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Waundials Paradigma de § confilte Total « Global z ises Me ‘Vagner Camilo Alves ‘the wmtee the a a te Pay sop, cn the tre wh ent preset ooege Oe. 184 Ura ndmero muito grande de paginas ja foi escrito sobre o envolvimento do Brasit na Segunda Guerra Mundial, as razdes que o levaram a isso e 2s vantagens aferidas pelo governo brasileiro durante esse processo!, Em face dessa constatagio, poderse-ia perguntar por que tratar mais uma vex do assunto. ‘Ora, mesmo que nenhuma introvistio mais original existisse, revisitar, teescrever a histéria, & tarefa de importancia impas, necesséeia & manu tengo de um constante debate sobre 0 passado, de modo que o pluralis- ‘mo de interpretagdes mantenha em permanente e constante xeque 0 pesadefo orwelliano de uma tnica e oficial interpretagio hist6rica, De qualquer forma, este artigo. ¢ ainda mais a dissertagin que servin de ‘CONTEXTO INTERNACIONAL ‘ode ania v2, psi 9, pp. 48.82 a9 Vagner Camilo Alves inspirago para ele (Alves, 1998), tem pretensdes que véo além do exposto acima. Seu objetivo fornecer uma forma mais parcimoniosa ¢ concisa de responder e explicar as grandes questées de politica externa {que cercam o Brasil no periodo, quai sejam: por que o pais se envolveu no contlito de maneira cada vez mais militante, terminando por declarar formalmente guerra Alemanhac Ttsiaem agosto de 1942; e onde esto as reais razies que tomaram possivel ao goveno brasileiro realizar, através de auxt politicas no perfodo (constrair uma siderirgica em terrt6rio nacional ¢ repotencializar suas Forgas Armadas)? De imediato, adianto que as .g5es aqui fomecidas se encontram fundamentalmente na andlise estrangeiro, duas de suas mais importantes metas expli do inusitado cenésio internacional existente & época, onde se desenrolava verdadeiro conflito total e global entre todas as principais poténcias existentes, Uma explicagio eminentemente de fora para dentro, portanto, Antes de examinar empiricamente 0 caso brasileiro é preciso detinear 0 pano de fundo teérico sobre © qual ele ser encaixado ¢ estudado. Passemos a este primeiro e importantfssimo passo. Erguendo o Arcabougo ‘Teérico a Ser Utilizado ‘A influéncia que o sistema intemacional exerce sobre o comportamento dos Estados & reconhecida por todos 03 estudiosos de Relagdes Interna cionais, ainda que a importancia desse condicionamento varie bastante de autor para autor. A hipétese desenvolvida aqui tem como premissaa cexisténcia de um grau muito elevado de coagdo sistémica para os atores periféricos do sistema internacional da época, to grande que & conside~ rado como suficiente para explicar 0 envolvimento do Brasil ¢ até os ‘ganhos de sua politica exterior na guerra. Em razdo disso, é necesséria ‘uma explanagfo clara do conccito de sistema internacional aqui utiliza do. Ele parte do conceito elaborado por Kenneth Waltz.de que os Bs sio 0s atores predominantes no cenério internacional, cuja caracteristica cados 50 Brasil 2 Segunda Guerra Mundial mais saliente em termos te6ricos & a descentralizago, ou auséncia de qualquer 6ngio ou instituigio politica hierarquicamente superior aos pafses. Essa anarquia internacional ensejaria, através do processo de socializagdo e competigao/emulagao entre os Estados, um sistema inter- nacional compost por atores assomelhados. A difercnea entre cles cestaria circunscrita somente & capacidade ou poder relative desfrutado por cada um, caracterfstica que, de qualquer modo, ndo faria parte das Uunidades- sim da estrutura do sistema (Waltz, 1988, caps. 4¢5). A partir «dessa constatagdo, Waltz fazuma analogiado sistema internacional a um mercado oligopolizado, onde uma estrutura emerge © condiciona a coletividade estatal, ainda que um némero bem pequeno desses Estados (os mais poderosos) tenha a capacidade de influenciar a prépria forma que essa estrutura internacional toma, sendo simultaneamente con- dicionado por ela (idem:191-199). A despeito da grande validade desse modelo te6rico, seu caréter es- tritamente estrutural acaba empobrecendo por demais seu uso em ané- lises ad hoc. Isso ocome porque Waltz desconsidera em seu modelo, propositadamente, as caracteristicas especificas dos agentes internacio- nis, concentrando-se tnica ¢ exclusivamente, para descriglo ¢ caracte~ tizagio dos sistemas internacionais, no niimero de poténcias existentes — sistemas bipolares ou multipolares, Conforme explicitado por Raymond Aron, maisimportante do que arfgida definigo de polaridades de um determinado sistema e de como isso efotaria o comportamento dos Estados, parece ser 0 estudo detalhado dos Estados mais poderosos, de como eles atuam no sistema e definem seus interesses nacionais (Aron, 1983, cap. VD). Inserir os objetivos, os interesses e © comporta- mento internacional especffico das grandes poténcias no modelo waltziano toma-o mais contingente ¢, por isso, muito melhor para a aplicagio em casos hist6ricos espectficos®, Esquematicamente podemos caracterizar nosso modelo de sistema internacional da seguinte forma: Estrutura + politicas, estratégias e interesses das Grandes Poténcias (entidades mutuamente constitutivas) 51 \Vagner Camilo Alves Este modelo, eminentemente oligérquico, salienta quanto os pafses mais, fracos, periféricos, sfo influenciados e condicionados pelo sistema in- enteestudé-lo,emum perfodo mais temacional. Contud, nfo seria su normal, convencional, para se entender o comportamento internacional ‘de um determinado pats periférico, Este estudo teria de ser complemen- tado por um outro, mais aprofundado, do processo de decisfo politica dentro da buroeracia desses Estados, visto que 0 “retrato” trado a partir do sistema seria um tanto vago ¢ impreciso. Ocorre que o sistema internacional a partir de meados dos anos 30 até a metade dos 40 nao pode serclassificado como normal, convencional. Ao contrério, era um sistema que passava por um processo tinico e especial de escalada e, finalmente, consagragio do que chamamos guerra total € global. Esta, desenvolvimento tiltimo e radicalizado por que passou 0 fendmeno da guerra no Ocidente, exerceu impacto diferenciado e mag- nificado sobre todos 0s atores internacionais existentes entéo. O conceito de guerra, definido por Karl von Clausewitz (1979) como terminou legitimando 0 enor politica estatal exercida por outros meio ‘me mortic{nio ocorrido durante a Primeira Guerra Mundial, ja que reconhecia aos principais Estados europeus 0 direito de propugnar seus interesses e objetivos politicos através de meios militares, mobilizando milhées de seus cidadaos como soldadios e outros milhes como traba- Ihadotes em uma guerra jé completamente industrial, A despeito disso, o primeito conflito mundial ainda admitia diferencas entre civis ¢ mili- Lares. A guerra total diluiriaessa fronteira, Nela, oEstado inimigo precisa ser derrotado totalmente e, como a mobilizagio nacional € req) preliminar para 0 sucesso de qualquer pafs em um conflito na era ito industrial, a guerra deve ser empreendida direta e cruamente contra toda apopulagao do pafs antagénico. Os bombardeios indiscriminados contra cidades © fabricas, © a guetra submarina total no Atlantico e Pacifico, perpetrados tanto pelo Bixo como pelos Aliados, si exemplos da consubstanciagio dessa idéia durante a Segunda Guerra Mundial 52 ‘A mesma diluicdo entre civis ¢ militares ocomre também em relagdo aos, Estados, na diferenga entre neutros ¢ beligerantes. Neutralidade € con- digo muito dificil de ser mantida, principalmente pata paises periféri- cos, dependendo em grande medida dos resultados dos embatesentre as principais poténcias em tuta e das estratégias e manobras diplométicas dessas mesmas poténcias. Finlandia, Noruega e Grécia slo alguns exem- plos de Estados que foram literalmente tragados para 0 interior do conflito apesar de suas firmes posigdes de neutralidade em relagiio & guerra curopéia que se desenrolava, incremento na tecnologia bélica, especialmente na aviagio, nos anos 30, rompia também pela primeira vez na histGria barreiras geogrificas antes intranspontveis. Viagens transatlanticas eram agora possiveis, eum bombardeio aéreo ao continente americano a partir de bases afticanas ou das ilhas atlanticas européias (Agotes, Madeira, Cabo Verde e Canétias) «ra, pelomenos teoricamente, factvel. Isso significava que a guerra total podia ¢ realmente seria futada em escala mundial. De fato, a partir do ‘momento em que ela realmente se configurou, ou seja, quando todas as, gcandes poténcias do planeta formalmente nela se envolveram, a partir do iltimo més de 1941, praticamente todos os Estados soberanos exis- tentes também foram envolvidos?, © resultado desse especifico cenario de guerra total e global, quando aplicado ao modelo sistémico previamente exposto.éamaximizagio dos 4 fortes condicionamentos sistémicos existentes, especialmente em selagio aos Estados mais fracos do sistema internacional. As grandes poténcias, durante um conflito dessa natureza, agem de forma muito mais assertiva ¢ até truculenta, procurando trazer para seu campo os pafses mais fracos cuja importincia estratégica, seja mineral ou geopo- Iitica, é reconhecida. B preciso destacar que uma ago vacilante em relagio & neutralidade de um pequeno Estado pode ser aproveitada pela coalizaio inlmlga, ¢ isso pode ser fundamental para o resultado final do embate. O proprio Winston Churchill, uma das principais liderangas aliadas na guerra, reconheceu o primado dos interesses e estratégias das 53 ‘Vagner Camilo Alves grandes poténeias em guerra em relago a0 respei aneutrali- dade dos pequenos pafses. Quando ainda Primeiro Lorde do almmirantado britdnico, no invemo de 1939, ele defendeu a minagem dos portos da Noruega, ainda neutra na época, como forma de obstaculizar os car~ regamentos de minério de ferro sueco que eram escoados pelo pats em diregio 4 Alemanha. Sua posigo em relago a essa questo foi apresen- tada nos seguintes termos: juni “Nés estamos Tutando para restabelecer 0 Império da Lei e para proteger a liberdade dos pequenos pases. Nossa derrota significaré uma era de violencia birbara, e seria fatal no s6 para nés mesmos, como também para a vida independente de cada um dos pequenos Estados europeus [.... As pequenas rages no podem alar nossas mos quando nés estamos lutando pelos seus direitos e liberdade [..). Humanidade, em vez da estrita legalidade, deve ser 0 nosso guia.” (Cohen, 1991:61) Se a patticipagio na guerra de paises periféricos estrategicamente im- portantes para um ou maie dos principais Estados em conflito era ditada primordialmente por motivos exégenos & politica interna desses pafses, havia simultaneamente um aumento substantivo nas possibilidades de ganhos reais para eles. Sua realizagio estava ligada & capacidade de negociagio das autoridades governamentais dos paises periféricos (ou pelo menos 8 inexisténcia de uma completa inépcia para negociar), que deviam apresentar suas demandas para a(s) potEncia(s) interessada(s) no momento certo. A relagio Brasil-Estados Unidos é um excelente exem- plo para este raciocinio, Até 1942, as maiores demandas brasileiras — compromisso norte-americano de financiar a siderdrgica nacional & provimento as Forgas Armadas brasileiras de equipamento militar novo — foram atendidas. Em troca, 0 Brasil emprestou todo 0 apoio que Ihe cra cabivel ao esforgo de guerra norte-americano contra o Eixo. Curioso notar que até os pequenos aliados de Hitler, ainda que sujeitos a presses muito mais violentas do que as empreendidas do lado Aliado, eram também recompensativs pot seus alinhamentos, A Roménia, por exem plo, em troca de sua anuéncia em participar da cruzada antibolchevique, iniciada em junho de 1941 contra os russos, recebeu, entre outras coisas, 54 a Segunda Gi ‘a promessa alema de soberania sobre um grande naco de territério uucraniano (Transnistria), além da devolugiio daqueles territ6rios cedidos ‘0s soviéticos no ano anterior (Weinberg, 1994:274-275). Que os pré- ios oferecidos pelos patses do Fixo fossem, muitas vezes, de natureza territorial, diz sobremaneira sobre anaturezaeminentemente revisionista da politica desses patses. Outro efeito desse cenério especial (guerra total e global) na estrutura do sistema ¢ tom-1a muito mais dinmica, jé que 0 resultado de embates militares, manobras diplomiticas e decisdes estratégicas tomadas pelas principais poténeias modifieam completamente o panorama intemacio- nal precedente, cessando 2 importincia estratégica de determinados Estados periféricos (tomnado-os mais auténomos) ¢ aumentando a de outros, muitas vezes obrigando estes a mergulhar no conflit. (O nivel de cerceamento e condicionamento existente em um cenério de {guerra total sobre um determinado pais periférico & conhecido a partir da anélise de duas caracterfsticas intrinsecamente relacionadas com a posigio e insereo desse pais no sistema internacional, A primeira diz, respeito & dependéneia econdmico-estrutural que ele tem em relagiio a uma ou mais poténcias, ¢ se esse dependéncia €, de fato, verificavel Economias primério-exportadoras, muito comuns no mundo periférico da década de 30, podiam, caso preponderantemente ligadas a uma tinica poténcia, dar a esta um forte meio de pressio sobre seus governos. importante ressaltar que essa dependéncia nfo podia ser miitua, j& que se perderia, no caso, a validade da situago como instrumento de presstio politica por parte da poténciat. A segunda ¢ mais relevante caracteristica a ser tratada é a importincia estratégica desfrutada pelo pais periférico. Essa importincia tinha de ser reconhecida por pelo menos um dos principais Estados combatentes na guerra, ¢ podia ser de natureza poli- tica, agricola, mineral e/ou localizacional. Com formagdes podemos, eximindo-nos de mergulhar na politica interna e proceso decis6rio especifico dos Estados periféticos 55 \Vagner Camilo Alves tratados, descrever e explicar seus envolvimentos no conflito (ou. em relagio a alguns poucos casos, 0 contrério, ou seja, sua menor participa: Go na guetra) € até seus ganhos cm termos de politica exterior, O caso brasileiro serviré para pér & prova a funcionalidade do modelo tedrico exposto. Operacionalizando o Modelo para Andllse do Caso Brasileiro O primeico passo a ser dado é classificar 0 Brasil dentro do conjunto de lentes. Seria o pais um ator relevante no cenario intemnacio- nal ou estaria mais propriamente classificado como um dos muitos Estados exi Estados petiféricos? Em termos territoriais, o Estado brasileiro era idéntico ao que € nos dias atuais, configurando-se como um dos maiores pafses do mundo (mais de 8,5 milhdes de quilometros quadrados de superficie), ultrapassado ape- nas pela URSS, 05 Estados Unidos, o Canad ea China, Em termos popu- lacionais sua posigSo internacional cra menos impressionante, mas, ainda assim, o governo brasileiro exercia soberania sobre o maior contin- gente de pessoas em toda a América Latina (mais de 40 milhdes de habi- tantes em finsdos anos 30), estando bem préximo neste quesite das gran- les poténcias da Europa Ocidental (Reino Unido, Franga ¢Tkélia). Termi- navam aqui os atributos nacionais que poderiam fazer um incauto obser vvador pensar tratar-se de uma grande potencia o pafsem questo, Mesmo em termos populacionais, salta aos olhos o fato de que a maioria dos bra- sileiros era composta de analfabetosS, em um momento hist6ricoem que tum grau mfnimo de instrugio jé se fazia necessério para o perfeito fun- cionamento de uma economia industrializada. A propésito, era inques- tiondvel o status subindustrializado do pafs. Setenta por cento de sua po- pulagao estava ocupada em atividades primirias. A propria infra-estru- tura de transportes via terrestre era em grande parte inexistente, 0 que 56 muito apropriadamente levou um de nossos historiadores mili finir 0 Brasil da época como um arquipétago, dependente da navegagao de cabotagem para comunicagio ¢ comércio entre as densamente povoa- as zonas litordneas do norte ¢ sul do pats (Vidigal, 1985:88). O imenso interior ainda estava em grande parte subaproveitado e vazio, Em termos de estruturagio econdmica, 0 Brasil apresentava-se como uma tipica economia primério-exportadora, seguindo o padrio reinante em todo 0 continente ibero-americano. Dentre os principais produtos de exporta- ¢fo, Niguravamn agucar, humo, couto € peles, aigodao e, principalmente, café, que no petfodo 1934-1939 continuava respondendo por aproxima- damente 50% das exportagOes brasileiras em termos de valor (Buescu, 1977:155 ¢ 158). A despeito da industrializagdo ocorrida no entreguer- +s, 0 Brasil dependia do exterior para seu provimento de bens de capital edebens de consumo durdveis mais elaborados. Dentre estes, destacava- se toda a maquinaria bélica necesséria para a operagao eficaz clas Forgas Armadas da época, como avides, navios de superficie e submarinos, carros de combate € pecas de artilharia de grosso calibre. Em relagZo a todos esses apetrechos os brasileiros s6 podiam contar com as importa- ces dos patses industrializados, o que, diga-se de passagem, cra con- io Grande & Patag@nia. digo comum a todos os latino-americanos, do Em face dos atributos apresentados, niio resta davida de que Brasil fazia parte do conjunto de Estados periféricos, ainda que a locelizagao, distante dos peincipais contros produtives mundiais, escamoteasse um. pouco tal condigdo, pelo menos em tempos de paz. ‘Seguindo o esquema previamente delineado, eabe agora caracterizar a dependéncia econdmico-estrutural brasileira, ¢ em relagdo a qual pais central ela se manifestava mais fortemente. Um ripido exame dos niimeros relativos as trocas comerciais brasileiras é suficiente para responder a tal questo. Nos tiltimos anos antes do estalar da guerra na suropa, aproximadamente Y%4 das importagies € V/3 das exportagdes brasilciras foram realizadas com os norte-americanos. Nesse mesmo perfodo, a Alemanha, que adotava feroz ¢ militante politica comercial na 57 Vagner Camilo Alves ‘América Latina, respondcu por / das importagdes € pouco menos de Vs das exportagies brasileiras. Uma vez. que 0 bloqueio naval britanico tomau-se efetivo e 0 comércio com a Alemanha impossibilitado, a dependéncia em relagio aos EUA aumento sobremancira. Em 1941, (60 %das importagbes ¢ 57% das exportagdes brasileitas foram feitas com os norte-americanos (Hilton, 1977:217 ¢ 322). Ressalte-se que mesmo durante a disputa comercial entre as duas poténcias, antes da guerra na Europa, o comércio Brasil-Alemanha apresentava certa dependéncia ‘iitua, 0 que niio acontecia na relagao Brasil-Fstados Unidos. A falta de Givisas ea necessidade de aquisig&o de matérias-primas imprescindiveis ‘a um pafs industrializado (0 destaque era 0 algodiio) por parte da ‘Alemanha tornava a relago com os brasileiros pouco sujeita a pressdes ‘econdmicas por parte do pais mais forte. O café, produto supérfluo, era majoritariamente exportado para os Estados Unidos, pais em grande ‘medida autdrquico em suas principais necessidades agricolas ¢ minerais. Estes sim, tinham contiytes de excrcer presses sobre os brasileiros.eac0 quisessem, pressGes estas que seriam de dificil administrago caso ‘ocorressem durante os anos de guerra. Em termos estratégicos, © Brasil possufa grande importancia em um possivel conflito global, destacadamente para os Estados Unidos, tinica ‘grande poténcia existente no hemisfério ocidental, caso tivessem de cenfientar militarmente um poderoso adversério curopeu. Em ordem crescent, a importincia brasileira manifestava-se em fermos minerais, politicos e geogréticos. ‘A despeito da inexisténcia do mais cobigado produto mineral na presente fase do.capitalismo industrial (0 petr6teo), 0 terrt6rio brasileiro abrigava ‘uma quantidade substancial de produtos necessérios ao bom funciona~ mento de uma economia industrial de guerra, Berilo, cromita, minério de manganés, mica, cobalto, niquel e diamantes industriais erazn apeusn alguns dos itens de interesse dos Estados Unidos. Nos anos de 1941 ¢ 1942 acordos espectficos foram negociados entre os governos do Brasil 58 (© Brasil ea Segunda Guerra Mundial e dos Estados Unidos visando um fornecimenta regular desses minerais para os dltimos (Abreu, 197:228-229), Em termos politicos o Brasil era, indubitavelmente, o mais importante ‘Bstado latino-americano para os norte-americanos. Como maior pafs da regiiio —tanto em termos populacionais como territoriais era, econtinua sendo, metade de toda a América do Sul—eraimprescindivel ainclusio do Brasil na comunidade pan-americana que estava sendo orgenizada pelos Estados Unidos. Ancorada em pseudocomunalidades existentes entre todos 0s Estados americanos —republicanismo, valorizagao do in- ‘eremento comercial regional, respeito & soberania alfeia e ao principio da ndio-ingeténcia —, 0 pan-americanismo ¢ a politica de Boa Vizinhanga professada pelo governo norte-americanonos anos 30eram instrumentos, sutis e poderosos para consagrar a hegemonia dos Estados Unidos sobre todas as Améticas de uma forma pacifica e consentida pelos aliados subordinados. Deve-se frisar que a importancia intinseca desse objetivo se cobria da mais alta necessidade diante da possibilidade de enfrenta- ‘mento de poclerosos antagonistas no Velho Mundo em fataro no muito distante. De qualquer modo, uma vez aceita a necessidade de formar tal dade de poder no hemisfério ocidental, dentre os principais, aliado a ser ganho na América Latina, figurava o Brasil, seno o prime Finalmente temos,talvez, otrago mais importante para os norte-america- noe dentre todas as caractorfaticas cstentégicas brasilciras: a localizagéo gcografica do pais. Apesar do grande desenvolvimento da aerondutica no perfodo entreguerras, em fins dos anos 300 Oceano Atlintico ainda se configurava como uma formidavel barreira para a comunicago aérea programética entre o Novo e o Velho Mundo. Por uma série de fatores ‘éonicos ¢ climaticos, a chave para realizagio de vos transocefinicos Seguros estava na ulilizagdo das ilhas atldnticas ibérieas, especialmente Agores, e/ow na travessia do Oceano ao sul do Trépico de Cancer, em rea onde o Atléntico apresenta seu méximo estreitamento, entre a Africa Ocidental eo saliente nordestino brasileiro, A distancia em linha retaen- {teas principais bases aéseas continentais nesta iltima regio situa-se em 59 ‘Wagner Camilo tomo dos 3 mil ki. O nordeste brasileiro possufa, porisso, importantisima posigio para a comunicacio aérea transatlantic 0 que, convém ressaltar, era reconhecido antes mesmo do inicio da guerra (Wamer, 1938). Umma vez iniciado 0 conilito na Europa ¢ especialmente apés 0 armisticio as- sinado pelo govemo francés com alemifes ¢ italianos, em fins de junho de 1940, 0s 3 mil km que separavam Natal de Dakar, na Africa Ocidental francesa, passaram a atormentat os drigentes norte-americanos, nfo s6 em. termos de defesa hemisférica, mas também em relagio & protegfo dos interesses vitais do pats na regido. © general Marshall, chefe do Estado- Maior do Exército dos Estados Unidos, via comoum sérioriscoa seguranga norte-americana uma revolta dentro do Brasil, de inspiragiio nazista, que conseguiria apoio das vitoriosas forgas do Bixo, mobilizadas naquele mo- mento na Africa Ocidental francesa. A partir dali eles realizariam uma ccabega-de-ponte no litoral nordeste do Brasil, fomecendo todo 0 apoio material possivel aos revoltosos, nos mesmos moldes do ecorrido alguns anos antes naEspanha, durante a guerracivil. Uma vez.ganhooBrasil, bases aéreus no norte e nordeste do pafs podiam ser preparadas, possiilitando ataques 20 canal do Panam‘ em qualquer tempo. Essa preocupago defen- sivaé bem salientada neste plano de operagdes do Departamento de Guerra norte-americano, de abril de 1942: “A localizagio geogritica de Natal, juntamente com 0 fato de os tcrrenos vizinhos & cidade serem préprios para a consinugdo c aparelhiamento de aeropor- tos, tomam uma possfvel base aérea do Eixo nesta érea-chave potencialmente podcrosa no apenas para operagBos contra navegagiie comarria, mas tamhvn para operagoes contra a regio do Caribe e o canal do Panam, O controle © estabelecimento do [nosso] poder aéreo em Natal 6 pré-requisito para a defesa das costas norte ¢ leste da América do Sul contra ameagas do Bixo oriundas da, Buropa ou Africa.” (Desch, 1993:54) Nessa data, ontretanto, 0 interesse estratégico norte-americano no sa~ fiente nordestino j& maudara sua natureza primordial. Particularmente partir de 1942, a base aérea de Natal serviria como ponto base para o fomecimento de milhares de aeronaves de combate para britinicos © rusgos em luta contra 0 EixoS. Os avides atravessavam 0 A\tfintico voando e, chegando & Aftica Ocidental, percorriam a chamada rota 60 8 Segunda Guerra Mundial. “Takoradi”, no interior do continente, chegando a0 Cairo. Af podiam ser utilizados pelas forgas combatentes britinicas ou seguir viagem até alcangarem tropas aliadas mais distantes, lutando nas estepes ucranianas (soviéticos) ou no acidentado terreno birmanés (britdnicos). Devido a esse importante papel ma guerra, a cidade de Natal passaria para a pposteridade como o “trampolim para a vit6ria”. O interesse norte-ame- ricano passara a ser eminentemente ofensivo, utilizando parte do ter- ritdrio brasileiro estrategicamente localizado para inerementar 0 esforgo de guerra aliadlo antes mesmo da entrada formal dos Estados Unidos na guerra, De qualquer forma, & patente a elevada importéncia militar que © tervitério brasileiro tinha para os norte-americanos, tanto para prop6- sitos defensivos como ofensivos. Mesmo para a Alemanha a localizagio googrifica brasileira era rele- ‘ante, ¢as0 0 pais tivesse como projeto politico um imediato conflitocom 08 Estados Unidos apés sua vitéria contra Franga. Tema que enseja forte debate historiogrético, a realidade € que, em termos de diretivas, 0 mais a ocidente que a Alemanha hitlerista se programou a ir foi o cesquematizado na operacio Félix, que previa a tomada de Gibraltar ¢ a possivel ocupaciio das ilhas ibéricas de Cabo Verde, Agores ¢ Canarias, tudo com a anuéncia e provével auxilio dos espanhbis?. Prevista para novembro de 1940, tal operagdo teve de ser adiada devido & falta de apoio ‘espanhol para o projeto e a necessidade premente de auxilio alemtio a0 alindo italiano nos Baleds*, Nao convém, de fato, reeitar a possibilidade de uma aremetida alema em dirego ao Brasil simplesmente pela inexisténcia de planos militares neste sentido. f sabido que Hitler nfo programava suas ages militares com muita antecedéncia, ¢ um sucesso normalmente 0 levava a pensar em metas mais ousadas. Em 1941, centretanto, ano destinado ao esmagamentodo gigante soviético, as coisas nfo safram conforme o planejado © desejado em Berlim. Apesar de ocupar grande parte da Késsia europsia, nos meses finais do ano a ofensiva germanica estancou, ¢ teve até de fazer frente a contra-ataques soviéticos. A partir de enti, o front oriental consumiria a maior parte do 61 \Vagner Camilo Alves esforgo de guerra alemfo ¢ qualquer plano visando uma expansio _germénica 4 ocidente, quanto mais uma ofensiva em diregdo & América do Sul, pode ser entendido como simples quimera, Uma ver enquadrado o Estado brasileiro de acordo com modelo previamente apresentado, podemos partir para a empiria, analisando tres momentos segiienciais de nossa histéria e politica exterior, cada qual inserido em etapa diversa do conflito total ¢ global que gradativamente crescia em termos de intensidade e abrangéncia geografica. Da Diplomacia Comercial & DeclaragSo de Guerra Durante olustro imediatamente antecedente ao infciodo conflitona Europa, «em setembro de 1939, o mote em termos de politica exterior no Brasil era “g maximo de relagées comerciais ¢ 0 minimo de relagdes politicas com a Europa", © Brasil, durante todo o periodo, incrementou tremendamen- te suas relagdes comerciaiscom a Alemanha nazis ainda que se mantives- seem termes politicos estretamente ligado aos Estados Unidos —emtodas asconferéncias pan-americanas realizadas, adiplomacia brasileira foi sem- pre aquiescente as decisées tomadlas por Washington. Mesmo 0 comée- cio com os alemées, realizado sob bases neomercantilistas que feriam frontalmente as disposigSes do tratado comercial assinado pelos govemos brasileiro © norte americano em fovereiro de 1935 (Moura, 1980-73-90), nao tinha um caréter formal, expresso. Salvando as aparGncias, os brasilei- +0s, aptincipio, satisfaziam seus aliados estadunidenses. Toda essa situagio melhor compreendida se a observamos de uma perspectiva mais distante, através do panorama intemacional existente. ‘A Alemanha de meados dos anos 30 era carente de importantes matérias- primas, inexistentes em seu territ6rio mas necessétias ao funcionamento regular de seu pa ue industial, Tal situago era agravada por tr@s motivos: vivia-se uma grave crise econdmica internacional, com mereados sendo fechados, forte controle imperial exercido sobre 0 comércio com as col6- ez 0 Brasit@ a Segunda Guerra Mundial. nias, por aqueles paises que as possuiam, ¢ queda geral nos nimeros relativos 3s trocas comerciais intemacionais; os alemies no tinham

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