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Apoio:
Redação e organização:
Francisco Figueiredo de Souza
Coordenação:
Lisa Gunn, Daniela Trettel
Projeto Gráfico:
Guilherme Werner
Ilustrações:
Chico Linares, Flávio Castellan
Agradecimentos:
Esníder Pizzo, Vívian Santana,
Adhemar Mineiro (Rebrip/Dieese),
Márcio Pontual (Inesc)
PARTE 1
06 OMC: o que tem a ver?
08 Estrutura e funções
10 Um breve histórico
11 Os assuntos negociados
PARTE 2
A OMC entrou em funcionamento no dia Sociedade Civil e de grande parte dos cha-
1o de janeiro de 1995. Desde então, foram mados “países em desenvolvimento”
realizadas cinco conferências ministeriais. A contribuiu para que as negociações aca-
mais marcante talvez tenha sido a terceira, bassem novamente paralisadas. Havia, na
ocorrida em Seattle (EUA), no final de avaliação desses atores, um claro
1999. A insatisfação de cidadãos do mun- favorecimento às nações mais ricas do
do todo com o modelo de globalização mundo. Mas nem entre os mais poderosos
econômica representado e defendido pela houve acordo. A reunião também de-
OMC ficou clara nas ruas da cidade. Hou- monstrou que era crescente a articulação
ve massiva manifestação popular e uma de organizações e movimentos sociais de
forte repressão policial. O encontro – que todo o planeta em redes de ação e de
deveria lançar uma nova rodada de nego- monitoramento das negociações.
ciações – foi considerado um fracasso do
ponto de vista das expectativas dos nego- Os acordos foram retomados em um en-
ciadores. Nem entre os atores mais contro ministerial menos oficial realizado
poderosos houve consenso. Do ponto de em Genebra, em julho de 2004. E passam
vista dos que protestaram, consolidava-se agora por um momento crucial antes da
ali uma aliança mundial por uma outra próxima reunião de ministros, agendada
globalização. para ocorrer entre os dias 13 e 18 de de-
zembro, em Hong Kong.
Dois anos depois, a conferência ministerial
ocorreu em Doha, no Catar, onde os minis- Estudos e textos políticos de diversas orga-
tros tentaram isolar-se dos protestos. nizações têm mostrado que, após 10 anos
Finalmente, uma nova rodada foi lançada, de vigência, as promessas feitas no lança-
e recebeu o nome de “Rodada do Desen- mento da OMC não foram cumpridas. A
volvimento”, devido às preocupações Organização não colaborou para o desen-
centrais que, em tese, deveriam guiá-la. volvimento dos países mais pobres, para a
diminuição da desigualdade ou para a
No Encontro de Ministros que veio a seguir, melhoria das condições de vida das popu-
em Cancun (México-2003), a pressão da lações menos favorecidas.
Dentro da OMC, vários assuntos são tratados. Parte das negociações na OMC gira em tor-
Acordos sobre temas específicos costumam ser no da redução de tarifas, que são os
chamados por uma sigla, derivada de seu impostos que os governos cobram dos pro-
nome em inglês. No momento, os que mere- dutos importados. Em tese, com tarifas
cem mais atenção dos negociadores estão menores, haveria mais liberdade para a
ligados à Agricultura (AoA), aos Serviços competição no mercado internacional.
(GATS) e aos chamados bens não-agrícolas Outro assunto importante para as negoci-
(NAMA). Discutem-se também maneiras de su- ações diz respeito às políticas adotadas
postamente favorecer as nações mais pobres pelos governos que interferem no comércio
por meio do comércio, entre outros assuntos. internacional. É o caso do apoio dado pe-
los países ricos aos seus agricultores, ou as
Na Rodada Uruguai, anterior a atual, outros leis que limitam a participação de empresas
temas também redundaram em acordos, com estrangeiras em certos negócios.
conseqüências diretas para o consumidor bra-
sileiro. Foram definidos compromissos em As negociações não são fáceis porque a
investimentos, produtos têxteis, propriedade competição de produtos importados pode
intelectual (acordo conhecido como TRIPS) e levar à falência certos setores em cada eco-
barreiras sanitárias, entre outros assuntos. nomia. Permitir sem o devido planejamento
a livre entrada de sapatos chineses no Bra-
Durante os anos de GATT, prévios ao estabe- sil, por exemplo, poderia diminuir o
lecimento da OMC, as negociações sobre as número de vendas e os empregos da indús-
tarifas de bens industriais eram preponderan- tria nacional de calçados. Quase sempre há
tes. Por muitos anos, os países ricos evitaram grupos que reagem à abertura, e nem sem-
discutir a abertura comercial do setor agríco- pre é fácil para os governos justificar esses
la, e seu poder era suficiente para barrar cortes, mesmo quando outros setores be-
qualquer discussão. Na OMC, no entanto, neficiam-se, ocupando novos espaços em
tem funcionado uma regra que pretende fa- outros mercados.
zer com que negociações em diferentes
setores, incluindo o de agricultura, caminhem Outra dificuldade está relacionada com o
ao mesmo tempo. Esse mecanismo facilita a número de países, muito maior agora do
barganha de interesses entre países. que nas negociações do antigo GATT.
Mas qual o efeito das medidas? Alguns países têm mais poder inclusive na hora em
que decidem ignorar as regras. Quem pode forçá-los a cumprir o acordo? Até o
momento, isso não foi possível. Por esse motivo, as “vitórias” têm servido mais como
instrumento de negociação do que como “dentes” reais, que pudessem “morder” os
que descumpriram as regras.
O ciclo de negociações atual é denomina- água. Cada vez mais se percebe que esse
do “rodada do desenvolvimento”. Há tipo de crescimento tem limites, e que
algum tempo, os países são classificados desrespeitá-los ameaça a própria espécie
em três categorias: “desenvolvidos” (EUA, humana.
União Européia e Japão podem ser conside-
rados os principais), “em desenvolvimento” Quanto à classificação de “país em de-
(Brasil, Índia e Colômbia, entre outros) e senvolvimento”, ela transmite a idéia de
“menos desenvolvidos” (Angola, Birmânia que algum dia chegarão onde estão os
e Haiti, para citar três). Muitas das posi- “desenvolvidos”. É antiga a concepção
ções são similares entre aqueles que de que todas as nações passam pelos
pertencem aos mesmos blocos. Mas, afi- mesmos estágios – estaríamos, portanto,
nal, o que “desenvolvimento” quer dizer? um passo atrás na linha do tempo. Mas
isso não parece ser verificável na prática.
No contexto da OMC, é de desenvolvi- O padrão de consumo dos países “de-
mento econômico que se está falando. senvolvidos” requer tantos recursos
Ou de “progresso técnico”, por vezes naturais que não seria possível estendê-
confundido com desenvolvimento. De lo a todos sem comprometer o planeta.
acordo com a teoria econômica que ba- E há de se perguntar se todos os povos
seia a concepção da OMC, isso significa querem esse mesmo padrão de desenvol-
geração de riquezas, de preferência em vimento dos chamados países ricos.
ritmo constante. Ou seja, maior produ-
ção e maior consumo. Mesmo no sentido estritamente econô-
mico, o discurso do desenvolvimento
Já falamos, em outro item, sobre as con- não parece passar de retórica. A declara-
tradições entre consumir mais e viver ção de Doha reconhece, por exemplo, a
melhor do ponto de vista dos consumido- importância da segurança alimentar e da
res. Há, ainda, a questão dos recursos assistência à saúde. Mas questões como
naturais que se tornam escassos com o essa são negligenciadas dentro do atual
aumento da produção, como é o caso da jogo de forças.
É fato que as políticas dos países ricos que é preciso, novamente, considerar as brutais
permitem aos seus agricultores exportar a diferenças de poder político e econômico
um preço menor do que os custos de pro- existentes entre os países.
dução (os chamados subsídios às
exportações) causam distorções no comér- Há algum tempo o Brasil tem ocupado
cio mundial. Muitas organizações da uma posição de destaque na OMC, princi-
sociedade civil apóiam o esforço do gover- palmente devido aos interesses do setor
no brasileiro, à frente de muitos outros, agropecuário. As exportações brasileiras de
para diminuir essa desigualdade. No en- soja, carne bovina, suco de laranja e outros
tanto, a negociação vem exigindo produtos que demandam intensivamente
concessões por parte do Brasil, que preci- recursos naturais são bastante competitivas
sam ser avaliadas. internacionalmente, e têm ajudado a ga-
rantir saldos positivos na balança comercial
Em linhas gerais, o Brasil tem posições do país nos últimos anos. Por isso, é co-
ofensivas – interesse de abrir mercados – mum ouvirmos que uma maior abertura
em temas agrícolas, e posições defensivas dos mercados mundiais às exportações
– interesse de defender o mercado interno brasileiras seria positiva.
– em temas que envolvem serviços e indús-
tria. Há exceções a essa classificação, que Esse modelo econômico, no entanto, tem
costuma valer para uma série de países suas conseqüências. E os impactos sociais
“em desenvolvimento”. e ambientais das mudanças propostas no
regime comercial não têm sido considera-
O que se vê na OMC, portanto, é uma bar- dos adequadamente. Estudo recentes1
ganha: o país oferece abertura em setores indicam que a ampliação da área plantada
que interessam a outros, e procura conse- de soja e a demanda por pastagens para a
guir desses outros facilidades às suas pecuária pressionam o desmatamento da
exportações. Mas o jogo não é tão simples: Amazônia brasileira. A tendência é haver,
Nas discussões da OMC, há mais do que discutidos no âmbito do Acordo Geral so-
acesso a mercados. Há direitos em jogo. bre o Comércio de Serviços (GATS). O
Principalmente, direitos a serviços básicos, texto do GATS indica que ele pretende
como saúde, educação, água e saneamen- atingir níveis progressivamente mais altos
to básico, que estão envolvidos com de liberalização do comércio nessa área
mercadorias passíveis de negociação. Nes- por meio de rodadas sucessivas de nego-
ses casos, deixam de ser um direito, e ciações. Por mais que, em tese, o acordo
passam a ter o acesso regulado pela renda ressalve a necessidade da preservação da
– ou seja, pela capacidade de compra de autoridade pública, o conceito nem sem-
cada um. Além disso, muitos dos serviços pre é claro e pode ser exercido.
que as negociações envolvem também são
estratégicos para o desenvolvimento social O GATS está orientado para facilitar a
e econômico, como as telecomunicações. atuação do livre mercado nos serviços, e
não para identificar como, em contextos
A autoridade dos governos deriva dos cida- variados, a ação pública e privada pode-
dãos, e não do mercado ou dos negócios. ria ser coordenada para realizar direitos
A comunidade internacional deveria ter o e promover o bem-estar. Sua prioridade
poder de decidir em que medida o comér- é universalizar as regras liberalizantes,
cio e o investimento em serviços deveriam uniformizando-as em todos os países,
subordinar-se a uma plataforma de direi- para dar previsibilidade e garantias aos
tos, que expresse uma base democrática investidores. Mas as regras universais ig-
para regulação e disponibilização de servi- noram que há diferenças culturais, de
ços essenciais. desenvolvimento e de prioridades, deter-
minadas pelo processo político em
Dentro das negociações da OMC, a maio- diferentes nações, e mesmo entre regiões
ria dos temas relacionados aos serviços são do mesmo país.
O governo engessado
A chamada “Medida Provisória do bem”, publicada pelo governo brasileiro
em 16 de junho de 2005, teve que ser revista e foi motivo de polêmica entre
especialistas em direito comercial porque algumas das estratégias adotadas
poderiam ser ilegais em relação a compromissos assumidos na OMC. A MP,
adotada pelo governo Lula no início da divulgação de suspeitas de
irregularidade, foi proposta pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria
e Comércio. Entre outras ações, procurava desonerar de tributos as compras
de bens de capital (máquinas e equipamentos utilizados para a produção
de outros bens) feitas por setores voltados à exportação. Seu objetivo:
estimular as exportações, e o crescimento econômico do país.
Diante de todo o exposto, podemos dizer e por outros motivos que dificilmente po-
que a maioria dos consumidores mal pode dem ser individualizados. O debate sobre
saber o que ocorre em negociações que a OMC reflete, no fundo, discussões so-
afetam, concretamente, suas vidas. Por um bre qual modelo de desenvolvimento
lado, isso reflete a falta de transparência do queremos.
processo, e o fato de que, desde os seus
princípios, a OMC não está voltada a ouvir Outros atores sociais podem privilegiar
essa voz. Por outro lado, há a enorme difi- abordagens diferentes em relação ao
culdade em acompanhar um debate que tema. Jornalistas e comunicadores, por
em geral é apresentado de uma maneira exemplo, devem levar em conta que não
técnica, distante de nosso cotidiano. Man- são apenas os empresários e os governos
ter-se a par do que se passa depende de um que precisam ser ouvidos em matérias re-
conhecimento prévio, e esperamos que lacionadas ao comércio internacional.
este material sirva como referência para o Consumidores, trabalhadores, organiza-
acompanhamento das informações. ções e movimentos sociais também tem o
que dizer.
Estar informado é importante, mas é só
uma parte da resposta. Além disso, o que Como cidadãos, podemos nos organizar
fazer? Não há uma estratégia única. O es- e planejar o envio de cartas, postais ou e-
forço envolve mobilizar, protestar e, ao mails aos negociadores. Podemos
mesmo tempo, tentar influenciar os nego- também programar e participar de protes-
ciadores por mudanças, lutar por tos, contatar os meios de comunicação de
transparência e pela possibilidade de parti- nossas cidades e procurar envolver mais
cipação. Dada a amplitude do tema, o Idec pessoas no debate.
procura atuar em redes, junto a outras or-
ganizações da sociedade civil. Essa parece Voltando ao nosso “lado” consumidor, há
uma estratégia recomendável para as orga- alguns direitos que devemos ter em men-
nizações, especialmente em um tema tão te quando lidamos com questões
amplo e complexo. Os acordos nos afetam relacionadas a acordos comerciais. A se-
também como trabalhadores, por exemplo, guir, apontamos alguns deles:
5. À representação
6. A um ambiente saudável