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NOSSO PROGRAMA ‘A nogio da programacdo da existénela humana e do ‘mundo € relativamente nova. Numerosos aspectos impli- ‘iton em tal nogéo ainda no foram conscentizados. A nossa herange mitica habituow-nos & nocio de ums exis- tncia e de im mundo regides pelo destino, @ as ciéncias Gia natureza despertaram em nét a nogéo de uma existén- cia ede tum mundo rogidos pela causalidade. A atualidade feige que Tepensemos tals nog6ea, a do destino, a da ‘eausalidade, e 8 do programa, ‘A nossa tradigfo religioes, e as experiénclas fundan- tes mifteas que ee escondem por detras da tradigfo, pro- jetam imagem segundo a qual a exlsténcia humana, ¢ 0 ‘mundo dentro do qual existe, estio sujeltos a um propé- sito que demands meta. A cbacuridade de tal propésito, 4 opacidade de tal meta, abrem campo & misteriosa ca pacldade humana de opor-se a ambas. Embora Impene- travel, a probleméticn implielta em tal imagem nos 6 fi rill, As elfneas da natureza, em oposicdo a tal tradi- (io, projetam imagem diferent, segundo a qual todo even- to 6 efelto de determinadas causas, e causa de determina op efeitos, A existéncia se apresenta, em tal imagem, fenquanto inserida em tecido complexo de cadelas causais. ‘Ambas as imagens esto se tomando insustentvels atual- mente, Revelam que séo extrapolagSes ingénuas de situa 2% ‘fo conereta, a qual pode ser denominada “programstica” f ‘A ingustentabiidede das duas imagens se deve, por um lado, a consideregGes epistemoldgicas, ¢, por outro lado, fs experitnciaspolitioas recentes. Ambos os fatores spon- tam as ideologiae ingenuas a partir das quais tis ima- gens so projetadas. Dentro da imagem predestinada, da finalistica, 0 pro- blema central 0 da Uberdade humana, Pode o homem ‘opor sua livre yontade ao destino, ¢ até que ponto pode fabio? Tratase da questo da possibllidade para a emancipagio do homem dos “motives” que o impelem, da ‘questo do “pecado”. Isto € assim, porque a imagem finaliticn & visio polities, e tem eoloragio étice. Um dos seus extremos € 0 fatalismo, e outro é a arbitrariedade. Dentro da imagem onwalistca 0 problema da Mber- dade te coloca de forma diferente, ‘Tal imagem € visio ‘polities, tem coloragéo a-itica, mecanielsta, © nos seus ols extremes, que aio determiniamo e esos, exlul a pos- tibilidade da liberdade, Maa a imagem permite » nogio tberdade “wubjetiva”: dada a complexidade impenetré- ‘vel des causas © a imprevisibilidade dos efeitos de todo ‘evento dado, 6 pousvel agirso como se & ago fosse livre, ‘embora seja “objctivamente” determinads, Dentro da imagem programatica yareco sté agora . Ampossvel eequer formolar o problema de lberdade. 0 ‘tarmo mo parece ter significado em tal contexto novo. ‘Alguns exemplos deverio iluminar a dificuldade: ‘A coomologia finalist considera 0 univerto situa (elo que representa um estigio num progresso rumo a um (etigio final entendido, A cosmlogia causallstica eonsi- dora o universo situagio que rurglt neccasariamente de tltuagten préviae, ¢ que tera por conseaiéncla situacies ‘peeseadrias futures, A cosmologia programtica conside- ‘reo universo situagio na qual determinadas virtualidades 2% inerentes nela desde a tus origem se realizaram a0 2380, fenquanto outras virtualidades continuam irrealizadas, © se realizardo ao acaso no futuro ‘A. antropotogia finalstiea considera o homem enty sais deeenvolvido, porque mais préximo da meta do de- senvolvimento biolégico. A antropologis cousalisticn v8 tno homem uma das espéeies do ramo dos primatas, un flo da cadela causal quo estrutura o processo biolieo. ‘A antropologia programétien vé no omer uma das per~ ‘mutagies possvels de Informacéo genétiea eomum a todos ‘os entet vives, ‘A etologia fnalieticn considera 0 comportamento hie mano como série de movimentos motivados. A. etologia fausaisticn v8 no comportamento humano série de refle os a cousas externas ¢ internas. A ctologia programitt- fc vé no comportamento humano manifestacdes casuais (das virtualidades inerentes no homem e no seu ambiente ‘Se eonskderarmos os modelos que a visto programfe ‘ea estd aplicando nestes terrenos, verificaremos que na commologiaapliea o segundo principio da termodinimlcs, segundo 0 qual o niverso proceso entréplco. Na an tropologia aplica a biologia molecular, segundo qual cstrutura de determinados cdot nueléices conttm todas fs formas orginicas possivels, Na etologia aplica a psieo- login analiticn, segundo a qual © comportamento humano ‘manifesta determinadss virtualidades contidas no sub- cconsciente, KE ae estendermos a imagem programética a ‘vutroa campos (logics, IingUlstea, sceiclogie, economia, politologia ete), verificeremos em toda parte que os mo: {elos todos slo da mesma espécle: slo programas (© que carscteriza programas é 0 fato que sfo siste- mas no quais o acaso vire necestiade, S40 jogos nos (quais todas as virtuaidades, até as menos provivels, © Tealizardo necessarlamente, ee 0 jogo for jogado por tem- 2 po suflclentemente longo. struturas tio poueo provi- ‘eis como o so os sistemas planetirios surgem necessaria- mente a0 longo do desenvolvimento do programa contido po Big Bang segundo o segundo principio da termodin§- ‘mica, mas surgem a0 caso em determinado momento. Eatruturas to abeurdamente improvaveis como 0 & 0 cé- ebro humano surgem necemtariamente ao longo do desen- ‘olvimento do programa contido na informagio genética, ‘eobore tena sido Inteiramente imprevisivels na smebs, fe surgem a0 acaso em determinado momento. Obras tio tmarevilhosas como 0 & “As Bodes de Figaro” surgem ne- feasariamente no longo do desenvolvimento do programa fontide no projeto inical &a cultura ockdental, embors teje abeurdo querer procurar por elas neste projeto inlcal, por exemplo na maiaica grega que, embors se tarnem Decessdrias, tals relizagSes ao longo do jogo, surgem ao (© conceito fundamental da visio programética é pois 0 aoaso, Into & 0 que é novo. Para o pensamento finalis- too nfo Rd acaso' o que parece ser acaso ¢ na realidade lum propéaito ainds nfo detenosberto, Tampouco hi acaso para o pensamento causalistico: 0 que parece ser acsso na realldede causa ainda néo descoberta, Mas para 0 ‘oasazmento progremitica o contrario que ocorre, © que [erece wer propésite, © 0 que parece ser caust, sio na Fealldade scasce ingenuamente interpretados. O pensa- mento finalitico & ingénuo, porque procure motives por Getrha oe acasos, 2 fim de conferirthes signifieados. 0 (peamamento eausalistico & ingauo, porque procura casas Dor detris dor acasos, a fim de ordend-los. Com efeito {rogramas 20 parecem com propésitos, se vistos antropo- ‘erfleamente, se parecer com causes, se vstos mect~ Maisicamente, Destarte a visio programética revela 0 (Peasamento finalistico enguanto ideologia antropomorti Py sante, © 0 pentamento causalistco enguanto ideologia ob- jetificante, A visio programétice procura por tais ideolo- fins “entre partntesee”, © aasumir a estratura concreta- Imente dada, que & 9 do'neaso, A visio programatice é a viedo do abenrdo, ‘Atualmente a visio programética val se Impondo em toda parte, Tanto a8 ciéucias da matureza quanto as da cultura fendem e mostrar que toda “explicagio" finalsta fe eausal esta condenada ao fracasso. AS expliagies fina listar fracassam, porque explicam o presente pelo futuro, isto 6, o conereto pela abstragio “ainds nfo”. Eas expli- cages causals fracessem, porque explicam o presente pelo pasado, ito é, 0 conereto pela abstragdo “jé nfo” ‘A mesma imposigfo da visio programétiea pode ser obser- vada nas artes, ‘Todas as tendéncias atuais demonstram fque & realidade vat sendo vivenciada como um jogo ab- Siurdo de acasos, como “happening”. Mas & sobretudo 10 ‘campo da politica que a imposigho da visto programética ‘yal revelando a sua esaéncla, Se 0 comportamento da so Cedade vai sendo vivenciado ¢ Interpretado enquanto ab- fsurdamente programado por programas sem. propésito fem caus, o problema da lberdade, que é o problema da politica, passa ser inconecbivel. A visio programatica ‘acaba com a politica, com a histrla portant. ‘Antes da visio programética, era possivel viver-se simultaneamente com a visio finallstica e » eausalistia, fembora as duas se contradizem, ra possivel aplicarse a viedo eauralistica & natureza, ¢ a finalistica & cultura. A ‘natureza era objetivével,e a cultura antropomorfisivel. A linia da natureza podla ver “dura”, e e da ealtura “mo- 1a”, Isto ern possivel, porque as duas vides tm estrutura linear idénticn: “‘motivo-meta” ¢ “causu-efeito”. As duns cestruturaa podiam ser sobrepostas uma & outra, © mesmo ‘no ovorre com a visio programétiga, ‘Tem ela dimensbes miéltipla, ¢ a lnearidade final ¢ causal nfo passem de duas das’ dimensées da visio programética. A imagem programitica abtorve as duss anteriores ¢ as transforma ambas. A dificuldade da visio programitica ¢ precisa- mente este seu “imperialismo”: nfo admite outra visio seu lado, Tsto &, por certo, desatio eplstemoligico & estético, mas @ sobretudo desatio politico dificilmente digestivel [Na polities trata-ee de Uiberdade, da emancipacio do ho- mem dos motivos de outros homens. Na politics, portanto, © inico pansamanto apropriado é 0 finelistico, 0 desafio representado pels visio programitica é pois « neceesida- de de aprondormos a pensar s-politicamente, se quisermos preservar & lberdade. Isto & paradoxo. Porque se conti- ‘uarmos a pensar politcamente, finalisticamonte, se con- tinuarmos a procurar per motives por detrés dos progra- ‘mas que nos regem, cairemos fatalmente vitimas da pro- gramagio absurd, « qual prevé precisamente tais tenta- ‘vas de “desmitizagio” como wma das suas virtualidades. Podemos observar sempre melhor como 0 comporta- ‘mento do indivduo © da sociedade vai sendo programado por diferentes aparelhos. IE podemos observar, lim dis- to, o comportamento dos “inatrumentes inteligentos”, dos ‘quale conhecemos os programas, ¢ nos quais reconhece: ‘mos nosso proprio comportamento, Isto €: podemos ob- servar sempre melhor © quanto visHo programitica vai elzando de ser “teGrica”, e vai sendo eplicads na prix Por certo: tratase de aplicagio deliberada. HA progr ‘adores. Mas, 2 despeito disto: so persistirmos am pen- ‘ar finalisticamente, se continuarmos a procurar desenco- bbe os programadores por detris dos programas, ¢ des- Ilatificar seus motivas, perderemos de vista 0 a ftnolal na cena. Na cen atual toda “Kilturkritk” 6 ana- feronlame, Porque o que ¢ essencial na cena & 0 fato que 30 os programas, embora projetedos por programadores, se sutonomizam. Os apareihoe fiscionam sempre mais do pendontemonte doe motives dos seus programadores, E, ‘surgem sempre mals freqlentemente aparelhos que foram programados por outros aparelhes. Os motivos inicias recendem sempre mais para o além do horizonte, © tor- name sempre menos Interessantes, A prépria programa ‘edo humana vai sendo programada por aparelhos. Por certo: determinados programedores se julgam, subjetiva- ‘ments, “donos” das decis6es ¢ dos aparclhos. Mas, ma realidede, nfo passam de furciondrios programados pert assim ve Julgarem. A “Kulturkritik” acelta, ingenuamen- te, tal vino ingénua e programada dos programadores, ¢ torna-se, 20 fazélo, cla prépria fungio dos programas -Ambos, programadores ¢ erticos, vio sendo recuperadoa pelos aparelhos. A liberdade morrera so continuarmos a pensar politicamente, e a agir em funplo de tal pensi- ‘mento ‘io devemos nom antropomorfisar om objetivar os ‘apmrelhos. Dovemos capti-los em sua conereticidade ere- tina de um funcionamento programado, absundo. A fim 4e podermes compreendé-los ¢ destarte inser-os em me- taprogramas. © paradoxo é que tais metaprogramas si0 jogos igualmente absurdos, Kim suma: 0 que devemos aprender é ascumir 0 absurdo, se quisermos emancipar- nos do funclonamento. A Uberdade ¢ concebivel apenas en- quanto jogo absurdo com os aparelhos. ‘Enquanto jogo com programas. concebivel apenas depois de termos fssumido # politica, © @ existénela humana em geral, en- quanto jogo absurdo. Depende de se aprenderemos em tempo de sermos tas jogadores, se continuarmos a sermos “homens”, ou se passaremos a ser robés: se seremoa joga- ores ou pogas de jogo. a

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