You are on page 1of 185
Alfred Benjamin A ENTREVISTA DE AJUDA Tradugéo URIAS CORREA ARANTES Revisdo ESTELA DOS SANTOS ABREU Martins Fontes SGo Paulo 2008 Indice Introdugao do editor 11 Preficio 15 I. Condigées 19 Fatores externos eatmosfera 20 Asala 20 Interrupgées 22 Fatores internos e atmosfera 23 Trazer-se a si mesmo; desejo de ajudar 23 Conhecer a si mesmo; confiar nas préprias idéias 25 Ser honesto, ouvir eabsorver 26 Mecanismos de enfrentamento vs. mecanismos de defesa 28 2.Estagios 29 Abrindo a primeira entrevista 30 Iniciada pelo entrevistado 31 Iniciada pelo entrevistador 33 Explicagao de nosso papel 34 Emprego de formuldrios 35 Ofator tempo 36 Trés estagios principais 39 Abertura ou colocagao do problema 39 Desenvolvimento ou exploragao 41 Encerramento 51 Estilos de encerramento 54 3. Filosofia 59 Minha abordagem pessoal 59 Tipo de mudanga desejado 60 Como estimularamudanga_ 61 Desempenho de um papel ativoe vital 62 Demonstragdao de respeito 66 Aceitagao do entrevistado 66 Compreensdo 69 Conseguir empatia 75 Humanizar aesséncia 80 4. O registro da entrevista 83 Anotagées 83 Abordagens diferentes 83 Alguns “ndo faga” 85 Honestidade essencial 86 Gravagado 87 5.Apergunta 9] Questionando apergunta 91 Perguntas abertas vs. perguntas fechadas 93 Perguntas diretas vs. perguntas indiretas 96 Perguntas duplas 97 Bombardeio 99 Situagdo invertida 102 Perguntas do entrevistado sobre outras pessoas 104 Perguntas do entrevistado sobre nds 106 Perguntas do entrevistado sobre elemesmo 107 “Por qué?” 109 Reflexdesfinais 116 Como utilizar as perguntas 117 Quando utilizar as perguntas 118 6.Comunicagéo 123 Defesase valores 123 Autoridade como defesa 127 Resultados de teste como defesa 129 Julgamento como defesa 130 Tratando com obstaculos 131 O quanto vocé fala 132 Interrupgdes 132 Respostas 134 Forgas efacetas 134 Um itil teste de comunicagdo 134 Quando o entrevistado nao quer falar 135 Preocupac¢ao consigo mesmo 137 Fornecendo informagées de que o entrevistado necessita 139 7. Respostas e indicagées 143 (Uma lista graduada de respostas e indicagées do entrevistador, partindo das centradas no entrevistado, passando gradualmente aquelas enfocadas no entrevistador, e dat para as autoritdrias, concluindo com o emprego franco da autoridade.) Respostas e indicagdes centradas no entrevistado 146 Siléncio 146 “Ahn-han” 147 Repetic¢ao 149 Elucidagdo 151 Refletir 153 Interpretagado 156 Explicagdo 158 Orientagdo paraa situagdo 159 Explicagdo de comportamento 160 Explicagdo de causas_ 161 Explicagdo da posigao do entrevistador 162 Respostas e indicagées centradas no entrevistador 163 Encorajamento 163 Afirmagao-reafirmagao 165 Sugestao 167 Aconselhamento 168 PressGo 175 Moralismo 179 Respostas e indicagées autoritdrias 183 Concordancia—discordéncia 185 Aprovagao-desaprovagado 186 Oposigdo e critica 187 Descrédito 188 Ridicularizagdo 189 Contradigao 190 Negagaoerejeigao 191 O uso aberto da autoridade do entrevistador 192 RepreensGdo 193 Ameaga 194 Ordem 195 Punigdo 195 Humor 196 Despedida 199 Bibliografia complementar 203 1. Condigées Ha algum tempo, eu estava quase chegando a minha casa, depois de um dia de trabalho, quando um estranho se aproxi- mou de mim e perguntou se eu conhecia uma determinada rua que ele estava procurando. Apontei-lhe a direcao: “Desga direto e depois tome a sua esquerda.” Certo de ter sido entendido, con- tinuei caminhando. Notei, entéio, que o desconhecido estava caminhando na dire¢ao oposta aquela que lhe indicara: “O senhor esta indo na diregao errada.” “Eu sei, respondeu ele, mas ainda nao estou totalmente convencido.” Fiquei perplexo. Ali estava eu. Por muitas e muitas vezes havia tentado salientar para meus alunos que cada um possui um espaco vital proprio, que cada um é unico, e que podemos ajudar melhor os outros capacitando-os a fazer aquilo que eles proprios desejam profundamente. Aquele homem me pedira uma infor- magao. Eu a dera do melhor modo que me era possivel. Ele a entendera — pelo menos eu tinha certeza disso. Mas tudo isso nao fora suficiente para mim. Ainda bem que nenhum dano ocorrera. Ele me dissera que ainda nao estava muito certo, e era isso mes- mo. Mas, eu estava intrangiiilo. Como é fragil a areia que nos serve de base! Como precisamos ter cuidado para nao ajudar demasiado, ou ajudar a ponto de interferir onde nao nos querem ou necessitam! Tecnicamente nao se tratava de uma entrevista de A entrevista de ada ajuda, é claro. Mas que importancia tinha isso? Sempre seremos principiantes, pensei comigo mesmo enquanto abria a porta de minha-casa — percebendo, admito, que eu era um deles. Muitos elementos ajudam a configurar a entrevista de ajuda. E preciso comegar por algum lugar, e as condigdes favo- raveis que gostariamos de criar para a entrevista sio um ponto de partida conveniente — condigGes destinadas a facilitar e a nao atrapalhar o didlogo sério e intencional no qual nos engajare- mos logo que o entrevistado chegue. Ele ainda nfo chegou, e isso é um pouco reconfortante porque, na verdade, temos medo dele — nao realmente dele, pois nao sabemos nada, ou muito pouco, sobre ele, mas de nossa interagao com ele, e dele conos- co. Estamos um pouco ansiosos. A medida que tomamos maior consciéncia dessa inquietagao, podemos comegar a relaxar um pouco. Agora, pelo menos, sabemos como nos sentimos. Nao sabemos como ele se sente, mas ousamos supor que se sente mais ou menos como nds mesmos, se nao pior. Logo ele estara aqui. O que podemos fazer para tornar esta entrevista tao util para ele quanto possivel? Nao estou sugerin- do que quando tivermos mais pratica, e a entrevista ja estiver integrada a nossa rotina cotidiana, continuaremos a passar pelo mesmo estado de tensio. Porém, estou certo de que tanto as condi¢6es externas, como as internas, que criamos para o entre- vistado, antes de sua chegada e enquanto esta conosco, sao de grande importancia. A atmosfera resultante, se lograrmos nos- sos objetivos, sera intangivel, mas ainda assim sentida pelo entrevistado durante a propria entrevista, ou entio ele se dara conta disso talvez retrospectivamente. Fatores externos e atmosfera Asala E dificil especificar as condigdes externas, pois 0 modo como vocé organiza e decora sua sala é uma questo de gosto e, 21 Condigées__ as vezes, de necessidade — a de arranjar-se com 0 que possa conseguir. Estou supondo que vocé tenha uma sala. Certa vez ajudei a instalar um centro de reabilitago em Israel. Os prédios estavam longe da fase de acabamento, mas os encarregados queriam agao imediata, e nos telegrafaram dizendo: “Entrevis- tas podem ser feitas em barracas.” Telegrafamos em resposta: “Enviem barracas.” De fato, uma entrevista de ajuda pode ser realizada em quase todos os lugares, mas em geral imaginamos que acontega em uma sala. Nunca fui capaz de dizer a alguém como deveria ser 0 aspecto dessa sala. A tinica coisa que posso afirmar é que nao deve parecer ameagadora, ser barulhenta ou provocar dis- tragdes. O que nela se encontra, dela faz parte, e o entrevistado se adaptara a isso. Em circunstancias normais, nada que faga parte do equipamento do entrevistador profissional precisa ser escondido. O que ndo queremos que o entrevistado veja — fi- chas de outros clientes, anotagdes de outros estudantes, eletro- cardiogramas de outros pacientes, os restos de nosso almogo — pode ser tirado da sala antes que o entrevistado entre. A atmos- fera profissional de uma sala nao precisa ser camuflada. Afinal de contas, o entrevistado sabe que esta diante de um profissio- nal, e esse tipo de sala podera até mesmo ajuda-lo a focalizar o assunto sobre que deseja falar. Nosso objetivo é proporcionar uma atmosfera que se mos- tre mais propicia 4 comunicagao. Cada entrevistador decidira sobre como chegar a isso. A sala também tem de ser adequada a ele, j4 que permanecera nela grande parte do tempo. Caso se sinta melhor com uma mesa desarrumada, suponho que isso nao incomodara a maioria das pessoas, a menos que comece a remexer em seus papéis enquanto o entrevistado esta falando. Quanto as roupas que o entrevistador usara, tudo 0 que posso sugerir € que devem ser apropriadas. Também aqui cada um deci- dira 0 que isso significa para ele. Além do mais, ninguém pode adivinhar ou satisfazer as expectativas de todos os entrevista- dos, restando portanto ao entrevistador assumir sua propria per- sonalidade e padrées profissionais minimos. A entrevista de ajuda A questao de como dispor as cadeiras surge com freqiién- cia. Na maioria das vezes estaio envolvidas somente duas pes- soas e, habitualmente, é 0 entrevistador quem decide onde am- bos irao se sentar. Até onde sei, também aqui nao ha uma res- posta definitiva. Alguns entrevistadores preferem sentar-se atras de uma mesa, olhando o entrevistado de frente, e acreditam que essa disposigao é desejavel para ambas as partes. Outros se sen- tem melhor quando encaram o entrevistado sem uma mesa entre eles. Ha ainda os que preferem duas cadeiras igualmente confortaveis, proximas uma da outra, num Angulo de noventa graus, com uma mesinha por perto. Essa disposigao € a que melhor funciona para mim. O entrevistado pode me fitar quan- do quiser, e em outros momentos pode olhar para a frente, sem me ver em seu caminho. Também eu me sinto a vontade. A mesinha proxima preenche suas fungdes normais e, se desne- cessaria, também nao incomoda ninguém. Interrup¢des As condigdes externas que podem e devem ser evitadas incluem interferéncias e interrupgGes. Neste ponto, sou intransi- gente. A entrevista de ajuda é exigente para ambas as partes. Do entrevistador exige, entre outras coisas, que se concentre o mais completamente possivel no que esta acontecendo ali, criando desse modo a relacao e aumentando a confianga. As interrup- ges externas sO servem para prejudicar. Chamadas telefOnicas, batidas 4 porta, alguém que quer dar “uma palavrinha” com vocé, secretarias que precisam de sua assinatura “imediatamen- te” num documento — tudo isso pode destruir em segundos aqui- lo que vocé e 0 entrevistado tentaram criar num tempo conside- ravel. A entrevista de ajuda nao é sagrada, mas é pessoal e mere- ce e necessita 0 respeito que desejamos mostrar ao proprio en- trevistado. Ponderado este fato, encontraremos um modo de obter a cooperagao necessaria de nossos colaboradores. Muitos entrevistadores costumam colocar um aviso na porta: “Favor nao perturbar”, ou algo parecido. Apesar de sua Condigées 23. utilidade, podera assustar 0 entrevistado seguinte, que esta es- perando, ou, no minimo, torna-lo mais ansioso do que ja esta. A equipe de auxiliares normalmente coopera, se tem conhecimen- to do que isso representa e se foi informada de que vocé esta entrevistando. Precisamos mais de comunicagao que de avisos. Fatores internos e atmosfera Nao acho que seja mais facil ser especifico a respeito das condigGes internas mais favoraveis a entrevista de ajuda. Con- tudo, acredito que essas sao mais importantes para o entrevista- do do que todas as condigées externas reunidas, pois as internas existem em nés, o entrevistador. Trazer-se a si mesmo; desejo de ajudar A questao é: 0 que trazemos conosco, dentro de nds, a nos- so respeito, que possa ajudar, bloquear ou nao afetar o entrevis- tado, de um modo ou de outro? Aqui, novamente, nao disponho de respostas, mas quero apontar duas condig6es ou fatores in- ternos que considero basicos: 1, Trazer para a entrevista precisamente tanto de nés mes- mos quanto sejamos capazes, detendo-nos logicamente no pon- to em que isso possa constituir obstaculo ao entrevistado ou ne- gar a ajuda de que ele necesita. 2. Sentir dentro de néds mesmos que desejamos ajuda-lo tanto quanto possivel, e que nada naquele momento é mais importante. O fato de mantermos tal atitude permitird que ele, no decorrer da entrevista, tome consciéncia disso. Trata-se de ideais que raramente realizamos por completo, mas quando o entrevistado percebe que estamos fazendo o me- lhor que nos é possivel nesse sentido, isso vai ter muito signifi- cado para ele e acabard sendo util. Embora nem sempre ele seja capaz de formula-lo, provavelmente levara da entrevista — se 24 _ A entrevista de ajuda nada mais concreto — 0 sentimento de que pode confiar em nos como pessoas € a conviccao de que 0 respeitamos como tal. A confianga do entrevistado no entrevistador e a convicgao de que aquele o respeita representam, evidentemente, apenas uma parte da finalidade da entrevista de ajuda, seja ela entre professor e aluno, chefe e operario, médico e paciente, seja entre terapeuta em reabilitagao e cliente; porém, sem isso, muito pouco de realmente positivo sera alcangado. Declaragées cate- goricas como “Pode confiar em mim”, ou “Eu o respeito inteira- mente”, sem duvida nao ajudarao, se o entrevistado nao as sentir como verdadeiras. Por outro lado, se confianga e respeito mutuo esto claramente presentes na entrevista, e isso é sentido por ambas as partes, nao havera necessidade de expressao verbal. Acredito que os que ensinam e escrevem sobre 0 campo das relagdes interpessoais se referem basicamente a isso quando falam de “contato”, boa “‘relagdo” e bom “relacionamento”; e agora devemos considerar a atmosfera que propicia essas coisas. Essa atmosfera intangivel talvez seja particularmente determinada pelo interesse que sentimos e mostramos pelo que o entrevistado esta dizendo, e pela compreens4o dele, de seus sentimentos e atitudes. Comunicamos todas essas coisas, ou sua auséncia, de muitas formas sutis, das quais o entrevistado pode ter mais consciéncia que nds mesmos. Nossa expressado facial revela muito. Movimentos e gestos completam o quadro, apoiando, negando, confirmando, rejeitando ou embaracando. O tom de nossa voz é ouvido pelo entrevistado, e o faz decidir se existe confirmacao de nossas palavras, ou se essas nado pas- sam de uma mascara que o tom de voz revela, sussurrando: “Logro, fingimento, cuidado!” Para melhor ou para pior, esta- mos expostos ao entrevistado, e quase tudo o que fazemos ou deixamos de fazer é anotado e pesado. E, assim, retornamos a nos proprios. O que levar de nds mesmos para a entrevista? Somos 0 unico termo conhecido da equacdo. De certo modo, é disso que tratam os capitulos se- guintes. Para além de nossa suposta competéncia profissional, 25 Condigdes certas condigées internas ou atitudes podem nos auxiliar. Co- nhecer-se, gostar de si prdprio, sentir-se bem consigo mesmo, é uma dessas condig6es. Conhecer a si mesmo; confiar nas préprias idéias Seja ou nao um lugar-comum, acredito que quanto mais nos conhecemos, melhor podemos entender, avaliar e controlar nosso comportamento e melhor compreender e apreci.r 0 com- portamento dos outros. Quanto mais familiarizados com nos mesmos, menor a ameaga que sentimos diante do que encontra- mos. Podemos ate mesmo chegar a ponto de gostar de algumas coisas nossas e, portanto, tolerar melhor aquelas de que nao gostamos nada ou so um pouco. E, entao, quanto mais prosse- guimos no exame e na vontade de descobrir, é possivel que con- tinuemos mudando e crescendo. Voltados para nds mesmos, podemos nos sentir 4 vontade conosco e, assim, sermos capazes de ajudar os outros a se sentirem bem consigo mesmos e conos- co. Além disso, porque estamos bem com 0 nosso se/f, menor sera a tendéncia deste a interferir em nossa compreensio do self do outro durante a entrevista. Essa atitude ajudara o entrevistado a confiar em nds. Ele sabera quem somos, posto que nés, aceitando o que somos, nao teremos nenhuma necessidade de nos esconder sob uma masca- ra. Ele sentira que nado estamos nos escondendo e, conseqiiente- mente, se escondera menos. Sentir-se-a querido e pode corres- ponder ao nosso sentimento, talvez sem saber que realmente po- demos gostar dele porque nos sentimos bem com nés mesmos. Estou sugerindo que nossa presenga necessaria na entrevista nao precisa ser uma carga pesada, que nao precisamos estar preo- cupados conosco, mas que podemos nos concentrar integral- mente no entrevistado. Podemos estar liberados para escutar, tentar compreender tanto quanto possivel, tentar descobrir o que é sentir como ele sente — em resumo, estar realmente inte- ressado, porque nada em nds se interpde no que vem dele. ____ A entrevista de ajuda Nunca atingiremos por inteiro esse objetivo, mas ¢ tentando que podemos chegar mais perto. Confiar em nossas proprias idéias e sentimentos constitui outra importante condigao interna. Relativamente bem com nds mesmos, e concentrados no entrevistado, descobriremos que idéias e sentimentos emergirao em nds. Devemos ouvir cuida- dosamente essas idéias e sentimentos, assim como os que nas- cem do entrevistado. Dependera sempre de nos decidir se, quan- do e como expressd-los. Acredito que uma vez estabelecidos a confianga e o respeito, exprimir sentimentos e idéias como nos- sos, sem comprometer 0 entrevistado, pode ajudar mais do que embaracar. Suponho que tal comunicacéo nossa obviamente ocorrera quando o entrevistado nao se sentir ameagado por ela, quando estiver pronto para ouvi-la, e tiver seguranga de nosso respeito continuo, sem importar 0 que faga com nossos senti- mentos e idéias expressados. Em minha opiniao, isto nao impli- ca lhe dizer o que fazer. Nao o fariamos, mesmo que perguntas- se. Antes, tal comunicagao nos ajuda a desempenhar o papel de um agente ativo, cooperativo e presente, durante a entrevista. Ser honesto, ouvir e absorver Segue-se logicamente uma outra condi¢ao interna: hones- tidade com nds mesmos para sermos honestos com ele. Se nao ouvimos ou entendemos alguma coisa, se, absortos, nao 0 escu- tamos, se tomamos consciéncia de que nao estavamos inteira- mente com ele, é muito melhor dizé-lo do que agir como se tivéssemos prestado atencao, afirmando que ele nao foi claro ou pretendendo que o que perdemos provavelmente nao tinha importancia. Penso que a maior parte dos entrevistados sente-se melhor com entrevistadores que Ihe parecem seres humanos faliveis. Torna-se mais facil, assim, revelarem sua propria fali- bilidade. A honestidade reciproca desta natureza pode incluir, as vezes, dizer ao entrevistado que nao temos a solugao para sua Condigaes 7 27 dificuldade. Em vez de inibi-lo, tal franqueza pode encoraja-lo a enfrentar sua situagao mais vigorosamente. Novamente estou admitindo que nos aceitamos 0 suficiente para nado termos ne- cessidade de parecer aos outros como todo-poderosos, onis- cientes e proximos da perfeicdo. Aqui estou preocupado antes de mais nada com a integridade em relagao a nds mesmos. Obviamente, cada um tera de decidir 0 ponto em que se situa a fronteira entre a honestidade e a imprudéncia. Por exemplo, podemos sentir sinceramente que o entrevistado ¢ arrogante ou dependente, mas talvez nao seja adequado ou util dizé-lo dessa forma, ou talvez seja melhor nem dizé-lo. Uma observacio final. Muitas vezes os observadores prin- cipiantes esto tao preocupados com o que irdo dizer em segui- da que tém dificuldade em ouvir e absorver 0 que esta aconte- cendo. Nao é uma atitude benéfica, embora compreensivel. Tal- vez leve algum tempo descobrir que, em geral, o que dizemos ¢ muito menos importante do que nos parece. Quando comega- mos, podemos estar tao entusiasmados que nossa propria ansie- dade interfere no processo. Podemos estar tao inseguros que precisamos provar que estamos confiantes. Nao conhego remé- dio para isso, exceto paciéncia e autoconsciéncia. O entrevista- do em geral nos mostraré o caminho certo — se 0 permitirmos. Lewin (1935) e outros autores falam do espaco vital que cada um de nés ocupa. O que tenho tentado dizer se resume nisso: parece-me que, ao entrevistar, o melhor é agir de modo a nao impormos nosso espago vital ao entrevistado, confundir o nosso com o dele; e nos comportarmos de forma a capacita-lo a explorar seu proprio espaco vital em razio da nossa presenga, € nao apesar dela. Sentindo confianga e respeito, ele podera lan- car-se nessa exploracdo como nunca tentara antes — uma nova experiéncia para ele, portanto, e que pode enriquecé-lo para além do que dizemos ou deixamos de dizer. 2B a a A entrevista de ajuda Mecanismos de enfrentamento vs. mecanismos de defesa Sigmund Freud (1955, 1936) e sua filha Anna (1946) nos propiciaram insights inovadores sobre os mecanismos de defesa — coisas que fazemos inconscientemente para proteger nosso ego. Mais recentemente, pesquisadores do comportamento humano salientaram os mecanismos de enfrentamento — coisas que fazemos conscientemente para satisfazer as imposigdes da realidade (Maslow, 1954; Wright, 1960; White, 1963). Sem ne- gar a importancia vital das defesas, afirmam que por vezes é possivel confrontar-se, por exemplo, com o desapontamento, em lugar de reprimi-lo ou racionaliza-lo. No tipo de atmosfera que descrevi acima, pode ser possivel ao entrevistado enfrentar a realidade ao invés de defender-se dela, nega-la ou distorcé-la até ficar irreconhecivel. Todos conhecem a velha fabula da raposa que desejava re- galar-se com algumas uvas de suculenta aparéncia. Ao desco- brir que estavam fora de seu alcance, decidiu que as uvas esta- vam verdes. Nao admitindo que lhe faltavam as necessarias ha- bilidades ou instrumentos, e depreciando a qualidade das uvas, a raposa nos da um exemplo tipico de mecanismo de defesa. Enfrentar, pelo contrario, é encarar os fatos e decidir, entao, o que fazer com eles. Se pudermos criar uma atmosfera em que 0 confronto seja alcangado, nossa entrevista de ajuda podera aju- dar mais do que se pode prever. 2. Estagios Finalmente chegou o grande dia. Pode nao parecer tao gran- de para vocé no momento, mas logo estara terminado, e sua pri- meira entrevista se tornard parte de seu passado. O entrevistado esta esperando do outro lado da porta. E veio, apesar do mau tempo. Vocé esperava que nao... mas, agora, esta alegre por ele se encontrar aqui. Afinal esse ¢ 0 momento pelo qual esperou. Vocé leu, estudou, praticou — tudo isso ou apenas parte — e 0 momento de agir ai esta. Ao se aproximar cautelosamente da porta para recebé-lo, sente tudo se esvaindo — tudo 0 que vocé aprendeu sobre desenvolvimento humano, psicologia da perso- nalidade, meio cultural; tudo o que vocé exercitou em simula- gdes ou troca de papéis; todas as coisas que repetiu para si mesmo sobre 0 que fazer ou nao fazer durante uma entrevista. Tudo isso, e mais ainda, nao existe mais, e vocé se sente comple- tamente s6 e desprotegido, com apenas uma porta entre ele € vocé. Mas, no fim das contas, é a vocé que ele veio ver, e assim que vocé o fizer entrar, acontecerd a ligdo mais importante que poderia receber sobre entrevisias: nela nao existe ninguém a nao ser vocé e o entrevistado. Cor. o correr do tempo, acabara se acostumando e, em pouco, comegara a aceitd-la como é: a base do relacionamento de ajuda. Sem duvida vocé ja havia feito entrevistas antes, mas nun- ca esteve tao consciente disso como agora — ou talvez nao tives- 30 A entrevista de ajuda se tomado consciéncia alguma. Nesse momento vocé esta as- sustado e indeciso. SO pode contar com vocé — vocé e ele, espe- rando do outro lado da porta. Se ao menos pudesse contar com ele... Mas vocé pode, acredito; e o fara cada vez mais, 4 medida que o tempo passar. Como ele veio com um objetivo especifico, pode saber melhor como vocé podera ajuda-lo. Dessa maneira, se vocé aprender a confiar nele, isso o ajudaré a dar-lhe a ajuda de que necessita. Demorara algum tempo aprender essa impor- tante ligfo, pois nesse exato momento vocé esta muito preocu- pado consigo mesmo, e tem a sensagao de estar completamente so e yulneravel. Mais uma palavra antes de girar a maganeta. Disse e reafir- marei neste livro muitas coisas em que creio sinceramente. Sao verdadeiras para mim, e descobri que normalmente dao certo. Mas talvez nao sejam verdadeiras ou uteis para vocé. As res- postas sugeridas aqui —na medida em que sao respostas — pode- rao nao ser validas para vocé. E certamente nao precisam ser. Mas se 0 estimularem a questiond-las, e dai surgirem respostas significativas e aproveitaveis para vocé, sentir-me-ei mais que recompensado por té-las posto neste trabalho. A entrevista de ajuda é mais uma arte e uma habilidade do que uma ciéncia, e cada artista precisa descobrir seu préprio estilo e os instrumen- tos para trabalhar melhor. O estilo amadurece com experiéncia, estimulo e reflexéo. Nao pretendo que meu estilo seja adotado por vocé, mas estou muito interessado em estimula-lo a desen- volver e a refletir sobre o seu proprio. Abrindo a primeira entrevista Gosto de distinguir dois tipos de primeira entrevista: a ini- ciada pelo entrevistado, e a iniciada pelo entrevistador. Vamos comegar pela primeira. Bstagios See ___ 3h Iniciada pelo entrevistado Alguém pede para vé-lo. O mais sensato a fazer, ao que parece, é deixa-lo dizer o que o trouxe até vocé. Simples, mas nem sempre facil de fazer. As vezes sentimos que deveriamos saber 0 que 0 trouxe e deixar que ele tome conhecimento de que sabemos. Assim, podemos dizer: “Vocé deve querer saber como Johnny esta se saindo com seu novo professor.” Isso pode ser correto, ou nao. Se for, nada ganhamos além, talvez, de nosso sentimento de perspicacia. Se nao for, 0 entrevistado podera ser colocado em situagao embaragosa. Pode sentir que era com aquele assunto que deveria estar preocupado e, para nao contra- dizer 0 entrevistador, pode concordar, mesmo que pretenda algo bem diferente. O entrevistado mais confiante simplesmen- te dira: “Nao, o motivo por que vim é...” Mas, sem dtvida, esta- ra pensando: “Por que vocé precisa me dizer para que estou aqui? Assim que vocé deixar, eu lhe contarei.” As vezes podemos estar certos de que sabemos 0 que o levou a nos procurar, e mostrar-lhe isso de saida. Naturalmente, pode acontecer que acertemos, e o fato de dizer a alguns entre- vistados por que vieram pode ajuda-los a comegar a entrevista. No entanto, na minha opiniao, se alguém pediu para nos ver, e veio, é melhor deixd-lo expor em suas proprias palavras exata- mente 0 que o trouxe, o que ha de especial para contar. Termi- nadas as saudag6es habituais, estando ambos acomodados, o melhor a fazer é ajuda-lo a iniciar a entrevista, se ele necessitar disso (o que nao acontece normalmente), e ouvir o mais atenta- mente possivel o que tem a dizer. Se acreditamos que algo deve ser dito, devemos fazé-lo de forma rapida e neutra, para nao interferir em seu rumo: “Conte-me, por favor, 0 que o trouxe aqui”, ou “Ahn-ahn... va em frente”, ou “Compreendo que quis me ver”, ou “Fique a vontade para falar sobre 0 que vocé esta pensando”. Sou firmemente contrario a todas as formulas para entre- vista. Dessa maneira, sou cauteloso com introdugGes tais como:

You might also like