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Oe UM BELO PLANETA FERIDO etter Wao oN er Wem Copco lode Uyak do lucro maximo que destrdi o meio ambiente. Emerge a luta dos povos pelo desenvolvimento sustentavel Luis Fernandes gC ve tice) John Bellamy Foster NiO Item coe) Aziz Ab’Saber Dalton Macambira Jorge Viana BON ecance >i 1} taVeld 1 | (Kt a c “ *~ Lo dc Floresta. Investimentos Potenciais ss Acree eee EDITORIAL Prindipion Desatio do século XXI- desenvolvimento com preservacao ambiental tematica do desenvolvimento aliado a preservarao ambiental emerge como uma das principais questoes a serem enfrentadas neste século XI, Agredido por acées e métodos destrutivos, derivados de um sistema cuja esséncia 6 o lucro maximo, nosso belo plane ta presenta “ferimientos” por toda parte, O capitalisino contemporaneo fere a Terra nao apenas com suas velhas guerras de pilhagem com a miséria e a fome que espalha. A natureza, pre- ciosa fonte de riquezas, 6 mutilada ano apés ano por uma légica de producao predatoria cujos agen- tes politicos ¢ econtmicos pouco se importam com os efeitos danosos de sua pritica Exemplo disso so 0s Estados Unidos da América que, sendo um dos principais emissores de gases poluentes, se recusaram a assinar 0 Protocolo de Kyoto cujos temmosbuscam reduzir a emis sao dos gases que provocam o aquecinento da Terra em decorréneia do chamado efeito estut Essa recusa dos EUA choca-se com a principal diretriz da Convencao-Quadro das Nagdes Unidas sobre mudangas climaticas, acordada na Rio 92. Neste conclave concluiu-se que a luta con tra 0 aquecimento glcbal sé pode ter eficacia se este for enfrentado pelo conjunto dos paises. Ev donitemente, também na questéo ambiental esta presente o confronto objetivo que ha entre os pai- ses centrais, imperialistas, ¢ 0s paises pobres e em desenvolvimento. E nesse tema, 0 choque ver a tona no exame dograu de responsabilidad dos paises conforme seu histérieo Na oportunidade, a diplomacia brasileira teve papel relevante para aprovar o principio “das responsabilidades comuns, mas diferenciadas” Para este conceito ¢ erréneo impor urn mes- mo nivel de exigéncia de controle de emissao de gases entre as paises que vanguardlearam a Revo- lucao Industrial ~ que, por conseguinte, sa0 os maiores responsaveis pelo efeito estufa - ¢ os pai- ses em desenvolvimento que, comparativamente, ainda estao na “infancia” na historia de suas economias. E mais. Foram estabelecidos mecanismos para os paises ricos transferirem tecnologi- as nao poluidoras aos demais. Da Caipula da Terra no Rio de Janeiro, em 1992, passando pela Conferéncia das Partes, em 1997, em Kyoto (apao}, a Conferéncia do Clima, ocortida em 2005, em Montreal, Canad, se veri ca que 0s termos dos acordos firmados em defesa da preservacao ambiental e do desenvolvimento sustentado sao “bornbardeados” pelas grandes poténiclas - em particular es Estados Unidos. Os pai ses em desenvolvimento, sobretudo os que tém a sua frente governos progressistas, tam numa cor- relacao de forcas desigual contra o irracional modelo que esta levando a mutilaczo o nosso planeta. Dessa manei , bandeira da preservacao ambiental e do desenvolvimento sustentado de- ‘ve com destaque estar presente do programa do movimento transformador de nosso tempo. Em particular no Brasil ~ pats com fabulosos recursos naturais, tambérn alvo de exploracao destrutiva € predatéria — as forcas progressistas precisam concel mento que além de distribuir renda preserve o meio ambiente. er ¢ implementar um modelo de desenwolvi- 83/2006 CAPA Protocolo de Kyoto: o Brasil e o mundo Entrevista com Luis Fernandes Aecologia de Marx... John Bellamy Foster (Re)pensando 0 futuro ... Aziz Ab’ Sabet Meio ambiente e desenvolvimento... Aldo Arantes Petrdleo e meio ambiente: a evolucao brasileira . Nilce Olivier Costa hi O semi-drido nordestino: estratégias para o 3 5 desenvolvimento sustentavel.... Dalton Melo Macambira Desenvolvimento versus preservacao ambiental?. Eron Bezerra O governo da florestania.. Jorge Viana 83/2008 BRASIL DEBATE .67 Mensagem aos brasileiros: Educar 6 fazer sonhar... chegou a hora do 5 a Francisco Caruso e desenvolvimento «.. Maria Cristina Silveira de Freitas Entrevista com Renato Rabelo CULTURA INTERNACIONAL Um plano de voo escrito if a América Latina: a milhares de maos . . na luta pela 5 8 Sérgio Sa Leitéo e Elder Vieira segunda independéncia Ronaldo Carmona TEORIA Apelo de Bamako Forum Social Mundial oO : marxismo ea questo da mulher ... € 6 Ana Rocha Capa: Flavio Nigro 83/2006 Prinerpior- CAPA Entrevista com Luis Fernandes Protocolo de Kyoto: 0 Brasil eo mundo Pox Ria Parti Luis Fernandes é secretario executivo do Ministério da Ciéncia e Tecnologia e foi um dos coordenadores da delegacao brasileira que participou da 11* Conferéncia sobre Mudanca Climatica, realizada em dezembro de 2005 no Canada. Ele falou a Principios sobre 0 Protocolo de Kyoto e outras questées da problematica ambiental. Segundo Fernandes, j4 temos condigées (no Brasil e no mundo) para incorporar mais estruturalmente a agenda da preservacao do meio ambiente a uma agenda do desenvolvimento nacional no mundo para o século XXI 6 83/2008 CAPA Sem margem para muitas davidas o Protocolo de Kyoto foi uma resposta institucional a um problema que afeta toda a humanidade, a ques- (do ambiental. O artigo segundo da Protocolo su- gere o fomento da eficiéncia energética minados setores da economia, 0 que demand. um certo nivel de apreensao tecnolégica, Sa mos que um des “nds” para o desenvolvimento econdmico na periferia do capitalism esta justa- mente na questao da tecnologia. Sabidarnente em duas fontes ce energia ndo poluentes: a energia hidrelétrica e a nuclear, que dependem de altos investimentes. Como voce enxerga esta relacdo entre fomento da eficiencia energéti 83/2006 Os Estadas Unidos se recusam a assinar o Protocolo de tecnologia « desenvolvimento econdmico na pert feria do capitalismo, levando em conta que as.re- volupies industriais séo marcadas, entre outras coisas, por mudangas também na fonte de ener- gia? Luis Fernandes ~ 0 Protocolo de Kyoto se refere a uma ditmensao da questa ambiental, que € oaquecimento global. I: esse tema é muito importante porque esta vinculado aos efeitos da Revolucao Industrial. Sabe-se hoje que a Revol ¢40 Industrial pressupés e materializou a migra- cdo para uma matriz energetica baseada em energia féssil, ou seja, a queima dessa energia CAPA has suas diversas verses: inicialmente 0 carvao € posteriormente o petroleo. Essas fontes de energia emitem gases que se acumulam na at- mosfera e nao permitem a liberacao e a reflexao dos raios solares e do calor associado desses rai 0 para fora da atmosfera. A esse fendmeno di- se o nome de efeito estufa justamente porque corresponde ao que acontece numa estufa em que os gases bloqueiam a saida do calor e com is- So processa-se um aquecimento global no plane- ta, com ura associacao direta 4s consequencias da Revolucao Industrial ¢ aos processos que constituiram e constituem as atuais assimetrias no sistema internacional. Os paises centrais, dominantes e hoje impe- tialistas séo os que tomaram a dianteira na Re- volugao Industrial e se valeram da transigéo pa- 1 uma matriz energética altamente poluente para crescer e se impor econdmica e politica- mente no mundo. Entao, o mesmo proceso que gerou 0 efeito estufa € 0 que gerou e reproduziu as desigualdades no sistema internacional e isso 6 uma questo fundamental para nos posicio- narmos em torno da questio. 0 protocolo de Kyoto é o desdobramento da Convengao Quadro das Nagdes Unidas sobre mudaneas climaticas, acordada na Rio 92. Na- quele momento a diplomacia brasileira teve uma posicao muito importante em introduzir um conceito chamado *responsabilidades comuns, mas diferenciadas”, ou seja, 0 aquecimento glo- bal ¢ um problema global e nao pode ser comba tido apenas pelas agdes de um pais, Ele exige, para ser eficaz, a acao conjunta de preferéncia de todos os paises. F um programa comum e exige respostas comuns, mas a responsabilidade hist6- rica pelo aquecimento global é diferenciada en tre 0s paises. Aqueles que tomaram a dianteira na Revolucao Industrial - hoje os paises centrais, 05 ricos do sistema internacional - tém a maior responsabilidade, pois foram historicamente os que mais soltaram gases paluentes que se acu- mulam e nao se dispersam na atmosfera; por- tanto, eles sa0 0s principais responsaveis pelo aquecimento global que atinge a todos. O pro: es0 qué os constituiu como paises dominates no sistema internacional hoje atinge a todos. O principio sacramentado na Rio 92 ¢ esse, 0 da Tesponsabilidace comum mas diferenciada, out seja, todos devem se unir para combater a mu- danga climética e o efeito estufa, mas os princi- pais responsaveis pela evolucao do problema ‘tem que arcar com o principal custo da sua reso- lugao. Esse principio foi inscrito e materializado 1no Protocolo de Kyoto, que estabelecia uma dif renciacao entre os paises centrais e ricos que as- sumiriam metas quantitativas de reducéo da emissao de gases poluentes em razao de sua res- ponsabilidade historica pelos efeitos do aqueci- mento global. E esses paises passaram a compor um anexo chamado Anexo | do protocolo, Trata- se da lista de paises que sao fundamentalmente u paises centrais ou aqueles que compunham o antigo campo sodialista na Europa central e orien- tal e assumem metas quantitativas de redugéio de emissao de gases poluentes. ‘Ta 08 patses em desenvolvimento nao. Eles sao incentivados a adotar politicas nacionais de desenvolvimento limpo, ou seja, que combinem desenvolvimento com redugao da emissio de ga- ses poluentes, mas nao tém metas quantitativas. ‘A partir dessa compreensao, estabeleceu-se uum mecanismo que permite aos paises centrais que nao conseguirem atingir sua meta de redu- cao de emissao de gases poluentes financiar projetos de desenvolvimento limpo nos paises em desenvolvimento e com isso obter créditos, chamados “créditos de carbono”, para abater da sua meta de redugao de emissao de gases poluentes. Esse mecanismo foi um triunfo néo 36 da diplomacia brasileira, mas tambem dos paises em desenvolvimento porque ele permite agora que a transicéo como matriz energética mais limpa nos paises em desenvolvimento se ja financiada pelos paises centrais, Essa solucao € muito importante porque os paises em desen- volvimento tém que se defrontar com o dilema do desenvolvimento e o desenvolvimento sem- pre encerra denito de si a possibilidade de riscos ambientais e de destruicéo ambiental. Entao, 0 mecanismo acertado no protocol de Kyoto ¢ de combinar a preservacao da prioridade do esfor: ¢0 de desenvolvimento dos paises mais pobres com novas modalidades de financiamento que 83/2008 CAPA Ihes permitam adotar tecnologias de desenvol- vimento limpo e uma matriz energética mais limpa, evitando com isso as conseqtiéncias ne- fastas para o meio ambiente que acompanha- Tam a ttajetoria de industrializacao dos paises capitalistas centrais. Essa € uma forma de combinar desenvolvi- mento econGmico com desenvolvimento susten- tavel do pontode vista ambiental na periferia do sistema. Estamos diante dessa possibilidade e 6 um modo de lidar com a questao que nao aceita que 0 tema da protecao do meio ambiente se transforme num instrumento para bloquear 0 desenvolvimento dos paises mais pobres: pelo contrario, ele busca garantir com o financiamen- to dos paises centrais a possibilidade de adogao de matrizes energéticas limpas nos paises em de- senvalvimento que, dessa forma, se desenvolve- riam de maneita sustentavel, diferentemente do que aconteceu nos paises centrais em suas traje- torias originais. HA uma gama de possibilidades energéticas para os paises em desenvolvimento adotarem com base nos compromissos do proto- colo de Kyoto, com acesso a financiamento dos paises centrais, Por exemplo, as energias hidrelé- trica, nuclear, solar, edlica, a exploracao da bio- massa e da agroenergia como a do alcool e a do biodiesel, ou seja, a biomassa como fonte ener- gética alternativa a fonte mais poluente, que ¢ baseada em combustivels fdssels. Hé uma questio controversa em relagao ao pro tocolo de Kyoto. Trata-se dos créditos de carbono, situacdo em que se estabelecem gatas ce ernissao para cada pats nas quais um pafs pode vender sua cota a outro. Jé hd inclusive, no Rio, uma boisa de cotas de carbono, Ha aqui dois probie- mas: o primeiro, levantado por quem encata es- se tipo de comeércio como aigo que pode congelar 0 desenvolvimento dos paises pobres ao abrirem mao de seu direito de emissao. O outro & levanta do por ambientalistas segundo os quais este me- canismo nde ajuda a diminuir os atuais niveis de emissao de gases na atmosfera, mas que, ao contrério, os congela. Qual sua opiniao a respei to? 83/2006 Prineipion Luis Fernandes ~ Em relacao a essas duas questies, a légica do mecanismo € exatamente a do nao congelamento. A pergunta é: isso pode congelar o desenvelvimento dos paises pobres que abrem mao do direito de emissio? Em pri meiro lugar nao ¢ direito de emissao, 0 que exis- te sao paises em desenvolvimento sem metas de reducéo, Nao se trata de concessio de direitos de emissao, O fato é que, ao vender créditos de car- bono para os paises centrais, estes paises abt. novas fontes de recursos e podem ampliar a ado- gio de tecnologias impares para o seu desenvol- vimento nacional. Nao se trata de congelar, isso aconteceria se nao houvesse o crédito de carbo- no. Seria como dizer “vocés tém de assumir me- tas de nao emissao de gases poluentes”. [sso equivaleria a colocar os paises em desenvolvi- mento na mesma posi¢o dos pafses centrais, as- sumindo uma outra logica: financiamento dos paises centrais para o desenvolvimento susten- tavel dos paises mais pobres. Por outro Jado, temos a critica de alguns se- tores ambientalistas que fazem o servigo, consci ente ou inconscientemente, da politica externa para 0s paises dominantes. Um dos pontos de re- clamagao dos EUA em relacao ao protocalo de Kyoto € justamente este: como os BUA vao assu- mir metas de reducao se os grandes paises em desenvolvimento ~ como Brasil, India, China, Africa do Sul - nao tém metas? Entao esses am- bientalistas cobram dos paises em desenvolvi- mento que eles também assumam metas. Mas isso contraria o principio da justica intemacio- nal, inscrito no protocolo de Kyoto. Esses paises nao sao historicamente os principais responsa- veis pelo efeito estufa, portanto, os paises que sao os principais causadores do problema tem de arcar com maior custo de sua solugao, O Brasil tem defendido com sucesso nos foruns interna- cionais que os paises em desenvolvimento nao tenham metas, mas tenham incentivos para adotar programas de desenvolvimento limpo em seus paises — isso foi inscrito nas acordos da re- cém-fealizada Conferéncia de Montreal. No caso das florestas tropicais, como no Brasil, entre 70% € 15% da emissiio de gases poluentes sao frutos do desmatamento. Por isso, nao nos marcos do CAPA protocolo de Kyoto, mas nos da Convengao das Nagoes Unidas, foram estabelecidos mecanis- mas cle incentivo para os paises em desenvolvi- mento preservarem as suas florestas tropicais. O Brasil inclusive teve um grande avanco em 2005, ano em que conseguimos reduzir em 31% o des- matamento de Amazonia, Essa € a nossa princi- pal contribuicao para combater a emissio de ga- ses, sem, no entanto, ter metas para cumprir, O Brasil, por conta de sua natureza privilegia- da, pode desenvoiver fontes aiternativas e reno- vaveis de enetgia. Intelectuais como Bautista Vidai e Beroaldo Maia Gomes tém chamado ha décadas a atengdo para a solugao a pastic da energia solar ¢ da concentrapao nos vegetais de substancias quimicas, que se resume no termo biomassa. O governo brasileiro tem mostrado disposigdo em tocar adiante projetas de pesqui- sa.em torno deste recurso. Em que estagio anda este tipo de pesquisa para utilizacdo da biomas- sa como uma matriz energética no Brasil hoje? Luis Fernandes - 0 Brasil é lider no de- senvolvimento de tecnologia de exploracao da biomassa para fins energéticos. Isso se expressa especificamente na utilizacéo no etanol do al- cool. Aliés, 0 professor Bautista Vidal foi um dos responsaveis pela primeira versao do pro- grama do dlcool no Brasil - isso é reconhecido mundialmente, Existem varios paises com- prando tecnologia brasileira para utilizacao da ‘tecnologia do alcool. Hoje os motores chamados Alex fuel ~ que utilizam tanto 0 alcool quanto a gasolina — jé representam mais de 70% da pro- ducao automobilistica no pais. Portanto, é uma iniciativa de ponta. Temos também o programa do biodiesel que inclui nao s6 aincorporacao de 2% de biodiesel ao petroleo - base da energia produzida para transportes - mas também o fa- to de a producao do combustivel limpo do pon- to de vista da emissdo de gases vir aliada a um contetido de inclusto social muito forte, pois se trata de cultivos vegetais vinculados a popula- cao mais pobre e a agricultura popular. Temos 0 exemplo do cultivo da mamona no semi-drido € do dendé na regio Norte. Ha todo um campo a ser explorado na area da agroenergia - justa- mente o potencial agricala brasileiro - visando a uma energia limpa para todo 0 pais. A propria matriz hidrelétrica brasileira também ¢ relati- vamente limpa. Nas caracteristicas do nosso pais, diferentemente de outros paises e em fun- ¢a0 da prafusio dos rios existentes, a producao de energia elétrica € gerada por usinas hidrelé- tricas. Sao poucos paises no mundo que tém es- sacapacidade, pois so dependentes, por exem- plo, do carvao e do petréleo para producao de eletricidade. Por isso 6 muito importante essa sinalizacao definida na Conferéncia de Montre- al: pensar um novo paradigma de cooperacio intemacional nos marcos da Convengao Qua- dro das Nacoes Unidas. Porque ali foi indicado que seria necessario definir novas formas de in- vestimento por meio das quais recursos dos paises centrais fomentariam a transferéncia de tecnologia e desenvolvimento limpo entre 03 paises em desenvolvimento. E nesse terreno 0 Brasil é daramente lider e pode transferir tec- nologia para todos os paises em desenvolvi mento, pois tem uma ampla experiéncia e capa- cidade instalada para tanto. Entao em médio, talvez em longo, prazo nosso pais poder por si sé dar conta de um desenvol- vimento ambientalmente sustentado? Luis Fernandes ~ No meu entender, a nossa perspectiva ¢ a das mais favordveis do mundo, pois temos essas earacteristicas nao 6 de desenvolvimento tecnolégico, mas as de cli ma, de flora, que permitem esta exploracéo sustentével do pais. O protocoto de Kyoto concentra 0 problema a va~ iagéo climética que tem avomnetido o nosso pla- neta. Essa variacdo, em seu entender, tem rela- (0 com a agao antrépica ou com um charmado ciclo natural do planeta Terra? Luis Fernandes ~ Segundo o entendi- mento que fundamenta o protocolo de Kyoto, 0 presente proceso de aquecimento global é fru- to da acao antrépica e isso é medido, Hoje nao 10 83/2008 CAPA ha mais dtividas em relacao a isso. Pesquisas realizadas na Antartida, inclusive com partici pacao brasileira, deram as provas definitivas pata essa questao, Claro, ha um cido natural de flutuacao de temperatura na Terra - nés ja tivemos varias eras do gelo anteriores ¢ varios perfodos de aquecimento. A pesquisa na An- tértida, como ambiente-palco dos estudas pelo grande actimulo de neve e ainda por ser uma Tegiao inabitada, permite recompor os ciclos da atmosfera na Terra via profundidade da neve. ‘Trata-se de um fendmeno: bolhas de ar ficam presas dentro da neve, entao as camadas su- cessivas asstmem uma ordem cronolégica. Ha pesquisas que fazem um corte nessas camadas © cohseguem tracar as quatro estagdes na An- Lartida de hoje até centenas de milhares de anos atras. Desse modo, essa pesquisa revela a flutuagao da temperatura na Terra, mas tam- bem revela a composicao da atmosfera, como, por exemplo, a composicao de gases poluentes fesponsiveis pelo efeito estufa. Ha um ciclo natural, mas fica claro nos estudos que se nota nos tiltimos 300 anos — em particular nos ulti- mos 200 anos - uma evolucao que sai por com- pleto do ciclo natural nas duas dimensoes. Isso acontece em termos de aquecimento fora do ci- clo natural da terra e de elevacao de tempera- tura média, por um lado. Por outro, uma pre- senga muito maior de gases poluentes respon- siveis pelo efeito estufa na atmosfera. Portan- to, a tinica explicagao para isso sao as conse- qiiéncias da Revolugio Industrial e a opcao pe- Ja utilizagao de combustiveis de origem fossil como base da matriz energética naquele mo- mento ~ ¢ isso é laramente demonstrado. En- tao, claramente, ha uma variacao de um ciclo natural da Terra, mas ha agora também uma evolucao que foge por completo desse ciclo e & responsavel pelo aquecimento global. Essa evolucao e esse aquecimento global vern acom- panhados de intimeras implicagdes; por exem- plo, o aumento das secas, a reducio de gelei ras, a alteragao da flora e da fauna, o aumento da incidéncia de furacoes e fenomenos natura is extremos como 0 Tsumani, entre outras. Es- sas conseqiiéncias sao ainda mais drasticas pa- 83/2006 Prineipion ra aqueles paises que sao ilhas de baixa eleva- 40, como Samoa e também as ilhas Faroe, que podem ser simplesmente varridas do mapa com a elevacao do nivel das aguas, fruto do aquecimento global Voce encabecou a delegagéo brasileira ante a Conferéncia do Clima ocorrida em Montreal era dezernbro de 2005. Novamente os interesses do centro ¢ da periferia do sistema entraram na ppauita, sencio que o Brasil ganhou notoriedade ao aventar a hipétese de os paises poriféricas inten- sificarem seus proprios esforces de reducao de ‘gases © que o aumento desse estorgo depende ne~ cessariamente de compensagtes feitas pelos pai- ses ricos. Qual o resurno que voc? faria deste en- contro ¢ 0 papel do Brasil na delesa dos interes- ses dos paises da periferia? Luis Fernandes ~ Eu apontaria duas ques- t6es fundamentais. Primeira: 0 protocolo de Kyoto entrou em vigor apenas no ano passado, porque para entrar em vigor era necessario que paises responsaveis por mais de metade da emis- so de gases poluentes no mundo aderissem a ele. Diante da recusa dos EUA - os principais emissores de gases paluentes ~ em assiné-lo, es- sa barreira das 50% s6 foi atingida com a assina- tura da Russia, dando encaminhamento ao pro- tocolo em fevereiro de 2005. As metas de redu- ao de gases, nele acordadas, tém um prazo de vigencia até 2012. Entao, a primeira grande dis- cussao da Conferéncia é haver uma sinalizacao clara de que o sistema de metas do protocolo vai continuar depois de 2012, pois a tendéncia das empresas dos paises centrais seria de adotar um comportamento oportunista e descompromissa- do em fungao do prazo nao acordado, Entao um dos avancos da Conferéncia de Montreal foi os sighatdrios do protocolo terem sinalizado clara- mente que essas metas terao continuicade, in- clusive com a adocdo de metas mais duras apés esse periodo. Esse fato cria um dima de seguran- a regulatoria para os paises e as empresas. Foi entao definido um novo calendario para que ao longo de 2006 as novas metas clos paises centra- is sejam estahelecidas, preservando 0 critério de i CAPA Princip que 0s paises em desenvolvimento nao assumi- 140 metas nos marcos do protocalo de Kyoto. Sem esse primeiro avanco, boa parte dos princf- pios do protocolo nao poderia ser executada de imediato, pois nao haveria seguranga no seu cumprimento, Segunda: estabelecimento de um novo marco para um dialogo mais amplo sobre mu dancas climaticas para além do protocolo de Kyoto. Entao, acordou-se - e os EUA se recusa- ram inicialmente em fazer parte do didlogo, in- dlusive se retirando das negociacoes no ponto mais critico da Conferéncia de Montreal, mas, por fim, tiveram de recuar e aceitar a posicao defendida pela esmagadora maioria dos paises presentes - que fosse aberto um novo didlogo sobre mudancas climaticas nos marcos da Con- vencao Quadro, aprovada na Rio-92. Nesses marcos foi introduzida essa possibilidade de es. tabelecer um novo paradigma de cooperacao in- ternacional para promover o desenvolvimento limpo e combater as mudancas climaticas do efeito estufa, Essas mudancas serao possiveis com 0 financiamento dos pafses centrais e a transferéncia de tecnologia entre os paises em desenvolvimento, objetivando generalizar a adocao de tecnologias limpas e com padroes de desenvolvimento sustentivel nos pafses nao- centrais. Esse segundo ponto da Conferéncia representou uma derrota da posigéo original da politica externa dos EUA, que se recusavam a propor esse tipo de negociacao, mas tiveram nao $6 que recuar e aceitar, mas tambem adotar 08 termos inscritos como orientadores na nova rodada de negociacaes, Brasil teve papel absolutamente decisive nesses dois pontos fundamentais da Conferén- cia. A propria idéia de ter dois trilhos de negocia- a0 - um no ambito do protocolo de Kyoto ¢ ow tro no da Convengao Quadro das Nagées Unidas — foi uma iniciativa da diplomacia brasileira, construida ao longo do tempo, que acabou pre- dominando na Conferéncia. Como vooé vé essa discussdo sobre o meio ambi- ente? Quais so os principais aspectos que os marnistas devem explorar nesse tema da danifi- cago da qualidade de vida das pessoas como consequéncia do estagio que o proprio capitalis- mo aleanzou neste inicio de século? Luis Fernandes ~ A questéo da protecao ambiental é um tema agudo da agenda mundi- al, mas nem sempre foi tratado com a impor tancia devida pela teoria marxista, No meu en- tendimento, a teoria marxista ¢ a mais bem equipada para lidar com a questo, porque 0 principio promotor da destruicao ambiental é a propria natureza predatéria do capitalismo ~ um sistema orientado para o lucro a partir da propriedade privada. A questao ambiental pode entao interferir no objetivo do capitalismo — a maximizacao do lucro -, 0 que gera uma pre~ disposicao predatéria inscrita nessa légica. Pa- rece-me claro indicar que a agenda da preser- vacao ambiental - combinada com a distribui- cao de riqueza e renda que gere maior igualda- de no mundo e combata as desigualdades soci- ais ~ € respaldada pelo marxismo, que conse- gue liar essas duuas coisas. A agenda da preser- vacao ambiental deve ser incorporada como um elemento estruturante da agenda socialista e antiimperialista para o século XI no mundo, resguardadas as particularidades dos paises em desenvolvimento ~ que se defrontam com a de- sigualdade econdmica e politica existente no sistema internacional, agucada com 0 advento do imperialismo. A agenda € deles. Entao no caso de marxistas atuando em pafses domina- dos pelo sistema imperialista, implicam tam- bem a sagacidade e a clareza em nao aceitar que a bandeira da protecdo do meio ambiente possa ser usada como instrumento para tolher © proprio desenvolvimento cesses pafses, Por isso 0 tipo de iniciativa que nds conseguimos insctever no protocolo de Kyoto é muito impor- tante, pois nos permite combater as desigual- dades geradas pelo sistema imperialista no mundo, com esforgos para garantir a direito de desenvolvimento dos paises mais pobres ¢ do- minados pelos paises imperialistas, combinan- do a protecao ambiental com o combate % po- breza e a busca do crescimento econdmico sus- tentavel. Essa € uma agenda que deve ser in- 83/2006 CAPA corporada como parte da agenda do socialismo no Século XXI, mas tambem como parte da agenda antiimperialista do Século XI. 0 fato € conseguir combinar 0 desenvolvimento na- cional dos pafses dominados com as mecanis- mos de promocao de desenvolvimento susten- tavel capazes de cobrar dos paises imperialistas a sua responsabilidade historica pela destrui ¢40 ambiental, objetivando o fim da desigual- dade existente no sistema internacional. Voeé, como estudtioso da experiéncia socialista da URS, como analisa a gesiao ambiental durante 2s primeiras experiéneias socialistas no séoulo passado? Luis Fernandes - 0 nosso balanco eritico das primeiras experiéncias socialistas nos re- mete & insuficiéncia das medidas de protecio ambiental, pois as experiéncias socialistas do século XX emergiram em paises que estavam na periferia do sistema capitalista e que, por- tanto, tiveram de enfrentar conjuntamente 0 desafio da transigao para 0 socialismo, com 0 desafio da superacao do atraso herdado das sociedades anteriores. Havia urgencia nao s6 em termos de um projeto visto como necessa rio para a sociedade no seu desenvolvimento histérico, mas também pela situacao geopoliti- ca, na qual todas as experiéncias enfrentaram um cerco capitalista hostil e mais poderoso do ponto de vista econémico, politico e militar. Portanto, a necessidade de se criar rapidamen te uma base industrial era também um tema de defesa e de sobrevivencia dessas experié cias, pois se elas nao tivessem montado raf damente uma base industrial nao teriam con- dicoes de se defender de uma eventual agres- sio por parte desse cerco capitalista que era a caracteristica e 0 contexto do desenvolvimen- to dessas experiéncias. O exemplo concreto da URSS ¢ claro, pois se ela nao tivesse empreen- dido um esforgo gigantesco de industrializacao acelerada no final dos anos 1920 e ao longo dos anos 1930 nao teria uma base industrial que pudesse ser convertida na industria de de fesa que, em titima instancia, derrotou o na zismo na II Guerra Mundial, Contudo, isso te- ve um custo do ponto de vista do nao-desen- volvimento pleno do potencial de preservacao ambiental, que faz parte do préprio projeto so- cialista, na medida em que ele nao ¢ mavido pela logica da maximizacao do lucro de empre- sas privadas, mas é um projeto de desenvolvi- mento em que predomina o interesse social. E ha um interesse social inerente também na preservacao do meio ambiente, porque os seres humanos sao parte dele, na medida em que se trata das condigdes de vida das pessoas. Essa dimensao da agenda emancipatoria da teoria marxista foi relevada em segundo plano, Ela foi obscurecida, abafada nas primeiras experi- éncias socialistas do século XX. Isso pode ser claramente visto nas propagandas do socialis- mo da época, em que o trabalhador sempre era mostrado nos cartazes nos anos 1930 com as fabricas ao fundo, cheias de fumaca — e isso era valorizado como se fosse um progresso. A consciéncia do prejuizo ambiental que aquilo acarretava nao foi desenvolvida pelo socialis- mo, entendendo 0 contexto histrico que elas enfrentaram, pois nao podemos nos abstrair disso. Mas ja temos condicoes no Brasil e no mundo para incorporar mais estruturalmente a agenda da preservacao do meio ambiente uma agenda do desenvolvimento nacional no mundo para o século XX1. Rita Poll &jormaliste asesora de prensa da barcade feral de PCIE. 83/2006 13. 14 D) Prtnedpi CAPA A ecologia de Marx A bibliografia marxista sobre questées ambientais nao é extensa, embora este tema nao seja estranho ao marxismo: desde seus escritos iniciais, Karl Marx enfatiza o metabolismo que existe entre o homem ea natureza. A grande virtude de A ecologia de Marx - materialismo e natureza, de John Bellamy Foster, do qual foi extraido 0 texto aqui publicado, é justamente visitar o assunto enfrentando, de um lado, as visdes derivadas do marxismo ossificado, cujo acento produtivista minimiza o problema, e, de outro, o chamado “marxismo ocidental” e sua énfase apenas nas questées culturais. Tudo isso num esforgo para restaurar a dialética materialista original e, a partir dai, contrapor-se ao idealismo subjacente a maioria do pensamento “verde” contemporaneo. E, para isso, examina as teses que, enraizadas nos pensadores do Renascimento, fundamentam o debate desde o século XIX. Editor da Montihy Review, a revista marxista mais antiga que continua sendo editada, Bellamy Foster contribui assim para restaurar a compreensao materialista dialética neste debate, em um livro que eleva a compreensao mais avangada desta questao. (José Carlos Ruy) 83/2006 CAPA mbora haja uma longa histéria de dentincias contra Marx por falta de preocupacao ecaldgica, hoje, apis décadas de debate, esté cla- rissimo que essa visto absoluta- mente nao condiz com as evidén- cias. Pelo contrario, como obser- vou 0 goégrafo italiano Massimo Quaini, “Marx (...) denunciou a espolia¢ao da na: tureza antes do nascimento de uma moderna cons- cléncia ecoldgica burguesa”. Desde o principio, a nocao de Marx da alienacao do trabalho humano esteve conectada a uma compreensao da aliena¢ao dos seres humanos em relacao a natureza. Era esta alicnacéo bilateral que, acima de tudo, era preciso explicar historicamente Em conseqiiéncia, muitos des mais virulentos eriticos de Marx foram forcados, nesses dltimos tem- pos, aadmitirque o trabalho dele contém numerosos e notivels insights ecolégicos. Em vez de simplesmen- te condend-lo no que tange a isto, os criticos agora costumam recorrer a seis argumentos intimamente conectadas. Primeira: as afirmagées ecoligicas de Marx so descartadas como “apartes iluminadores” sem nenhuma relacdo sistemética com 0 corpo prin- cipal de sua obra. Segundo: consta que estes fasighis ecolégioos emanam de modo desproporcionado da sua critica inicial da alienacao, e 340 muito menos evidentes na sua obra mais tardia, Terceiro: Marx, s gundo consta, néo conseguiu em tiltima instancia li- dar com a exploracao da natuteza (deixando de in- comporé:-la na sua teoria do valor), tendo em vez dis: 0 adotado uma visao “ prometéica” (pré-tecnolégica, antiecoldgica). Quarto: como corolério ao argumento * prometécio”, alima-se que, na visio de Marx, a tec- nologia capitalista e o desenvolvimento econdmico haviam resolvido todos os problemas dos limites eco- legicos, e que a futura socledade de produtores asso- idos existiria sob condigdes de abundancia, Néo se- ria, pois, necessario, como esereve o economista Alec ‘Nowe, supostamente seguindo a logica de Marx, “le- var a sério o problema da alocacao de recursos escas- sos” ou desenvolver um socialismo “ecologicamente conselente”. Quinto: Mars, alega-se, tinha pouco in- teresse palas questoes da ciencia ou pelos efeitos da tecnologia sobre o meio ambiente, faltando-lhe, pois, base cientifica para a analise de questies ecoligicas. 83/2006 Prineipion Segundo os proeminentes socidlogos britanicos Mi chael Redclift e Graham Woodgate, Marx teria suge- rido que as interagées humanas com meio ambien- te natural, embora soviais, eram também “ubiquas € imutaveis”, comuns a cada fase da existéneta social Tal prerspectiva mao reconhece integralmente o papel da tecnologia € 08 seus efeitos no meio ambiente Sexto: Marx, diz-se, era “especiesista”, dissociando radicalmente os seres humanos dos animais € to mando o partido daqueles em detrimento destes. Todas essas criticas sao sumariamente contrad- tadas pela andlise que se faz neste livro, no qual se tenta uma reconstrucao sistematica do pensamento ecxologico de Marx. Muitas dessas criticas confun. dem Marx com outros teéricos socialistas eriticados pelo proprio Marx, segundo uma antiga tradicao na critica marxista em que , citando Jean-Paul Sartre “um argumento ‘antimarxista’ é apenas o rejuvenes- cimento aparente de uma idéia pré-marxista”. Dai Marx ser atacado pelo seu suposto " prometefsmo” tecnologico, muito embora o ataque mais forte ja es: crito contra tais visdes “prometéicas” seja o do pré- prio Marx, na critica do System of econorr Hons de Proudhon, Do mesmo modo, Marx ¢ conde- nado por nao ter conseguido reconhecer a contribul- ‘p30 da natureza para a riqueza, apesar da sua aguca da critica do socialista alemao Ferdinand Lassalle por ter adotado a visdo “sobrenatural” de que o trabalho era a tinica fonte de riqueza, e assim ignorado a con- tribuicao da natureza. No fundo, porém, 0 que esté sendo questionado na maioria dessas criticas € 0 materialismo de Marx. Diz-se aqui que o materialismo de Mars o levou a en- fatizar uma espécie de dominacéo “baconiana’ do desenvolvimento econdmico e da natureza, em vez de afirmar valores ecoldgicos. Marx torna-se assim tuma espécie de whig radical que opde aos tories adora- dores da natureza, um representante do antropocen- trismo utilitirio em contraposic’io ao ecocentrismno romantico. 0 problema desta critica, como de tao boa parte do pensamento socioeconémico da época, 6 que la nao consegue reconhecer a natureza fundamental dla interarao entre os seres humanns € 0 seu meio am- biente. A questdo ecolégica reduz-se antes e acima de tudo a uma questao ce valores, ainda que a questao muito mais dificil da compreensao da evalugso cas In terrelapées materials (0 que Marx chama de “relagdes Is: CAPA metabélicas’) entre os seres humanos e a natureza nao s¢ja, pois, minimamente alcan¢ada. De um pon- to de vista materialista consistente, a questo nao é antropocentrismo versus ecocentrismo ~ a rigor, tais, dualismos pouco nos ajudam a entender as condi Ges materiais reais, em perene mudanga, da existén- cia humana no interior da biosfera ~ mas uma ques to de co-evolucio, Abordagens que focam simples mente valores eoolégicos, como 0 espiritualisino ¢ 0 idealismo filossfico de modo mais genérico, sio de pouca valia para a compreensao destas complexas re- lagoes. Contrastando com todas essas visdes, que “baixam do céu para a terra”, é necessario “ascender da terra para o céu”, Isto 6, precisamos entender co mo as concepcdes espirituais, inclusive as nossas co: nnexoes espirituais com a terra, relacionam-se com as nossas condicdes terrenas, materiais. Ha aqui mais coisas em jogo do que simplestnen- te Marx, 6 dbvio, O que realmente esta em jogo é to- daa historia das abordagens materialistas 4 natureza ¢ dexistencia humana. Dentro do pensamento verde da époea, deserwolveu-se uma forte tendéncia para atribuir todo o curso da degradacao ecoldgica & emer- ‘gencia da revolucio cientifica no século XVIL, repre sentada acima de tudo pelas contribuigdes de Francis, Bacon. Bacon é retratado como o principal proponen. te da “dominagao da natureza” ~ t6pico normalmen te desenvolvido pela citagao de determinados aforis- mos, sem qualquer consideracao sistematica do pen- samento dele. Dat a idéla da *dominacao da nature- za ser tratada como uma perspectiva simples, dire tamente antropocéntrica, caracteristica do mecani. cismo, & qual se pode opor uma visao romantica, or ganicista,vitalista, pés-moderna. Nao obstante, focando no conflito entre 0 meca- nieismno e o vitalismo ou idealismo (e perdenda de ‘vista a questao mais fundamental do materialismno), cai-se numa concepeao dualista que nao consegue reconhecer que estas categorias a0 dialeticamente conectadas na sua unilateralidade, ¢ precisam ser transcendidas juntas, pois representam a alienacao da sociedace capitalista, Como Christopher Cauchwell (1907-1937), inquestionavelmente o maior pensador marxista da sua geragao na Gra-Bretanha, observou na década de 1930, o mecanicista € “Levado pela re flexdo sobre a experiéncia ao pélo oposto, que nao passa de urn outro aspecto da mesma ilusao —a tele ologia, a vitalismo, ao idealismo, a evolugao eriativa ou ao que quer que se queira chamar a isso, mas que € deverto a ideologia da moda no capitalismo em de- cadencia” A perpetuarao dessa perspectiva dualista é in- trinseca a grande parte da Teoria Verde da época, e, por vezes, levou essa tradicao a uma crua rejeieao de quase toda a ciéncia modema, bem como o ilumninis mo e 0s movimentos mais revoluciondrios ~ uma tendéncia que alimentou o anti-racionalismo de boa parte do pensamento pés-roderno contemporaneo.. Do século XVII a0 século XX, quase todos os pensa dores, salvo alguns potas, artistas e eriticos cultu- rais, sao condenados nesta visdo por aderirem a valo- res antiecoldgicos ¢ por endeusarem o progresso. Neste contexto estranho, idealista, em que s6 0s valores importam, as questées histdrieo-materials re- ais desaparecem ¢ as grandes lutas histéricas e inte- lectuais reduzem-se a meras frases. E dbvio, ou deve- ria ser, que a nogao da “dominacao da natureza” pe- Jo homem, embora tendendo para o antropocentris- ‘mo, nao implica necessariamente uma extrema des- considera¢ao da natureza ou das suas leis. O proprio Bacon afirmou que a maestria da naturezaestava en- raizada na compreensaoe na obediéncia as suas leis. Embora isso fosse ser condenado por Marx como so- bretudo um “ardil” para obrigar a natureza a confor mar-se as necessidades do desenvolvimento burgués, a formulacdo expressava, porém, uma contradicao verdadelra da condicao humana Assim, partindo do conceito da “maestria da na tureza”, Caudwell escreve em Illusion and reality (1937) “Os homens, na luta com a natureza (isto 6, na uta pela liberdade), entram em certas relagdes uns com os outros para conquistar essa liberdade (...) ‘Mas os homens nao podem mudar a natureza sern mudara si mesmos. A plena compreensao desta mii tua interpenetracao do movimento reflexivo dos ho- mens e da natureza, tendo como mediador as rela- ees necessérias © em desenvolvimento conhecido como sociedade, & 0 recontectmento da necessidade, no apenas na riatureza, mas em nés mesmos e, por- tanto, na sociedade. Vista objetivamente, esta ativa relaeao sujeito-objeto 6a cienciar vista subjetivamen- te, € arte; mas, como consciéncia emergindo em ativa uniao com a pratica, ela é simplesmente avida 16 83/2008 CAPA concreta - todo o provesso de trabalhar, sentir, pensar ¢ comportar-se como individuo humane num mundo Ainico de individuos e natureza” Nessa concepsao dialética, que enfatiza a *refle- xividade’, a assim chamada “maestria da natureza” torna-se un processo infindavel de intera¢ao dialéti- ca. Dai no ser nenhuma surpresa Caudwell ter em- preendido na sua obra Heredity and development, esbo ¢ada pouco depois de Zilusion and reality, mas 56 publi- cada meio século depois, em 1988, uma forte defesa de uma abordagem co-evoluciondria as relagdes en- tre o homem e a natureza, enraizada tanto em Danwin quanto em Marx, Uma vez que se reconhega, em conformidade com o argumento acima, que nao ha contradi¢ao fundamental necessAria entre a mera idéia de * ma- esirla da natureza” ¢ o concelto de sustentabilida- de, nao sera nada surpreendente que as nogdes de “maestria” e “sustentabilidade” tenham surgido juntas, exatamente dentro da propria tradicao ba coniana, Nao por acaso entre os “aperfeigoadores baconianos também se incluem os primeiros defen- sores do desenvolvimento sustentavel, como a grande defesa das florestas em Syivie (1664), de John Evelyn, e 0 seu ataque a poluigao do ar ~ a maior critica materialista jamais escrita da poluigao atmosférica ~ em Furnifugiura (1661), Nao apenas como aperieicoador baconiano, mas também como tradutor de parte de De erurn natura (Sobre a natu- reza das coisas), de Lueréclo, a obra prima poética do antigo materialismo epicurista (que seria um ponto de partida para o materialismo do props Marx), Evelyn representa o conjunto extremamen: te complexo de questies aqui envolvido, Na verdade, as maiores avangos na evolucao do pensamento ecoldgico até o fim do século XIX resul- taram da ascensao a proeminéncia de concepeoes materialistas de natureza,interagindo com condi¢oes historicas mutantes. Na era medieval, a rigor até 0 fim do século XIX, a viséo de mundo dominante era a visao teleolégica da Grande Cadeia do Ser (poste- riormente modificada pela teleologia natural) , que explicava tudo no universo em termos da divina pro- videneia e secundariamente em temos da eriagao da terra por Deus para o “homem”. Todas as espécies fo ram criadas separadamente. A terra era o centro do univers, € 0 tempo € o espaco eram limitados. O 83/2006, Marz. grande inimigo deste ponto de vista, ab fnitia foto antigo materialismo, sobretudo 0 materialismo epi- curista, que seria ressuscitado no interior da ciéncia renascentista ¢ iluminista, Questionando o ponto de vista escotastico-aris totélico, 0 materialismo também questionava 0 an- tropocentrismo que era central a esta teleologia: a terra foi desalojada do centro do universo; descobriu- se que 0 tempo eo espaco eran infinitos (e até que a historia da terra estava atrelada ao * profundo abis- mo” do tempo): ¢, por fim, demonstrou-se que os se- res humanos compartilhavam com os macacos de uma ancestralidade comum, originando-se de um gallo da mesma arvore evolucionaria, A cada ponto desse crescimento da cléncia, que seria equacionado com o erescimente do materiatismo, Deus era desalo Jado do universo material - do sistema solar, da evo- lucao da terra, da prépria evolucao da vida, por fim, de tal forma que, na visio da cléncia moderna, Deus, como os deuses de Epicuro, com efeito habitava cada vez mais 0 intermunda, os poros entre os mundos, sem qualquer rela¢ao com o universo material, A mesma importancia teve a grande descoberta ~ es- senicial para a andlise ecoldgica — da interdependén- 17 CAPA cia dos seres humanios com a terra ao longo de toda a evolucao material. Nao se podia mais presumir que ‘5 seres humans fossem simplesmente dominantes, ou supremos, ocupando asua propria posi¢ao fixa na Grande Cadeia do Ser a meio caminho entre os mais, inferiores dos organismos e os mais superiores dos anjos (ou Deus). 0 importante, em vez disso, era a natureza da interacéo entre os seres humanos ¢ 0 mundo material do qual eles erarn parte. A relagao humana com a natureza era, como Bacon havia enta tizado, um fendmeno da histérla natural ou, como Darwin salientava, de uma longa trajetsria de selegao natural 0 relato evoluciondrio da natureza do proprio Darwin derivava do seu materialismo fundamental, intransigente (com respeito ao mundo natural). Ele represenitou aur sé tempo a “morte da teleologia” (como salientou Marx) @ 0 erescimento de um ponto de vista antiantropocentrico. E com hase na obra bio- istérica de Darwin, complementada pelas descober tas biolisicas de outros cientistas, como o grande qui mico agricola alemdo Justus Von Liebig, com sua én- fase na circulacao dos nutrientes do solo e sua rela ¢40 com o metabolismo animal, que se pode dizer que aecologia inoderna emergiu ern meados do sécu lo XIX. Mesmo o darwinismo tendo sido freqiente mente convertido em apenas mais uma perspectiva mecanicista, “o darwinismo, tal como encontrado nos escritos de Darwin’, escreveu Caudwell, *(.) ainda recende an contrato com a multidao de novos fatos biolsgicos entao sendo descobertos. O organismo ainda nao ¢ colocado aridamente contra 0 meio ambiente, mas a teia da vida ainda ¢ vista per meando com fluidez o resto da realidad (..) A extra- ordinéria riqueza do cortejo de mudanca, historia e conflito na vida, que Darwin descerra, confere um poder revolucionzrio insurgente aos seus escritos e aos de outros seguidores imediatos como Huxley”. ‘A importancia da andlise de Darwin para nés ho- je foi sublinhada sobretudo por Rachel Carson, que cescreve: “Hoje, seria dificil encontrar qualquer pessoa instrufda que negasse os fatos da evolugao, Nao obs. tante, muitos de nés negamos 0 corolario dbvio: que © homem ¢ afetado pelas mesmas influencias am. bientais que controlam as vidas de todos os muitos miilhares de outras espécies com as quais ele esté re lacionado por vineulos evolucionéties” As implicapdes mais amplas disto e a importan- ia global do materialismo para o desenvolvimento do pensamento ecoligico podem ser entendidas com mais clareza a partir de uma perspectiva ecolégica da 6poca observando as quatro conhecidas “leis infor- mais” da ecologia de Barry Commoner. Sao elas: (1) tudo se conecta com tudo o mais; (2) tudo precisa ir a algum lugar; @) a natureza sempre tem razio; (4) nada vem do nada (18) ‘As duas primetras e a tiltima dessas “lets infor. mais” eram prinefpios cruciats da fisica epicurista, enfatizados no Livro I de Sobre 2 natureza das coisas, de Lucrécio, que foi uma tentativa de apresentar a filo- sofia epicurista em forma postica (19). A terceira “lei informal” parece, & primeira vista, implicar um de- terminismo teolégico, naturalista, mas no contexto do argumento de Commoner é mals bem compreen- dida como “a evolugao tem razao”, Ou seja, no curso da evolucao ~ corretamente entendida nao como um. proceso teleoligico ou rigidamente determinado, ‘mas como um processo que contém a cada etapa co- lossais niveis de contingéncia — as especies, inclusive 98 seres humanos, tornaram-se adaptadas aos seus ambientes por meio de um processo de selecZ0 natu- ral de variagdes inatas, operando numa eseala crono- ogica de milhoes de anos. Entao, segundo essa pers- pectiva, nds deveriamos ter muita cautela ao fazer mudancas ecolégicas Fundamentais, reconhecendo que, se introduzirmos no meio ambiente substan quimicas novas, sintéticas, que nao sejam produto de uma longa evolugdo, estaremos brincando com fogo. Em tiltima instancia, ¢ evidente que os seres hu- manos nao so totalmente determinados pelas con- dicdes naturais (alémn da morte, que, nas palavras de Epicuro, ‘nao significada nada para nds”). Ha, na r alidade, um elemento de liberdade humana, uma ca- pacidade de “mudar de direcao”, mas sempre com base em condigoes materiais que existem como ante- cedentes e que carregam com elas algumas limita ¢6es. Dai os seres humanos, como enfatizou Epicuro, existirem num mundo governado pela extincao des- sas espécies que nao conseguem se adaptar (ndocon- fundir com uma teorta de selecao natural plenamen- te desenvolvida no sentido darwiniano) ¢ caractert zado por um desenvolvimento na relaao humana com a subsisténcia. Tudo isso esta sujeito & contin géneia e, no caso do homem, & escolha ética: a for- 18 83/2008 CAPA magio de compactos sociais inclusive, (Tudo isso consta do Livro V do grande poema de Lucrécio,) Foi com essa filosofia materialista fundamental que Marx se debateu, pelo menas até certo ponto, desde a juventude. Ainda no ginasial, muito antes de ter qualquer contato com Hegel, Marx se debatia com a critica epicurista da conceprao religiosa do mundo. Mais tarde, o epicurismo se tomou o topico da sua tese de doutoramento, permitindo que ele fo- casse, a umn si tempo: as primeiras teorias materialts- tas, as stias concepebes de liberdade humana, as fon- tes do iluninismo, o problema da filosofta da nature za hogeliana, a critica da religiao, ¢ 0 desenvolvimen- todaciencia, Para Mars, a principal limitacao da filosofia de Epicuro estava no fato de que o seu materialismo era meramente *contemplativo, umn problema que rea parecia mais tarde em Feuerbach. Encampando 0 elemento ativista da dialética e filosofia hegeliana, ‘Marx desenvolveu um materialismo pratico enraiza- do no conceito de praxis. Mas isso jamais, em ne- nhum ponto da sua obra, dissociou-se de uma cn; ceprao de natureza mais profundamente material ta que permaneceu implicita no seu pensamento. Is- so deu 2 obra de Mark grande forga teérica, além da que the é normalmente atribuida. Assim se explica 0 fato de Marx ter avaliado tio rapidamente a im por tancia das obras de Liebig e de Darwin. Além do ais, ajuda-nos a entender como Marx, como ver ‘mos, fol capaz de construir um entendimento do de- senvolvimento sustentado com base na obra de Lie big e de co-evolucao com base em Darwin, Uma analise ecolégica cabal requer uma postura tanto materialista quanto dialética. Ao contrario de uma visio do mundo natural vitalista, espritualista, que tende aver o murdo em conformidade com al- gun propésito teleolégico, umn materialista vé a evo- lueao como um processo aberto da historia natural, governado pela contingéncia, mas aberto a explica- ¢40 racional. Num ponto de vista materialista que também seja de natureza dialética {isto é, um mate- rialismo ndo-mecanicista), isto é visto como um pro cesso de transmutaczo de formas num contexto de inter-relacionamento que exclui toda distingao abso. luta. A vida (dos organismos) e 0 mundo fisico, como Rachel Carson costumava enfatizar, nao existem em ‘ompartimentos isolados”. Ha, em ver disso, uma 83/2006 Prineipion “extraordindria unidade entre 0s organismos ¢ 0 meio ambiente”. Uma abordagem dialética nos forga a reconhecer que 0s organismos em geral nao se adaptam simplesmente ao seu meio ambiente, mas também afetam o meio ambiente de varias maneiras e, afetando-o, modifica. A relagao é, pois, reciproca, 0 solo”, por exemplo, “sofre mudancas evolucioné- grandes e duradouras em decorrencia direta da atividade das plantas que ali erescem, ¢ essas. mu- dangas por sua vez retroagem nas condigdes de exis- téncia do organismo”, Uma comunidade ecolégica e o seu meio ambi ete precisam, pois, ser vistos como um todo dialéti- 0, emn que diferentes niveis de existéncia sao ontolo- gicamente significativos ~ e em que nao ha um pro- pésito global guiando essas comuniclades. Até props- sitos humans supostamente universais estao aber- tos a questionamento por seu caraterlimitado, Os se- res humanos, observou Marx, atribuem caracteristi- cas universais, “uteis", aos bens que produzem, "emn- bora dificilmente o fato de ser comestivel para 0 ho- mem parecesse a uma ovelha uma das suas proprie- dades ‘iteis”. Este tipo de complexidade diakética no entendimento das relagées ecoldgicas tinha em vista atranscendéncia de todos os pontos de vista unilate rais, reducionistas. Como Richard Levins e Richard Lewontin expli camn em The dialectical biolgis, “Tanto as necessidades tedricas internas da eco- logia quanto as demandas socials que informam as nossas interagées planejadas com a natureza exigem que se faca da compreensao da complexidade o pro- blema central. A ecologia precisa se haver com a in- terdependéncia e a autonomia relativa, com a seme- thanca e a diferenca, com o geral e 0 particular, com ‘ovacaso e a necessidade, com o equilibrio ea mudan- a, com a continuidade e a descontinuidade, com os processos contraditérios. Precisa se tornar cada vez mais consciente da sua propria filosofia, ¢ essa filoso- fia sera eficaz na medida em que se tornar nao ape- nas materialista, mas dialética”. Jeb Belloray Foster & ettor de Monthly Review. Tato transit to A ecolgl de Maa: matralisco ¢vaturez. (Cradaydo de Marla Trea Macisde),Rio de Jari: CrdiaSo Braslta, 2005 19 Princip - (Re) pensando o CAPA futuro Aaa as Suen Os desafios ecoldgicos da urbanizacao desenfreada tém de ser enfrentados no longo prazo congas meditacoes nos animaram a claborar 0 presente estudo. Temos grandes preocupagdes com 0 modo Superficial e incompleto com que a palavra futuro & utilizada. Vem acontecendo uma grande banaliza 230 dos modismos que incluem ter mos tais como sustentavel, susten: tabilidade e futuro, Essa titima expressao 6 repetida nos mais diversos tipos de escrita e discurso, toman- do-se um grande indicador de demagogia e ignoran. cia, Ninguém devia ignorar que o futuro inclui sem: pre diversas profundidades de tempo, Nesse sentido, existe toda uma arte-ciéncia, potencializada pela in- terdisciplinaridade, na (pre)visdo dos cenarios do porvir, levando-se em conta a conjuntura ¢ as ten- déncias do presente. Para tanto, elegemos duas teméticas delicadas que pretendemos — dentro dos limites do possivel — avaliar para beneficio de ecslogos, gedgrafos, agrono- mos ¢ historiadores. Centramos nossa ateneao nos perigos futuros de progressio da aldeia global ern es pacos fortemente urbanizaclos e industrializados, ¢ nos problemas da devastacéo progressiva e incontro- lavel dos espagos territoriais dotados de florestas, densas e biodiversas. Sao Paulo, de um lado; ¢ no ow. tro extremo, a Amazonia brasileira. Em numerosos casos tem sido quase impassivel realizar previsdes, em termos de cendtios e ativida- des, a diferentes profundidades de ternpo. Os gover- nantes pensam pouco no tempo de sua gestio, ou se Ja, quatro anos, ou em uma possivel reeleigao. Os economistas tentam prever fatos que se limitam 0 dia-a-dia do mercado, incluindo a nervosidade dos processos econdmicos. Entretanto arnbientalistas de boa formagao cient tifiea e Interdisciplinaridade tendem a projetar sew pensamento e meditardes para espacos de tempos futuros muito mais extensos: 50, 500, 5 mil ow 10 mil anos ~ mesmo porque se deseja que a humanidade sobreviva por um tempo imenso na histéria fisica e ecoligica do planeta. Nesse sentido, a linguagem simplista dos que falam a palavra “futuro” inclui um, senso de alta limitaggo. “Trabalho para o futuro”, “penso no tempo de vida dos meus filhos, ¢ filhos dos meus filhos” ... evidentemente, nossa responsa- bilidade € muito maior e eticamente mais exigente. Tendo por base tais consideragées, temas pensa- 20 83/2008 o perigo da charnada “aldeia global’, sobretudo no que diz respeito aodestino que aguarda as regides dotadas de densas redes ou bacias urbanas, como bem é 0 caso dos planaltos acidentais de Séo Paulo e do norte do Parana. Nessas areas, as cidades estao crescendo em mancha urbana progressiva, com exa- ndéncia para verticalizacao, ou por sucessi vos “saltées” para o interior do meio rural. Em nu merosos setores de terras férteis, em vales de passa- _gem obrigatérla, cu ainda em entroncamentos de ro las, assiste-se a processos de conurbarao indicadores dos perigos que podem acontecer pela formacao da aldeia global, E possivel prever cendrios catastroficos, dentro de algumas centenas de anos, A especulacao deriva da do capitalismo selvagem e da total falta de ética com o futuro poderd reduzir ao extremo os espacos dos agroecossistemas. O me deia global sera totalmente insuportavel, Faltara gua, com toda a certeza. E o erescimento populacio nal tenderd sempre a aumentar o numero de pobres, e carentes bolismo urbano da al: Nao se trata de produzir um cendrio ficcionista 83/2006 Principion de catastrofes entreeruzadas, mas sim de alertar 05 que 36 se preocupam com o presente, Nao se pode apoiar os dizeres idiotizados de alguém que faz.o dis- curso da cc tra-inteligéncia: “Os que vierem depoi de nés que encontrem o mundo que deixamos, tal como o reeebemos 0 mundo que nos deixaram”. Nao adianta nada a implantagao da consciéncia ambien: talista, a capacidade de aplicar a arte-ciencia de pre vor impactos, ¢ nem tampouco 0 conhecimento do passado geol6gico, paleontoligico, paleoclimatico e palececoldgico, Atencio, jovens universitarios do Brasil. E preciso pensar o futuro do planeta e da hu: manidade a diferentes profundidades de tempo, pa ra exigir de governantes, economistas ¢ ONG" s ab surdas mais responsabilidade na dificil tarefa de construir cenarios razoaveis para o futuro, lac Ab’ Saber &geigraty, profesor moist da. rds do Instat de Est CAPA Prineipion Economia ecologicameme sustenlada A combinarao de extrativismo e sistemas agroflorestals ajudaria a manter o maximo de mata em pé Existo um corto consenso de quecs que fazom orti- 6s severas a projetos elatorados por téonicos ¢ pseudo- téenicas de governo devern apresentar altemnativas. Qu ‘ros julgem, entretanto, que cabe aos governantes reco- nheeer os erros de seus incampetentes “planejadores” e, de sue prépria inieletiva, 8 custa de outros pesquisadores, encontrar alterativas para (re) direcionar projets. Pr- ferimos 0 sncon tro de alternatives por intermSdlo de ct- adios esclarecidos Tais meditagies nos vém & mente devido s Inaudi- tas controvérsias que vérn acorrends em nosso pais pelo destino que se pretende der 2s florestas nacionals da Amazonia (Plonas), A partir do ideério primério das re- serves extrativistas, que em verto momento encentou o mundo com a garta de Chico Mendes na guerrilha dos “empates”, podem-se fazer acréscimos nctavels e social ‘mente intreduzidas pelos aereans a fronteira cam Ron- donla (Nova Califérnia) A altemativa que julgemos mais adequade para de- fosa das Flonas biodiversas da Amazonia centra-so no 1uso de setores bem selecionsdos da borda das florestas pora.tividedes agroecossistémicase silviculturais, Usan- do a umidade exalada pela borda da mata, combinada com o calor e @ forte luminosidede regional, podern-se plentar culturas de varladas espécles amazbnicas ou de outras procedéncias Rente & floreste, renques de baneneira, pequenas areas de acai, cupuau e pupunhe, intercaledos com mandiocas mais extensos. E, em alternéncia, pequenos canavials Plantagées de abacaxi ehortallcas cle uso far- liar, Nes rebordas 2 reentrancias de flonestas, plantagao superposta das cestanheiras de enxerto produaidas pela Emibrapa de Bolom do Paré. Em acréscimo, algumas ex- perincias com o plantio de cacau ¢ guarand, em porybes sombreadas da margem das florestas mais continuas € biadiversas, [Na presente sugestao altemativa, est4 a dla de um desenvolvimento eozioeconbmico corm o méximo de mata em pe, como maximo do protepdo possivel para.a biodl- versidade regional. £ um esquema que protegeris 0 corpo Integrado do ecossistema lorestal, desenvatvend ativida- ‘des aprérias ¢ oventualments silvestres na borda das mia- tes, eproveltando oconjuntode fatores favorsveis: umida- dederivada cos “cabelos” da floresta, sombreamento di- urno flutuante, lurminosidade e taxa de calor Para tanto, nA que progredir no cultivo ce espécies ce interesse para a alimentapiofarnillar e agronazéclos cormelsmentares. En- tre as culturas de cielo curto, a mandioca é a mais impor- tente, Poce-se iniciar o cutivo dos retalhas da borda da: ‘mata e, depots, amplié-los para melhotemento do solo ja degradclo, Identicarmente, 2 castanhelra deve ser planta- anos retalhos mls alterados das rebordas das Flenas. Falta prover detalhar multes implantapSes indlspen- savels: escolas de ensino fundamental, ramais e pequenas estrodas para transporte de produgéo. Nad impede que, complementermente, sea possivel continuer oextrativis- mo no ccrasio da floresta, concentrando-se no latex e na coleta de ourigcs de castanha Mas ser4 sempre na perf tia das Flonas que 0 desenvolvimento socioeconémico & cultural podaré constitulr um dos melhores exemplos de “otonomia occlogicamente auto-sustontada’ Come disse alguém: pata o3 dies de hoje queremes a plantacdo de mandioce cereais; emcinco ou seisanas, 0 acai ¢0 cupuccu: as castanhelras ficaréo pera os ncssos filhose netos, agora, vames continuero extrativisrn, ent quanto tudo estaré crescendo na beira das florestas. Ig- norantes $80 08 proprietarios vindos de longe que nada sabem fazer de pratico. Assim falou o amazbnica, que merece govemantes mais sensivels ¢ azendeiros menos, anrogantes e agressivo Multas meditapies ¢ idélas ainda deverda ser feltas para salvar florestas ¢ ajudar os representantes de uma geografia humena sofrida. Cabe atedos os que conhecer a Amazonia trabalhar um pouco mais, com intaligéncia,, dedicapéo ¢ ética. Por Gltimo queremos registrar ~ para todo 0 sempre - que consideramos um crime histérico a {déla absurca de alugar as Flonas para ernpresas explora ddocas de madeira e outras espécies da biota vegetal Quanto idéte de conceder o gersnclamanto das mesmas para ONG”s estrangeiras que desconhecem os problemas da Amaztiia, ndo queremos nem falar, pelo absurdo in- ternalizado nessa sugestao, (Aziz Ab’ Saber) 22 83/2008 CAPA Principion Meio ambiente e desenvolvimento “Nao devemos nos vangloriar de nossas vitérias humanas sobre a natureza. Esta se vinga de nds para cada uma das derrotas que lhe infligimos”. (Friederich Engels, Dialética da Natureza) desenvolvimento capitalista tem como objetivo central o lucro maxi- mo, Adota um sistenna de produgao € constumo que conduz a exploracao da forca de trabalho e ao desperdi- clo dos recursos naturals A globalizaeao neoliberal, for- ma atual da acumulapao capitalista, agravou esse quadro, aprofundando a exploracao dos trabalhadores, a degradaedo ambiental, a concentra- (40 do conhecimento, a imposicao de habitos cultu- rais padronizados e, sobretudo, a concentracao da ri queza a nivel planetario. Conforme o Relatério do Desenvolvimento Hu- mano 1998/1999 do Programa das Nagoes Unidas pa ra 0 Desenvolvimento (PNUD), “os paises jé indus: 83/2006, trializados, onde se encontram 19% da popularao mundial respondem por 86% do produto mundial e do consumo, enquanto 0s 20% das populagdes mais pobres do planeta detém 19% do produto mundial, 1% das exportagses € 1% dos investimentos” . A concen- trapao da renda atinge nivels impressionantes, sendo que as trés pessoas mais ricas do planeta detém ati- vos superiores ao produto brute dos 48 paises mais pobres onde vivern mais de 600 milhoes de pessoas. A ooncentragao do conhecimento se expressa no fato de que em 1993, 10 pases respondiam por 84% clos gastas em pesquisa e desenvolvimento ¢ controla- vvatn 95% das patentes registradas nos Estados Unidos 80% das patentes dos paises em desenvolvimento, © meio ambiente tem sofrido as conseqiténcias desse modelo, Uma delas 6 0 agravamento do efeito 23 CAPA estufa, Este ocasiona 0 aquecimento da terra, a alte ragao das correntes maritimas e de ar, conduzindo a sérias alteragdes climaticas. Tal fendmeno decorre da emissao de gases poluentes, como o gas catbanico, e coloca em riseo 0 futuro da humanidade. 0 Terceiro Relatérto do IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change) de 2001 prevé um aumen to global da temperatura nos pré ximos 100 anos de 1,44 5,9 graus do total das éguas é representado por Agua dove eujo crescimento do consumo tem sido alarmante. A par- tir de 1950 0 consumo de Agua em todo o mundo tri- plicou, Mais de 26 paises jé sofrem de escassex de gua, sendo que alguns paises arabes importam 4gua potivel a precos superiores ao prepo do petréleo que exportam, O fato é que a questao da égua esta se tor nando um problema extrema mente grave ¢ razio de conflitos centigrados com a conseqiiente e guerras. Alguns cientistas che- elevacio do nivel médio dos ma- No Brasil . gam a alirmar que a agua sera res, causada pelo degelo das calo as conseqtiéncias para o século XXI 0 que fel o pe ts polars aii dapoltica neoliberal tre para kolo, im fevereiro desse ano en Jo Brasil, as conseqiiéncias trou em vigor o Tratado de Kyoto também da politica neoliberal também com 0 objetivo de reduzir a emis- aprofundaram aprofundaram a crise social e a so de gases poluentes. A meta degradacao ambiental. Segundo estipulada para os paises indus a Relatério de Desenvolvimento trializados que mais emitem ga- eadegradacao Humano, da Organizagao das ses de efeito estufa foi ade redu ambiental Nacoes Unidas (ONU), o Brasil tir suas emissées em 5% até 2012, relativamente acs valores de 1990, Porém, o maior poluidor, os Estados Unidos, responsaveis pela emissao de 36% desses gases, se negou a assina lo. Tal fato demonstra como 0 poder econdmico é um ‘grave fator limitador de boas praticas de preservacao ambiental buraco da camada de ozinio & outro problema qque traz sérias conseqiiéncias para a satide, em parti- cular provocando o cancer. le foi descoberto na An. tartida no inicio da década de 1980 e 0 seu grande causador € 0 clorofluorearbono (CEC) empregado em compressares de geladeiras, aerosscis da industria de cosméticos, na indristria de embalagem ¢ informati ca (sobretudo plastice). 0 mercado mundial de CEC representa uma clfra em tomo de 2 bilhoes de déta- rev/ano, Somente a Dupont de Nemours controla cer: cade 25% deste mereado. desmatamento ¢ outro fator importante na de gradacao ambiental que enfrentamos, Ble continua acelerado ¢ ininterrupto, O mundo j4 perdeu metade de suas florestas originals. Na zona tropical a perda anual soma 130 mil km2 por ano, Outra questao importante diz respeito a agua. Do total da égua disponivel no planeta 97,2% sao salga das, 2.4% so congeladas ou salobras. Menos de 1% esté na 8" colocaco do ranking das maiores desigualdades soc ais, ficando na frente apenas de 6 paises africanos eda Guatema- la, sendo que 46,9% da renda nacional estzio nas maos da populagao 10% mais rica As conseqiiéncias da politica neoliberal sobre 0 meio ambiente tém sido grandes em nosso Pais. O desmatamento da Amazinia brasileira & objeto de grande preocuparao. No ano passado foram desma- tados 26,1 mil km’. Todavia o governo Lula, através da Policia Federal, desbaratou uma quadrilha de ma- deireiros e integrantes do Ibama responséveis por desmatamento na Amazonia. Certamente fruto des- tae de outras aces houve neste ano uma queda no ritmo de desmatamento na regiao, conforme declare ees da ministra Marina Silva. © processo de desmatamento esta relacionado como avanco da pecudria e da agricultura, principal- mente a produgao de soja. A produgao agricola capi- talista, em geral, néo respeita os 20% de reservas le- gais e as areas de preservacao permanente (matas ci- liares, encostas de morros). O desmatamento, por tum lado, é 0 maior responsavel pela emissdo de gis, carbonico no Brasil. Por outro, ele causa 0 assorea- mento dos tios ja que grandes volumes de terra sao escoados para os seus leitos. 24 83/2008 CAPA © Brasil detém 20% de toda a biodiversidade mundial. Todavia este patrimonio genstico ¢ 0 co- rhecimento de que comunidades tradicionais e indi- .genas dispoem scbre essa riqueza tm sido vitimas da “biopirataria”. Grandes industrias de farmacos, cosméticos ¢ alimentos se apropriam e os patenteiam ‘em seus paises de origem. CO uso de fertilizantes e pesticidas tem sido maior a cada dia, pois as pragas tornarn-se cada vez mais, resistentes, Trazemn sérios problemas para o meio am- biente e para a satide humana. As inddstrias, para aumentar sua competitivida de no mercado globalizado, reduzem custos de pro- ducéo cortando gastos com gerenciamentos ambien: tais € mecanismos de controle de emissao de resi- duos, bem como realizando uma politica de achata- mento salavial, Nosso Pais detém em torno de 12% das reservas de agua doce do mundo, Todaviaela é ma distribuida trazendo polemicas como a da transposicao das Aguas do Rio Sao Francisco. Enquanto a regiao Nor- te, com 6,98% do total da populacao, dispae de 68,50% da agua doce existente no Pais, o Nordeste, com 28,91%, dispée somente de 3,30%. Por outro la- do enfrentamos 0 problema da poluigao de nossos rios através do laneamento nos corpos d'agua de es- gotos domésticos ¢ efluentes industrials. Tudo isto tem acarretado a redueao da quantidade e da quali- dade de nossa agua doce Com o process de urhanizagdo em curso no Pa- {sa questao dos resfcluos sélidos tornou-se problema sério, principalmente nas maiores cidades. Segundo Pesquisa Nacional de Saneamento Basico, produzida pelo IBGE em 2000, apenas 33% dos municipios bra- sileiros coletam 100% dos residuos domiciliares pro- duzidos nas zonas uibanas de seus territories, sendo que do total dos residuos urbanos coletados, 20% sa0 dispostos de maneira inadequada, em vazadores a eéu aberto, Desenvolvimento sustentavel Os fendmenos reventes, como furacdes, chuvas torrenciais em algumas regices e seca inclemente em outras, colocam na ordem do dia a questo ambien- tal, Mais do que nunca hé que se encontrar formas 83/2006 Prineipion de compatibilizar o desenvolvimento com a preserva- cao ambiental. O desenvolvimento sustentivel procura coneiliar 6 desenvolvimento com a preservacao do meio ara ente ea melhoria da qualidade de vida da populagao. Todavia tal conceito suscita concepedes diferen- tes, Para alguns, o mero desenvolvimento cientifico © teenolégico sera eapaz de resolver o problema am. biental, Para outros, é indispensivel a alteragao do modelo de desenvolvimento visando assegurar uma mais justa distribuigao da rendae da riquezae a pre- servagao ambiental, Para isto torna-se necessdrio uma alteracao dos processos de producdo e de consumo jé que o sistema capitalista desenvolve uma pratica de desperdicio de matérias primas e produtos industrializados e utiliza, de forma abusiva, bens finitos, com graves conse- qiiéncias para o futuro da humanidade. Edis Milaré em seu Direito Ambiental afirma: “Nao se atingira 0 desenvolvimento sustentavel se nao se proceder a uma radical modificagao nos pro cessos produtives assim como o aspecto qualitativa & quantitative do consumo” ‘A Agenda 21 brasileira afirma: “Desenvolvimen- to sustentavel ¢ aquele que atende as necessidades ddo presente sem comprometer as possibilidades de as, geragdes futuras atenderem as suas proprias necessi dades. Mais que um conceito ele traduz. 0 desejo de mudangas de paradigma, a busca de um estilo de de- senvolvimento que nao sea soclalmente injusto e da- noso ao meio ambiente”. Isto implica no uso racional da energia, na utili- zagao de Fontes altemativas de energia e uso racional da matéria prima, assim como na conservagaio de re- cursos naturais dentro das caracteristicas essenciais dos ecossistemas de modo que a demanda sobre eles atinja limites que possam se regenerar e auto-regu- lar. Na realidade uma alterapao radical da situaeao ambiental implica na superacao do sistema capitalis- ta e na adocao de um novo sistema econdmico-soct al, 0 socialismo, incorporando a questéo ambiental como um problema relevante de nossa época, Toda- via enquanto nao aleangamos 0 socialismo, torna-se necessdrio, dentro dos limites do sistema capitalista, avancar na defesa do meio ambiente. Dentre as questiies que devern estar presentes na 25. CAPA Prineipion luta em defesa do meio ambiente destacam-se 0 avango nacriagao de novas unidades de conservarao, o controle efetivo das Areas de Reserva Legal ¢ Areas, de Preservagao Permanente (AP's), origiclo contro: edo desmatamento, a adoro de politicas de estimu, lo do florestamento das nascentes ¢ do refloresta- mento, 0 combate a biopirataria, a adocao de uma politica adequada para os residuos sélidos estimulan- doa coleta seletiva do lixo, a adogéo de novas formas de producao agricola e industrial que reduzam os im. pactos ambientais, a politica de revitalizacdo de nos- sos rios € a criagdo de mecanismos econdmicos de gestao ambiental como o ICMS ecoldgico. Intimeras destas medidas jé vem sendo colocadas em prética is, OU mesmo se constituem: em politicas nacionais. Estas sao algumnas das impor tantes questées a serem incorporadas a um projeto nacional de desenvolvimento sustentavel. Sélidas bases para um projeto nacional de desenvolvimento sustentavel O niicleo de um projeto nacional de desenvalvi- mento sustentavel diz respeita & adocao de politicas que coloquem como questao central o desenvolvi mento do Pais com a gerarao de emprego, a valoriza 40 do trabalho ¢ a preservacao ambiental Isso implica na adocao de uma nova politica ma- croecond mica voltada para o desenvolvimento nacio- nal, que valorize os fatores de produgao do pais, desen volvendo tecnologias voltadas para a nossa realidade, Bibliografia Brasil possui uma enorme populagdo, urn par- que industrial relativamente desenvolvido, uma vas- ta extenséo territorial de terras agricultaveis, rique- zas minerais e maior biodiversidade do planeta, além de possuir 12% das reservas mundiais de agua doce. Tem, portanto, bases sélidas para formular um projeto nacional de desenvolvimento sustentavel. Depende da vontade politica de seus dirigentes e do sett pero. 0 aprofundamento do proceso de mudancas iniciado com o governo Lula passa pela alteragao da atual politica macroecondmica com a redugdio das ta xas de juros, a reducao das metas de superdvit pri- mario e, sobretudo, a definigao do desenvolvimento como centro da politica econdmica visando gerar i queza, emprego, valorizar o trabalho e preserv meio ambiente. OPCdoB deu um importante passo ao incorporar a questio ambiental as Resolupdes de seu 11° Con- gresso, Esta frente de luta ganha cada vez. mais rele- vaneia sensibilizando amplos setores da sociedade, em particular a juventude, Torna-se necessario dar noves passos formulan- do a politica do Partido para o Meio Ambiente, en- frentando as questoes polemicas que envolvem este tema. ° Aldo Arants fot Seretérto Extadua) do Meto Arabtente @ Recursos Hidrtos do Estado de Catés @ merabro da Comisio Politica Nacional do Cort Cetra] do PCdbR FOLADORI, Guillermo," Questdo Ambiental em Wane Em Crise Merxista,n.4 S80 Paulo, Xamd, 1997. 2 TOMMASINO, Humberto “El Concapte da aesarciin sustentatie treinta aos despiucc” Em DasanvaNimeno @ Melo. Ambiane Curtite, Edtore da UFPR, 2001 MLARE. Edis Direto Ambiental NOVAIS, Washington (coord). Aganda 21 Brasicia.Brasita, MMAPNUD, 2000, PROPOSTA DETEXTO-BASE OA Il CONFER NCIANACIONAL D0 MEIO AMBIENTE Brasiio, 2005 ‘SANTOS, Miton et all, 0 Vove Mapa do Mundo — Naturaza ® Sockedede Moje uma ewe gecgraica So Paulo, Hucitec, VIANA, Gilney, SLVA, Marina e DINIZ, Nilo (org). 0 Desafio da Sustentabiidede ~ Um debate s Fundagéo Perseu Abrema, 2004 bientel ne Brasil So Pac, VIOLA, J Eduardo ot ai. Maio Ambiarto, Dasarvelvimanto @ Cidadania: desafo para ae Créncias Socsie Sdo Paulo, Cortez, 2002, 26 83/2008 CAPA Prinespion Petroleo e meio ambiente: a evolucao brasileira A utilizacao de recursos nao renovaveis deve ser feita sem colocar em risco os recursos renovaveis e deve contribuir para Indistria do petniloo se desenvolveu no Brasil até o final da década de 1970, como em toda parte e da mes ma forma que outros setores produ tivos, sob padrées de gestao ambien- tal, hoje inaceitéveis. A mudanca de regime juridico da execucao do mo- 83/2006, aampliacao do seu uso racional nopélio da Unido sobre as jazidas de hidrocarbonetos @ a atuarao da Agencia Nacional do Petrileo, Gas Na- tural ¢ Biocombustiveis influenciaram de forma dect siva o desenvolvimento da gestao ambiental empresa: rial, o controle das atividades por parte dos érgios go- vernamentais ea percepeao social da relevancia do se~ tor para o meto ambiente e para o deserwolvimento 27 CAPA A partir dos anos 80 do século passado, por forga da opiniao publica e do crescente aparato legal dirigi- do para a protecao ambiental, houve continuo desen- volvimento tecnoldgico e de gestao que permitiu uma notavel melhoria dos padrées de desempenho ambiental da empresa entao monopolista no que diz respeito & mitigacao des impactos ambientais decor- rentes das operagées, Osimpactos ambientais da indiistria do petrsleo so de natureza abrangente, de ammbito local e global, atingindo os meios fisico, bidtice € sécio-econdmicn. ‘Nao obstante este fato, a sociedade moderna nao po de prescindir do potroleo como insurno energético, A cengrenagem de dependéncia dele ¢ tdo ubiqua e ine vitvel que até mesmo o mais aguerrido ambientalis- ta que se faz presente a uma audiéneia ptblica para contestar um empreendimento petcolifero nela che- ga movido a petroleo, Todas as atividades do setor sto signiticativas do ponto de vista ambiental, da sismica a distribui cao, podendo acarretar supressao da vegetacao em Areas consideraveis, fragmentacao de habitats, ge- ragao de residuos variados, movimentacao de terra, poluicao de solos e aqiifferos. Os impacts sécio. econémicos, nao menos importantes, englobam a criagao de expectativas, as interferéncias em outros, usos do tertitério, a mudanga cultural regional e a incompatibilidade com outras politicas governa- mentais. Estes efeitos sao especialmente significati- vos em pafses como o nosso, com grandes recursos de biodiversidade e com caréncias sociais extrema. das em muitas regioes. Os efeitas globais da queima de combustiveis fésseis sao motivo de preocupacao no mundo todo. Nos dias atuais assistimos aos embates politicos na husca de solugdes para este efeito cada vez mals confirmado pelos modelos climatol6gicos. A inexis- téncia de alternativas para os niveis atuais de con- sumo ea resiliéncia dos meios de produgae atuais a mudanga radical necesséria continuam, todavia, a alimentar 0 aumento do consumo mural de pe- tréleo, Nao obstante 0 quadro ainda mal definido da questo, a preocupacao com o efeito global é de re- levancia para todas as agéncias reguladoras nacio nais do setor. Urge uma mudanga des paradigmas de planejamento energético ~ ainda baseados na consideracao exclusiva da oferta -, para outros que partam do planejamento da demanda. A conse- qiiencia imediata de uma mudanga de tal natureza sera 0 uso racional ¢ diversificado dos insumos, energéticos, adaptado as condigGes locais ¢ especti- cas. Este efeito, por si s6, é capaz de reduzir consi- deravelmente a emissao de gases de efeito estufa. Ainda mais se o Brasil deu recente passo nesta dire- 40, 08 paises passarn a considerar as alternativas energéticas renovaves. A evolucao dos paidrées de atuacao da induistrla pode ser notada de forma inequivoca quando se com- param atividades e instalagoes da época herdica do desenvolvimento do petrileo no Brasil, como aconte- ceu no Recéneavo Bahiano, com © desenvolvimento de descobertas mais recentes, como se realizou na provincia do Urucu, Qutro aspecta relevante da inckistria do petréleo, este responsavel em grande parte pelo lado negativo da imagem do setor, 80 risca associado &s atividades, principalmente o rises de derramamento de dleo. ‘Também aqui houve grande evolucao, principalmen- te apis a ocorréncia de incidentes de grande reper- cusséo e graves conseqiiéncias ambientais e econd- micas. O primeiro deles, o rompimento do caseo do petroleiro Exxon Valdez, alertou mundialmente para a necessidade de estruturacao de procedimentos de gestao do risco e para a melhoria de equipamentos. Psta tendéncia perdura até os dias de hoje, refletin- do-se, por exemplo, na exigéncia cada vex mais am- pla de caseo dupla para aclasse de navios transporta- dores de dleo. Oacidente de derramamento de 6leo ocorride na Baia de Guanabara em 2000 deseneadeou uma série de medidas legais e normativas por parte do Poder Piiblico e de iniciativas corporativas por parte da in- diistria. Apés alguns meses da ocorréncia fol editada a Lei 9968/00, a chamada Lei do Oleo, que instaurou, entre outras exigéncias, a necessidade de estrutura- ao de planos de resposta a emergéncias com derra- mamento de éleo para todas as instalagées que lidam. com substineias classificadas como tal. A lei foi regu- Jamentada por Decreto, instituindo a obrigagao de notificagao de derramamentos e detinindo sanedes. Nos anos seguintes, foram editadas Resoluedes CO. NAMA definindo padroes de elaboragao e estrutura de planos individuais de emergéncia e de “planos de area”, estes destinados a manter esquemas de coope- 28 83/2008 CAPA racdo entre agentes econdmicos em areas onde se concentram instalagdes que lidam com éleo. Do lado empresarial, a Petrobras estruturou urn grande plano para prevensao de risco, manutencao de equipamentos ¢ implantagao de centres equipa- dos com recursos para resposta a emergencias, empe- nhando consideravel soma de recursos financeiros.. Seguida por outras companhias do setor que operam no Brasil, a Prineipion propriedades privadas ¢ 0s lucros eessantes, de pes- ca e turismo, principalmente, podem alcancar so- mas que ultrapassam a capacidade de agentes eco- némicos, como armadores e operadores de instala- es, Para fazer face a esta dificuldade foram pro- postos mecanismos internacionais, os chamados Protocolos de 92. Oesquema institui um fundo com contribuigdes dos paises propor cionais ao volume de éleo que empresa contratou também ser- A debilidade manuseiam. O Brasil nao subs- sly ener especializa- ee creveu esta convenicao, conside- los, capazes de fazer frente a in é rando que os recursos seriam cidentes de grandes proporgoes. ambientais decorre mantidos em outro pais mem- O risco de derramamentos daexigua bro, configurando perda econd- de leo é de tal monta que mere- : mica para a economia brasileira ceuta celebracao de aconcles inter Commpreensag, Persiste, portant, um risco eco- nacionais, promovidos pela IMO, do seu papel para ndmnico a descoberto. a Organiza¢’o Maritima Interna- compatibilizar A atuacio dos drgaos de cional. Entre esses acordos, trés ‘ gestao ambiental governamen- sao especialmente importantes: a desenvolvimento tal anteriormente aos anos OPRC, que estaelece a responsa emeio ambiente. 1990 pode ser considerada flé- bilidade civil por poluigao: a MARPOL, que instituiu obriga- cOes para prevenir a poluicéo dos mares por éleo e outros materiais, ¢ a OPRC, que obriga os Estados signatérios a elaborar plano nacional de contingén- cla, prevendo meios de resposta e mecanismos de co operacao para eventos de poluigéo transfronteiriga. O Brasil ratificon todas elas. O Plano Nacional de Con- tingéncla, um cos objetos da tiltima delas, aguarda implantacao, tendo sido jé elaborada minuta do De ereto especifico (@ volume de recursos para implantagao de um plano nacional de contingéncia nao é desprezivel. Sao necessérias.a criacao e manutencao de um siste- ma de informagées atualizadas para sua operacao, a realizacao de exervicios simulados e a contratacao de servigos externos de resposta a emergéncias para eventos catastroficos, caso o inventario nacional de recursos sejajulgado insuficiente. A articulagao entre os muitos agentes governamentais e privados devera estar perfeitamente definida para funcionvar em situ- ages de emergéncia, Todas estas dificuldades tem causado a procrastinago de cumprimento da obriga- ¢d0 a que a convenao internacional nos obriga.) s prejuizos causados por derramamentos de leo excedem largamente os ambientais, Os danos a 83/2006 bil. De entao, houve considera- vel melhoria, Até 0 inicio desta década, a gestio publica do setor petrolifero, no que diz respeito aos aspectos ambientais, foi qua. se ausente. Varios motivos podem ser enumerados para esta situagao. Arrisco-me a aventar trés: 03 ventos autoritérios que sopraram a partir de 1964, a posi¢ao da Petrobras como ente do préprio go- verno e a fragilidade institucional dos érgaos am- bientais. O primeiro dispensa maiores justificatt vas. Quanto @ empresa monopolista, € preciso lernbrar, além da posicao de drgao governamental executor do monopélio, sua profunda identifica- a0 com a sociedade, de genese nacionalista e de- mocratica, 0 que a licenciava ab initio perante 0 olhar publico. A debilidade dos érgaos ambientais decorre, por outro lado, da exigua compreens4o do seu papel para compatibilizar desenvolvimento e meio ambiente, situacao que ainda persiste, ain- dda que em menor grau. O desenvolvimento da gestao publica do meio ambiente progrediu por etapas semelhantes em to- dos os paises. Em todo lugar é uma funcao de gover- 1no nascida por pressao popular, progrediu em relagao conflituosa com os setores produtivos atuando por comando ¢ controle e, nos paises mais adiantados 29 CAPA neste campo, encontrou lugar como harmonizador de opeGes de desenvolvimento, em colaboracao com todas as instancias de poder da administracao pabli- cae privada Na etapa intermediaria, na qual - pode-se dizer ~ ainda nos encontramos em varios aspectos, é eviden- tea postura governamental em contrapor a protecao ambiental ao crescimento econd mico (¢ seus frutos imediatos, co- relutancia e a inseguranga dos érgios licenciadores, em relacao & implanta¢ao de empreendimentos. 0 fato € notério em todas as Areas produtivas, como se depreende dos noticiérios. Em particular, no se- tor de petrdleo, o risco associado ao licenciamento ambiental é, em parte e associado a dificuldades conjunturais de disponibilidade de equipamentos de perturacao, responsavel pela postergacao da explotacao de tno a erlagao de empregos © SET VGS reservas da ordem de 3.9 bi- oferta de bens e energia) & prote- é - Ihoes de barris (a0 ambiental. Neste mesmo ce esforcos de cogperacao Desde a sue eriagao, a ANP nirio, as empresas costumeira entre a ANP se propds ativamente a cumprir men ramcauetsembertl ofhanano mien Nas duas esferas, os que militam sentido de conciliar dar que a Agencia ocupa o lug stan seal eaten as agdes de execuicado de Chap ser sais a cos recursos sua disposigao. . tema Nacional de Meto Ambi- O papel dos tse publlcos de duas politicas, ente, ainda que a defini¢ao des- -gestores da coisa ambiental ¢ ex ado peirdleo te status seja anterior 4 Lei do tensivamente definido nos esta: eacarnsoambent® Petréleo. Ainda mais, como 6r- tutos legais brasileiros De um lado, definiu-se para eles um po- der pétreo: nada se fazsem a sua licena e sem 0 seu controle, De outro, uma respon. sabilidade inevitdvel. Esta responsabilidade 6, ain- da, objetiva, isto 6, independe de formacao de culpa, Principalmente apés a Lei dos Crimes Ambientais, de 1998, fica claro no ambiente juridico brasileiro que as falhas de gestao ambiental consignam san. ¢0es administrativas, civeis e criminals. Pode-se di zer que 0 melhor a ocorrer para o administrador ambiental acusado de tal falha 6 arear com as custas advocaticias. Deve-se notar também que, na atual eonjuntura, amatoria dos outros instrumentos de politica, detini- dos na Let daPolitica Nacional de Meio Ambiente, de 1981, encontra-se parcial ou precariamente implan- tada. Entre eles, alguns sao fundamentais para apoio ao licenciamento ambiental, instrumento mais di fundido entre todos, A tentativa de fazer a gestao ambiental basea da quase exclusivamente no licenciamento traz conseqiléncias perversas tanto para as agbes de de senvolvimento quanto para a protecdo ambiental. Portanto, em vista da falta de outros instrumentos e dos pouens recursos alocados, € compreensivel a gio tesponsavel pela valorizacao de recursos da Uniao, a concilia- ‘cao de sua atuzacdo com a politi- ca ambiental. Como pode se prover, as primeiras discussoes com 0 érgio federal de meio ambiente versaram so- breas dificuldades do licenciaaenta. O que se-diseu- tia, na época, e que ainda & questao em aberto, era a criacao de instrumentos que pudessem dar maiorse- ‘guranga ao processo de concessao de dreas para ex- plorapao de petréleo e para o licenciamento ambien- tal. A alternativa entao identificada de licenciamen- to prévio das rodadas de licitacao pela Agencia, em escala regional e baseado em um estudo de impacto ambiental, foi postergada pela necessidade de im- plantar de imediato 0 novo regime de concessdes. Considerados a escala de tempo exigida para o rito do licenciaento e o amplo escopo geogratico das estudos necessdirios, seria inviavel a aplicacdo imedi- ata das medidas. Na impossibilidade de instaurar de imediato uma raudanea radical na regulamentacao do licen- ciamento, foram envidados esforgos de cooperacao entre a ANP e Ibama no sentido de conciliar as, agdes de execugao de duas politicas, a do petréleo e a de meio ambiente. Deste esforco surgiram os instru- 30 83/2008 CAPA mentos até hoje utilizados nas rodadas de licitapao: 0 guias das rodadas ¢ o apoio técnico mtituo. Os guias de licenciamento das rodadas de lici- tages sao mapeamentos das reas costeiras ¢ ma- rinhas, onde o Ihama exerce a jurisdigao, Na sua elaboracao sao considerados os componentes ecos- sistémicos identificados como prioritarios para conservacao da biodiversidade ¢ outros fatores co mo a interacdo com as unidades de conservacao. Na verdade, mais que um indicador de senstbilida- de ambiental, esses mapeamentos informam 01 vel de exigéncia que o empreendedor deverd en: frentar no processo de licenciamento, no que diz respeito ao meio bistico a alguns usos do territs- rio somente, Ao longo do tempo, a partir da quarta rodada de licitacdes, o instrumento tem agregado informagao continuamente. A continuacao deste processo poder desembocar em umn instrusmento mais abrangente, com a consideracao de aspectos sécio-econdmicos e politicos. Deve admitis,no entanto, que esta medida é pro- viséria e pallativa. Prova disto san alguns eventos em que atividades de exploracao prevista em algumas reas de concessao foram consideradas ambiental- mente invidveis pelo érgao licenciador. Esta situacao coloca a Uniae sob risco de medidas legais., por esta razio e também por necessidade de maior racionali dade administrativa, um procedimento mais definiti- vo deve ser implantado, O apolo técnico entre a ANP e o drgao ambiental enwolveu durante dois anos a contratagao de consul toria para elaboragao de pareceres técnicos, como forma de expeditar o licenciamento. Este periodo co briu os primeiras anos de funcionamento do Esc rio de Livenciamento de Petréleo ¢ Nuclear, entao pouco instrumentado para a realizacao de sue mis- sao, 0 relacionamento entre a Agencia e o Ibama continuou dai por diante, entendendo-se progressi- vamente também em relacao aos drgaos ambienitais estaduais, tendo como foco principal a ealizacao das rodadas de licitacao. A isto, porém, nao se resume 0 compromisso da ANP com a gestao ambiental. Na fiscalizacao direta das atividades quanto 2 cbserva- ao dos padroes operacionais e das boas praticas, ela realiza importante papel de protecao ambiental. Reconhecendo algumas fragilidades da gestio ambiental governamental, duas iniciativas foram 83/2006 Prineipion tomadas nos primeiros anos de existéncia da ANP. A primeira foi a implantacao de um centro de monito- ramento remote de manchas de dleo no mar. O een- tro foi instalado em colaboracao com a COP- PE/UERJ como apoio a fiscalizacaoe considerando a enorme dificuldade de manter recursos fisieos para inspecao em grandes areas, como navios © avides. A tecnologia, interpretacao de imagens orbitais de ra dar, € extremamente mais barata ¢ cada ver. mais, usada com este fim. Outra iniciativa relevante foi a estruturacao de um banco de dados ambientais, visando dar mator seguranca na avallapao de estudos pelos 6rgaos licon- ciadores. O projeto tera, sem diivida, o beneficio adi- nal de tornar menos onerosa para os empreende- ddores a contratacao de consultorias para o licencia- mento, pelo fato de universalizar a informagao. O bbanco de dados (BAMPETRO) foi desenvolvido pelo Observatério Nacional e est em vias de se tornar en- tidade financeiramente sustentavel, adotado pela in- diistria e com o aval do Ibama. O funda setarial do petrcleo, « CTPETRO, deve ser também lembrado como um eficiente mecanismo no novo regime de execuco do monopélio para age- ragtio de conhecimento teenolégico na area ambien tal para o poder publico e para a industria. Uma das Brandes fireas de concentra¢ao de projetos financia dos pelo Fundo tem esse objetivo. A.atuagao da ANP baseadla em principio de trans- paréncla, mudow radicalmente a perepeao do setor de petrileo e gis no Brasil. Atualmente sao difundi ddas informagoes sobre as atividades, onde se reali- zane quais operadores o fazem. Esta também dispo nivel, més a més, a completa relacdo dos beneti rios das participacdes governamentais, Estes fatos criaram uma aguda consciéncia dos efeitos locals da indtistria do petréleo, principalmente das expectati- vas e dos efeitos reais, no campo social e econdmico. A industria do petrateo, do ponto de vista da in- fluéncia local, éuma “atividade-turista”. Sem duivida 6 um setor que induz grande desenvolvimento tecno- légico e de producdo de bens de capital para o Pats Todavia, para as populardes proximas 2s jazidas, este desenvolvimento é apenas marginal, restrito aos emn- pregos de baixa remuneragao e ao desenvolvimento tdo mercado de servigas de pouco valor. atividade se instala, trazendo seus técnicos ¢ apoiada pelos depat- 31 CAPA tamentos centrais de engenharia ¢, exaurida ajazida, vai embora, deixando o local & sua pripria sorte de antes. 0 fato pode ser aferido visitando-se locais on- de a produ¢do de petrdleo j4 perdura por cingtienta ‘anos ou mais. As vezes, como ccorre em muitas localidades, principalmente nos paises em desenvolvimento, as condigées apés a exaustéo do recurso se tornam pio- res que antes devido a indugdo de migracdes que a presenga da indstria provoca. Um dos abjetivos da cobranca de participagdes governamentais sobre a produgao de hidrocarbone. tos € prover meios para fazer remediar situacoes co- mo estas. Mesmo com as imperfeiedes do critério le- gal de distribuicao destas participagoes (€ qualquer ‘ritério as tera), € possivel minorar os efeitos negati- vos locais da produgao de recursos nao renovaveis pela correta aplicacao destes recursos na criagao de altemnativas de desenvolvimento que supra as de mandlas criadas pela migracao indluzida ou pelo esva- aiamento econdmico subseqiiente a exaustao, Apés a sua criag2o, a colaboracao da ANP com a autoridade ambiental propiciou a freqitente realiza- a0 de audiéneias publicas, como parte dos processos de licenciamento. E animador que uma das questées mais debatidas nestas ocasiées seja justamente a aplicacao dos royalties destinados as administragdes municipals. Todavia, em muitas cidades, estes recursos sao insuficientes para a compensacao dos efeitos induzi dos pela presenea da industria, Felizmente a maior parte dos operadores, mesmo aqueles de pequeno € médio porte, se torna cadla ver mais sensivel as ne- cessidades locals. Neste sentido procuram realizar 0 conceito de responsabilidade social além de puro mo- dismo de marketing. Neste campo hé um grande es aco para a atuacdo da Agéncia como incentivador, que vai além do seu papel disseminador de informa: 0. (Deve-se apontar que a atitude das empresas no sentido de construir uma maior aceitarao pelas po- pulagdes locais tem também sue motivacao pratica. Uma delas é a inibicao de crimes contra a proprieda- de, cada vez mais freqitentes em todas as regides, € que afetam diretamente as empresas.) Do ponto de vista ambiental, além dos royalties, é de suma importéndia a aplicagao das parcelas da Par- ticipacéo Especial creditada ao Ministério do Meio Ambiente € das compensagdes ambientals pagas por ocasiao da implantacao dos empreendimentos. A prl- meira podera ser utilizada para a realizacao de im. Portantes projetos de apoio a gestao ambiental do se- tor, uina de suas destinacées legais. Estao a esperar estes recursos, entre outros projetos, os estudos para definigdo da viabilidade ambiental de concesses em areas atualmente sob moratéria, Esta indefini¢ao pri- va o Pais da exploracao de recursos petroliferos im- portantes para o desenvolvimento. A compensacao ambiental dos empreendimen- tos se destina as unidades de conservapéo proximas ao local de implantaco, Praticamente todas as uni- dades de conservacao brasileiras témn graves proble- mas de delimitaao, manejo, fiscalizagao e regulari- 1 Quando os recursos da compensa¢do ambiental nao sao destinados para estes fins, por to- dos considerados relevantes, toma-se a sua cobranca ainda mais polémica e contestada pela indstria, que la simplesmente como mais uma taxagan. O crescimento econémico constréi um futuro com © horizonte da escala de tempo dos negécios. O desenvolvimento sustentavel se planeja na escala de muitas geracées, engendrando outro futuro. Deste segundo ponto de vista urn ente regulador deve fi mar sua perspectiva, ja que, mais que a viabilizagao dos negéclos, serve o interesse de toda a soctedade, ‘Seu papel é, pois, fazer coincidir esses dois projetos de futuro, Ainda que a Agencia Nacional do Petroleo, Gas Natural ¢ Biocombustiveis se situe como drgao exe- cutor da politica energética nacional para um setor specific, seu papel como articulador e harmoniza- dor do crescimento neste setor com outras politicas nacionais pode ser extremamente relevante. E de su- ma importancia que a utilizagao de recursos nao re novaveis seja feita com o maior proveito da socieda- de, sem colocar em risco os recursos renovaveis contribuindo para a ampliagao do seu uso racional. As iniclativas até agora tomadas pela Agéncia apon- tam inequivocamente para este rumo, ainda que a ta- refa a frente parega cada vez maior. ‘Mike Obie Costa 6 Sapertoteronte Adjunto de Deseret ment Proctapko de Aginsa Nacional do Perea (ANE), 32 83/2008 O semi-arido nordestino: estralégias para 0 desenvolvimento sustentavel O semi-arido nordestin ae 0 Brasil onde s manifesta de forma mais inten separa a base econémic os et ‘0 demografico CAPA semi-drido nordestino é 0 espago no Brasil onde se manifesta de forma mais intensa o fosse que separa a base econémica do crescimento de- mografico. De acordo com Carvalho (2008), nos Ultinios trinta anos do século pasado (1970-1998), 0 peso PIB do semi-arido caiu de 28.4% para 21,6% em relacdo ao regional. A reducéo pro gressiva da producdo da riqueza ¢ inversamente pro: porcional ao aumento da populacao que, embora len- to, € persistente. Esse fato levou a uma inevitavel queda do produto per capita de 74,7% para 53,2%em_ relago ao Nordeste (1970-1990). ‘A economia do Nordeste semi-drido, espaca que se confunde com o bioma Caatinga, ¢ predominante- mente constituida por atividades tradicionals earac- terizadas por sua baixa eficiéneia e baixa produtivi- dade até atividades dinamicas, como a agroindustri al ea industrial propriamente dita, Destacaremos nestas breves linhas as regioes do agreste e do sertao onde se sittia a maior parte do semi-aridoe dobioma Caatinga. As suas fragilidades econémicas, sociais e ambientais justificam nossa escolha, Segurido Manuel Domingos Neto (2004), *o se mi-arido (..) chama a aten¢ao de estudiosos desde 0 periodo colonial; cedo o olhar europeu estranha a paisagem diferente, tida como inéspita, desfavoravel a sobrevivéncia humana, Euclides da Cunha conside- ratal ambiente aterrador e condicionante do atraso; conclut que (..) © homem estaria condenado a ser uum retardatario da civilizacao”. Para Domingos Neto, nessa mesma visao, “os letrados urbanos associam as condigées ambientais a tragos que conformariam a imagem dos ertanejos com 0 fanatismo religiaso, as manifestagdes de violencia eo corportamento refra- tario a modernidade" “A ormulacao segundo a qual as condig6es am. bientais definem as possibilidades de desenvolvi mento, abstrai o importante papel deste espago na histéria brasileira, Nao leva em conta que, até mea dos do século XIX, 0 semi-drido se apresenta como 0 grande responsvel pelo fornecimento de proteina animal, transporte e forpa de tragao para producao acucareira, para a mineracao e para a populacao lito ranea: ignora que, com o algodao, o kitex da mani¢o- ba e outros produtos do extrativismo vegetal, 0 semi- drido tenha contribuido decisivamente para as con- tas externas brasileiras, ajudando o processo de subs- tituicao de importacdes concentrado. no Sudeste” (Domingos Neto, 2004) Do ponto de vista ambiental, destacam-se as es- tiagens constantes, elevadas temperaturas médias & as taxas de evaporacao (dos espelhos d’agua) e eva- potranspiracao (solo e planta), bem como uma distri. buicao pluviométrica bastante irregular (no espago e no tempo) associada a um modelo de ocupacao do territério que tem contribuido para wm proceso de degradarao dos solos, resultado de atividades ecand- micas como agricultura familiar, voltada predomi nantemente para a subsisténcia, pecuaria extensiva, extrativismo e mineracao, sem os devidos cuidados com o meio ambiente. Em fun¢ao disso a ONU (Or- ganizacio das Nagées Unidas) reconhece quatro grandes areas desertificadas no Nordeste: Gilbués (PI), Irauguba (CE), Seridé (RN/PB) e Cabrobs (PE). As areas degradadas totalizam hoje aproximadamen- te 13% do Nordeste e 19% da area do bioma Caatinga (IBGE, 1997) Em Gilbués, no Piaui, 0 governo do estado, por intermédio da Secretaria de Meio Ambiente, de for- ma inédita tomou a iniciativa de eriar urn niicleo de pesquisa para recuperaao de éreas degradadas. Com © apoio do Ministério do Meio Ambiente e de profes onicos da Universidade Federal ¢ da Embra- pa, foram desenvolvidos experimentos e 0 uso de té&- nicas agricolas simples ede manejo do solo que com- provaram a possibilidade de recuperarao do solo. O provesso de desertificacao teve inicio em Gilbués na década de 40 do século passado. Desde entao, ne nhum governo havia tomado a iniciativa de conter 0 processo erosivo que contribuiu para o assoreamento dos principals rios da regiio. Na realidade, a seca sempre foi utilizada pelas classes dominantes no Nordeste como forma de ex- plicaro atraso econdmico da regido, justificar a misé- tia de seu povo ea necessidade de atrair verbas fede- rais para combater os efeitos desse fendmeno, Nas- ceu, assim, a famosa “inclistria da seca”, tese discu- tida e cada vez menos aceita, pols tenta expliear um. fendmeno sécio-econdmico © ambiental pelo lado moral, Esse cendrio tem perpetuado um quadro de mi- séria que cada vez mais acentua a pobreza, a desi- 34 83/2008 gualdade ¢ a exclusao social combinado com umn processo histérico de dominagao politica extrema- mente perversa, marcada por prdticas oligarquicas “antigas e modernas”, O poder publico, nos diver- sos periodos, sempre oferecew apoio no sentido de amenizar tragédias sociais provocadas pelas secas prolongadas ou por enchentes que desabrigam mi- Ihares de pessoas. A grande seca de 1871-1879 - que infelizmente pouca aten¢ao chamou dos estudiosos dos temas nordestinos - € uma demonstracao inequivoca do que estamos falando, isto é, o Nordeste somente pas- sou a ser visto pelo poder central no nosso pais a par tir de fatos como esse ¢ dramas como o da seca. De acordo com Domingos Neto (2004), “a interpretacao mais difundida desta calamidade (..) conduz a no- cao de que o ambiente semi-drido seria uma zona- problema, Neste esforgo de caracterizagao, a guerra de Canudos, 0 cangago,o culto ao padre Cicero, ocor- réncias do inicio do periodo republicano, ganharn a 83/2006 condi¢ao de marcas atemporais da histéria regional” Como falamos anteriormente, esse processo 6 agravado pela predominancia de atividades econdmi- cas tradicionais cujas culturas nao esto voltadas pa- ra a convivéncia com o semi-arido, nao levando em conta fatores ambientais como clima e tipo dos solos. Durante muito tempo predominou a idéia de comba- te & seea ~ como se fosse possivel combater fendme. 1nos geo-climaticos - nao de estabelecimento de po- liticas de convivéncia, ou seja, a busca de incentive & praticade culturas que possam ser mais hem adapta- das a0 semi-arido, Como prova disso, hd quase cer anos foi criado pelo governo federal o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas. A confirmacao da relapao entre as atividades econdmicas tradicionais, a idéia do determinismo geogratico e a reproducao do poder politico no Nor- deste pode ser encontrada em outra pesquisa de Do- mingos Neto (1982), na qual o historiador tenta de- monstrar que 0s problemas nordestinos decorrem 35 CAPA mais da insergao do semi-arido no desenvolvimento do pais, ¢ da insereo do Brasil no mercado mundial, que do simples problema da falta de chuvas. Ao tra- tar da pecudria extensiva no século XIX, afirma que tal atividade produtiva nunca poderia se adaptar as condigdes naturais do sertéo porque ela consome ra- pidamente uma grande quantidade de recursos natu. rais. Na opinio de Domingos Neto (2004), “a pecua tla degrada a cobertura vegetal, reduz a umidade do solo e altera ofluxo des ris; como demand terras li- ‘vres para se expandir, pressupde uma populacao ra refeita e ampara a organizacao da sociedade na forea de potentados locais. Além disso, inibe a formagdo do mercado doméstico, nao favorece a agricultura ea di- versificagao das atividades’. Noentanto,o desempenbo da economia nordes- tina nas tiltimas décadas pode ser considerado razo- vel. No final dos anos 50 do século XX, quando foi criado 0 Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste (GIDN), coordenado por Celso Furtado, fundamentou-se a estratégia inicial de acaio da Sude- ne, baseada no pressuposto de que o fraco dinamis- mo da economia nordestina até entao se devia ao es- gotamento do modelo primrio-exportador implan- tado na regiao desde 0 periodo colonial. A proposta central apresentada pelo relatério do GIDN indicava que o Estado deveria sero indutor do processo de in. dustrializacao da regido como forma de superar 0 atraso econdmico, Pelo nosso enteniimento, essa te- se continua atual, principalmente se adicionarmos a la as dimensdes social e ambiental ¢ trabalharmos na perspectiva de diversificacdo das atividades eco nmnicas Toxo projeto de integracao nacional iniciado no governo JK e acelerado durante a ditadura militar, através da tentativa de desconcentracao produtiva, embora esteja sendo novamente pensado, foi deixa- do de lado nas dltimas décadas. 0 abandono de qual quer perspectiva da construgao de um projeto nacio- nal de desenvolvimento vem junto com o fim das po- liticas regionais que visavam a reduzir as desigualda des entre as varias regides do pais. “Rumamos, ago- 1a, para aprofundar as diferenciagdes pré-existentes, cada um olhando para si proprio, cada subespaco buscando suas préprias definicdes ¢ montando suas articulagies. Os atores globais também fardo suas es- colhas” (Araijo, 1997). Na opiniao da autora, o pro- cesso de reconcentracdo produtiva pode levar a frag- mentagao da regio Nordeste, o que, em tempos de globalizarao, fragilizaria ainda mais a economia do pais, particularmente dos estadas periféricos. Embora nao seja objetivo deste artigo fazer um debate sobre 0 conceito de desenvolvimento, parti Thames da concepeao de que este conceito nao pode ser redurido a idéia de desenvolvimento econdmico. Pensamos ser necessétio amplia-to para além da di- mens4o econdmica, incorporando a dimensao social, a cultural ¢ a ambiental, entre outras. Atualmente dois coneeitos ganharam forra no debate sobre de- senvolvimento: desenvolvimento humano ~ que destaca 0 bem-estar da sociedad e o alargamento dos horizontes da cidadania como forma de enfren- tara crescente desigualdade social no mundo; e de- senvolvimento sustentavel - que pressupde a ne- cessidade de combinar o desenvolvimento que leve em conta o que ¢ economicamente viavel, socialmen- te justo e ambientalmente correto. A biodiversidade vem sofrendo um processo grave de reducao da vida vegetal e animal, tanto do ponto de vista quantitative como qualitativo. Qual- quer apao visando ao desenvolvimento da regio precisa levar em conta a recuperacao de areas de- gradadas, bem como a necessidade de aprofundar 0s estuclos sobre espécies ameacadas para a propo- sigao de programas sécio-econimicos que déem sustentabilidade e uso raclonal dos recursos natu- rais do bioma Caatinga. Acstrutura fundiaria ¢ outro entrave sério para o| desenvolvimento sustentavel da regio Nordeste. Nas areas de caatinga, a posse da terra ¢ extrema- mente concentrada e desigual, somenite superada pe- las desigualdads vistas em outro bioma: Mata Atlan- tica, Esta elevada concentragao da propriedade priva- dda da terraé uma heranga das tradicionais atividades econdmicas ~ como a pecuaria extensiva que era vin- cculada aos grandes proprietirias ¢ precisava de largas, extensées de terra e a exploracao do algodio arhéreo que durante muito tempo se constitui na atividade principal da agricultura familiar na regiao que pro- duzia em consércio com a agrictultura de subsisténcia tradicional Qs dados do censo agropecuario de 1996 indi cam uma grande concentracao fundiaria no semi- 36 83/2008 CAPA rido nondestino, Enquanto 47% clos estabelecimen. tos possuem apenas 3% da terra, 1% se apropria de 38% das terras utilizadas pelo sistema produtivo. A concentrarao é menor em areas de 200 a 500 hecta- res, onde 15% dos estabelecimentos possuem 16% da terra, A mesma tendéncia se verifica no estrato de ontre 20 » 50 hectares, onde 9% dos proprietérios possuem 11% da terra. Nos municipios onde predo minam as propriedades que possuem 500 ot mais hectares, prevalece um elevado indice de concentra- 40 da terra, Os grandes latiftindios esto mais pre- sentes nos sertoes de Pernambuco e Bahia, enquan to0s minifindios predominam nas regides litorane- as do Rio Grande do Norte, Ceara e Piaui. Qualquer apo governamental ou da sociedade que vise ao de- senvolvimento da regiao precisa, necessariamente, alterar em profundidade a estrutura fundiaria no Nordeste com uin amplo prograra de democratiza- ¢a0 do acesso & terra. Na area de recursos hidricos, percebe-se um de- sequilibrio entre oferta e demanda. Quando se com- para adisponibilidade de 4gua nas diversas hacias rograticas, acucles e aqiieros, verifica-se ma dis buicao, uso inadequado, concentracao em determi- nadas areas € aproveitamento deficiente dos usos muiltiplos da agua. Um exemplo importante ocorre no Piaui, que possui uma regiao rica em éguas super. ficiais e subterraneas. No vale do Gurguéia, localiza- dono sul do estado, existem mais dle trezentos pooos jorrantes ~ alguns jorram agua ininterruptamente ha mais de trinta anos, Menos de 10% desses poros sa0 usados para alguma atividade econdmica, O simbolo nacional do desperdicio de agua chegou aser capa do catlogo telefonico do Piaui Na cidade de Guaribas (PD, simbolo nacional do Programa Fome Zero, do governo federal, nao existia agua nem para o consumo humano. Pois bem, os po- 08 jorrantes do vale do Gurguéia estao a cern quilo- metros de Guaribas. Somente no atual governo foi tomada a iniciativa de colocar registros para contro- lar a vazao dos pocos mais antigos, cujo desperdicio dério de agua dava para abastecer uma cidade com mais de vinte mil habitantes. Também somente no atual governo foram construidos um poco profundo ¢ uma adutora para saciar a sede do povo de Guari- bas. No bajo desse debate nao poderiamos deixar de 83/2006 Prineipion fazer urna breve referéncia ao projeto do governo Lu- la de interligagao de bacias hidrograficas no Nordes- te a partir do rio Sao Francisco. Existem varias eriti- cas ao projeto. Uma bastante séria~ que trata a ques- tao criticando a persisténcia da chamada “solucao hi- dréulica” - aponta para o equivoco da prioridade da agricultura irigada que se constitui em uma ativida- de econdmica de uso intensivo de recursos hidricos numa regio que tem sérios problemas de deficit de 4igua. Alguns criticam o projeto alertando para os problemas ambientais e colocando como altemativa um programa de revitalizagao do rio. Coincidente. mente essas criticas partem dos estados que mais contribuiram para a degradacao do “Velho Chico” Uma terceira vertente da critica indica 0 custo clevadlo da obra, afinmando que os prineipais beneti- ciarios seriam as empreitelras, O ex-governador de Perriambuco Miguel Arraes, de saudosa memédria, costumava dizer que desde o Império 0 governo cen- tral 36 havia feito trés grandes obras no Nordeste: a primeira foi a construcao das ferrovies, abandonadas pelo tempo e pelos governos e que atualmente come- {atm a ser revitalizadas através do projeto da Trans- nordestina; a segunda, a construgao da malha rodo- vidria federal, também abandonada, mas que come. a.a ser recuperada pelo governo; a terceira, a cons- trugdo da Chest, mas que somente agora vern rece: endo investimentos novos em funeao do programa “luz.para todos", do gaverno Lula, que visa a univer- salizar 0 acesso da populagao a energia elétrica. Portanto, apds tantos anos de atraso e de forne cimento de mao-de-obra barata para as regioes Su- deste e Sul do pais para construiras grandes obras de infra-estrutura financiadas pelo poder central, che- gamos a conclusao de que a critica que leva em con- tao custo da obra também nao € pertinent. Enten- demnos existir um enorme esforco do governo Lula para comerar a saudar 0 débito histérico da Uniao para com a regiao Nordeste através da construgao de obras estruturantes, vidveis ¢ sustentiveis do ponto dle vista econdmico, social ¢ ambiental. O projeto de transposicao de uma pequenissima parte das Aguas do rio Sao Francisco e sua interliga- ‘20 om as bacias hidrograficas do Nordeste deve ser visto e entendido como um programa de seguranga hidrica para a regio, Ao mesmo tempo é importante assegurara destinacdo de recursos para a revitaliza- 37 Prineipion CAPA ‘¢20 dos principais rios nordestinas, em especial para 0 Sao Francisco e para o Parnaiba - 0 segundo em ex- tensdo da regio, mas o maior inteiramente do Nor deste, Resumindo: agua para o semi-érido significa, acima de tudo, cidadania e desenvolvimento para o povoe para os estados do Nordeste. Na perspectiva de propor urna agenda para o de senvolvimento sustentavel do semi-arido nordestino o Conselho Nacional da Reserva da Biosfera Caatinga (CNRBC), constituido pelo poder paiblico e pela so- edade civil, com 0 apoio do Ministério do Meio Am- biente, através do programa de Zoneamento Ecolégt co-Econdmieo (ZEE), produziu o diagndstico bastan- te atual do Nordeste Semi-érido “Cenérios para o Bi ‘oma Caatinga” (2004), no qual reconhece: “O grande desalio do desenvolvimento sustentavel reside na ne- cessidacle de estimular o erescimento da economiae da renda regional, a fim de reduzir a desigualdade permitir a ampliacao da renda e do emprego, sem a degrada¢ao dos ecossistemas, ern particular nas areas de maior pobreza e fragilidade ambiental” Na realidade ¢ preciso reconhecer que qualquer atividade humana em alguma medida traz prejuizos para o meio ambiente. O exercicio da regulacao am- biental, através do papel do poder pablieo, princi palmente por meio do licenciamento ambiental, ¢ da sociedade, por intermédio de suas diversas orga nizagdes, 6 impedir que 0 processo de desenvolvi- mento traga prejuizos irreversiveis para o meio am- biente através de medidas mitigadoras e de um rl- goroso processo de fiscalizapao. Infelizmente o Es- tado brasileiro foi desmontado na virada do séeulo XX para o XXL e 0 setor que mais sofreu foi o am- biental, reduzindo a capacidade do poder piiblico de fazer cumprir a legislacao ambiental brasileira, que, diga-se de passagem, € uma das mais modernas & severas do mundo, Neste sentido, 0 Conselho Nacional da Reserva dda Biosfera da Caatinga, através do Projeto Cendrios para o Bioma Caatinga, afirma: "(..) a promocao do desenvolvimento sustentavel demanda presenca ath va do Estado como regulador do mercado que, nor- ‘malmente, tende a conferir prioridade aos resultados de curto prazo ¢ a favorecer a concentracao e a cen- tralizagao do capital eas atividades economicas ¢ so- ciais no espaco”. 0 estudo prossegue nessa mesma li- nha: “na perspectiva de longo prazo, 0 mercadl nao contribul para a correeao das distorces no terreno social, ambiental e regional, favorecendo fatores de insustentabilidade. A atuacao do Estado na regula- ‘20 do mercado pode reorientar escolhas e decisoes, impedindo que a busca da eficiéncia econémica e da rentabilidade privada, hem como das economias de escalae de aglomeragaa, levem a deseconomias sock ais, A concentracao funcional, regional e interpessoal da renda, que devem ser evitadas, a fim de que pos- sam ser alcancados padroes de sustentabilidade eco- nomica, social, ambiental, politica, cultural”. Daten Melo Macarohira & professor db Dipartamenty de isa de Universidade Faeral de Pause secrete estadval de melo ambiniee ecursosnaturais do Pin. FURTADO, Celso, Fommapso econémica do Eras! Rio de Jari, Fundo de Culture, 1864 INSTITUTO BRASILEIRO OE GEOGRAFIAE ESTATISTICA Censo Apropecudrio de 1980 Rio de nei, BSE. 1997 38 83/2008 CAPA Prinespion Desenvolvimento Versus preservacao ambiental? Hoje ninguém questiona o fato de que o planeta chegou no limite. Medidas urgentes precisam ser tomadas para se evitar pergunta acima certamente sera Tespondida de forma distinta de acordo com o interlocutor. Ao longo do tempo tenho agrupado os participantes dessa historica polémica em tres grupos distin- ios: os “desenvolvimentistas”, entendido como o grupamento que enfatiza exclusivamente o crescimento eco némico; os “santuaristas”, para quem a preser- vacio é tudo e o crescimento econémico nada: & os “sustentabilistas”, fruto do entrechoque entre as duas correntes anteriores, segundo os 83/2006, o colapso ambiental quais, mais do que possivel 6 imprescindivel coneiliar o crescimento econdmico com a preser vacao ambiental. Assim, os “desenvolvimentistas’ dirao que sim, preocupacao ambiental 6 coisa de “ecologis- ta desempregado” ; as regides que mais pressio- nam pela preservacao ambiental sio precisa mente as que mais destruiram o meio ambiente, Por isso mesmo enfatizam que a preservacao ambiental atrapallia o desenvolvimento. Ja para os “santuaristas’, o crescimento eco- némico, especialmente da regio amazénica e de paises afficanos, nao representou qualquer tipo 39 CAPA de inclusao social da populacdo mais pobre: por- tanto, nao ha razao para o uso dos recursos na- turais desses paises, cuja utilizagao, em tiltima andlise, compromete o equilibrio ambiental. E os “sustentabilistas” defenderio nao exis tir essa contradicao e haver possibilidade de crescer economicamente, inclusive utilizando os recursos naturais sem implicar em agressio am- biental, & medida que ha uma razoavel quanti- dade de instrumentos cientificos capazes de mi- norar esses impactos. 0 fato 6 que, independentemente de “ponto de vista", hoje ninguem questiona que o planeta chegou no limite. Segundo 0 consenso generali- zadio, com a contraposicao prevista dos Estados Unidos - os maiores poluidores do planeta ~me- didas urgentes precisam ser tomadas para se evi- taro colapso ambiental. Arecente “seca na Amazonia’, tratada com grande estardalhaco pela midia, embora seja apenas a /* em ordem de grandeza, nos tltimos 100 anos reforcou a idéia de que o planeta esta no limite. O planeta esta no limite 0 diagnéstico de que o planeta esta no limite é praticamente unanime. ONGs, especialistase o proprio Nuicleo de Assuntos Estratégicos (NAB) do governo brasiletro reconhecem que a mudan- ca do clima tem se manifestado de diversas for- mas, destacando-se 0 aquecimento global, a ma ior freqiiéncia e intensidade de eventos climati- cos extremas, alteracdes nos regimes de chuvas, perturbacées nas correntes marinhas, retracao de geleiras e a elevacao do nivel dos oceanos, Desde a Revolucao Industrial a temperatura média do planeta autentou cerca de 0,6 grauts Celsius (°C) e recentemente o fendmeno tem se acelerado: as maiores temperaturas médias anuais do planeta foram registradas nos tiltimos anos do século XX e nos primeiras do século XI. ‘A comunidade cientifica especializada ja nao ‘tem mais dtividas de que este fendmeno ~ cha- mado de ampliacao do eftitoestufa - 6 causado principalmente pelo aumento da. concentracao na atmosfera dos gases de efeito estufa (C com destaque para gases decorrentes da ativida: de humana, como 0 metana (CH,) 0 didxido de carbono (CO»), cuja concentracao na atmos- Tera saltou de 240 para 375 ppm (partes por mi- Ihao) entre a era pré-industtial ea atualidade, Eles impedem a liberacao para 0 espaco do calor emitido pela superficie terrestre, tal qual ocorre numa estufa. O aumento da concentracao de CO», princi- pal responsavel pelo aquecimento global, é cau- sado prineipalmente pela queima de combusti- veis fosseis (carvao mineral, pettoleo e gas natu- ral) e, em menor escala, pelo desmnatamento da cobertura vegetal. A maioria dos especialistas, considerando o perioco 1980-1989, converge pa- ra uma emissao de Carbono da ordem de 7 bi- Ihoes de toneladas/ano (6,4 bilhoes pela queima de combustivel fossil e 1,6 bilhes pelo uso e transformacao dos solos, as “queimadas”). Oaumento de CO, tendea elevar a tempera- tura média do planeta ~ cuja previsao € de que aumenteentre I,4e 8,8%C até ofinal deste sécu- lo. As conseqiiéncias seriam safras agricolas comprometidas, areas costeiras inundadas, bio- divetsidade ameacada, doengas endémicas in- tensificadas, aumento da freqiencia e intensida- de dasenchentes e secas, alteracio da hidrologia @ comprometimento da capacidade de geracao hidrelétrica Os recursos carreados para fazer frente a es- tas “calamidades ambientais’ serdo feitos em detrimento de eventuais programas destinados & superacdo ce desiguatdades scciais, especialmente ros paises em desenvolvimento. Diante deste diagndstico foi estabelecida, no ambito da Organizacao das Nacdes Unidas, a Convencio- Quadro das Nagoes Unidas sobre Mudanga do Clima, aberta para adesoes em 1992, durante a Cupula da Terra no Rio de Janei- To, com 0 objetivo cle estabelecer as diretrizes ¢ condicées para estabilizar os niveis destes gases na atmosfera A Convencao do Clima, em vigor desde mar- code 1994, recebett até novembro de 2004 a ade- sao de 189 paises (partes), que se compromete ram, internacionalmente, com os termos da Convencao. A Conferéncia das Partes (COP), 40 83/2008 CAPA Principion Pais Meta _ iam ste ataxoi90 sé aa _feanavo igo Pe 8% aba 1980 6% abaino 1990 8% aba00 1080 __searavoi90_ TS _Seavaoteg ‘TABELA | - PAIS E META DE REDUGAO DE GEE SEGUNDO 0 PROTOCOLO DE KYOTO 8% ababoo 190 8 ababo (ano-base) 8% abaio 1000 igual 1860 Maina 1900 (6% sbadi6 1960, 8% aba 1900, 8% sbanio 1900 Igual ano-bese ‘8% aha fano-hast) ‘8% aban (ano-base) 8% abavo 1990, gual ano-bese) 7% aban 1980 ‘6% abaixo (ano-hase) composta pelos paises signatarios, ¢ 0 organismo encarregado de operacionalizar as decisoes da Convengao. Dentre as obrigacées assurnidas por todos os paises signatarios da Convencaa destacam-se as seguintes: *(..) 1. Os pases deservolvides (PD) teriam que reduzir, em 2000, os niveis de emissao de Gases de Efei- to Estufa (especialmente CO2), com base nas emissaes de 1980; 2.08 paises desenvolvidos deveriam adotar todas as medidas para assegurar, especialmente aos paises era anvolvimento, a transferéneia de tecnologia e de co- nhecimentos tecnicos ambientalmente saudaveis, ou 0 acesso aos mesmes, inclusive através de financiamente, como forma de capacita-los a implementar as disposi- ies da Convencio: 3. reconihece que 0 deserivalvimento econémica e social e a erradicacao da pobreza s4o as prioridades primordiais e absoluias des paises em desenvolvimen- toe que, portanto, o efetivo cumprimento des compro- ‘missos assuumidas sob esta Convengdo, por estes paises, dependeré do real cumprimenta dos compromissos as- stimidas pelas paises deserivolvides, especialmente no que se refere a recursos financeires e transferéncia de tecnologia”. Como os pafses desenvolvidos nao cumpri- ram as deliberagoes da Convencao do Clima, a Conferéncia das Partes (COP), na sua terceita re- uniao, realizada em 1997 em Kyoto, Japao, esta- beleceu o Protocolo de Kyoto para forcar o cum- primento dos compromissos assumidos durante a Convencio. Para entrar em vigor 0 protocolo necessitava da adesao de pelo menos 55 paises, responsaveis por, pelo menos, 55% das emissoes de CO2, com base nas emissoes de 1990. Apesar do boicote dos Estados Unidos atualmente mais de 130 pat- ses, responsaveis por mais de 60% das emissbes totais de CO2 dos paises industrializados, jé rati- 83/2006 41 OA BRASIL E! Olinda, 0 maior patriménio histérico e cultural do Brasil, agora é também, a primeira Capital Brasileira da Cultura. La Esse titulo, criado pelo Ministério da Cultura para promover e divulgar a diversidade cultural existente no Brasil, resgata simbotos esquecidos, XJ weal reafirma a identidade cultural do povo brasileiro, valorizando e preservande 0 nosso patriménio material e o imaterial PREFEITURA Parabéns, Olinda, Parabéns, cidadao olindense. Parabéns, Brasil. POPULAR Olinda, primeira Capital Brasileira da Cultura. Nosso maior patriménio é a cultura. eee acd ero Cet ecu CAPA ficaram 0 protocolo. Assim, oProtocolo de Kyoto esta em vigor a partir de fevereiro de 2005. 0 Protocolo estabeleceu que 38 paises ind trializados (Tabela I) deverao reduzir, em média, 4,2% de suas emissoes de GEE, entre 2008 ¢ 2012, tendo por base as ernissoes de 1990. O Bra- sil nao tem, por enquanto, compromissos for- mais com a reducio ou com a limitacao de suas emissdes de GE Dentre os paises que necessitam diminuir drasticamente suas emissdes de GEE esta muita “gente boa”; gente acostumada, nos féruns in- ternacionais, a “dar pito” nos selvagens que es: tao “destruindo a Amazdnia e ameacando 0 equilibrio global do planeta”. 0 Protocolo de Kyoto estabeleceu, também, além das metas de redugao de emissao para os pafses industrializados, mecanismos suplemen ‘ares de flexibilizacao de suas metas de reducao das emissoes, por meio de trés instrumentos: “(..) LO coméreio de permissaes de emissdes (CE), que permite a um pais vender uma parcela de sua quota de emissao a um outro pais; 2. a implementagdo conjunia (IC), que permite «20s paises realizarem ‘projetos limpes” no teerieério de outros paises, a fim de obterem unidades de reduao de emissées para cumprir uma parcela de seus compro- missos quantificados de limitacao das emissces 3.omecanismo de desenvolvimento limpo (MDL), gu pormite aos paises poluidores financlarem “projetos impos” no tercitério de patses com baixa exnissdo de GEE, visando obter as unidades suplementares de red sdo de emissies” Possibilitou, também, aos paises “poluido- res" compratem, até 20% ce suas metas de redu- ao de GEE, de paises nao poluidores. Paradoxal- mente, porém, as florestas primarias nao esto incluidas entre os mecanismos de desenvolvi- mento limpo. 0 descompromisso dos Estados Unidos com 0 Meio Ambiente Os Estados Unidos, apesar de signatarios da Convencao do Clima, de terem participado da 34 COP em Kyoto e de serem responsaveis, sozi- ao dos paises in- dustrializados, sabotam e se negam a ratificar 0 protocolo, evidenciando, assim, a arrogancia eo unilateralismo de sua politica, em todos os sen- tides, - Aarticulactio do bloco Parveria da Asia. Pacif para Desenvolvimento Limpo e Clima, cujo objetivo € fazer com que as metas de Kyoto deixem de ser obrigatérias ¢ se transformem em agées “volun- arias”, € apenas um exemplo desse sabotamen- to O bloc, formado por Estados Unidos, Aus- tralia, [ndia, China, Coréia do Sul e Japao, repre- senta 45% da populacio mundial, 19% do PIB e 50% da emissio de gases causadores do aqueci- mento global, embora China, India e Coréia do Sul nao possuam metas ce reducao de GEE defi- nidas por Kyoto. Sao paises com matriz energética & base de carvao, petraleo e gas (nesta ordem), de elevado potencial poluidor, o que demandaria razoavel quantidade de recursos para a reestruturacao, em bases limpas, do sistema energetico desses paises, Dai a resisténcia, especialmente dos Esta- dos Unidos. simples fato de 0 bloco “existir”, porém, representa uma vitoria da politica americana de descompromisso ambiental, a medida que mini- miza o seu isolamento. A Amazénia tem contributdo para “limpar” o meio ambiente ‘A Amazonia Global abrange areas de 9 pai- ses (Brasil, Bolivia, Colombia, Equador, Guiana, Peru, Suriname, Venezuela e Guiana Francesa) ¢ ocupa uma extensdo de 7,8 milhoes de kin? (780 milhdes de hectares), dos quais nada menos do que § milhoes de km’ (500 milhoes de hectares) pertencem ao Brasil A regiao concentra a maior biodiversidade do planeta, extraordindria reserva mineral (gas, nidbio, ferro, petréleo, ouro, cassiterita etc), em tormo de 20% de toda a Agua doce do planeta, 25 mil km de vias navegaveis e algo como 350 mi- Ihoes de hectares de floresta tropical umida. A maior do mundo. ‘Todos esses atrativos, combinados com ofato 44 83/2008 dea regido ter uma baixa densidade demogréfi ca, tem feito da Amazénia alvo de cobiga perma- nente. Ora disfarcada, ora explicita, variando os ‘a, mas o objetivo permanen: sua internacionalizagao -, sempre presente. Oimperialismo jé recorreu da tatica militar a 83/2006, cincia para tentar viabilizar o seu objetivo, pas- sando por “missies religiosas”, pela “defesa" de povos oprimicos ¢ a defesa do meio ambiente. De maneira geral combina mais de uma forma de pressio e, em cada momento, uma determi- nada tatica assume a centralidade, 45 CAPA Assim, no século XIX, a centralidade foi a ‘ocupaco militar. Os insurgentes cabanos foram formalmente procurados pelo império britanico no sentido de separarem a Amazonia do Brasil, em troca de protecao militar e apaio material. Recusaram Fracassada a tética militar surge a “teoria do arrendamento’, através do Bolivian Sindicate, pe- Jo qual a regido do Acre passaria ao controle ameticano. © povo da regiao, em armas, pds fim aesta pretensio. A déncia, entio, passa a ser o pretexto. Sur- ge a idéia do Instituto da Hileia - organismo su- pranacional encarregado de “estudar” a Amaz6- nia, onde o Brasil s6 teria um voto. A teoria de que a Amazénia seria 0 “pulmao” do mundo jus- tificaria que ela fosse tratada como “patrimonio da humanidade” em decorréncia de sua elevada complexidade e papel preponderante no equili- brio ambiental do planeta. A bandeira da Ama- zonia como “patriménio da humanidade”, po- rém, nunca mais saiu de pauta, E hoje € espasa- da, por ignorancia tedrica ou propésitos incon- fessavels, até por gente da “esquerda’. Quando, na década de 1970, as queimadas se intensificaram, a tatica central passou a ser a questao ambiental. A bandeira da Amazénia co- mo “patrimnio da humanidade’, ganhou ares de imprescindibilidade, Diversos “especialistas” passaram a defender que a Amazonia nao teria capacidade de suportar “pisoteio humano” — na pratica sugeriam a evacuacao da area - e a res- ponsabilizar as queimadas pelo aquecimento global do planeta Hoje, mesmo demonstrada a fragilidade ci- entifica dessa tese, o imperialismo nao desiste. Flexiona sua tatica para a imposicao dos “corre- dores ecoldgicos” - grandes areas da Amazonia nas quais s6 o Banco Mundial pode autorizar ati- vidade humana -, enfatiza a proposta de “troca de dividas por floresta”, volta com a tese do *ar- rendamento" de areas amazonicas ~ desta feita vitorioso, 2 medida que uma lei neste sentido, de autoria do Ministério do Meio Ambiente, acaba de set aprovada pela Camara dos Deputados ~e continua a pressionar o Brasil para reduzir suas emissoes de G A “luta ambiental”, para oim- perialismo, nunca foi ambiental. Serve para jus- tificar sua pretenso hegeménica. 0 Brasil, segundo Niro Higuchi, pesquisador do INPA e membro do Férum Brasileiro de Mu- dangas Climaticas, faz uma emissio de 265 mi thoes de ton/ano (3,78%), sendo 65 pela queima de combustivel fossil e 200 pelo desmatamento (desflorestamento médio de 2 milhoes de hecta- relano e emissao de 100 toneladas de carbono por hectare) Em condigoes normais, segundo Niro Higa chi, | hectare de floresta sequiestra | ton/ano de carbono, Considerando-se uma area de apenas 300 milhdes de hectares de floresta amaz6nica, teriamos um seqiiestro anual da ardem de 300 milhies de toneladas de Carbono. O saldo, por- tanto, seria de 100 milhoes de ton/ano. Se as floresias primarias jé estivessem entre 0s MDL, esse saldo de carbono poderia set uma extraordinaria fonte de recursos para o Brasil, especialmente sabendo-se que no “mercado de carbono” cada tonelada do "produto" custa em torno de US 5, A Amazénia, portanto, diferentemente do que se disse até hoje, contribui para a “limpeza” € nao para a “sujeita” do meio ambiente. Nao significa dizer que as queimadas outras préti- cas antrépicas ndo emitem GEE. Sim, emitem, mas 0 balango € positive, A yenda de carbono poderia ser uma fonte de renda para o Amazonas? F fundamental a compreensio de que a alta taxa de preservacao florestal do Amazonas nao decorre nem de uma elevada consciéncia am- biental de sua populacao e nem, muito menos, de praticas administrativas ecologicamente ade- quadas de seus governantes. 0 ex-govemnador Amazonino Mendes (PFI), por exemplo, ficou conhecido nao apenas por ter sido um dos “compradores de voto" para a ree- eicao de FHC e dele proprio, mas por ter distri- buido milhares de motos-serra aos ribeirinhos, para que estes avancassem contra a floresta O que evitou a catastrofe foi a peculiaridade da nossa economia, assentada no extrativismo ~ 46 83/2008 CAPA Prineipion cujo apogeu ocorreu por volta de 1910 ~ ¢ atual- mente na Zona Franca de Manaus, ambas com baixissima demanda de recursos florestais. Isso assegurou que o Amazonas mantivesse 98% de sta floresta preservados. 0 desmatamento médio do estado ¢ de 100 mil hectares/ano (0,06%), o que representa uma emissio de 10 milhoes de ton/ano de carbono. Mas os seus 145 milhées de hectares de flo- resta seqiiestram nada menos do que 145 mi- Ihoes de tor/ano de carbono. 0 saldo anual é de 136 milhoos de toneladas. A receita, caso as flo- restas primérias pudessem ser negociadas no “mercado de carbono’, seria de 676 milhoes de dolates (RS 1,55 bilhoes) A opcao, segundo alguns especialistas, seria 0 Brasil aderir a0 anexo B do protocolo, 0 que implicaria em se comprometer com a reducao de emissio de GEE que, no caso do Amazonas, seria basicamente pela reducao do desmatamento Mas possibilitaria negotiar seu carbona sob a madalidade de “carbono nao emitido” Reduzindo o desmatamento em 50%, o esta- do venderia 5 milhdes de ton/ano de *carbono mio emitido” e faturaria 25 milhoes de dolares (58 milhoes de Reais). 0 principal inconveniente deste tipo de “co- mércio”, porém, é a transferéncia de responsabi- lidade, ou seja, os paises poluidores poderiam considerar mais conveniente sujar e pagar al- guém para limpar do que adotar mecanismos proprios de reducao de GEE, evitando despesas com “tecnologia limpa” ¢ perda de sua competi- tividade industrial. Meio Ambiente saudavel tem um custo 0 Brasil, embora nao esteja compelido a fa- zer qualquer reducao dle emissio de GEE, tem adotado, além do crescente rigor na questao do manejo de florestas, uma série de medidas na busca de um meio ambiente saudavel. Dentre clas, experiéncias concretas de reducio de CEE, através do Mecanismo de Desenvolvimento Lim: po (MDL) € a exigencia, por parte de setores po- Juentes, como 0 automotivo, da adogao de tecno- 83/2006 Jogias que reciuzam a emissio de poluentes, Umas das primeiras experiencias praticas de MDL ¢ 0 projeto Nova Gerar (Nova Iguacu, RJ), negociado com a Holanda por 44,6 milhoes de euros (143 milhoes de reais). A finalidade 6 evi tar, nos proximos 21 anos, a emissao de 14 mi- Ihoes de toneladas de gas metano que serao transformados em 12 MW de energia A partir de janeiro de 2006 entram em vi- gor navas exigéncias do CONAMA relativas a emissao de poluentes. Todos os vetculos mo- vidos a diese! do pats passam a sair das fabri- cas equipados com motores eletronicos, de acordo com a fase cinco de um programa do Conama (P5), equivalente ao Euro IV, institu- ido na Europa. Veiculos a hidrogénio ou eletricidade pratica- mente nao poluem o ar, Nao usamn motor & com- bustao, nao fazem ruidos e sao movides por energia eletrica. Mas, vantagens ambientais e geracao de eletricidace resultam em produtos mais caros para 0 consumidor. A tecnologia para isso ja est disponivel. As grandes montadoras j4 desenvolveram prototi pos equiipados com tanques de hidrogénio e mo- tor elétrico, Na California, EUA, ja ha veiculos circulando com essa tecnologia. Avides a hidro- genio, testados nos EUA e na Russia, s6 nao es- ‘Ao ern operacao por falta de estrutura de abaste- cimento nos aeroportos. Como se pode ver, um meio ambiente sau- davel tem um custo, Numa sociedade de mer- cado, capitalista, os detentores do capital nao esto dispostos a reduzir sua margem de lucro para incorporarem novas tecnologias que mi- norem o impacto ambiental. A opcao que resta ¢ repassar 0 custo para o consumidor, o que significa reduzir 0 alcance de quem pode com- ptar e, mais grave ainda para o mercado, redu- ri a competitividade das grandes empresas. De onde se conclui que a decisao € exclusiva- mente politica. Even Baca & engenbelzo agnor; protssor da EAM, ckpatad estadual e presidente da Comisséo de Melo Armbient © Ascunias Armanintes; remit do Corie Central co PCR. a7 CAPA O governo da Horestania O jeito - acreano - de viver e cuidar da floresta 4 sete anos estamos govemando 0 Acre, numa uniao de forcas politicas que souberam deixar de lado antigas divergéncias e construir um projeto de consenso, Abase do nosso enten ddimento é a realidade social e a his téria de nosso povo. O Acre, como boa parte da Amazonia, estava ex- posto ao saque e & destruicao; era territério dominado pelo crime organizado, Necessitavamos, portanto, nao apenas de urna unio politica, mas também de um plano, uma proposta de nova orientarao econdmica € social, Fomos buscar inspiragao rio movimento dos Po: vos da Floresta e nas idéias de Chico Mendes para am. pliar ¢ aprofundar o conceito de Desenvelvimento Sustentével que, em nosso entendimento, poderia nos, ajudar a conciliar o necessdrio erescimento da ecano- mia com a indispensével proteeao da natureza, Trabalhando sem deseanso, conseguimnos um bom resultado. Nao é exagero dizer que nosso estado tornou-se exemplo de sustentabilidade ambiental, ‘econémica, social, cultural ¢ politica. Mais de 50% do seu territorio (0 equivalente a 8 milhses de hectares, de floresta nativa) estao protegidos por legislacao ambiental. Sao parques nacional e estadual, reservas, € assentamentos extrativistas, areas indigenas, flo restas publicas e areas de protecao ambiental (APAS). Realizamos um Zoneamento Ecoldgico-Econdmico Pparticipativo ouvindo todos os segmentas sociais pa- fa Identificar as potencialicades e pecullaridades de cada uma das nossas sub-regibes, Restauramos a for sadoextrativismo, subsidiando aborracha, mas nao esquecemos de incentivar a modemnizacao da agricul tura e da pecuatia, conquistanos o certificado de zo na livre de febre aftosa e habilitamos nossa producao de carne bovina para os mercados mais exigentes, ‘Tudo isso sem perder de vista os objetivos do desen- volvimento sustentavel, que é 0 nosso ideal, O bom é que destruindo menos a floresta fizemos a economia erescer cle maneira exernplar, [sso pode ser 48 83/2008 CAPA traduzido em niimeros:o1CMS_ aumentou seis vezes em sete anos. A receita propria ~que ha um século nao. chegava a 10% ~ hoje representa 35% e deve alcancar 40% em 2006, O PIB aumentou mais de 5% em 2003, indicando numeros maiores em 2004 ¢ 2005. © Acre tem hoje um investimento ¢ urna presen- cana educacao que sio as duas maos de nosso proje- to, Pagamos ans professores da rede estadual as me- Ihores salarios entre os estados do Brasil, enquanto promovemos a universalizacao do ensino fundamen. tal com mudangas ousadas na grade curricular. As artes de um modo geral, a comunicagao e a educagao passam a ter atividades que se complementam nas escolas urbanas e rurais, com o viés amardnico mol- dando um novo conhecimento, Com essa estratégia administrativa,o Acre se es- tabilizou nas parcerias junto ao BNDES, ao BID e ao governo federal ~ como a unidade federativa que tem a maior capacidade (proporcional) de investi- mento, Estamos investindo em 2005 ¢ 2008 mais de 200 milhoes de délares, afora outros 300 milhoes com 0s quais mantemos os saldrios e outras obriga- (02s soviais em dia. O Acre vivia na ilegalidade, era 83/2006, Ogovernader do Acre, Jonge Viana,e a ministra Marina Silva um estado falido, Ainda temas problemas, mas aprendemos a lidar com nossas riquezas econdn cas, sociais @ culturais. Estou seguro de que defender uma economia flo- restal 6 um bom negécio. Até do ponto de vista ele toral defender 0 meio ambiente € vantajoso: desde 1992, a Frente Popular do Acre, tendo a frente PT, PCdoB € outros partidos de esquerda, tem vencido eleigdes com essa bandeira. Fui eleito prefeito e go- vernador por duas vezes. Em 2002 fui reeleito com 0 maior potencial de votns do Brasil, porque consezui ‘mos mudar para melhor um estado que vivia na ile galidade e estava falido, Ainda temos muitos proble- ‘mas graves, mas aprendemos a lidar com nossas di culdades e buscar sempre uma solugao criativa para cada uma das situacdes complicadas que a gestao pti blica invariavelmente nos impoe. O legado de Chico Mendes Esse modelo de sociedade é um legadlo de Chico ‘Mendes, nosso lider seringueiro assassinado em de- zembro de 1988. Ele nos ajudou a ser uma civilizagao 49 CAPA nova, conectada ao Globo terrestre. Toda vez que en. trava na floresta, procurava traduzi-la para quem 0 acompanhava, Depois, levava essa traducao para os empates (embargos ao desmatamento), para as esco- las urbanas, para as palestras na universidads e até para os encontros com o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento). Ele sempre falava dos valores, que encontrava na floresta: uma planta que “serve pra isso” , urn cip6 que cura panema (mé sorte), ¢ por ai seguia com seu conhecimento e imaginacao. Chico contava histérias ineriveis retiradas do seu ambiente, ¢ a coisa mais importante que consegut mos aprender com sua luta e vontade foi trazer a dis ccussio da floresta para as éreas urbanas € para as e3 tratégias politicas. Por isso acreditamos que a flores: ta acreana, por uma decisdo corajosa de seu povo, tem tudo para permanecer protegida e a salvo, S6 precisamos de um pouco mais de tempo e trabalho, ‘Vemos com muito otimismo a possibilidade de, mes- mo daqui a 50 ou 100 anos, o Acre estar eorn mais de 80% de sua floresta preservados. Existe hoje uma consciéneia muito grande — até de quem nao aceitava antes na idéia de que a flores: ta nao pode ser destruida, Chico apostavano uso sus- tentavel da natureza como saida; falava que era pre ciso ter renda a partir dela, sugerindo beneficiar a castanha e acreditar no manejo. Dezessete anos apés sua morte, muita gente comeca a pereeber que ele ti nha razao Em meados de 1980 eu procurava mostrar a ami: .g0s de Brasilia do sul do pais as propostas de Chico para desenvolver atividades econdmicas na floresta, tais como: fazer casa e méveis, aproveitar novos tipos de madeira, fazer manejo. Eu apenas repetia o que o lider seringueiro argumentavajunto a0 BIDe a One's estrangeiras, ensinando formas de melhorar a per- manéncia do homem na floresta, Meus companhet- 10s do PT e da CUT nao entendiam essa luta tao es- tranha as discussoes urbanas da época, Acreanidade Entretanto, a histdria que confirma essas idéias é extraordindria e secular, Ouso afirmar que é uma fa brica de bons exernplos. Ha mais de cem anos, de fa- to, milhares de familias nordestinas ¢ de outras regi Ges migraram para a Amazonia querendo enriquecer com a exploragéo da borracha - 0 chamado ouro ne- gro avidamente consumido pela industria européia e, posteriormente, pela indiistria norte-americana. O Acre, de onde se extraia o melhor latex devido a qua- lidade das arvores (Hevea Brasiliense) das cabeceiras, dos rios, gerava riqueza para embelezar cidades como Manaus e Belém. Em 1912, a borracha somente era superada pelo café na pauta brasileira de exportacao. Mesmo assim, a Amazonia ganhou o apelido de *inferno verde”, certamente porque na regiao morria muita gente por doenca, no confronto com os indios ot ainda por ata ques de animais ferozes. A tristeza, a desolacao © a ignorancia cientifica também matavam. Euclides da Cunha jé falava disso em 1905, quando se referiu a * pessoas dle inteligencia atrofiada”, durante sua epo- péiaaté as nascentes do rio Purus. Em parte, porque faltava conhecimento paraentendere tratar as doen- ¢as, sem falar no capitalismo selvagem que operava & solta ¢ impune nos seringais. 0 lado perverso davida naqueles tempos era vencido pela coragem, pela es- perancae por outros bons sentimentos que acabaram moldando os povos da floresta ~a que ousamos cha- mar de acreanidade. Acre tem umn que de especial desde o inicio, @ temos exemplo de suas peculiaridades em muitas ocasides. Primeiro, na ousadia de um grupo de serin gueitos nordestinos que, sob a lideranga do gaticho Placido de Castro, fez-a guerra com a Bolivia e tormou este vasto territério de florestas para o Brasil em 1903. Dai nosso orgutho de dizer que o Acre 6 0 tint coestado da nacao que foi a guerra para pertencer a0 Brasil. Nossos antepassados fizeram corajosamente esta opeao. De la pra ca, esse povo nunca parou de guerrear: contra o isolamento, contra a discrimina- (40 nacional em relagdo & Amazonia e, mals recente- mente, para proteger a natureza que aprendeu valo- rizar e amar. A luta om defesa da floresta comegou nos anos 1970, depois que os ciclos da borracha se extinguiram as empresas seringalistas abandonaram suas bases nas beiras de rios. A atividade atipica e crcunstancial {oj abandonada pelo capital internacional, Mas quem ficou na Amazénia e, particularmente, no Acre, apés a Segunda Guerra Mundial (1945), ja fazia parte da incomum sociedade da floresta, Como compensa¢ao as pendrias que tiveram de suportar, os seringueiras, 50 83/2008 CAPA aprenderam a cultivar a solidariedade, a curiosidade diante do comportamento de plantas e animais, en- fim, o respeito ans fenémenos da natureza Florestania 0 governo brasileiro, que nunca conseguiu en- tender o gostar da Amazonia, desde o comero dew patadas na populagéo regional, Foi assinn quando de- morou a reconhecer a vitdria dos seringueiros sobre 0s bolivianos: militarizou 0 poder conquistado e aju- dou a matar o grande herdt Placido de Castro no co- meco do século XX, Durante a Segunda Guerra, enga- nou os “soldados da borracha” recrutados no nordes te entregando-os 4 mé-sorte do capital com interesses norte-americanos. Jé nos anos 1960, chancelou atra- vés do golpe militar de 1964 a mais devastadora tra- gédia amaz6nica, mediante incentivo a sua *ocupa- 40", como se se tratasse de Area nao habitada Podemos falar com mais propriedade da imnpor- tancia do Acre nesses acontecimentos. Aqui nasceu 0 movimento dos seringueitos e indios contra a destru- ido da floresta. Aqui, morreram assassinados por conta dessa luta os lideres seringuelros Wilson Pi- nheiro (1980) ¢ Chico Mendes (1988). Aqui nasceu a idéia de Povos da Floresta, o Conselho Nacional dos Seringueiros, as Reservas Extrativistas (que se espa- Iham pelo pais), 0 manejo florestal comunitério, a emancipacao indigena ¢ 0 atual e melhor exemplo de sociedad sustentavel baseada na economia florestal Aqui surgit o temo florestania, com o qual procu. ramos coneeituar ou traduair de maneira simplifica- daa grandeza do projeto de desenvolvimento susten- tavel que empreendemos. As pessoas desatentas a esses acontecimentos po- dem perguntar: por que acontece tanta coisa nova a partir de um pequeno estado isolado na parte mais ocidental da Amazonia? Talver seja porque ocupamos as cabeceiras dos rios, onde a dgua é pura ea biodiver sidade a maior do planeta. Neo ha duvida de que existe toda uma magia, um simbolismo especial, umn forte sentimento que as cléndas humanas talvez te- nham dificuldade para explicar. 0 clentista social e doutor em geogratia, Carlos Walter Pinto Gongalves, esereveu em Goagrafando pelos varedouros do mundo, sua tese de doutorado, uma abordagem correta sobre o te ma, Segundo ele, os seringueiros acreanos explorados, 83/2006 Prineipion violentados e abandonados pela economia da borra cha sobreviveram como sébios da floresta: e agora dao ligGes inteligentes ¢ humanas ao mundo mederno. Ajestd um fato histérico notavel. B praticamen- te impossivel, do ponto de vista material, econdmico ou comercial, fazer 0 que aconteceu aqui no Acre dar certo. Ou seja: trazer gente de outro lugar para uma mata densa ¢ desocupada; e colocar uma pessoa dis tante da outra com a dependéncia de uma organiza 40 como o barracao para gerar um produto. Mas fot umm sistema que funcionou com um planejamento impecdvel para uma época em que jamais se sonhava com 0s meios de comunicarao disponiveis na atuali- dade, Foi um tragico ¢ 20 mesmo tempo eneantado encontro do homem com a natureza, do qual Chico Mendes e tornou a melhor expressao 0 Acre é 0 lugar onde 0 PI e os partidas que compdem a Frente Popular mats avangaram no pais, porque soubemos beber nessa fonte. Tudo se oferece tao novo e envolyerite que nao precisamos recorrer a velhos modelos de eficacia discutivel. Podemos for- mular os caminhos de nossohemn-estar eoletivo pen sando novo, Nés moramos nas cabeceiras dos rios onde as coisas acontecem. Os indios escolhem as ca- beceiras porque a gua é pura e a caca é farta. Aqui as coisas acontecem e descem o rio. O sentido natural é esse. O especialista em formacao de pessoas Oscar Motomura, que se ocupa da preparacao de bons ges- tores, afirma com razao que a esséncia do Acre esta na clvillzaeao da floresta. Nés estamos apostando nessa definigao O tedlogo Leonardo Boft - um grande amigo do Acre e conhecedor do projeto que desenvolvemos ~ nos ensinow que todo bom projeto precisa de uma boa metafora. Segundo ele, Florestania e Governo da Floresta sao metaforas perfeitas para o projeto de de- servolvimento sustentavel que defendemos para a Amazonia, Estou certo de que o governo do presiden- te Lula também vai encontrar a metafora adequada para o Brasil Jorge Vina, 46 anos, engenheio sfnestl, fol fundador € iret da Func de Tcrelogia do Ace: assessor do movimento os seringacets na daca ma que Chico Mendes extava na sua Aickranga:prebito de Rio Branco de 1998 a 1996; egoremedor do ‘Aase entre 1998 0 2002: rekit para 0 mandat de200S a 2006. 51 Principion- BRASIL Entrevista com Renato Rabelo Mensagem aos brasileiros: chegou a hora do desenvolvimento BERTO MONTEIRO Em nome co PCdoB, Renato Rabelo apresentou ao presidente Lula a proposta de uma nova Carta aos Brasileiros. Distinta da que foi divulgada em 2002 enderecada aos banqueiros, esta nova carta seria destinada a producao e ao trabalho, com uma mensagem clara: o Brasil esta pronto para um ciclo de desenvolvimento acentuado - e o presidente Lula se revelou capaz para liderar sua implementacdo 83/2008 esse inicio de 2006, sucessivas pesquisas de in tencao de voto tém registrado a recuperacéo do prestigio eleitoral do presidente Lula? Na sua cpiniao a que se deve estd recuperagao? Renato Rabelo - Primeiro, essa longa crise po- litica em grande parte foi inflada ~ uma espécie de campanha, uma orquestracao nacional feita pela oposi¢ao e a midia. Hé pouco tempo, conversamos neditores ejornalistas de grandes periddicas eboa parte deles reconhece que houve uma verdadeira overdose contra 0 govern e contra o PT. Ao terem agi gantado e manipulado os fatos, acabaram “camava- lizando” a crise é isso abriu um flanco na investida da oposicao, Entao, essa crise que foi prolongada artificial mente, val refluindo, Ela val se dissipando, como se fossem bolhas se estourando, porque tem muita fu maga, muita poeira nisso tudo, Desse modo, a medi- dda que reflui de uma mancira ou outra o governo Lu. la reaparece, porque essa orquestracao foi uma tenta- iva de encobrir 0 govemo, Isso acontece praticamente do fim de ano passa- do ao inicio deste Essa overdose criow uma certa néusea na opiniao publica. Os jornais ~ aliés, toda a grande midia - até hoje, até ben pouco tempo, tém umn tema fixo “A crise politica” com 4 a 6 paginas inteiras sobre isso. © que também cria uma certa resisténeia, B as pes- soas vao também compreendendo mais, tomando conseiéncia do que esta em jogo, a poeira vai bai xando. Portanto, no meu entender, ¢ pelo cansaco mesmo, pelo refluxo da chamada crise politica que © governo vai aparecendo mais. Voltam a ter visibi- 83/2006 0 desenvolvimento nacional: amplo consenso. lidade suas realizagdes, ¢ que ele esti governando, porque houve uma tentativa de se dizer que 0 go- verno Lula havia acabado, No auge da crise, tentaram o impeachment, Co- mo isso foi rejeitado pelo povo e barrado pela arao das forgas politicas e sociais mais eombativas, passa- ram a disseminar a imagem de um 0 governo doente que esté na UTI, que ¢ terminal, O tempo todo bateu- se na tecla deque o PT e a esquerda como urn todo é incapaz, Evidentemente, trata-se de uma campanha para “nos varrer do mapa” e preparar o retorno das forgas conservadoras, Entretanto, com o passar do tempo, 0 povo foi e vai tomando conseiéneia disso. Nas ruas, as pessoas dizem: “Para que isso mesmo2", "Nao se governa mais?”. E até mesmo vao compreendendo que isso é desviar a atencao em relacao ao governo, é impedir 0 governo de govemar. As pessoas vao percebendo isso. Muitos, portanto, com o tempo chegam a conelusao de que “esse pessoal s6 faz iss0, 56 fala isso: € 0 pais, precisando de tanta coisa’” Para mim, de uma certa forma, isso acontecea assim. E 0 governo também recuperou o falego e pas- sou a implementar uma agenda de medidas positi- vas, de certo impacto: a nao renovacao do acordo com o FMI, o aumento do valor real do salario mini mo, 0 antincio de que o pais vai conquistar sua auto- suficiéncia em petréleo e a afirmacao de que 0 pais vai crescer 5% lo PIB este ano Voce tem defendido que as eleipdes presiden ciais serao polarizadas pela tematica do desenvolvi- mento. Sob esta ética vencerd quem demonstrar ao eleitor que esté mais preparado e compromis- 53 BRASIL, sado para realizar este antigo sonho nacional ‘Que argumentes sustentam sua convicgao de que Lula ¢ 0 mais gabaritado pata isso? Renato Rabelo ~ Claro que se 0 governo Lula t- vesse implementado um programa mais arrojado, 0 seu resultado, ao cabo desses trés anos, teria sido bem diferente, Todavia, € preciso levar em conta que le se instalou sob uma situagéo adversa, de uma re~ lacdo de forgas existente. O governo real ~ que fol formado - expressa exatamente isso, Ou seja, aplicar de imediato, digamos, um programa desenvolvimen: lista, na sua fase inicial, exigiria de qualquer forga politica empreender uma série de mediagdes. Entao, nesses trés anos, 0 governo foi regido por uma dualidade. O governo acabou por assumir com- promissos tanto com a mudanga quanto com 0 con- Linuismo. Os pesados condicionantes internos ¢ ex- ternos pressionaram nesse rumo. Quando o governo toma posse, encontra um pats muito vuineravel, sub jugado. A tutela exercida pelo FMI era uma expres- ‘io desse fendimeno. O gaverno FHC era um depen- dente crénico do aval politico do FMI. Nao era ape: nas o problema da sustentaco econémica porque empréstimo do FMI, do ponto de vista econdmico, nao tinha um grande significado. A expressao maior 60 aval, a caueao politica que o FMI dava, Os trés anos iniciais do govemno Lula foram mui- to impactados por essa realidade herdada, De qual- quer modo, queiramos ou nao. govern realizou um tipo de politica hibrida, De um lado, uma politica or todoxa para apaziguar, digamos, os centros financel os mais poderosos; de outro, ele também adotou uma série de outras iniciativas que se conflitavam ‘com a ortodoxia, Politicas e agdes na direcao do de. senvelvimento, da distribuigao de renda, Por isso € que digo, analisando bem, a resultante até aqui é um certo hibridismo no governo. O aumento real do sa- lario minimo, o crédito consignado, o aumento em quatro vezes do montante de créditos a agricultora familiar, s6 para citar alguns exemplos, para a polit ca ortodoxa represenitam um contra-senso. Bvidente. mente, com uma outra politica mais arrojada, o de- senvolvimento seria mais acentuado Em altima instancia, o que importa agora, éa es séncia da avaliacdo que a nosso ver poderia assim ser sistematizada, Primeiro,o presidente Lula reoebeu dos, tucanos e pefelistas um pais em situagao critica: aeco- nomia desnacionalizada e semi-estagnada, as financas Aabeira da insolvéncia ¢ um passivo social enorme, de- semprego, miséria, violencia ete. Segundo, a oposigao conservadora, depois da posse do navo governo, tudo {fez para impedi-lo de governar, buscando fabricar uma crise ainda maior Terceiro, apesar de tudo isso e, tar hém, de sua politica macroeconémica conservadora, 0 governo Lula colocou o pais novamente de pé. Estabi- lizou a situacdo, recuperou a credibilidade. E o Brasil em decorréncia de uma politica extema altiva passou ater um certo prestigio no mundo. A resultante € que 0 pais esta preparado para creseer, surge a perspectiva, agora sim, de umm desen- volvimento mais acentuado. Por isso, a partir de ago- ra. sinalizacao a ser dada deverd ser essa. Repercutiu no arnbito das forgas mais avangadas que sustentam o governo e mesmo na imprensa, a proposta apresentada por vocé, em nome do PCdoB, de uma nova “Carta aos brasileiros" com contetido distinto daquele proferide em 22 de ju- nho de 2002. Como surgiu esta idsia e qual seria, digamos, a mensagem primordial dessa nova carta? Renato Rabel ~ Se naquelas circunstancias de 2002, para se enfrentar a situacao econdmica ¢ poli- tica extremamente grave criada pelos tucanos, fot preciso um documento como a Carta aos Brasleirs. Feito isso, estabilizada a situaao, entao, trata-se agora, exatamente, de fazer uma outra sinalizacao uma vez que foram criadas as condiedes para 0 de senvolvimento. A sinalizacao para quem produz, pa- raquem trabalha, a criacao de riqueza e distribuicao da rendaete. Entao, se os condicionantes de ento pressiona- vam para uma sinalizapao aos banqueiros, aos circu- los financeiras - dito de forma bem simplista - temos agora de sinalizar para a produgao, para quem traba- Tha. Hoje, o pais vive um novo ambiente bem diferen- te do periodo inicial do govern. E nitida a possibili- dade de se abrir um novo ciclo de desenvolvimento. grande mérito do governo € exatamente esse: fo ram criadas as condigées para um desenvolvimento mais acentuado. Sem vacilacao, isso deve ser sinali- zadlo agora. Por isso que seria uma nova Carta, se se 54 83/2008 BRASIL faz uma analogia com a primeira, Que receptividade essa propasta obteve entre os partidos aliados e o presidente Lula? Renato Rabelo — 0 presidente Lula também ja tinha isso ern mente. Quando nds falamos sobre isso, ele disse “nds jé estavamos pensando em fazer uma outra Carta aos Brasileiros” . A questaa chave, do nosso ponto de vista, é a quem a sinalizacao deve ser dada. ‘Nao temos dividas, como jé disse, que essa nova Car ta deve ser dirigida a produ, ao trabalho. O PSB e PT, com que ja conversamos, consideram necessénia esta iniciativa 0 dualismne ou hibridismo a que voc? se referiu como caracteristica do governo de qualquer mo- do provocou um certo ceticismio. Dessa maneira, come voce mesmo diz, como reacender a espe- ranca? Renato Rahelo ~ Nés ja temos dito ~ ais, dis- semos isso para o presidente Lula - que, primeiro, & necessério sinalizar com essa perspectiva de que ago- rater de se abrir um novo ciclo em que o centro é 0 desenvolvimento. Seria uma espécie de sinalizagao para esse novo ciclo, eriadas as condicées, portanto, para isso. Essa € uma questao que dé perspectiva do que se pretende A segunda, é necessario que esse tiltimo ano de governo reforce, renove a esperanca - porque muita gente se indaga “esta certo, a perspectiva é essa, mas. ‘yoe8s jé esto no govemo”. Entio, criadas essas condi- Ges & preciso que se comece, imediatamente, a fazer essa ponte. E. preciso demonstrar agora e ja 0 compro- isso com o desenvolvimento, Erguer essa ponte, de- ‘monstrar esse compromnisso exige um grande esforco para que o pais de fato acelere o crescimento, com 0 Produto Interno Bruto crescendo, ern 2008, na ordem. de 5%. E 0 presidente Lulase voltou para esse desatio. Portanto, temos de ressaltar isso agora e criar as. condigdes para estimular 0 investinento privado & também para o Estado tomar iniciativa de fazer in- vvestimentos, Tanto que jé esti eriticando 0 governo dizendo que seria demagogia, que seria populismo, porque o governo aumenta o investimento em infra- estrutura e em emergéneias socials. 83/2006 Prineipion A realidad é que 0 govemo comeraa investircam mais arrojo, mesmo com resisténcia da area economi- ca, Mas comeca. E-o presidente Lula tem enfrentado isso. E nao apenas ele, outros ministros também, Portanto, a tarefa central é demonstrar, sinalizar para o desenvolvimento de 5%, destravar investi- mentes paiblicos e também sinalizar, no campo soci- al, a valorizagao do trabalho, como ocorreu com au mento do salério minimo. E preciso demonstrar na pratica no dltimo ano de governo que o pais vai erescer, vai desenvolver ~ que jaesta se criando a ponte para essa perspectiva. E quanto a politica macrocconémica, de juros altos, arrocho fiscal, da qual 0 PCdoB foi um persistent criti... Renato Rabelo ~ Do ponto de vista do PCuoB, a mensagem deve sinalizar, também, para um redirecio- namento da politica economica. Tal movimento ¢ ne- cessario para que exatamente se aleance a grande as- pirarao da Nacao na atualidade que é um desenvolvi- mento mais acentuado e aceleraco, [sto exige 0 qué? Prestigiar mais quem produz, adotando-se uma série cde medidas para reforcara atividade produtiva, sobre tudo, mais investimentos pablicos. Porque quem dé 0 passo inicial comp prova desse investimento maior é 0 investimento ptblico. F ele que atrai o investimento privado, Ha quem diga que basta criar um “estado de espirito” para o inwestimento privado. Mas, para que se erie este tal estado cle espirito, o Estado precisa to mara iniciativa e dar o exemplo, com inwvestimento es- tatal. £ sempre assim, ainda mais num pais como 0 ‘nosso, Por isso, tem de haver um redirecionamento, tem de haver uma espécie de destravamento do inves- timento piiblico, Esse redirecionamento € nevessario — isso do ponto de vista do PCdoB, Mais recentemente, tem surgido vozes que apre- sentam a candidatura de Serra como uma espé- cie de tucano dissidente, arauto do desenvolvi- mento. Como voc? anallisa essa “novidade"? Renato Rabelo — Ora, os tucanos, todos eles, inclusive o Serra, sio os grandes responsive pela si- tuagao critica a que chegou o pais depois de 8 anes de governo deles. A prova prética deles foi essa, Por ou- BS: BRASIL, tro lado, a pratica do governo Lula foi oposta, ele, efe- tivamente, preparou 0 pats para o crescimento. Por- tanto, ja existe umn contraste. Quer dizer, essa temati- ca do desenvolvimento na boca de Serra ¢ puro dis: curso. E um discurso que soa falso porque ele perten: ‘ce a um esquema, a um certo modelo adotado pelos tucanos que mostrou ser ‘inimigo do desenvolvi- mento” ¢ da unversaltzacao dos direites. Por isso essa historia da candidatura Serra ser algo como um tucano diferente, dissidente, ou coisa que o valha, isso 6 pura abstracao. Serra é uma lide ranga forjada no ambito desse sistema tucano, eom- prometido com a elite social que é a base desse siste- ma. Insinuar que Serra esta margem disso € um disparate completo. 0 discurso tucano pelo menos até aqui tem sido dtibio, enquanto FHC coloca a bandeira da ética em primeiro plano, 0 Serra sé fala em desenvol- vimento, Na Sua opiniao porque esta diferenga se ies Renato Rabelo. No caso dos tucanos, no meu entender, ha uma certa combinacao: o Serra ataca pelo lado cla politica econémica e aparece como quem seria capaz de incrementar o cleserwvalvimento; ¢ Fer nando Henrique ~ que esta completamente desqua- lificado neste quesito ~ ataca pela chamada ética do governo, puro diversionismo sobre intimeros casos de improbidade administrativa de suas gestoes. Em stima, esses procedimentos fazem parte do estratage- ma_ dos tucanos para a revanche. Em que grau, ao seu ver, ressoard na disputa presidencial a chamada crise éica? Renato Rabelo ~ Ah, isso vo tentar utilizar na campanha, Mas, ao nosso ver a eficécia sera pequena. Porque, primeiro, essa crise ética nao atinglu o presi- dente Lula, no sentido de predominar isso na opiniao publica, Quanto ao PT, a crise atingiu liderancas do PT nao legenda no seu conjunto, inclusive os petistas alvejados jé estao fora de cena, Sao duas coisas dife renies.Tanto que nas pesquisas mais recentes o PT é ainda o partido com maior apoio disparadb. Entao, qual repercussao teré isso? Além do mals, ‘© povo também nao é bobo e tem consciéncia de que nesse terreno PSDB, PEL, esses partidos todas tam- ‘bém praticam aquilo que ficou conhecido como caixa dois, Nao é uma questao s6 do PT. Agora mesmo, vem a tona fatos, denuineias que vinculam os tucanos a esquemas semelhantes. O pré- prio Valério era uma figura conhecida des tueanos. Bles também jé vinham adotando esse tipo de inter- medvario, ou esse expediente. Ja surgem outros Valé- rios por ai vinculados aos uacanos, ao PEL. Quer di- zer, todo mundo sabe disso. Portanto, nao vemos eft cécia nessa titica de ataque unilateral ao PT, A res- posta esta em retirarligdes, em mudar € aperfeioar a legislacaoeleitoral do pais No ambito das aliangas que tipo de frente politi- cao PCdoB defende? Renato Rabelo -Nés temos reafirmado a idéia de que € preciso recompor uma frente de centro-es- querda. Claro, na nossa ética, pensammos que numa frente de centro-esquerda, ela deve ter um nticeo de esquerda, Por isso esse esforro, para que ocorra uma aproximacao maior entre PT, PSB e PCdoB, Masa al- temativa a ser recomposta é de centro-esquerda. Nao por acaso se vé esse jogo de cena do Serra para mostrar que ele, sim, é capaz de formar uma frente de centro-esquerda. Por isso, Serra esforca-se por atrair legendas, personalidades, intelectuats, in- clusive, do campo progressista, para criar uma ilusao. (Por exemplo, cogita-se Bornhausen para vice dos tu- canos). 0 intuito € criar a aparéncia de que as clei- Ges serao disputadas por duas frentes de centro-es- querda. Ou que a dele é que é de centro-esquerda ¢ nao a nossa. Até isso, inverter os sinais, eles tentam. Esse 60 jogo para confundir. Entao, entraai como peca importante © PMDB - isso € 0 que temos dito. Porque o PMDB ¢ urn partido que, no espectro politico nacional, octypa sempre uma posi¢ao de centro. Além de outras possibilidades de aliancas, mas o importan- te € 0 papel que joga o PMDB numa situacdo dessas Neste contronto de 2006, a provavel candidatura de Lula além de ser atacada pola direita, dover, também, receber o combate da denominada ti- tra-esquerda constituica pelo PSOL, PSTU e ou- tros agrupamentes: 56 83/2008 BRASIL Renata Rabelo ~ Por mais bem-intencionados que se apresentem, os integrantes desse campo poli- tico que defendem posigses mais extremadas aca- bam, no contexto politico atual, objetivamente, fa- zendo o jogo das forcas conservadoras, das foreas de direita, 0 contexto politico leva a isso. Essa é uma questao. A outra, é que esse tipo de discurso, dito ra- dical, 6 facil. Discurso é discurso, todo mundo pode fazer discurso radical. O grande problema é torné-lo realidade. Por isso, € um discurso que cria ilusoes. Aparentemente um discurso radical, mas diante da realidade cles ficam impotentes para demonstrar que ele pode tornar-se real, verdadeiro, Entao, néo sao mais do que incentivadores de ilusdes. Esse tipo de forea politica sernpre desempenhou esse papel na historia politica Como 0 PCHOB esta arquitentado 0 sew projeto eleitoral para enfrentar, pela primeira ver, a cléusula de barreira de 5%? Renato Rabelo - Em primeira lugar, paranés, a eléusula de barreira, é um instrumento antidemocra- tico. A direita alardeia que a cléusula é um avano ¢, equivocadamente, até mesmo certos setores de es- querda entraram nessa cantilena. Para ns, trata-se de um retrocesso na construe da democracia brast- leira. Precisamos dizer isto. E uma empulhagao. Por- que na realidade 5% de cldusula de barreira € uma c6pia, Estao copiando do exemplo alemao. Esses 5% copiados se coacunam mais para um regime parla- mentarista, porque o que define adimensao de parti- do € 0 parlamento. Por qué? Porque parlamento tem um peso de escolher governo, primeiro-ministro ete. Aqui, nao. Entao, vai se definir a dimensao de tum pats s6 pela Camara dos Deputados? E uma inco- eréncia com o sistema presidencialista, com governa- dores, com o Senado, Segundo, é antidemocratico porque quem deve definir a quantidade de partidos, com o tempo, 6 0 eleitor. A maioria dos paises do mundo nao tem clau- sula de barreira, Ela na verdade é urn mecanismo ar- tifical para dar sustentagao ao status quo de partidos que se dizem partidos grandes, mas que, na realida- de, nao o séo porque os maiores tm obtide 18% a 20% dos votos. Esses percentuals demonstram, que passados 20 anos de redemocratizagzo, os eleitores 83/2006 Prineipion optaram par um cendrio politico marcado pela plura- lidade partidéria, A eléusula, portanto, € artificio pa- ra cerceara liberdade de escolhado eleitor e engessar ‘© quadro politico que ficaria sob dominio de quatro ou cinco legendas. Tereeiro, € uma falécia 0 argumento de que a clausula vem para acabar com o chamado “partido de aluguel”. Esse problema, esse artficio quem o criou e dele faz. uso 6 0 dito partido grande. O partido pe- ‘queno nao joga papel nessas horas. Essa confusao criada pelo partido grande. Alids, como ja disse, no caso do Brasil nao ha um partido grande, urn partido com 30% a 40% Porque ai, sim, eles teria urn papel importante para decidir. 0 que existe sao 4, 5 partl- dos conn 18% a 20%, Essas questées no fundo so uma forma de se- agregar, de diseriminar as legendas pequenas, em pro- cesso de estruturacao ¢ de criar uma situacao favoré- vel aqueles partidos que ja so maiores. Pretendem monopelizar o Fundo Partidirioe 0 acesso aos melas cde cornunicagao, radio e tv. Quem perde corn isso € 0 leitor e a democracia. Precisamos dizer isso com to- das as letras, Contudo, o Partido Comunista do Brasil, diante de retrocesses democraticos sempre soube lutar com sagacidade e bravura. Vamos enfrentar a cléusula de batreirae lutar para que tenhames 0 malor percentu- al possivel e eleger um nmero maior de deputados federais. Bao mesmo tempo, vannos participar das cleicoes majoritarias onde for possivel. Antes o Parti- do praticamente nao participava das eleigées majori- tarias. Quer dizes, participar até com possibilidades viaveis, nao apenas para marear posicao. Nesta em- preitada contra a cldusula de barreira ternos a convic- ‘¢40 de que contaremos com o apoio e simpatia de lar- ges camadas do povo e da sociedade em geral que en: tendem como indispensdvel, propria democracia brasileira, a existéncia de um Partido Comunista for- tee influente. Adalbesto Manito &rnait poeta aditor de Pricpis. BF Drimecpios América Latina: na luta pela segunda independéncia YALDO CARMONA O sucesso da atual geracao de governos progressistas na América Latina na consecugaéo das mudangas pode gerar condicées para uma transic4o ao socialismo crescimento da ampla e heterogé Seu fortalecimento, se expressaem diversas vité rnea tendencia politica e social com _rias eleitorais e no desenvolvimento de um vigoroso caracteristica nacionalista, progres- movimento social antlimperialista, cujas mais recen- sista, antiimperialista e antinecli- tes expressGes se deram na Cipula das Américas em beral na América Latina esté entre _Mardel Plata e no Férum Social Munuial de Caracas. as grandes novidades da luta de re Nalluta de resisténcia &inequivoca permanéncia da sistencia neste inicio de século XI. _hegemoniaimperialista ¢ neoliberal no mundo atual, 0 58 83/2008 INTERNACIONAL socialismo volta a aparecer com forca como altemativa de fundo ao capitalismo neoliberal - um dado novo, de profundas conseqiiéncias para aluta revolucionéia dos povos, que ocorre apenas década e meta apés a queda dos chamaclos regimes socialistas pelo que rauitos de- fender esse fato novo como os primsios passs do intio de urn segundo cil de luta plo socialism (1). A atual tendéncia progressista na América Latina inaugura-se com a vitéria de Hugo Chavez em 1998 na Venezuela ~ experiencia que acaba de completar sete anos -, somada as de Lula no Brasil (2002), Kirchner na Argentina (2002) ¢ Tabaré no Unuguai (2004), ¢ mats recentemente, as de Evn Morales na Bolivia - transcendente fato nove num pais marcado pela exclusao da maioria indigena - ¢ de Michelle Ba chelet, no Chile, numa importante derrota da diteita O cenario para 2006 continua tendendo favora velmente, no geral, as forcas progressistas. Serao mais nove eleigdes presidencials até dezembro: Haiti € Costa Rica (fevereiro), Peru (abril), Colbmbia (maio}, México ulho), Brasil e Equador (outubro), Nicaragua (novembro) e Venezuela (dezembro). Nelas, destacam-se possibilidades de viterias no 83/2006 Peru, com o eandidato Ollanta Humala, um ex-rnili tar nacionalista ¢ no México, com Lopez Obrador, do PRD, ambos lideres nas pesquisas; no Equador, onde a esquerda e o movimento indigena, em alianga, po- dein surpreender; na Nicarégua, onde os sandinistas podem retomar ao governo; e na Venezuela onde o presidente Chavez devera renovar seu mandato. caso do Brasil € bastante especial, singular. ‘final, uma vitéria das forcas de direita no maior pa- is da Amériea Latina revigoraria a Alea, inviabilizaria © Mercosul e a Comunidade Sul-americana das Na- 6es e isolaria experiéncias como a vene2uelana. Os pronunciamentos programaticos da oposicao de di reita, criticos a politica externa atual, nao deixam di- la nesse sentido. E deixam clara a natureza das tentativas de desestahilizaraa de Lula que, para além de fatores intemos, demonstram possuir nitidos fato- res exégenos, sendo de interesse direto do imperialis- ‘mo norte-americano por fim ao goverio de centro: esquerda no Brasil como forma de reverter a tenden- cia progressista na América Latina, I A historia da América Latina demonstra a {stencia de ciclos politicos que, de modo geral, 59 INTERNACIONAL se reproduzem por todos os paises da regio. Co merando com a onda independentista do século XIX, pasando pelos governos desenvolvimentis: tas do pos-1930 até a década de 1950; pelos regi- mes militares das décadas de 1960 e 1970; pela onda que pos fim a este periodo e que fezsurgir os governos da redemocratizacao dos anos 1980; 0 ct clo dos governos neoliberais dos anos 1990; e, atu. almente, 0 ciclo cuja marca é a ascensio das for- cas progressistas. Tais ciclos nao surgem ou acabam de forma desconexas uns com os outros: a tendéncia pro gressista atual tem forte relacao com o esgotamen- to do ciclo anterior, neoliberal, assiin como este surgira do esgotamento da antiga experiéncia de- senvolvimentista. Mas, seguindo esse raclocinio, ha que se pergun- tar: qual sera o préximo cielo a prosperar na América Latina? sucesso da atual geracao de governos pro- gressistas na consecugao das mudancas pode gerar condicdes para uma transipao ao socialismo? Il Comecemos a responder a essas questoes anali sando as fortes reaeoes do “lado de la, isto 6, do im. perialismo norte-americano ¢ de seu sistema que, ao contrario do que possa parecer a alguns, nao esto inertes ao avanco progressista, Diz a historia da Amé- rica Latina que nao convém subestimar a capacidade de reacao do inimigo, ja que fazé-lo poderia represen tar graves erros. ‘A reagdo imperialista, que se encontra em plena execucao, se expressa de formas diversas: através do governo de Washington, nos mercados financeiros, nos think thanks (2), na grande Imprensa e também em setores académicos conservadores. Em seu con- Junto, denotam uma forte ofensiva, todavia na esfera idcologica, de propaganda, numa espécie de arao pre ventiva visando neutralizar a possibilidade de que 0 ascenso eleitoral das forcas progressistas resulte em mudlangas de fundo, No geral, essa reacao brada as ameacas de um “neopopulismo”’. Sao varios indicios dessa reagao. 0 governo dos EUA, mais diretamente, envol ‘ve-se em confronto aberto com a Venezuela boliva riana, Por exemplo, mais recentemente, 0 coorde- nador dos servigos de inteligencia dos EUA, John Negroponte, alertou para “figuras populistas radi- cais em alguns paises que defendem politicas eco- ndmicas estatistas”, que representariam assim um risco para a sepuranca do pais, espectalmente, dis- se ele, em assuntos como energia, migracao, co- mércio e drogas (3) FMI, por sua vez, cada vez menos solicitado na regiao, que comeca a seguir caminhos préprios ou alternatives de finaneiamento ~ como foram as recentes decisdes de Brasil e Argentina de se livra- rem do monitoramento do Fundo -, publicou em dezembro uma edicao especial de sua revista Finan gas ¢ Desenvolvimento, totalmente dedicada a América Latina, O artigo central ~ “O Ressurgimento da América Latina” ~ é um resumo de um estudo mai- of, escrito por uma equipe coordenada por Anoop Singh, diretor do Departamento do Hemisfério Oc- dental do Fundo, intitulado Estabilizardo e Reforma na América Latina, O artigo, fazendo ouvidos moucos a tendéncia progressista na regio, e buscando dis- putar seu rumo, propfe, na pratica, uma espécie de atualizagio da agenda de reformas neoliberais, na qual propoe sels medidas como uma especie de an- tidoto ao “neopopulismo”: a) Reduzir a divida publica através de altos supe- ravits fiscais, inclusive através do fim das vinculacoes orvamentaria b) reduzir a inflacao, com metas de inflacao e in- dependéncia do Banco Central: ¢) reformar o setor financeiro acabando com a “ineficiente intermediacao financeira” ~ que, no caso brasileiro, representa acabar com a utilizagao do di nheiro do FAT pelo BNDES: cD) realizar tratados bilaterais de comércio com os BUA (cita-se o Cafta, da América Central) e buscar mecanismos “ para atrair capital externo”, como 0s tratados bilaterais de investimentos, a exemplo do reoém-promulgado pelo Uruguai; ©) utilizacao “eficiente” dos recursos naturais, para eles ineficientes por serem, ern geral, controlado por estatals; £) respeltar os contratos, os marcos regulatérios & a competicao. ‘A revista do FMI traz ainda um curioso artigo de Arminio Fraga ~ ex-presidente do BC brasileiro sob FHC - intitulado “Na eneruzilhada: América Latina 60 83/2008 INTERNACIONAL deve escolher entre populismo e o aprofundamento das reformas”, no qual isenta, literalmente 0 “con- senso de Washington” de culpa pela crise da Améri- ca Latina, pois seriam 0s paises que nao teriam “feito aligao de casa’, pelo que, pede uma nova geracao de “reformas estruturais Jai nos meios académicos, um exemplo da reacao neoliberal é 0 artigo publicado na celebrada revista especializada Forcign Affairs, que na edicao de janci- roifevereiro, pergunta “Estaria Washington perdendo a América Latina?” Nele, Peter Hakim, do Inter-Ame- rican Dialogue “alerta” para o fato de as relagdes entre osEUA ea regio estarem “no mais baixo ponto des- de o fim da guerra fria”, lamentando que “durante lum certo tempo pareceu que as Américas se orienta- vam na direcao correta” No Brasil, ne inicio de dezembro, a PUC-RJ, ber- co da ortodoxia que orlentou a economia brasileira desde a elaborarao do Plano Real, em seminario dis- cutiu num painel coordenado por Pedro Malan e composto por Sebastian Edwards, da UCLA ~ autor de 4 macroeconomnia do populiseo na América Latina -, por Albert Fishlow, da Universidade de Columbia e por Dionisio Cameira ~ da PUC-RJ e um dos lideres do Instituto Casa das Careas, formnado por economis. tas de destaque no governo FHC -, a seguinte ques- tao: “politica econmica nos paises latino-america ‘nos: ressurgimento do populismo2”. Edwards iden fica em “politica de elevacao irresponsavel de sald 0s, protecio & industria, incerteza em relapaa as re- gras” (FSP, 04/12/05) os principais sintomas do ‘ne: opopulismo’” Nos “mercaclos”, veja 0 caso da Fitch Ratings, agéncia de classificacao de riscos, que ja em setem- bro lancava um informe especial de seu analista- chefe para a América Latina, Roger Scher, intitula- do “Eleig6es latino-americanas: populismo ou re- forma?”. Esse mesmo analista, em seminario pro- movido em Londres em jarieiro pela Fitch para “uma platéia de dezenas de investidores ¢ analis- tas da City londrina’, ao comentar as perspectivas para a eleicdo brasileira sentenciou: “uma vitoria do PSDB poderia ser melhor para o pais”. Acres- centout ainda, 0 “risco” de um segundo mandato de Lula girar a esquerda, com mudangas na econo- mia (4). A edigao de uma segunda Carta ao Povo Brasileiro, de perfil desenvolvimentista, em gesta- 83/2006 Prineipion pao, se consumada, dard razio as “preocupacoes” do especulador. Iv Outro aspecto da reagao imperialista ~ a qual 0 ‘esquerdismo empresta apoio militante - ¢ a tentativa de dividir as foreas progressistas em campos distintos, dando énfase & existoncia de “duas esquerdas”: uma “responsavel”, que respelta as instituigdes democrat- cas € 0 equilibrio macroecondmico; outra populista € estatista, antiestadunidense e antidemocratica. E um evidente ato de mé-fé. Obviamente, por se tratar de paises indepencentes, com distintas carac- teristicas de formacao sociale histérica, niveis distin- tos de complexidade da economia, de heranca da ex- periéncia neoliberal e, sobretudo, diferencas marean- tes na comrelagao de foreas no interior da sociedade nao permitem comparacoes, muito menos exigencias de similaridades no enfrentamento do neoliberalis- mo e na luta por sua superaco. Pressupoe apenas a existéncia de um esyuema rigido (ow uma alternativa acabada) que se a tintamente a todas as realidades, o que ¢ absolutamente falso. Afinal, nao copiar modelos ¢ uina das grandes lipdes contempo- raneas da esquerda ‘A seu modo, diz Hugo Chavez que “nao se pode pedir a mim que eu fagao mesmo que Fidel, sao cir- cunstancias distintas; como a Lula nao se pode pedir que faca o mesmo que faz Chaver; ou a Evo Fazer 0 mesmo que faz Lula, ou a Kirchner o mesmo que faz Fidel ou Chavez, cada qual tem sua circunstancia, mas vamos pelo mesmo camninho, no mesmo rumo ¢ isso que é importante” (5) Vv De fato 6 possivel verificar um fio eondutor co- mum aos governos progressistas na América Latina que, num contexto de resisténcia, buscam pavimen- taro camplexo caminho, permieado por maneras té- ticas, de superacao, mesmo que parcial, do neolibera- lismo, e na busca de novos rumos, de integrarao € desenvolvimento. Neste fio condutor, lembra Luis Bruschtein, “tanto Chavez, como Tabaré, Lula, Kirchner e Evo Morales tém buscado politicas simile res com relacao a Alea, a0 FMI, (critica) ao discur- 61 Prineipion so neoliberal, a sua visdo de mundo, a integragao re gional, aos direitos humanos e aos processos de de- mocratizacao e inclusao social’ 6). No caso da curta experiéncia de um governo de centro-esquenda no Brasil, em curso, e alvo de prect- pitadas frustracoes de dez entre dez.iludidos ou desa- visados, acumulam-se conquistas, apesar dos limites da politica econémica: interromperam-se as privati 7agées, barrou-se a Alea, eriou-se 0 G-20 na OMC, re- duzlu-se a vulnerabilidade externa, encerrou-se 0 acordo com o FMI, ainda que sem maioria no parla- mento ou na sociedade brasileira. Praticou uma poli tica externa, no geral, de contetido antiimperialista. E preciso avangar mais, na consecugdo de um projeto nacional de feicao desenvolvimentista, ativamente sul-americanista, visando acumular foreas para rom- per com o neoliberalismo —tarefa que naquadya atu- al reveste-se de dimensdes anticapitalistas,e, portan- to, com sentido estratégico de rarsizto ao socialism. De fato, 0 principal fator inicial em curso na luta por romper como o esquema anterior neoliberal ¢ a marcha acelerada da integracan sul-americana, nu- cleada na alianca tripartite Buenos Aires-Brastlia-Ca- racas. Pols a integracdo sul-americana nos termos propos- os por estes és governs, tem, objetivamente, sentido anti neoliberal. A recente adesao da Venezuela ao Mercosul a esperada adesao plena da Bolivia; a resolugao do conflito bilateral entre Brasil e Argentina ~ seqtiela da desindustrializacao parcial do pais vizinho pelas politicas neoliberais -, que travava avanos no bloco, so passos importantes. Outro passo marcado por simbolismo desse modelo de integra¢ao solidaria, an: tineoliberal € o antincio da construgdo do Gasoduto sul-americano, obra de integracao energética entre Venezuela, Brasil e Argentina, ao qual poderd se so- mar a Bolivia e outros paises. INTERNACIONAL Sao medidas que representam um passo inicial para conformar um mercado interno em escala sul- americana, como uma politica industrial que dé va- za0 acomplementaridade das economias sul-ameri- canas através da integracao e da especializacao das cadeias produtivas, contemplando a reindustrializa- ‘a0 de paises ¢ regioes do subcontinente e, assim, 0 combate as assimetrias entre as economias ¢ as regi 6es na América do Sul. 0 avanga dessas politicas ¢ 0 alvo principal do imperialismo na atual conjuntura, que busca impe- di-las ou neutralizé-las, cooptando os vacilantes, como nas ofertas tentadoras de acesso a mercado para os pequenos paises - casos recentes do Uru guai e do Paraguai, com a qual os EUA tentam li- quidar o Mercosul A luta pela integracio regional, com sentido de alternativa ao neoliberalismo, t21n fungao es- tratégica, podendo representar o surgimento de um polo proprio de poder na América do Sul inde pendente da influéncia do Norteimperialista. O fa- to guarda profundlas implicacies geopoliticas. As- sim, a consolidagao de uma tendéncia progressis- ta na América Latina em 2006 podera repercutir em longo prazo na luta contra-hegemonica em re sisténcia ao mundo unipolar dominado pelo impe- rialismo estadunidense. A América Latina, na luta por sua segunda independéncia pode assim de- monstrar que o imperialismo o neoliberalismo podem ser superadns e o soctalismo voltar a or- dem do dia como a alternativa ao atual estado de coisas no mundo. Ronalle Carmona € mernbro da Comissto db Relecies Insrnacionais do Com Central do PCAeB, Notas (1)\er Samir Amim no Pertal Vermelho, 02102/06.u8 o cientste politica José Lus Fion, empolgado, chege a defender a tese de que “hesie injzo do seculo XX), esta acontsoendo algo wxtraordindtio neste continents, taNez uma rupturarevolucionstia” (Carte Wear, 090108), (2) Terme em inglés pare Centro de Estudos, (8)L8 Jomaaa, 0302/2008 (4) Agencia Estado, 19/07/08, (5) Alo antimpenaiisia, Poledro de Caracas, VI Férum Social Mundal, 27/01/06. (6) Pagina 12, 1102.08. 62 83/2008 INTERNACIONAL pein Apelo de Bamako Pela primeira vez desde o seu lancamento, o Férum Social Mundial realizou-se de forma policéntrica: eventos ocorreram em Caracas na Venezuela e em Bamako, no Mali. Devera ocorrer outro evento em Karachi, Paquistao. O ponto de convergéncia se deu em torno da bandeira antiimperialista e contra a guerra. A novidade é que o socialismo emergiu como alternativa a barbarie capitalista. Abaixo segue um resumo do documento final langado na capital do Mali: no coragao do continente que mais sofreu com a pilhagem colonialista e imperialista céntrico, 0s participantes dessa jornada consagrada a0 50” aniversdrio de Bandung exprimiram sua preo: cupacao de definir outros abjetivos do deserivolvi mento, de criar um equilibrio das sociedades abolin- do a exploracdo de classe, de género, de racae de cas- tae de tragar o caminho para uma nova relagao de forgas entre o Sul e o Norte, O apelo de Bamako pretende ser uma contribui experiéneia de mais de eines anos sisténcias ao neoliberal tiu eriar uma nova consclénela cole- tiva, Os Féruns socials mundiais, temticos, continentais e nacionais, aAssembléia dos Movimentos So- ciais foram os seus principais arte sos. Reunidas em Bamako a 18 de janeiro de 2006, véspera da abertura do Forum Social Mundial poli- 83/2006, ao para a emergéncia de um novo sujeito popular histérico e para a consolidacao do que foi adquirido 63 INTERNACIONAL nestes encontros: 0 principio do direito a vida para todos, as grandes orientagées de um viver conjunto nna par, a justiga e a diversidade, as maneiras de rea lizar estes objetivos no plano local e & escala da hu- manidade Para que nas¢a um sujeito histérico ~ popular, plural e multipolar ~¢ preciso definir e promover al ternativas capazes de mobilizar for¢as sociais e poli ticas. A transformacao radical do sistema capitalista €0 chjetivo. Sua destruicao do planeta e de mithées de seres hurnanos, a cultura individualista de consu- mo que 0 acompanha e o alimenta e sua imposica0 por forcas imperialistas nao sao mais aceitéveis, pois, comprometem a prépria vida da humanidade, Tais alternativas devem apoiar-se sobre a longa tradicao das resistencias populares ¢ levar em conta também 6s pequenos passos indispensaveis a vida cotidiana das vitimas. © Apelo de Bamako, construido em tomo dos grandes temas discutidos em comissoes, afirma a vontade de’ () construire o internacionalismo des povas do Sul e do Norte face as devastacies engendradas pela ditadura dos mercados financeiros e pela implanta- ao globalizada e descontrolada das transniacionats; (ii) construir a solidariedade dos povos de Asia, Africa, Europa e Américas face aos desafios do de senvolvimento do século XX: (iil) construir um consenso politico, econdmica e cultural alternativo a globalizacao neoltheral e millta rizada e a0 hegemonismo dos Estados Unidos e seus aliados. Os prine( 1) Construir um mundo fundado na solidarieda- de dos seres humanos e dos povos. Nossa época é dominada pela imposicao da con: corréncia entre os trabalhadores, as nagoes € 08 po ‘yos, Entretanto, o principio da solidariedade preen- chet na histiria funcées mais construtivas para a or- ‘ganizacao eficaz das produgées matertais e intelectu. als, Queremos dar a este prinefpio o lugar que the ca- bee relativizar aquele da concomréncia. 2} Construir um mundo fundado na afirmagao plena e inteira dos cidadéos e na igualdade dos sexos. O cidadao deve tornar-se o responsavel em tlti- mo recurso pela gesto de todes os aspectos da vida social, politica, econémica, cultural. E a condigao de uma democratizaro auténtica, Por abuso, 0 ser hu- mano esta reduzido aos estatutos justapostos de por- tador de uma forga de trabalho, de espectador tmpo- tente fave as decisoes dos poderes, de consumidor encorajado aos piores desperdicios. A afinmacao, de diseito e de fato, da igualdade absoluta dos sexos & uma parte integrante da democracia auténtica, Uma das condicées desta tiltima é a erradicagao de todas as formas confessas ou enganosas do patriarcado. 3) Construir uma civilizagao universal proporcio- nando a diversidade em todos os dominios seu po- tencial pleno de desenvolvimento criador. Para o neoliberalismo, a afirmacao do individuo ~ nao do cidadaa ~ permitiria o florescimento das melhores qualidades humanas. 0 isolamento insu- portivel que a competicao impoe a este individuo no sistema capitalista produz seu antidoto ilusério: 0 encerramento em guetos de pretensas identidades comunitarias, muitas vezes de tipo para-étnico e/ou para-religioso. Queremos construir uma clvilizacao universal que encare o futuro sem nostalgia passa- dista, Nesta construcao, a diversidade politica das nagdes e dos povos toma-se o meio de dar aos indi. viduos capacidades reforcadas para o desenvolvi- mento criador. 4) Construir a socializacao pela democracia As politicas nesliberais querem impor um mado tinico de socializacao através do mercado, apesar de 0s efeitos destruidores para a maioria dos seres hu ‘manos nao precisarem mais de ser demonstrados. O mundo que queremos concebe a socializagao como o produto principal de uma democratizacao sem deli- mitacoes, Neste quadro, em que o mercado tem oseu ugar, mas nao todo o lugar, a economia eas finangas devem ser postas a servico de um projeto de socieda- de e nao serem submetidas unilateralmente as exi- geneias de um desdobramento descontrolade das ini- ciativas do capital dominante que favorecem os inte- resses particulares de uma fnfima minoria. A demo- cracia radical que quetemos promover restitui todos, ‘0s seus direitos ao imaginario inventive da inovacao politica, Ela fundamenta a vida social na diversidade incansavelmente produzida e reproduzida, ¢ nao so- bre o consenso manipulado que apaga os debates de fundo e encerra os dissidentes em guetos. 64 83/2008 INTERNACIONAL 5) Construic um mundo Fundado no reconbect- mento do estatuto nao mercanti da natureza e dos recursos do Planeta, das terras agricolas. © modelo capitalista neoliberal assinala o obje tivo de submeter todos os aspectos da vida social quase sem excecao, ao estatuto de mercadoria. A privatizacao e a mercantilizacao ao extremo impli- cam efeitos devastadores sem precedentes: a des- truigao da biodiversidade, a ameaga ecoldgica, 0 desperdicio dos recursos renovaveis ou nao (petré leo € égua ern particular), a liquidacao das socieda des camponesas ameacadas de expulsées maci¢as das suas terras. Todos estes dominios deve ser ge- 83/2006 SOND Um outro mundo é possivel radlos, como outros tantos bens comuns da human dade. Nestes dominios, a deciso nao decorre do mercado para o essencial, mas dos poderes politicos das nagoes e dos povos. 6) Construir um mundo fundado no reconheci- mento do estatuto nao mercantil des produtos cult rais e dos eonhecimentos cientificas, da educagio & da satide. As politicas neoliberais conduzem & mercantili- zagao dos produtos culturais ¢ @ privatizarao dos grandes servigos sociais, nomeadamente da educaeao eda satide, Esta opeao implica a produgao em massa de produtos para-culturais, de baixa qualidade, a submissio da investigacao as prioridades exclusivas da rentabilidade em custo prazo, a degradarao - mes mo a exclusae - da educacao ¢ da sate para as clas- ses populares. A renovacao e a ampliagao dos servi- {08 piiblicos devem ser guiatas pelo objetivo de re- forcar a satisfagao das necessidades ¢ os direitos es- senciais a educaeao, satide e alimentacao. 1 Promover politicas que associem estreitamen te-a democratizacao sem limite definido a partida, o progresso social e a aflmarao da autonomia das na- ‘ges € dos povos. As politicas neoliberais negam as exigencias es- pecificas do progresso social ~ que se pretende produ zido espontaneamente pela expansdo dos mercados ~ como a autonomia das nacées e dos povos, necessé: tia a correcao das desigualdades. Nestas condlicdes, a democracia é esvaziada de todo conteddo efetivo, vulnerabilizada e fragilizada ao extremo, Afirmar 0 objetivo de uma democracia auténtica exige dar a0 progresso social seu lugar determinante na gestao de todos 0s aspectos da vida social, politica, econémica e cultural. A diversidade das nagées e dos povas, pro- duto da histéria, tanto nos seus aspectos positivos como nas desigualdades que a acompanham, exige a afirmacao da sua autonomia, Nao existe receita uni ca nos dominios politico ou evondmico que permit tia contornar esta autonomia. © objetivo da igualda: dea construir passa pela diversidade dos meios a por em acao 8) Aimar a solldariedade dos povos no Norte e do Sul na construcao de um intemacionalismo numa base antiimperialista. A solidariedade de todos 0s povos ~ do Norte ¢ do Sul ~ na construcao da eivilizagao universal nao pode ser fundada nem sobre a assisténcia nem sobre a afirmacao de que estando todos embarcades no planeta seria possivel menosprezar os contfitos de in- terescses opondo as diferentes classes ¢ nacées que constituem o mundo real, Esta solidariedade passa pela ultrapassagem das leis e dos valores do capitalis ‘mo edo imperialismo que Ihe sdo inerentes. As orga~ nizagoes regionais da globalizacao altermativa deve inserir-se na perspectiva do reforgo da autonomia e da solidariedade das nagses e dos povos nos cinco continenites. Esta perspectiva contrasta com aquela dos atuais modelos dominantes de regionalizacao, concebidos como outros tantos blocos constitutives, INTERNACIONAL da globalizacao neoliberal, Cinqlienta anos apés Ban dung, o Apelo de Bamako exprime também a exigen- cia de uma Bandung dos povos do Sul, vitimes do desdobramento da globalizacao capitalist realmente existente, da reconstrucao de uma frente do Sul ca- paz de por em xeque o imperialismo das poténcias econdmicas dominantes ¢ o hegemonismo militar dos Estados Unidos, Esta frente antiimperialista nao ‘opse 0s pavs do Sul aqueles do Norte. Ao contrério, constitui a base da constru¢ao de um internacionalis- mo global assoctando-os todos na construgao de uma civiliza¢ao comum na sua diversidade. Objetivos de longo prazo e proposta para a acao imediata Para passar da consciéncla coletiva & construgao de atores coletivos, populares, plurais e multipolares, sempre foi necessario identificar temas precisos para formular estratégias e propostas concretas. Estes te ‘mas do Apelo de Bamako cobrem os 10 dominios se- guintes, em funcao de objetivas de longo praza.e de propostas de acao imediata: + A organizario politica da globalizacao; + a organizacao econdmica do sisterna mundial; + ofuturo das sociedades camponesas; + a construsio de uma frente unida dos traba thadores: + as regionalizagdes an servigos dos povos: + agestio democratica das sociedades; + aigualdade dos sexos; + agostao dos recursos do planeta; + a gestio democratica dos meios de comunica a0 da diversidade cultural: € + a democratizacao dos organismos internacio- nais. O apelo de Bamako é um convite a todas as orga- nizapdes de luta representativas das vastas maiorias que constituem as classes trabalhadoras e os exclu dos do sistema capitalista neoliberal, assim como a todas as pessoas politicas que aderem a estes princi- pios, para traballiarem em conjunto para se chegar a por em pritica efetiva estes objetives. Férarm por um outro Mali, Pérurn do Terceto Mundo e Forum Maral das Alternativ, 66 83/2008 DEBATE Prineipion Educar é fazer sonhar TRANCsCO CARUSO B Mi ra SIL Fi A insergao social, e mesmo a sobrevivéncia, residem, fundamentalmente, na criatividade Temos que nosso leitor nao discor- daria, em tese, de H.G, Wells, quan- do este afirma: * Bntramos numa cor rida entre 2 educardo e a catdstrofe” (Apud RONAT, 1995) ‘vez mais real e imperativa, em larga scala, a partir da imposi¢ao de um projeto neoliberal ao mundo glaba- lizado e, em particular, no que se refere ao Brasil. Qualquer que seja o.caso, a reflexao critica é a melhor forma de dar inicio a essa corrida. A questao &: O que mudarnoensino de modo a minimizar as chances de vitoria da catastrofe? Um ponto de partida pode ser a aceitagao da observacao de Paulo Freire, segundo a qual, lamentavelmente, “atvalmente, nao se entende mais a educapao como formagao, mas apenas como treina- mento’. (FREIRE, 2001, p. 36). 0 medo da catistrofe motivou-nos a refletir ¢a escrever algumas linhas a propésito do ato de ensinar, Preferimos, aqui, contribuir para o debate sobre © tao desgastado ato de ensinar, enfocando uma questao especifica que pode ser resumida na seguin- te pergunta: Que predicado melhor completa a frase “ensinar 6..” — no sentido de educar ~ de modo a permitir aos seres humanos, nascidos e inseridos no 83/2006 tempo, se encontrarem, se realizarem em toda a sua pluralidade? Esta chave deve ser o predicado essen- cial para a criatividad, para a liberdade Na busca a essa resposta, nosso ponto de partida pode ser sintetizado em duas maximas: “O objetivo dda educacao 600 conhecimento nao de fatos, mas de valores’, de William Ralph Inge, ¢ “Educagéo ¢ 0 que sobrevive quando o que foi aprendido foi esquecido" do polémico BF. Skinner. Estamos procurando, des- sa forma, dentse esses valores, aquele que melhor ga~ ranta a sobrevivéncia de algumia coisa apés 0 esque- ccimento do que foi aprendido e, portanto, aquele que melhor completa a expressao “ensinar ¢..”. Alguma coisa permanente ¢ transformadora. Partamos da assertiva, segundo a qual “ensinar é substantivamente formar” Nela, Paulo Freire embu- te, de certa forma, sua compreensio de que ‘saber ensinar nao é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua producao ou a sua consstru- a0". Dentre as miitiplas possibilidades, destacamos a capacidade de “fazer sonhar”, de libertar o espirito A mera transferéncia de conhecimento, ou de infer- macées, jamais levard um sujeito a “sonhar com dias, melhores”, a ter perspectivas, a ousar e a criar 0 no- ; poderia, no maximo, fazé-lo tomar conhecimen Prineipion to do novo. Se devéssemos, entéo, propor um tinico predicado para o ato de ensinar, diriamos que “ensi- nar ¢ fazer sonhar”, € levar asonhar, € levar a desco- brir, a criar seu préprio mundo. E ¢ isso que procura- remos justificar neste ensaio. 0 espetho profundo e as novas visoes Quando falamos em sonho, nio nos referimos a qualquer devaneio, mas aqueles que levam o indivi- duo ao encontro de seus anseios, de suas perspecti- ‘vas, de suas realizagdes, sem limites; um sonho mo: tivador, Nao apenas 0 sonho no sentido subjetivo do sonhador, nas quatro paredes do seu quarto, Estamos considerando 0 sonho que envalve 0 outro, no senti do pottico, no sentido ético, Sonho, fungao do irreal, traduzido ao real na pratica como relagao entre cién- cia e poesia, numa pedagogia bachelardiana (1) Bachelard — do ponto de vista filos6fico - ganha papel primordial quanto a questao da importancia da poesia ¢ das artes na pedagogia, nao como meios ou instrumentas didaticas, mas dando-lhes autonomia € estudando-as como processo criativo, camo poetics. Com esta proposta, ele valoriza o homem em uma so. ciedade produzindo ciéncia, tecnologia e poesia, con: ferindo-thes igual valor na criagao de umn pensamen. to, ao mesmo tempo ractonal ¢ imaginativo, capazde produzir mudancas no conhecimento ¢ no proprio homem. Razao e imaginacao, imbricadas, respectiva- mente, na cifrcia e na poéica, completam-se. Enfatl- zamos que, para Bachelard, a arte, como vertente po- ética, funda-se nos processos imaginativos e no tra. balho da materia, retomando sempre o imaginativo através do espectador ativo, J4 a ciéncia, cria fend- menos a serem estudads bem além do plano empi- rico, construinde universos formais. Nada nos é dado: no plano da ciéneta eda arte: tudo pode ser fabrics, Tudo pode ser criadb, Porém, para Bachelard, *n20 cri- ames com idéias ensinadas" , ou seja, nao criamos com idéias reproduzides ou a partir da tradi¢ao. Criamos, assim como o artesao trabalha o barr: transforman- do a matéria e, ao mesmo tempo, transformando-se (CARUSO, CARVALHO & FREITAS, 2002). 0 que nao exclui, naturalmente, que se possa eriar utilizando métodos e processos ja conhecidos. ‘Ao educar se com esse espirito, o sujeito passa a vera vida com outros olhos, adquire uma nova visio DEBATE do mundo e de si mesmo, e vislumbra a possibilida- de de “fazer a sua historia’, conforme seus sonhos. Essa capacidade ca Educagao de levar o individuo a sonhar tem sido desvalorizada cada vez mais, com ‘graves reflexos na Escola, na vida familiar e nas de- mais relagdes sociais, Noentanto, “9 sonhadar nao consegue sonkar dante de um espelbo que néo seja ‘profundo"” (BACHELARD, 1990, p. 157). E fundamental que seja o educador a dar profundidade a esse espelho, através de sua pro priaimagem,, reflexo de um conjunto de valores e sa- eres adquiridos. Ble 8 que deverd motivar seus alu. ros a soriharem, sob pena de leva-los 2 frieza da in- credulidade (2). Sua postura diante da vida— da pr6- pria vida e da vida dos outros ~€ um exemplo deter- minante. Pode-se dizer, como Henry Brooks Adar, que 0 professor afeta a eternidade, pois nao 6 posst- vel precisar onde sua influéncia acaba [4pud KNOWLES, 1998}. Paulo Freire também alerta: “0 professor autoritério, o professor livencioso, o profes- Sor competent, sérfo, o professor incompetente, irrespons4- vel oprobssor amoro da vida edas genes o profesor mal- amado, sempre cora raiva do mundo e das pessoas, fra, bux rocrético, racionalista, nenbum desves passa pelos alunos sera deliar sua marca” (FREIRE, 2002, p. 73). Se positiva, essa marca depende fundamentalmen te das relacdes estabelecidas entre professores ¢ alunos, que deve ser uma relagao de respeito a cidadania, como todae qualquer relacao entre seres humans: “Na sala de aula, os alunos nao detvarn de sor pessoas para tansformar-se em cojsas, em objetos, que 0 professor ‘pode manipular jogar de um lado para o outro, 0 aluno nao é um depésito de conhecimentes memorizadas que no en- fende, como ura fichdrio ou uma gaveta. O aluno &capaz de pensar de refletir, discuti, ter opiniGes, partfclpar, decid! 0 que quer eo que nao quer O aluno égente, ser hurnaro, assim como oprofeswr’. (PILETTI, 1987). Mas 6 crucial existir nas escolas umaamplacons- eiéncia de quao imperativo ¢ sonar e craz, de quanto ¢ indispensével por defronte dos alunos um espelho profundo. E'essa dose de utopia coletiva, intrinseca & consciéneia critica dos educadores, que faz do ato de sonhar coletivamente um movimento transformados, como afirma Ana Liicia Souza de Freitas (FREIRE, 2001, p. 29]. Esta consciéneia transformadora, tradu zida em uma postura institucionalizada, deveria ser priorizada nos projetos pedagégicos de todas as insti- 68 83/2008 DEBATE Prineipion tui¢des de ensino, a comegar, obviamente, do ensino fundamental, valorizando, por exemplo, a leiturados contos de fada, das fabulas, dos classicos, assim oo- mo incentivando as atividades artisticas em geral, que fazem sonhar. E ilusto achar que a televisio faz sonar; 20 contrario, ela é essencialmente alieriado- ra. Todavia, 6 triste ver a juventude buscar, muitas vvezes, osonho nas drogas. A escola néo pode ab solu tamente abdicar do sonho. Entretanto, o que se vé na escola hoje é um qua dro lamentavel. Nossas escolas estao povoadas por profissionais cansados, desanimados, que | desisti ram de inovar, temerosos das criticas, dos possiveis fracassos ¢ massacrados pela baixa remuneragéo. Mais ainda: arriscariamos alirmar estar sendo prati- cado, principalmente nas escolas de periferia (mas no somente), o que podemos chamar de uma * pe- dagogia do medo", onde a violencia ou 0 medo de- Ja limita, cerceia a liverdade de trabalho do profes- sor e embaca qualquer espelho. Freire tem razao ao dizer que “a prética educacional no é 0 tinico caminho A transformacao social necess&ria A conguisia cos dreites hnumanos"; contudo, acredita que, “sem ela, Jamals haverd transformagéo socal’ (FREIRE, 2001). Obviamente, asuperagdo desse estado genera- lizado de violencia faz parte desta conquista Por pior que seja esse quadro educacional, Paulo Freire afirma: ‘As coisas podem até piorar’, mas nos exorta a “intervr para melhoré-las” (PREIRE, 2002, p 58). Nao pocemos acettar o diseurso acomodado de que “ndo hd o que faze”, conclui o educador. Devemnos, sim, tera ousadia que motiva o ser humano a fazer 0 novo, a fazer o que ainda nao foi experimentado por ninguém, mesmo que a dose do novo parega excessi- va. "Tada criacéo deve superar urna ansiedade, Criar édesa- (ar uma angistia", aficma Bachelard (BACHELARD, 1990, p. 114). Vencer 0 medo ~ prineipalmente o me- do do novo-é0 que se espera de um educador capaz de transmitir criticamente 0 conhecimento e, sobre- tudo, capaz de criar as possibilidades para a sua pro- dugao ou a sta construcao, pois, como nos ensina ainda 0 fildsofo frances, “por mais efémero que sefa 0 amedo, etd quase sempre na crjgern de um conhecimento” {BACHELARD, 1980, p. 150). Vencer 0 medo primor- dial estd na esséncia do ato criativo. Chegamos, assim, 4 questiio do ato criativo. E preciso difundira idéia de que, na sociedade pés-mo- 83/2006 lem, a capacidade de insergéio © mesmo a de sobre- vivencia de qualquer um reside fundamentalmente na criatividads uma eriatividade transformadora (DE. MASI, 2000). Essa compreensao é indispensével pa- rasse comerar a construir a Escola do futuro (3), Comno exemplo que da coneretude a algumnas das idéias expostas até aqui, podemos citar uma experi- éncia que hé algumn tempo vimos defendendo e pon. do em prética com umn grupo de pesquisadores, pro- fessores, licenclandos e alunos do ensino médio, uma pedagogia bachelardiana, mediante nosso trabalho na Ofleina de Educacao através de Historias em Qua drinhos (EDUHQ), deserito em outro texto [CARU- SO, CARVALHO & FREITAS, 2002], visando & trans. formacao das praticas didaticas tradicionais (4). Es- sa nova busca de valorizacao da criatividade e do ato de sonhar pode ser sintetizada nos seguintes objeti- vos gerais da Oficina: * Priorizar uma pedagogia que contemple articula- des entre ensino- aprendizagem e conhecimento-socie- dede, integrancio metodologicamente os contetidos das disciplinas curriculares, através da producao artstica + Contribuir para que o aluno possa ser um ator importante na difusao do conhecimento a partir de um processo que se inicia nos processos didaticos € culmina com seu ato criativo; processo esse que de- vera Ihe dar uma nova dimensao dialégica do proces. so ensino-aprendizado. + Contribuir para o aprimoramento dos professo- res que particlparao do prajeto, no tocante as técnicas emetodologias de ensino, bem como daqueles que, fo radaoficina, posteriormente, terao contato com o ma- terial ali produzido, come agentes deseneadeadores de outros processes criatives em situacdes diversas. + Enfatizar e incentivar a producao artistica nao apenas como instrument didatico, mas como predusao estética autinoma inserida na cultura e na sociedad. + Criar e desenvolver técnicas e metodologias fa- cilitadoras da transferéncia de conhecimentos na prépria oficina, em sala de aula, através do ensino & distancia e na vida prética, imprimindo a producao do conhecimento um aspecto hidico e estético, Podemos sintetizar o impacto que essa iniciativa tern demonstrado sobre es alunos do projeto nas pala- ras espontaneas de um deles, Gleidson de Castro Aratjo, apropésito do trabalho na Oficina EDUHQ (8): “E gostoso escrevere imagine Os desenhs nos fazem 69

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