fungdes sociais mencionadas, (PGRSniq—NSONVIGNGUE)IREpeREntEMenteNaasy “representa — antes de mais nada/— determinados contetidos sociaisy Je que a principal fungdo social da familia consiste em transmitir 172 AUTORIDADE E SUPER-EGO: O PAPEL DA FAMILIA ————— ( Super-Ego representa, segundo Freud, uma identificacao com o pai, “ao qual foram se somando educadores, professores, ¢ — enxa- me imenso indefinivel — todas as demais pessoas do ambiente (0 préximo, a opiniao publica)”.!7 A causa da identificaséo, a seu ver, além das chamadas identificagées primérias, reside — na pri. meira infincia — no complexo de Edipo. O pequeno tem descjos sexuais referidos & mae; vé diante de sia superioridade ameacadora do me de modo particular a puni¢ao da castracdo para os seus impulsos proibidos; transforma o medo externo da castracio pelo pai em angtistia interior: e satistaz uma parte de scus desejos primitivos identificando-se com o pai. Desse modo, o Super-Ego € — para Freud — 0 “herdeiro do complexo de Edipo”. Concepsao problemética, por causa da falta de avaliagio da conexdo entre estrutura familiar ¢ estruture social’em seu conjunto. Quando Freud diz que, com o tempo, os representantes da sociedade se agregam @ figura do pai, temos uma observacio justa em certe sentido exterior ¢ temporal, mas que deve ser complementada com a observacéo inversa, ou seja, a de que também o pai se soma as autoridades socialmente existentes. Ou seja: : (do ponto de vista do contetido) | ‘A rivalidade’ sexual presente na relagao pai-filho assume, em cada oportunidade, colorido da situagao social. © condicionamento social do complexo de Edipo est no fato de que — enquanto Freud © considera um fenémeno universalmente humano e biologicamente necessario, e,-a partir de_tal_perspectiva, reprojeta-o na histéria_primi- tiva da humanidade — esse complexo, na forma deserita por Freud, 17 Freud, Zur Einjikrung des Narzisemus, in Gesemmelte Schriften, cit. vol. Vi p. 180. DIALETICA DA FAMILIA 15 é caracteristico (o-somente de certas estruturas sociais, Ha inéme- ras sociedades nas quais 0 pai nao reine em si a fungo de rival sexual e de autoridade onipotente. Por exemple: numa série de tribos primitivas, essas duas fungdes sio divididas entre’ o tio ma- terno ¢ 0 pai. Isso, porém, ndo deve nos levar a diminuir a extraordindrie im- porténcia do complexo de Edipo, dos desejos sexuais da crianga ¢ da rivalidade © hostilidade que deles decorrem em relago ao pai, na pequena familia patriarcal. As experiéncias clinicas da psicandlise demonstraram a indubitavel importancia do complexo de Edipo. Mos- traram, em particular, como tal complexo é uma importante fonte da hostilidade e da rebelido do filho contra o pai; ¢ indicaram como, por isso, a familia patriarcal — cuja estrutura gera os desejos incestuosos do filho — produz, precisamente por causa do conilito com © pai que disso resulta, uma rebeliao contra ele e, portanto, tendéncias A destruigéo da familia. Mas o grau de hostilidade do filho contra o pai depende também da atitude do pai em face do filho. Atitude que, dada a segura superioridade sexual do pai, é determi- nada muito menos que no filho pela rivalidade sexual, embora — em certas condigdes, que nfo posso abordar aqui de modo mais preciso — la seja freqiientemente bastante forte. Essa atitude é condicionada © determinada, desde o primeiro dia de vida, ¢la relagao global entre pai ¢ filho, tal como essa se desenvolveré mais tarde na base da inteira constelagdo individual ¢ social. Para ver isso claramente, basta comparar algumas situagdes familiares — aqui simplificacias de modo ideal-tipico — no interior de nossa sociedade, imaginemos © contraste entre as relagdes pai-filho num certo tipo de famflia pequeno-burguesa e na familia de um rico médico urbano. Para © camponés, dada a sua situagio econémica € social, todo membro da familia é em primeirissinio lugar, uma forga de trabalho que cle explora a0 maximo. Todo recém-nascido é uma forga de trabalho potencial, cuja utilidade s6 se manifesta quando a crianca tornou-se bastante grande para poder dar uma mao. Até esse momento, ‘apenas uma boca a alimentar, & qual o pai se resigna tendo emt vista sua utilizagao futura, Recorde-se ainda que esse camponés desenvol- veu, por causa de sua situagdo de classe, um cardter cujo taco dominante é a maxima exploragao de todos os individuos e bens & {74 AUTORIDADE E SUPER-EGO: © PAPEL DA FAMILIA sua disposigao; no amor, esti pouco presente a aspiraco a feli cidade da pessoa amada, como algo em si mesmo. Desde 0 inicio, 6 pai esté diante do filho numa relacdo quase carente de amor e carac- terizada substancialmente pela hostilidade ¢ pela tendéneia & explo- raco. Mas a mesma hostilidade iré desenvolver-se também no filho, quando ele for maior. A velhice © a morte do pai podem libertar o fitho de sua situacdo de objeto de exploragao e ressarci-lo de tudo (9 que sofreu, to logo cle proprio se tome o -patfao.= A relagio entre os dois conteré um trago de hostilidade mortal, que projeta sua sombra sobre 0 énimo do pai quando nasce um novo filho. £ tal atmosfera que determina essencialmente também a relacdo e 0 desen- volvimento psicolégico do filho. Anéloga era a situaglo da fa proletéria na primeira metade do século XIX. Também para ela os filhos eram sobretudo objeto de utilizago econdmica; ¢ ninguém mais dos que os genitores se opunha a uma legislagéo sobre a limitagao do trabatho infantil. Eram verdadeiramente “os piores inimigos dos préprios filhos": e essa hostilidade constituia, desde © primeiro momento, a cor afetiva decisiva da relagdo pai-filho. Noxsso segundo exemplo apresenta uma situacio substancialmente diversa. Nao se deve perder de vista o que também aqui se apresenta de tendéncia @ exploragéo, em forma mais oculta ¢ elevada. Mas, apesar disso, a situacdo € fundamentalmente diversa, Os poucos filhos nfo tém a func de aumentar a renda do pai, ndo sao vistos como trabalhadores potenciais ¢ consumidores intiteis enquanto nao rabalham, Sao postos ao mundo porque os genitores tém prazer em ter filhos, Muitos desejos e ideais irrealizados pelos genitores sio transferidos para os filhos: sua realizagdo nos filhos é vivida com satisfagdo pessoal, tanto através da identificagdo como através do amor objetual. A atmosfera em que se encontra a crianga nessa familia nfo é uma espera hostil ¢ impaciente do dia em que seré ‘mas uma preocupagao amorével e gentil. Ela cria desde 0 inicio um caréter diverse ¢ relages diversas com 0 pai. O que pode haver de rivalidade tem uma base © um matiz diferentes. Difere completamente, tanto quantitativa como qualitativamente, da rivali- dade presente nas familias camponesa ¢ operéria Para concluir, um terceiro exemplo: uma familia pequeno-bur- guesa de uma grande cidade, na qual o pai — digamos — ¢ um DIALETICA DA FAMILIA empregado de baixo nivel. Sua renda é suficiente para as necessi- dades derivadas de sua condicao social. A familia ndo ¢ uma comu- nidade produtiva e os filhos nfo tim a tarefa de contribuir, o mais rapidamente possivel, para o orcamento familiar, com forca de trabalho ou dinheiro. Desaparece, portanto, uma parte do contraste de inte- resses que se apéia nas tendéncias paternas para a exploracdo, assim como a hostilidade que nasce desse fato. Por outro lado, a vida do pai é to pobre de satisfages e — sobretudo por causa de sua situacao profissional e social — tao sem possibilidade de dominagéo ou comando que a crianca, assim como a esposa, adquirem a fungao de propiciar zo pai o que 2 vida Ihe recusa. Attavés da identificacio, a crianga deve fazer com que ele obtenha 0 que a vida nao the permitiv conquistar diretamente; proporcionar-Ihe um aumento de prestigio com relagéo aos demais membros de seu grupo social, dar-lhe a possi- bilidade de satisfazer seus desejos de dominar © comandar, ¢, com isso, uma compensagao para sua pouca importancia na vida social. Na relagio pai-filho, misturam-se nesse caso tendéncias & exploracio e impulsos de promocao, amor ¢ Sdio, ¢ tal estrutura contradit6- ria cria por sua vez reagdes afetivas especificas na crianca que cresce (...) Erich Fromm

You might also like