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Instituto Superior de Psicologia Aplicada (iSPA) TESE DE. MESTRADO APRESENTADA NA AREA DE COMPORTAMENTO. ORGANIZACIONAL 1994-1996 Maria da Conceigao P. B. Calado Tensdo Psicolégica Vivenciada pelos Agentes da Policia de Seguranga Publica (P.S.P) em Missao de Paz na Bosnia Orientador: Prof. Doutor Orlindo G. Pereira Instituto Superior de Psicologia Aplicada Seminario de monografia dirigido por: Prof. Doutor Jorge Ribeiro Instituto Superior de Psicologia Aplicada Lisboa, Maio de 1998 beats oD) neccx, AMG? aT ‘Tensfo Psicoligica vivenciada pelos Agentes da P.S.P, em Missio de Paz na Bosnia AGRADECIMENTOS Ros meus professores e colegas, designadamente ao Prof. Doutor Jorge Ribeiro e ao Prof. Doutor Orlindo Gouveia Pereira, meu orientador, as indicagdes e orientagdes que me deram no sentido de prosseguir o meu estudo, principalmente nas horas em que me encontrava perdida e desanimada achando que era impossivel e vidvel a sua concluséo, 4 Mestre Maria Odete Matos Rodrigues Pereira, a quem eu apelidei de “tia de mestrado”, a forga que me deu nao me deixando desistir, © a Mestre Noémia Madeira, que numa fase dificil da minha vida me acompanhou nos longos serdes em que eu fazia a recolha pibliogréfica e tentava elaborar a parte teorica deste meu estudo. A todos os amigos e colaboradores que me apoiaram e colaboraram, na recolha de informagio e interferiram no sentido de ser possivel a realizagéo deste estudo, apoiando-me na aferigéo dos questionarios e nomeadamente no dificil trabalho de recolha de informagdo. De uma forma especial um carinho muito grande para o Subcomissério Alexandre Coimbra pioneiro e grande incentivador deste estudo desde o seu embrido. Sem qualquer ordem prioritaria, os meus agradecimentos a todos os colaboradores neste estudo. Para além de todos os agentes que responderam aos questionarios e entrevistas, nao gostaria de deixar de mencionar o Tenente Coronel Francisco dos Santos, o Comissdrio Antero Lopes, 0 Comissério Luis Filipe Simées e o Comissdrio Luis Manuel Elias, ¢ expressar os meus sinceros agradecimentos pelos ii ‘Tensio Psicolégica vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missio de Paz na Bésnia materiais, conselhos e experiéncias que partilharam comigo, bem como pela prontid&o com que responderam a todas as minhas solicitagtes. Agradeco também 4 Dr* Sénia Doria a sua colaboragéo e til contributo no tratamento estatistico dos dados, e a paciéncia que teve para as minhas questées. Nao posso deixar de agradecer a colaboragao do meu colega Pedro Miguel Quartin Graga no que concerne a paciéncia que teve ao ajudar-me a elaborar os varios quadros e tabelas constantes no estudo, a minha colega Ana Sofia Gomes a sua preciosa ajuda, incentivo e paciéncia que me dedicou aquando da andlise das questées abertas, e ao seu marido Carlos Alberto Gomes Mendes. Finalmente, e por serem os wltimos nado significa que sejam menos importantes, agradeco ao meu pai e a minha mée a oportunidade e todo o apoio que me deram para chegar até aqui, aos meus sogros o apoio e paciéncia que tiveram para mim, ao meu marido todo o carinho que me dedicou e pelo combate que travou contra o meu desénimo e vontade de desistir em determinadas alturas. Fica também um agradecimento muito especial, para uma pessoa que ainda nao est4 connosco, vem a caminho, mas que me proporcionou o tltimo félego e me deu vontade de terminar esta tarefa o mais xapidamente possivel, no sentido de estar liberta para lhe dar toda a atengio e carinho necessarios quando se juntasse a nés, a minha filha Daniela Alexandra. ‘rational Boundary Republic boundary Autonomous province boundary ‘National capital Raiioad A Airport Expressuay J Port Adriatic Sea RESUMO A presente dissertagdo tem como objectivo avaliar a tenséo psicolégica experiénciada pelos agentes da Policia de Seguranga PGblica em Missdo de Paz na Bésnia. A recolha dos dados divide-se em duas fases. Uma primeira fase em que se entrevistam 6 agentes da P.S.P, ¢ uma segunda fase em que se aplicam 40 questionarios construfdos a partir das entrevistas, seguidos de escalas de stress. Desta forma, a amostra corrresponde a 27.5% da populagao que embarcou para este tipo de missées desde 27 Margo de 1992 até 25 de Agosto de 1995. As entrevistas so jindividuais gravadas e¢ semi- estruturadas, seguidas de uma aplicagio de cinco escalas de stress: lista de acontecimetos vividos no servigo, lista de acontecimentos vividos fora do servigo, escala de stress organizacional, escala de auto-avaliagéo de stress, strain sentido, escala das consequéncias estimadas para a satide na actual condig&o de trabalho; strain estimado no futuro e uma de o policial ideal. A entrevista individual envolve a recolha de dados auto- biogréficos, dados do servico, vantagens e desvantagens de ingressar neste tipo de misso, tomada da decisdo em ingressar na missio em estudo, envolventes, opinides sobre 0 tipo de trabalho realizado, colocagao, —-Fixago, estabelecimento e local de trabalho, interac¢&o social, fases ‘Tensfio Psicoldgica vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missio de Paz na Bésnia da missio, dificuldades e problemas da mesma, sucesso da operagio, significado e adaptagio ao treino envolvido na missdo, juntamente com uma entrevista de incidentes criticos em que se pediu ao entrevistado para descrever uma situagdo grave, dificil ov perigosa durante a misséo na qual esteve envolvido, quer tenha sido bem ou mal resolvida em que se pretende conhecer as causas, avaliar as responsabilidades, grau de preparagdo do pessoal, actuagio dos chefes e avaliar os aspectos do suporte social. Os questionarios envolvem a mesma recolha de dados das entrevistas. Feita a anAlise descritiva das variaveis, realiza-se o cruzamento de algumas 2 a 2. Dos resultados obtidos destaca-se que apesar do apoio familiar ser importante, nfo é este que pesa na decisdo de ingressar na miss&o, embora seja mito importante depois de o individuo decidir ingressar na miss’o e quando j4 esta no local. um dos factores que provoca algum stress, € a insegurancga acerca do treino que recebem. # de salientar que a varidvel que mais ajuda os individuos a tomar a decisSo de ingressar na misssio 6 o seu tipo de personalidade; aventureiro. H4 associagées entre o ambiente de trabalho mais ou menos calmo e o regime de trabalho, entre as dificuldades ao nivel das necessidades basicas e regime de trabalho e entre © ul ‘Tensiio Psicologiea vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missio de Paz na Bésnia ambiente de trabalho chocante e regime de trabalho. Todos estes factores contribuiem para o aumento de tensdo dos agentes. Tanto a opinido dos habitantes locais em relagio & presenga das Nagdes Unidas,cono a interac¢o social nao sao stressores muito fortes. 72,5% da populagdo em estudo afirma que a opinigo dos habitantes locais em relacéo & presenga das NagSes Unidas 6 positiva. 90% afixma que existia espirito de equipa e as suas relagdes com os outros situam-se entre as relagSes optimas e boas. outro factor gerador de stress é o clima de incerteza 62,5%, intimamente relacionado com a variavel - guerra. © papel a desempenhar, talvez ndo seja o maior factor de stress em 90% dos inquiridos, contudo, o ter de tomar decisSes em situacdes de emergéncia parece uma fonte de stress importante. Como indicadores de stress traum&tico, temos com grande peso (85%), as situacdes que oferecem risco de vida. O nivel de stress experienciado € de certa forma controlado, dada a tendéncia dos inguiridos para um locus de controlo interno. A lista de acontecimentos vividos no servigo, revela factores de stress idénticos aos que Leonardo (1995) encontrou para a policia civil, tais como: mudanca de responsabilidades no servigo, mudanga de horario ou condigdes de servicgo, mudanga de instalagées, etc. mw ‘Tensio Psicolégica vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missio de Paz na Bosnia A escala de stress organizacional, mostra que os stressores de maior peso sio o servigo em demasia, decisées mal definidas, bem como as responsabilidades mal definidas. A auto avaliac&o de stress, revela o excesso de servigo, o beber e fumar quando esté nervoso, ansiedade, irritacéo, nervosismo, etc. A comparagio dos resultados, com os de Lars Nielsson (1995), leva a concluir que os factores comuns de stress em missSes das NacSes Unidas encontrados a partir de entrevistas ao pessoal regressado da Ex-Jugoslavia, so de certa forma semelhantes. ‘Tensio Psicolégica vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missfio de Paz na Bosnia INDICE 1 INTRODUGAO 1 ORIGEM E DEFINICOES DE STRESS 4 STRESS, ANSIEDADE E ANGUSTIA. 6 STRESS BENEFICO OU PREJUDICIAL? 13 STRESS - DIFERENTES ABORDAGENS TEORICAS 18 STRESS PSICOLOGICO 31 STRESS PROFISSIONAL - ORGANIZACIONAL, 36 RESPOSTAS AOS STRESSORES 48 METODO. 61 SUJEITOS 6 INSTRUMENTOS Cs fil RESULTADOS 74 RELATORIO DAS ENTREVISTAS 4 Dados familiares, " Perspectivas actuais " Dados militares e gerais ce ‘Vantagens e motives de ingressar neste tipo de missio 6 ‘Tomada de decisio ee Contextos ¢ opinides sobre o trabalho 80 Opinides sobre a colocacio, fisacio, estabelecimento ¢ focal de trabalho 82 Inieraceao social 87 Diferentes periodos e fases da missio 89 Incidentes eriticos a Dificuldades e problemas da missio 96 Factores de stress 96 Consequéncias do stress 100 Indieios e reacgdes psicopatotigicas 101 Stress traumstico 103 Stress vivenciado 108 Factos que tornam a operagio bem sucedida 107 Significado e adaptacZo ao treino 110 Discussfio das experiéncias da Policia Civil in Listas e Esealas de Stress 4 FREQUENCIAS ABSOLUTAS E RELATIVAS PARA AS LISTAS DE ACONTECIMENTOS, VEVIBOS NO SERVICO: 115 ‘Tensio Psicoldgica vivenciada pelos Agentes da P.S.P, em Missio de Paz na Bosnia FREQUENCIAS ABSOLUTAS E RELATIVAS PARA AS LISTAS DE ACONTECIMENTOS VIVIDOS FORA BO SERVICO: 116 FREQUENCIAS ABSOLUTAS E RELATIVAS PARA A ESCALA DE STRESS ORGANIZACIONAL: 116 FREQUENCIAS ABSOLUTAS E RELATIVAS PARA A ESCALA DE AUTO AVALIACAG DE STRESS: 116 QUESTOES EXPLORATORIAS 47 -METODOLOGIAS ESTATISTICAS/EQUIPAMENTO E SOFTWARE 19 RESULTADO DOS QUESTIONARIOS 120 ‘Vantagens ¢ motives de ingressar neste tipo de missio 120 Tomada de decisto 12 Envolventes opinibes sobre o tipo de trabalho realizado 123 Opinises sobre a colocacio.fixagao,estabelecimento ¢ local de trabalho 124 Interacgio social 127 Fases da missio 129 Factores de stress, 129 Consequéneias do stress 134 Indicios ¢ reacgbes psicopatolégicas 135 Stress traumitico 137 Factos gue tornam 2 operagao bem sucedida 140 Significado ¢ adaptagao a0 t 141 Discussio das experiéncias vividas 144 Opinides sobre o apoio social envolvido aad FREQUENCIAS ABSOLUTAS E RELATIVAS PARA AS LISTAS DE ACONTECIMENTOS, VIVIDOS NO SERVICO: 447 FREQUENCIAS ABSOLUTAS E RELATIVAS PARA AS LISTAS DE ACONTECIMENTOS YVIVIDOS FORA DO SERVICO: 148, FREQUENCIAS ABSOLUTAS E RELATIVAS PARA A ESCALA DE STRESS ORGANIZACIONAL: 149 FREQUENCIAS ABSOLUTAS E RELATIVAS PARA A ESCALA DE AUTO AVALIACAQ DE STRESS: 150 ‘CRUZAMENTO DE VARIAVEIS 182 v DIsScuUssAO 174 Vi REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS 203 ‘Tensio Psicolégica viven \da pelos Agentes da P.S.P. em Missio de Paz na Bésnia J. INTRODUCAO © mundo actual atravessa uma profunda transforma¢do social e politica. Vaérias fronteiras existentes até ha uma década deixaram de existir. Surgiram outras. Esta profunda mutagao deu origem a novos movimentos sociais com consequéncias irreversiveis no anterior desenho do mundo em que viviamos. A €poca actual € conturbada. & disso exemplo o abalo sofrido pelos anteriormente designados paises do Leste, e os timultos surgidos na ex-Jugoslavia, que nos interessam especialmente neste estudo. Nao podemos ficar indiferentes. As convulsées sociais e acgdes violentas que se verificaram, tiveram a interven¢io de contingentes para- -militares em diversos pontos do Globo, vindo revelar que os militares tém de estar preparados para actuarem em situagdes de emergéncia e em todos os tipos de ambientes e condigées, conforme jA previsto desde a antiguidade nos manuais respectivos (Mangelsdorff, 1991). Daqui que a Psicologia Militar nao se possa alhear da forma como os individuos e os grupos funcionam nessas situagdes, e em ambientes e condicdes mais adversas ¢€ imprevisiveis, bem como, dos efeitos que as diferentes variéveis de natureza fisica, social ou psicolégica exercem nos individuos (Mangelsdorff, 1991). Todos estes eventos tiveram consequéncias por todo o mundo, Houve guerras e misses de paz, tendo Portugal ‘Tensao Psicolégica vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missio de Paz na Bosnia participado pela primeira vez neste tipo de missdes em 1992, concretamente na missdo da Bésnia. © presente estudo pretende ser uma tentativa de investigar os fenémenos subjacentes 4 participagéio da Policia de Seguranga Péblica em actividades de manutengao da paz. © nosso estudo iniciou-se com entrevistas semi-directivas a seig agentes intervenientes na missio referida. Esta abordagem deu-nos indicios de que um niimero consideravel dos participantes (independentemente da sua nacionalidade), sofreram traumas psicolégicos devido & ocorréncia de situagdes desastrosas em vérias areas da missio, sendo uma das razdes pela qual alguns dos sujeitos tiveram de abandonar o palco de operagées antes do terminus da sua temporada. Com base neste pressuposto, pretende este projecto estudar a tenso psicolégica experiénciada pelos agentes portugueses ligados A misséo de paz no Ambito das Nagdes Unidas, na regido da ex-Jugoslavia. Os deveres da Policia de Seguranca Piblica ligada as Nagées Unidas colocam os agentes numa intima interacgio com combatentes e civis, dentro das zonas de guerra, em territério estrangeiro, onde prestam os seus servigos, todos eles com culturas, tradigSes, valores e crengas religiosas diferentes. No que respeita a 4rea profissional, os agentes policiais civis apresentam diferengas dentro dos varios estilos de policiamento, procedimentos e deveres. ‘Tensio Psicolégica vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missio de Paz na Bésnia Todos estes aspectos, referentes as missdes de paz, sao consideravelmente diferentes da experiéncia que eventualmente os agentes possam ter de outras operagées das Nagdes Unidas, onde o pessoal se reporta ao dever e serve como uma unidade militar intacta. Consideramos ser pertinente, para pexceber caracteristicas tnicas desta misséo da policia civil, rever estudos que envolvam tanto o stress em zona de guerra como no préprio local de trabalho. A grande maioria dos estudos, que abordaremos mais em pormenor posteriormente, baseia-se em informagio recolhida apés a exposiggo a um trauma inesperado, situagio latente na missdo de paz das Nagdes Unidas. ‘Tensio Psicoldgica vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missio de Paz na Bosnia ORIGEM E DEFINIGGES DE STRESS Os tempos que correm sao conhecidos como a idade do stress’. Se avaliarmos o volume de publicagdes em redor do tema, o problema esta a aumentar e a tornar-se cada vez mais assustador (Wilder, 1985). A palavra stress, deriva do latim ™ stringere” sig: ficando estreitar, ligar, (Marques, 1994), e aparece pela primeira vez na lingua inglesa no séc. XV, em que significava pressio ou ameaga fisica (physical strain). No séc. XVII, © seu significado estende-se para além dos campos da engenharia e arquitectura e comecou a significar “opresséo ou adversidade” , ou seja, pressio sobre uma pessoa em vez de uma coisa (Wilder, 1985), exprimindo estados de caréncia, sofrimento e outras adversidades como um sé conceito (Marques, 1994). No inicio do séc. XX, stress foi considerado por Dunbar e outros como relacionado com a medicina psicossom&tica como sendo uma doenga fisica ou doenga mental (Wilder, 1985). Para Cummings e Cooper (1979), 0 stress refere-se A reacgéo das pessoas as condi¢ s do seu meio ambiente, através de respostas fisiolégicas susceptiveis de causarem mudangas ou ajustamentos no seu comportamento. £ assim entendido como uma " 0 termo stress pode ser traduzido por tensio. Contudo, tendo em conta que jé faz parte da linguagem do senso comum, decidimos manter a grafia inglesa. ‘Tensio Psicol vivenciada pelos Agentes da P.S.P, em Missio de Paz na Bésnia adaptagio das necessidades, aptides e expectativas das pessoas as exigéncias, mudangas e oportunidades do meio. Para Pamplona (1993), uma boa adaptagdo da pessoa ao meio resulta em reacgées positivas ao stress, enquanto uma fraca adaptag&o conduz a consequéncias negativas. ica vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missio de Paz na Bésnia STRESS, ANSIEDADE E ANGUSTIA Stress é um termo que aparece muitas vezes associado & ansiedade e angistia. Todavia, nfo sdo sinénimos. Ansiedade implica sempre stress, embora o contraério nao seja forgoso ocorrer, ou seja, stress nao implica necessariamente ansiedade. Stressores, tais como frio, calor, doenga, podem levar ao stress mas nao obrigatoriamente & ansiedade (Magnusson, 1982). Os stressores que provocam stress dependem da avaliag’o que os individuos fazem da sua ameaga. Apesar de parecer razofvel fazer a disting&o entre os aspectos de stress fisicos e psicolégicos, eles estéo fortemente relacionados (Magnusson, 1982). Sousa e Nevado (1993) definem stressores como os acontecimentos externos ou condigées que afectam o organismo, desde a simples mudanca de luminosidade até a fadiga em extremo, passando por varios tipos de ameagas. Segundo estes dois autores, a ameaga € captada ou percebida e, para o caso da meméria nfo a situar como normal, desencadeiam-se processes fisiolégicos, tendo em vista a adaptagdo do individuo & situag&o, isto é, esforgos visando a gestdo das solicitages internas e externas e dos conflitos entre essas situagées. Qualquer situagao/estimulo exterior ao —sindividuo susceptivel de provocar uma exigéncia no organismo € designado por stressor (Catarino, 1987). ‘Tensio Psicolégica vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missio de Paz na Bésnia Na perspectiva de Magnusson (1982), as condigées fisicas, geogréficas e os padrées socioculturais determinam, de certa forma, as condigdes que seréo percepcionadas como uma particular ameaga para uma populagdo. As leis comuns, normas, regras e atitudes, factores culturais e sociais condicionam a percepgio dos individuos e¢ a sua interpretagéo das circunsténcias situacionais que encontram. Magnusson (1982) afirma que a concluséo que pode ser retirada no campo do stress e ansiedade é que as diferengas individuais, diferengas de idade, sexo, culturais, etc., n&o podem ser verdadeiramente investigadas, elucidativas e c mpreendidas sem referéncia as caracteristicas especificas da situagdo na qual o comportamento é observado. Pamplona e Costa (1993) referem que a ansiedade € um conceito que tem sido ut izado com os mais diversos f iS. Para estes autores, os compon entes ‘*cognitivos, “motor e ‘yegetativo de ansiedade, tal como o stress, influenciam o modo como cada individuo avalia e se comporta em diversas situagdes da sua vida e sao resultado da avaliagéo. Enquanto que a ansiedade elevada, vivenciada por um individuo numa situagao problema, interfere significativamente na resolu¢do daquele tipo de situac&o, o stress permite o aparecimento de um estado Componente cognitivo: auto ansioso do que 0 costume”. agiio de processos cognitives. exemplo: “Sinto-me mais nervoso © 2 Componente motor: auto-avalia pernas a tremer”. do componente motor da ansiedade. Exemplo: “Sinto os bragos e as ‘Tensio Psicolégica vivenciada pelos Agentes da P. em Missio de Paz na Bosnia de sensacdes fisiolégicas desagradaveis (taquicérdia, sedagdo excessiva, tremores, cefaleias, sensagSes de secura na boca e palpitagdes, etc.), pensamentos negativos, distorgées da realidade, acompanhados de sentimentos de desespero e emissdo de comportamentos de evitamento e fuga Aquele tipo de situagées. A ansiedade pode perturbar a realizag&o de uma prova de inteligéncia geral. Esta variavel desempenha na vida de todos nés uma importaéncia vital, facilitando, alterando ou inibindo a exibig&o de comportamentos adequados (Pocinho, 1991). Pocinho (1991), num dos seus estudos experimentais chegou a concluso de que a relacdo existente entre a ansiedade-estado e as provas de inteligéncia e aptiddes é xelevante. A ansiedade cognitiva interfere significativamente no desempenho das provas de inteligéncia geral, raciocinio numérico e verbal. © modo como as pessoas avaliam aquilo que sentem nas situagdes, bem como o seu estado interior de tensio no momento, influencia em larga medida a sua performance em provas daquele tipo. No que respeita & ansiedade geral, Pocinho (1991) verificou que quanto maior é o valor global da ansiedade, maior ser&é a probabilidade de perturbagdo no desempenho das provas de inteligéncia geral. Ao aplicar a escala IPC, chegou A conclusio que a avaliag&o do locus de controlo interno é perturbado pela existéncia de um nivel * Componente vegetativo: auto-avaliagio das manifestacdes proprias do sistema neuro-vegetativo. Exemplo: “Sinto 0 meu coragio a bater depressa demais”. ‘Tensio Psicolégiea vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missio de Paz na Bésnia elevado de ansiedade cognitiva, assim como de um nivel geral de ansiedade. Isto significa que os individuos com um locus de controlo interno tém maior probabilidade de se revelarem menos ansiosos, 0s individuos com uma ansiedade cognitiva e vegetativa, e um nivel geral mais elevado so individuos com um locus externo. Ao nivel da escala de auto-controlo verificaram que os individuos com um nivel muito elevado de ansiedade geral, cognitiva e motora, tém probabilidade de apresentar baixo auto-controlo. Este facto relaciona-se com a evidéncia clinica de que os individuos com maiores aptidées de auto-controlo, mais facilmente aplicam estratégias cognitivas (auto- instrugdes) e motoras (relaxamento) de controlo da sua ansiedade. A ansiedade estado medida pela escala de Zung, demonstra que a ansiedade cognitiva desempenha um papel fundamental na facilitagdo ou perturbago da forma como cada um utiliza as suas capacidades de auto-controlo, por forma a evidenciar comportamentos mais adaptativos e a sentir-se mais “ feliz” consigo préprio. Em geral, a ansiedade é uma variavel que apresenta uma maltipla e complexa relagéo com outras variaveis da personalidade. Pode contribuir para que o individuo evidencie maior capacidade de auto-controlo e, se aperceba de que depende de si, aquilo que se passa consigo ou 4 sua volta, mas também essas variaveis (locus de controlo interno e auto- ‘Tensio Psicolégica vivenciada pelos Agentes da P. em Missio de Paz na Bésnia controlo) podem aumentar ou diminuir a ansiedade, dependendo fundamentalmente da forma como a pessoa percepciona e avalia as suas capacidades no confronto com as situagées da vida No que respeita A nogdo de stress e angiistia, estas ccupam um espago comum no que concerne a sua definicéo. O termo angiistia € um sintoma muitas vezes referido por te6ricos do stress (Stora, 1990). Stress elevado encontra-se habitualmente associado a marcados indices de angéstia, no entanto, o contraério também pode ser verdadeiro Laplanche e Pontalis (1970) referem que encontram duas teorias da angtistia em Freud. A primeira, definem como uma * teoria econémica” , elaborada nos finais do séc. XIX e inicio do XX, aplicando-se as designadas neuroses actuais e neuroses de Transfert. A segunda teoria € descrita por Freud em “ Inibigdo, Sintoma e Angistia” (1926, citado por Laplanche e Pontalis 1970), em que aquele parece abandonar a teoria econémica da transformago da 1{bido em angGstia, elaborando uma outra que se organiza em torno das nogées de “ perigo” e do “ eu” A nogio de “o perigo” surge na medida em que “a angGstia se coloca numa perspectiva de reaccdo ou de preparagdo para o perigo” (Laplanche,1980, citado por Moita,1983). A nog’o de “o Eu” surge a partir da elaboracdo da segunda teoria. Laplanche refere que “nesta segunda teoria muito mais do que na primeira, a ténica é posta sobre o Eu. 0 10 ‘Tensio Psi \égica vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missio de Paz na Bosnia Eu é referenciado ndo apenas como lugar de angtistia, mas como podendo repetir a angistia por sua propria conta, pelo menos como sinal” (1980, citado por Moita,1983). A angtistia é assim conceptualizada num cariz mais funcional, tendo uma certa fungéo e utilidade, surgindo como um “sinal de alarme” que reenvia para outras experiéncias angustiantes anteriores, e que ela de alguma forma repete. Além disso, temos a angistia automética. Segundo Laplanche e Pontalis (1970), a angistia automAtica refere-se a *reacgio do individuo sempre que se encontra numa situagao traumética, isto € submetido a um afluxo de excitagées, de origem externa ou interna, que é incapaz de dominar. A angtistia automética opée-se para Freud ao sinal de angistia” Tanto num caso como noutro “a angistia deve ser considerada como um produto do estado de desamparo psiquico do lactente, que é evidentemente a contrapartida do seu estado de desamparo biolégico” Laplanche e Pontalis (1970). Embora numa perspectiva diferente (Selye, 1974), na sua Gltima concepgdo de stress, definiu este como a resposta nao especifica do organismo a qualquer exigéncia do ambiente. A ansiedade (ou angistia, na perspectiva psicanalitica) podera ser uma resposta no especifica do organismo como um todo, & situag&o que se lhe depara. O préprio Freud, na sua primeira abordagem sobre a angistia, desenvolve uma concepgdo de cunho mais fisiolégico. Nesta abordagem de cariz claramente organicista, a angistia 6 entendida como mera reac¢o u Tensio Psicolégica vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missio de Paz na Bésnia fisiolégica ao excesso de excitag’o nervosa nao descarregada. Freud atribui a essa angistia o valor de uma resposta somética, define-a concretamente como um feixe de respostas reflexas motoras, respiratérias e circulatérias. 2 ‘Tensio Psicologica vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missio de Paz na Bosnia STRESS BENEFICO OU PREJUDICIAL? Tem sido varias vezes colocada a questéo do stress ser benéfico ou prejudicial. Ao longo das filtimas décadas os psicélogos tém vindo a investigar a relago entre padrdes de comportamento e a ocorréncia de stress. Definiram fundamentalmente dois tipos de personalidade: Tipo A e Tipo B (Leonardo, 1995) © primeiro, Tipo A, engloba os individuos que procuram o sucesso sem olhar ao custo. Sio aqueles que constantemente se envolvem numa luta consigo préprios para conseguirem cada vez mais em menos tempo. Ndo suportam demoras, programam cada acontecimento detalhadamente, interrompem constantemente os outros completando-lhe as frases, conduzem sempre as conversas para assuntos que lhes dizem respeito, tendem a preocupar-se fortemente com o seu status e com o reconhecimento do seu valor por parte dos outros e estabelecem elevados padrées para si préprios (Leonardo, 1995). Contudo, a sua autoconfianga é muitas vezes aparente, pois so individuos inseguros, duvidando das suas capacidades em cumprir os padrées que estabelecem para si mesmo. Sendo assim, existe uma grande vulnerabilidade ao stress por parte deste tipo de individuos, tendo em mente a defini¢giio de stress no que se refere a capacidade e exigéncias percepcionadas pelo individuo (Leonardo, 1995). 1B ‘Tenséio Psicolégica vivenciada pelos Agentes da P.S.. em Missiio de Paz na Bésnia © comportamento de tipo A, por exemplo, pode ter possiveis consequéncias indesejéveis para o coragao, embora este comportamento possa levar ao sucesso no local de trabalho (Wilder, 1985). A personalidade do Tipo B, é caracterizada por individuos descontraides, contemplativos, n&o competitivos e que nunca tém pressa (Leonardo, 1995). Este tipo de individuos embora negligenciem a sua satide (fumando, n&o fazendo exercicio fisico, nem uma alimentagao cuidada), sejam hipertensos e possam mesmo ter uma familia com histéria de problemas cardiacos, sio menos predispostos a este tipo de problemas que os do primeiro tipo. Em suma, o stress € cumulativo tendo em atengao que uma série de pequenas frustragées podem produzir um somatério que se torna insuportaével para o individuo, sendo esta uma das raz3es pelas quais existem pessoas que reagem repentinamente a um pequeno obst4culo que parece insignificante ("Esta foi a gota de agua”). A afirmagdo de que o stress pode ser gerido 6 verdadeira mas apenas na maioria dos casos; existem no entanto acontecimentos criticos to sérios e desagradéveis que se torna dificil, se n&o impossivel ultrapassd-los, como € 0 caso da tortura. A gest’o do stress assenta no conhecimento destas matérias por parte das pessoas, de forma a permitir vencer as situagdes de stress (Pinho, 1995). 14 ‘Tensio Psicoldgica vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missio de Paz na Bésnia STRESS - DIFERENTES ABORDAGENS TEORICAS Stress 6 um termo frequente ao nivel de diferentes correntes teéricas. Contudo, nem sempre existe consonancia quanto A sua defini¢ggo ou aos limites da sua utilizagdo. A conceptualizagéo do stress tem variado de acordo com os estudos efectuados e mesmo em fungdo dos diferentes modelos de refer€ncia (Marques, 1994) As primeiras jinvestigagSes na Area do stress na tentativa da sua defini¢c&o devem-se a Claude Bernard (1865, in Selye, 1974), em que mostra a importancia do equilfbrio do individuo face aos acontecimentos que lhe vo surgindo diariament © autor diz que esse equilibrio se relaciona com a capacidade do individuo em manter estaével o seu meio interno, seja qual for a situag%o ou a pressdio do ambiente: “Se faz frio, tenho necessidade de conservar o meu calor” Desta forma, se o individuo perder o seu equilibrio e a sua faculdade de auto-regulacéo, podem surgir perturbagées, doengas de varia ordem e inclusive pode ocorrer a morte. Diversos estudos tém demonstrado, com implicagdes na prética clinica, a importancia que a aprendizagem prévia individual tem na determinagio dos padrées de resposta, associados a certos esquemas de avaliagio e significagio (Pocinho, 1991). As percepgées, enquanto elaboragdes da realidade, xevestem-se de enorme importancia na medida em que constituem 15 ‘Tensio Psicolégica vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missi de Paz na Bésnia as bases para as accdes, encontrando-se estas por vezes sob controlo antecipatério ou de expectativa, sendo este aspecto que d& origem a motivagio para a ac¢ao. 0 comportamento humano n&o € somente influenciado pela accdo fisica de estimulos externos. As cognicgées (atitudes, pensamentos, crengas © objectivos), desempenham ali uma influéncia significativa, na medida em que, todo o comportamento cognitivo intervém no paradigma S-R, sendo ainda resultante da experiéncia prévia individual com estimulos exteriores Enquanto que para Skinner “o individuo n&o actua sobre o mundo” , mas sim o inverso, para Bandura (1969), © individuo é capaz de modificar ou alterar o meio ambiente circundante, desenvolvendo esquemas cognitivos e jincentivos pessoais susceptiveis de influenciar o préprio comportamento. No que respeita ao locus de controlo interno-externo, podemos ainda referir que ndo 6 indiferente a predominancia de um ou de outro tipo, na medida em que, de cada um deles dependerdo expectativas diferentes em relagio a situagées da vida. Segundo Rotter (1964,1975), os individuos situam-se, de um modo geral, entre os que sustentam a crenga de que o seu comportamento € inerente A obtengao de determinado reforgo, ou inversamente, os que acreditam que dado reforgo apenas pode ser obtido devido a influéncias de ordem externa. No primeixo tipo de individuos tende a predominar uma crenga em controlo interno, ao passo que no segundo tipo se observa uma crenga em 16 ‘Tensio Psicolégica vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missio de Paz na Bosnia controlo externo. Por outras palavras, os individuos diferenciam-se no modo como percebem aquilo que lhes acontece, estruturando as suas experiéncias emocionais e respondendo ao meio em fung’o dos seus “esquemas ou filtros cognitivos" . Assim, por exemplo, se uma situagéo for percebida como resultante da acco de factores de ordem externa (pessoas mais poderosas, destino, acaso ou sorte), € porque existe um locus de controlo externo. Por outro lado, se dada situagao for percebida como resultante da acco de factores de ordem pessoal (capacidades, aptidées, etc), ent@o tratar-se-A de um locus de controlo interno. Algumas pessoas tém dificuldades em lidar eficazmente com determinadas situagdes jindutoras de stress, percepcionando antecipadamente que néo possuem meios eficazes para o fazer. As accdes dependem fundamentalmente de dois tipos de factores: uns relacionados com o préprio individuo, outros relacionados com o meio ambiente. Nesta perspectiva, quando alguém avalia dada situag&o, pode percebé- la como resultante de factores de ordem externa (ambiente), ou ainda, devido 4 sorte ou ao acaso. Pocinho (1991) afirma que o estudo do locus de controlo nio € mais do que o estudo da percepgio do reforgo e da relacg&éo causal existente entre o comportamento humano e as suas préprias consequéncias. Podemos considerar que todos nés temos diversas capacidades, uma das quais € a de auto- controlo. Uma das dimensées do auto-controlo, é o grau em que cada um acredita que possui aptidées de auto-controlo, e se 7 Tensio Psicolégica vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missio de Paz na Bésnia sente ou ndéo responsével pelo que lhe acontece. Esta crenga influencia as auto-verbalizagdes e imagens, determinando o seu comportamento e o grat de desempenho e satisfaciio no confronto com a situagao. Note-se que a relag&o entre o auto controlo e o locus de controlo néo é linear. Uma pessoa pode ter algumas capacidades de auto-controlo sem que por isso perceba claramente se possui um locus de controlo interno. Existe um interdependéncia entre o auto-controlo, o locus de controlo e a ansiedade. Diversos estudos, utilizando a escala inicial de Rotter, tém verificado que um bom auto- controlo e um locus de controlo interno apresenta maior probabilidade dos individuos: serem inteligentes, aplicarem de forma mais eficaz estratégias de auto-controlo ao confrontarem-se com situagSes indutoras de stress, apresentarem uma maior iniciativa, utilizarem a informacao de forma mais eficiente, etc. (Mahoney,1974) . Walter Cannon (1929, in Selye, 1974), fisiologista americano, propde no inicio séc. XX, 0 conceito de “homeostase”* para designar os processos fisiolégicos coordenadores que sustém a maior parte dos estados constantes no organismo. Cannon d4 assim o seu contributo para o avango da problemética em andlise descrevendo varios mecanismos fisiol6gicos que mantém o equilfbrio e permitem sobreviver. 5 Homeostase: surge do grego homolus,equivalente a semelhante e stasis, equivalente a posi¢do. 18 Tensio Psicologia vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missio de Paz na Bésnia No entanto, € com Hans Selye (1936), endocrinologista de origem hingara radicado no Canad&, que se chega a uma das actuais concepgées de stress. Selye (1936), criou 0 conceito de stress para explicar os mecanismos através dos quais o organismo responde por si s6, a qualquer exigéncia do meio ambiente. Para Selye, stress € a resposta inespecifica do organismo a qualquer exigéncia que lhe é feita. Assim, para resistir e para se adaptar aos efeitos desequilibrantes ou, mesmo, agressivos do exterior, 0 organismo reage inespecificamente, embora as consequéncias de tal reacgdo possam vir a ser fonte de doenca, levar 4 exaust&o ou a morte. Isto 6, associada a uma resposta inespecifica do organismo, existe sempre um efeito ndo especifico, que gera a necessidade de adaptacio A situacdo, seja ela qual for. Esta necessidade do organismo € no sentido de voltar a estabelecer o equilibrio, que existia anteriormente a situag&o ocorrida. De acordo com Selye (1974), a natureza do stress 6 constituida precisamente por essa exigéncia nfo especifica de actividade. No que concerne o stressor, néo interessa muito saber se gera uma resposta agraddével ou desagradavel. Por exemplo, um acontecimento que cause alegria e outro tristeza, isto so as reacgdes especificas para cada agente ou situagdo. Contudo, para ambos os casos, o individuo tem de se adaptar a uma nova situagdo e essa resposta inespecifica de adaptagéo é designada entdo por stress. 19 ‘Tensio Psicologica vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missio de Paz na Bésnia Selye (1936) criou este paradigma como prolongamento dos conceitos de adaptagéo, homeostase, reacgdes de emergéncia imediata de Claude Bernard (1859) e W. Cannon (1929), definindo stress como o estado do organismo apés a faléncia dos mecanismos de regulagdo homeost&tica de adaptag&o normal. Esta definigao situa-se ao nivel da fisiologia e da psicobiologia (stress sistémico), distinta do conceito ao nivel da _— psicologia (stress psicolégico) criado posteriormente, por outros autores. Os dois conceitos estado fortemente relacionados e a distingao nem sempre é claramente expressa, sendo frequentemente confundidos (Catarino, 1987). © stress sistémico 6 provocado nfo sé por doengas, ferimentos, drogas, esforgos fisicos intensos mas actuam também como agentes de stress sistémico factores como estimulos neuro e psicogénicos (a antecipagio A dor, a incerteza, a ambiguidade, situag3es de ansiedade e excesso ou deficiéncia e input nervoso) . Quando nado existe adaptagiéo ou € ineficaz, devido & intensidade e duracio quer de um agente especffico de stress, quer de agentes inespecificos (estimulagdo neuro psicogénica) , activa-se o Sindroma Geral de Adaptag&o que explicaremos mais em detalhe nas paginas seguintes. Em suma, 0 stress sistémico resulta da falha de respostas adaptativas homeostéticas normais em reduzir ou eliminar fontes de tensdo. 20 ‘Tensio Psicologia vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missio de Paz na Bésni A concepgéo de Selye tem um cariz mais fisiolégico ou psicofisiolégico, e a percepgio subjectiva individual nao é relevante. 0 modelo de Selye pode ser referido como um tipo de modelo baseado na resposta, tendo em ateng&o que se descreve essencialmente o stress em termos de resposta que da o organismo individual face a estimulos do ambiente (Marques, 1994). Selye (1974) demonstrou que independentemente do agente provocador de stress, qualquer que seja o agente de stress, a resposta organica do organismo é sempre a mesma. Do ponto de vista fisiolégico, esta reacgio € caracterizada pelo alargamento e maior actividade das glandulas supra-renais, e maior actividade do timo e dos ganglios linfaticos (que fazem parte das defesas imunitérias) e pelo possivel aparecimento de filceras gastro-intestinais. Selye demonstrou ainda, através das suas experiéncias com ratos, que a injecgo de substancias téxicas assim como a acgéo de outros agentes stressores (externos ou internos) tais como o calor e 0 frio, traumatismos, infecgdes de varia ordem, intoxicagées, exercicio muscular, drogas, hormonas exégenas, agressdo, choque, trauma cirargico e raio x, provocam exactamente os mesmos efeitos. Selye (1983) designa esta resposta nao especifica do organismo por Sindroma Geral de Adaptag&o (SGA), pelo qual se manifesta o estado de stress. 21 ‘Tensio Psicolégica vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missio de Paz na Bosnia © sindroma, na sua forma caracteristica abrange trés estédios: (A) Reacgdo de Alarme (B) Reacg&o de Resisténcia (C) Estadio de Exaustao To de Resisténcia Fig.1 - Fases do Sindroma Geral de Adaptagdo (8.G.A.) (H. Selye) A reacgio de alarme 6 caracterizada pela reaccio do organismo face ao primeiro contacto com um agente stressor, incluindo uma fase inicial de choque, de baixa resisténcia e uma fase de contra-chogue, na qual os mecanismos de defesa comegam a agir. Trata-se de uma primeira fase que pode fazer iminuix as “ re! sténcias" do organismo. Esta reacgdo caracteriza-se na sua fase inicial de choque por excitabilidade incontrolada, descarga de adrenalina, ac! xacgéo do ritmo cardiaco, dim ig&o da temperatura do corpo e do ténus muscular, aumento da glicémia no sangue (seguido de uma descida) e perturbagdes gastro-intestinais. Se ‘Tensio Psicolégica viveneiada pelos Agentes da P.S.P. em Missio de Paz na Bosnia a estimulagado nociva continuar a actuar, embora sem atingir niveis muito elevados, surge a reacg’o de contra-choque. Esta segunda fase da reacgéo de alarme é caracterizada pelo aumento da actividade adrenocortical e pela hiperactividade e involugio répida do timo e de outros 6rgaos do sistema linfatico. © Sindroma Geral de Adaptacgio, sintomas de stress, é tanto indicador de m4 adaptagéo na fase de choque, como na fase posterior de contra-choque. Para se limitar ou prevenir o stress € necessério impedir que se verifique adaptagao posterior. Em situagdes em que o organismo esteja ja fortemente afectado pelo stress, a fase de choque da reacc¢ao de alarme, nao d& necessariamente origem a uma adaptagao posterior. Esse agente de stress intenso leva rapidamente 4 exaust&o e eventualmente 4 morte (Catarino, 1987) . A fase de resisténcia surge desde que o contacto com o agente stressor permita a adaptagdo. & um estadio no qual a adaptagao atinge o seu nivel éptimo. No estédio de resisténcia os sinais organismicos da reacgéo de alarme desaparecem e a resisténcia sobe acima dos parametros que podem ser considerados normais. Contudo, podem estar simplesmente encobertos pelas respostas adaptativas. Apés um contacto prolongado com o agente stressor, as defesas do organismo cedem, como se a “ energia de adapta¢ao” se esgotasse. As respostas sistémicas adaptativas néo podem ser mantidas por muito tempo. Podem provocar lesdes renais, 2B ‘Tensfo Psicologica vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missfo de Paz na Bésnia Gilceras g&stricas e levar ao colapso. As respostas adaptativas podem tornar-se tensores, e as adaptagées constantes ou repetidas originarem doencas psicossomaticas. © Sindroma Geral de Adaptag&o pode ser curto-circuitado por um agente de stress muito intenso ou camuflado, de tal modo que nao € desenvolvido qualquer contra-choque ou resisténcia, passando da fase de choque (na qual a resisténcia esta muito abaixo do nivel normal) A exaustdo e morte (catarino, 1987). 0 est&dio de exaust&o resulta de uma intensa reactividade do organismo no estédio de resisténcia. A incapacidade de se encontrarem mais respostas adaptativas origina que as préprias respostas adaptativas se tornem elas préprias agentes de stress, e que em situagdes limite determinem a exaustdo e morte. A influéncia de factores temporais na percepgao dos acontecimentos geradores de stress foi verificada por Selye (1961) ao demonstrar que a exposigdo precoce a agentes de stress, poderia prevenir os efeitos posteriores de exposicao ao stress, como se tratasse de uma “espécie de processo imunolégico” Forkin (in Catarino, 1987) sugeriu que a resposta retardada podia considerar-se um fenémeno de libertagao do controlo de sentimentos e de outros comportamentos associados ao stress, que seriam necess4rios ao comportamento adaptativo a uma dada situagao. Tensio Psicolégica vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missio de Paz na Bosnia © sindroma pode também ser reduzido ou prolongado de acordo com a intensidade ou duragio da acg&o do agente de stress, 0 estado do organismo no momento, a idade do individuo e a sua histéria pessoal. Qualquer estimulo pode ser agente de stress, consoante o contexto da sua aplicagio. Tanto a intervencao directa (cirGrgica, farmacolégica ou fisica), como a indirecta (neuro ou psicogénica), podem induzir um sindroma de stress sistémico (Catarino, 1987). Em suma, tal processo é inespecifico e segue sempre o mesmo padréo - © Sindroma Geral de Adaptag&o - dependendo fundamentalmente do sistema nervoso, central e endécrino. se o agente de stress (stressor) actuar intensa, prolongada ou repetidamente, a adaptagdo do organismo vira-se contra ele préprio, produz sofrimento, doenga, ou mesmo, morte. As alteragdes patolégicas, anatémicas e funcionais verificadas, dependem da forma como o sistema endécrino se vé obrigado a funcionar, mas acabam por afectar o préprio sistema nervoso central e o psiquismo (Pereira,1991). Selye (1974, citado por Wilder, 1985) sumarizou os seus pontos de vista da seguinte forma: 1)Stress € n&o especifico, apesar de cada stressor possuir tanto efeitos especificos (transpiragao com o calor) como efeitos nao especificos (subida da adrenalina, involugéo da actividade do timo e desenvolvimento de tlceras) . 25 ‘Tensio Psicolégica vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missio de Paz na Bésnia 2)Um stressor € qualquer coisa que produza efeitos nao especificos. 3)Acontecimentos psicolégicos podem produzir as mesmas respostas ao stress que os stressores fisicos. 4)Alguns stressores produzem stress negativo. 5)Stress é sempre uma quest4o de grau. Stress no ser humano pode ser gerido através de diversas técnicas de tratamento. Esquematizamos em seguida, através da fig.2, um modelo de stress. Comegamos pela distingio entre stressores fisicos, tais como frio em demasia, infeccdes, e stressores psicolégicos tais como, por exemplo, conflitos matrimoniais. Os acontecimentos psicolégicos, no entanto, séo basicamente interacgSes sociais e devem ser interpretadas por forma a terem o significado de stressores. Acontecimentos que actuam como stressores geralmente relacionam-se com o estatuto da pessoa, o seu poder, o seu territério e o seu sistema de crengas. A ruptura ou disfungio de tais relagdes leva a respostas emocionais, como por exemplo, depress&o com a perda de estatuto, raiva/fGria com a invaséo do seu territério, desgosto com as ameagas as suas crengas. Resposta emocionais, por sua vez, levam a tentativas de superar ou lidar com a situagéo através de mecanismos como o desvio ou negagao (Wilder,1985). Dependendo da emogdo gerada e da eficdcia da tentativa de lidar/superar a situag&o bem como do grau de cronicidade do 26 Tensio Psicolégica vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missio de Paz na Bosnia acontecimento seréo produzidas © diferentes = respostas fisiolégicas. Se o stressor 6 transitério, haveraé um retorno rapido ao estadio anterior do equilfbrio dinamico. Se o stressor é crénico, devido , por exemplo, a uma discérdia matrimonial persistente, corre-se o risco de se desenvolverem as doengas de adaptag’io(de Selye), doengas psicossométicas ou distarbios emocionais (Wilder,1985) . UM MODELO DO SISTEMA DE STRESS Stressor fisico ou psico-social v Avaliagao cognitiva Resposta emocional v Resposta adaptativa ¥ Stress agudo ou crénico ¥ Resultados possiveis ls Retorno ao estado anterior Aumento da adaptagdo Disfungao fisiolégica Disttirbio emocional Predisposigao para a doenga Doenga fisica J) Doenga psicossomatica Fig.2 - Um modelo do sistema de stress (Wilder, 1985) ‘Tensio Psicol6gica vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missio de Paz na Bésnis As setas expressam a ideia de um feedback encruzilhado. Os varios resultados de stress, tais como a doenga fisica ou emocional, sio elas préprias stressores que o individuo tem de avaliar e saber lidar com, ou ultrapassar. 0 resultado do stress pode influenciar qualquer um dos elementos do sistema de stress: avaliagées cognitivas, reacgdes emocionais, respostas de acomodagéo ou defensivas, e o estado de stress por si s6. 0 stress deve por isso ser encarado como um sistema de feedback din&mico com componentes especificas; a interveng&o em qualquer um dos componentes pode influenciar os resultados. A concepgo de Cox (1986) vem colmatar este aspecto, e insere-se no Modelo Transaccional, caracterizando o individuo como um ser activo quanto & existéncia ou ngo de stress. Trata-se de um modelo baseado na interacgdo constante Organismo-Meio, constituindo o stress o resultado de um desajustamento percebido. Nesta perspectiva, a componente psicolégica individual adquire uma relevancia diferente da de Selye, o stress 6 entendido numa dimens’o da percepg&o pessoal. Estamos perante uma conceptualizagdo que enfatiza os mecanismos de feed-back (ou retro-informagio) existentes no sistema, pelo que se trata igualmente de um sistema ciclico nfo linear. © préprio Selye (1983) faz posteriormente algumas alusdes a aspectos de ordem mais psicolégica para além da fisiolégica. Selye, sugere que as respostas fisiolégicas sic a base para o 28 Tensio Jégica vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missio de Paz na Bésnia gue ele designa por egoismo altruista: uma atitude defensiva do individuo face ao meio. Para além destas tendéncias “ egofstas” , refere que o individuo € motivado pelo altruismo, n&0 havendo incompatibilidade entre estes dois aspectos. Refere que o instinto de auto-conservacio néo é antagénico da necessidade de se interessar pelos outros. Selye afirma que a unido entre egoismo e altruismo leva a uma coexisténcia equilibrada entre os individuos. De acordo com Selye (1983), a resposta do organismo nao é automética, 6 sempre mediada pelo individuo com uma estrutura de personalidade propria, jinfluenciada por factores de socializacéo e possuindo uma constituic&’o fisica diferenciada. Stress € ent& uma resposta mental, emocional, fisica e comportamental a acontecimentos geradores de tensdo. © modelo técnico, apresentado por Levi (1984) exemplifica a variagdo do stress de acordo com a intensidade/qualidade das situagSes com que um individuo se pode confrontar (fig.3) Stress indiferente Y - Experiéncia vital + Extremamente Extremamente ve desagradavel agradavel Fig.3 Relag&o entre stress e varios tipos de experiéncias vitais 29 ‘Tensio Psicologica vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missio de Paz na Bésnia Perante a andlise da figura constatamos que o nivel de stress mais baixo que um individuo pode experimentar, se verifica em situagSes de “ indiferenca” , contudo, nem nesta situag’o se chega a zero (o que seria equivalente A morte). Pelo contrério, quando as experiéncias de vida sdo sentidas como extremamente desagradaveis ou agradaveis, o nivel de stress eleva-se ao m4ximo. Mesmo a dormir, o nosso organismo continua a funcionar sob um certo estado de stress. A tinica situagio em que estamos totalmente livres do stress é a morte. Note-se mais uma vez, como j4 foi referido anteriormente, que uma ideia falsa frequente é ver o stress como resultado negativo de uma agressio ao organismo, o que poderé levar A percepgo de que o stress deva ser sempre evitado. Esta situagHo n&o s6 nfo 6 possivel, como, segundo a definigao de stress, este faz parte essencial dos mecanismos do ser vivo. 0 que possivelmente devemos evitar 6 o stress excessivo, que consoante a sua intensidade e duragdo pode ser lesivo para o equilibrio global do individuo (Marques,1994) . x ‘Tensio Psicolégica vivenciada pelos Agentes da Ps P. em Missi de Paz na Bosnia STRESS PSICOLOGICO A extens3o do conceito de stress 4 psicologia revela falta de uniformidade. As primeiras definigdes variam entre a énfase dada as respostas do individuo e as situagdes que causam disfungdes entre o comportamento do individuo e o seu funcionamento (Evans, 1987) . Appley e Trumbull (1967, citado por Mcgrath 1970) e& Mason (1975), levantaram objecgSes a este tipo de definigéo de stress. Entendem que as definigdes baseadas na resposta, s&o frequentemente insensiveis aos parametros criticos temporais no stress. A duragéo e periodicidade dos stressores tém importantes influéncias na satide humana e bem estar. Para além deste aspecto, um foco nos resultados ignora o facto de que elevadas variaveis situacionais (negativo, positivo, ambiguo), podem levar a respostas e resultados similares. Cofer e Appley (1962), consideraram que o termo stress quando usado em contextos psicolégicos primérios, néo é necess4riamente equivalente a stress sistémico. Segundo os autores, stress psicolégico é, em geral, um termo amplo, que inclui o stress sistémico, mas que inclui também as condigdes que o precederam. Num primeiro tempo, Cofer e Appley (1962), definiram stress como o estado do organismo resultante de uma interac¢ao com o ambiente. 31 ‘Tensio Psicolégica vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missio de Paz na Bésnia De acordo com esta perspectiva, stress, é um processo que ocorre quando existe um desequilfbrio entre as exigéncias do ambiente e as capacidades de resposta do organismo (Lazarus, 1966, Lazarus e Launier, 1978, McGrath, 1970). Lazarus, Deese e Osler(1952), afirmaram que “ stress, 6 na realidade um conceito secundério, construido sobre a relacaéo entre o conceito primério, a motivagao e a situago na qual o comportamento motivado aparece” . Para estes autores “ stress ocorre quando uma situagio determinada prejudica a obtengao de algum objectivo" . Estes autores, utilizaram duas categorias para a indugéo de stress psicolégico: falhango ou tarefa. As tarefas usadas como indutores de stress psicolégico apenas sio eficazes se, de algum modo, ameagam a vida ou a integridade do individuo a elas exposto. Schaffer (1954), sugeriu que o stress ocorre quando um organismo altamente motivado néo € capaz de encontrar uma resposta ajustada a um problema, quando sujeito a choque, frustrag&o ou conflitos. J.C. Miller (1953), entende o stress como uma variavel do estimulo, definindo-o como sendo uma estimulacéo forte, intensa ou fora do normal que, constituindo uma ameaga, provoca alteragées significativas no comportamento. De acordo com o autor é necessério a existéncia de uma ameaca e a ocorréncia de uma alterag&o significativa no comportamento. ‘Tensiio Psicolégica vivenciada pelos Agentes da P.S.P, em Missio de Paz na Bosnia Rosenzweig (1944), considerou que quando o organismo se apercebe de uma ameaca (real ou imaginéria) para si préprio, se verifica uma mudanga do comportamento orientado inicialmente para um objectivo, para um comportamento defensivo do Eu. Cofer e Appley (1964), a partir de varias definigées de stress em estudos anteriores, propuseram os seguintes critérios para uma definigdo de stress: 0 stress € um estado do organismo; implica uma interacg&o entre o individuo e o ambiente; € mais externo que um estado de motivagéo normal e pode equivaler a um estado de intensa frustrag&o ou conflito; é necessfria a presenca de uma ameaga; a ameaga deve ser percepcionada de alguma forma; a integridade do organismo esta envolvida de algum modo; e n&o se verifica uma resposta de ajustamento normal. Na mesma altura, os autores em referéncia consideram niveis limite para a ocorréncia de stress psicolégico: Primeiro nivel: limite de instigagéo. Marca a passagem do comportamento inato ou habitual, para um novo comportamento (faléncia das respostas eficazes j4 existentes) ; Segundo nivel: limite de frustrag3o na qual a situagdo é apercebida como estando para além das capacidades do organismo. H& percepg&o de ameaga; ocorre mudanga do padrao de resposta: do comportamento exclusivamente orientado para a resolugéo do problema, para o comportamento orientado para a preservacao da sua prépria integridade; ‘Tensio Psicolégica vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missio de Paz na Bésnia Terceiro nivel: limite do stress. Verifica-se o abandono de todos os comportamentos orientados para a tarefa restando a preocupagdo exclusiva com a proteccéo do Eu: ha percep¢ao do perigo e consequente intensificagao das respostas defensivas; Quarto nivel: limite de exaustéo. Pode-se falar de percepgéo ou consciéncia do desespero. A fadiga acumulada e a exaust&o inibem a energia da resposta e da actividade: ocorre a morte. Qualquer estimulo pode ser gerador de stress psicolégico sob condigSes apropriadas, mas nenhum estimulo é gerador de stress para todos os individuos a ele expostos, com excep¢ao de situagSes extremamente ameagadoras de vida (Catarino, 1987) . Cofer Appley (1964), classificaram os stressores psicolégicos da seguinte forma: 1)0s que envolvem deficiéncia ou excesso de estimulagao; 2)0s que envolvem ambiguidade ou conflito de estimulos. como exemplos de défice de estimulagao apresentam o isolamento ffsico, execugio de tarefas rotineiras ou de actividades sem sentido para a profissdo. Como exemplos de excesso de estimulag’o apresentam o caraécter a quantidade, a continuidade e a imprevisibilidade. A exigéncia de reflexos répides em certas tarefas e a ambiguidade de estimulos séo também apresentados como factores geradores de stress. A incerteza constitui uma ameaga adaptagado adquirida e também 4 integridade do Eu, provocando 34 ‘Tensio Psicolégica vivenciada pelos Agentes da P. ‘em Missio de Paz na Bosnia respostas de protecg’o que progressivamente vdo interferir cada vez mais com os comportamentos directamente orientados para um objectivo. Holtzman e Bitterman (1952), classificaram a grande variedade de métodos usados para provocar experimentalmente o stress em sete principais tipos de abordagem: 1.Disrupgées de homeostase; 2.Estimulagio desagradavel ou dolorosa; 3.Distracgdes e pressdo temporal; 4.Falhango real, provocado ou antecipado; 5.Conflito social; 6.Pistas perceptivas conflituosas (teste de stroop); € 7.Situagées reais de ameaga 4 seguranga do individuo. 33 ‘Tensiio Psicolégica vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missi de Paz na Bésnia STRESS PROFISSIONAL - ORGANIZACIONAL A partir do momento que o conceito de stress comegou a ser utilizado pela psicologia, tém-se realizado varios estudos em torno das profissées que geram niveis mais elevados de stress, entre as quais se destacam as forgas militarizadas, objecto do nosso estudo. French, Caplan e Warrison (1982), estudaram profissées tais como condutores de empilhadoras, técnicos de electrénica, policias, despachantes de trafego ferrovidrio, controladores de tr&fego aéreo, programadores, engenheiros cientistas, professores, administradores e médicos, Efectuaram estudos comparativos entre as profissées tendo em atengio as caracteristicas de personalidade, as condigdes geradoras de stress, os strain psicolégicos e os dados de satide. Warrick, Gardner, Couger e Zawcki (1985), da universidade de Colorado, ao estudarem as condigdes de trabalho do pessoal de varios departamentos de processamento de dados, verificaram que estas fungdes contam com um grande niimero de condigdes geradoras de stress. Gumpert e Boyd (1984), efectuaram estudos sobre as pressées externas e internas que afectavam dirigentes de pequenas e médias empresas, identificaram as condigées geradoras de stress, inerentes & profissao. No campo organizacional, o stress tem igualmente sido estudado por autores como Fineman (1979), Kets de Vries 36 ‘Tensio Psicol vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missfio de Paz na Bésnia (1979), Guest e Williams (1973), Fletcher e Payne (1980) e outros, citados por Stora (1990), que relacionam a actividade desenvolvida e a posig’o hierarquica e de responsabilidade na empresa, com a motivagio e a satisfacao/insatisfacdo do individuo na organiza¢ao. De um modo geral, e tendo em conta as varias definigées sobre stress, existe unanimidade em considerar o stress como um fenémeno subjectivo, uma vez que é o trabalnador, de acordo com a vivéncia da situag’o, que a avalia como stressante ou nao. Stora (1990), afirma que um dos factores que se pode associar ao designado “ stress organizacional” 6 o conflito de desempenho. © conflito de desempenho pode ser definido como a contradig&o provecada pelas diferentes exigéncias feitas a um individuo que, ou néo deseja de facto responder a essas exigéncias, ou julga que as mesmas nao correspondem & definic&o das suas tarefas (Stora,1990). Stora (1990), refere ainda que dos estudos efectuados sobre o conflito de desempenho se podem retirar duas conclusées idénticas: 1)0s individuos que sofrem de conflitos de papeis no seu desempenho, obtém pouca satisfagao no trabalho; 2)Quanto maior nlimero de decisdes forem tomadas pelos érgSos de poder na organizagio de modo a que possam provocar conflitos , mais € reforgada a insatisfa¢dc ‘Tensii Psicol6gica vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missio de Paz na Bésnia dos empregados e maior é o nivel de stress vivenciado por estes. outro dos factores relacionados com o “stress organizacional” , prende-se com o decorrer da carreira profissional. cada fase de uma carreira profissional, na nossa sociedade actual, leva os individuos a uma competigao intensa a fim de ganharem rapidamente mais dinheiro e uma posica’o na organizagao, bem como o inerente estatuto social. De um modo geral, todos os individuos anseiam por um maior estatuto profissional e o desempenho de tarefas progressivamente mais diferenciadas. No entanto, se uma organizagao providenciar éptimas promogées aos seus elementos (no seu ponto de vista) e ignorar as consequéncias psicolégicas dessas promogées, ou seja, sobrecarga e excesso de trabalho, pode levar a provaveis sentimentos crescentes de inseguranga pessoal e de isolamento face ao grupo, logo o consequente “ stress organizacional” . Leonardo (1995), afirma que, embora existam poténciais factores de stress em todas as profissdes, os policias (sujeitos do nosso estudo), para além de estarem expostos a quase todos eles, sio vulneraéveis A maioria, o que pode levar A deterioragdo das suas capacidades de resposta em relag&o As necessidades da sociedade que servem. Mcgrath, (1983), refere que o stress 6 o resultado de uma interacgio ou transaccfo entre o individuo e o seu meio 38 ‘Tensio Psicolégica vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missio de Paz na Bosnia ambiente; meio ambiente esse que inclui nao s6 0 que o rodeia mas também tudo o que possa influénciar um individuo em determinada situacéo. Algo acontece “ali A frente”, que coloca o individuo perante uma exigéncia, um constrangimento ou uma oportunidade que leva o sujeito a um tipo de comportamento. A medida em que essa exigéncia é stressante, depende de varias coisas. Primeiramente tem de ser percebida por quem sofre ou é possivel de sofrer essa tensdio. Segundo, tem de ser interpretada por este, em relagdo @ sua capacidade de lidar com a exigéncia, enganar, remover, viver com esse constrangimento, ou efectivamente usar a oportunidade. Terceiro, temos de percepcionar as poténciais consequéncias de superar com sucesso a exigéncia — (const rangimento, oportunidade), sendo mais desejavel do que as consequéncias esperadas ao deixar a situag&o inalteravel. Resumindo, podemos assumir que sd necessérias duas condigSes para que uma situagio possa originar stress: 1)0 individuo deve avaliar as suas capacidades como insuficientes para responder com sucesso as exigéncias que ele “ sente” , que lhe sao feitas por algo ou alguém no seu meio ambiente 2)Ser importante para ele a obtengao de um resultado positivo. Assim sendo, stress € o que afecta uma pessoa que pretende cumprir algo, mas duvida das suas préprias capacidades (Leonardo, 1995). 39 ‘Tensio Psicolégica vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missio de Paz na Bosnia Mcgrath (1983), apresenta um paradigma para o estudo do Megrath (1983), a ere que podemos observar uma “ situagdo de stress" composta por quatro etapas. Comega com algumas condi¢gSes ou conjunto de circunstancias no ambiente fisico- social. Se a situacio é percebida pela pessoa em foco (para quem a situag’o € potencialmente stressante) ao lidar com algumas tarefas indesejaveis e sem qualquer tipo de alteracdo (ou algumas tarefas desej4veis e so modificadas), ent&o temos uma “ situag&’o stressante” . A pessoa em foco “ escolhe” entdo algumas respostas alternativas (incluindo fuga ou inagao). Depois executa essa resposta com a intengio de mudar a sua relag&o com a situagéo (numa direcgdo “ favordével” ). Essa resposta, de acordo com Mcgrath (1983), tem, de facto, algumas consequéncias para o individuo e para a situag&o, apesar de poderem n&o ser necessaériamente as pretendidas; ver fig.4 Resultado do Processo (a) Situacao (D) Comportamento Processo Processo de Avaliacéo de Realizagao (Desempenho) (B) Situag’o percebida > {c) Selecgdo da resposta de Decisao Tntra-organismo Um paradigma para andlise do ciclo de stress (McGrath, 1983) 40 Tensio Psi olégica vivenciada pelos Agentes da P-S.P. em Missio de Paz na Bésnia Estas quatro fases estéo ligadas por quatro processos e so esses processos que providenciam a substancia para o estudo do stress © primeiro processo, que liga a fase A 4 fase B, € o que Lazarus (1966), chamou de “avaliag&o cognitiva", o que Hackman (1970), chamou de redefinicéo, e em Mcgrath se intitula de “ processo de avaliag&o” . A experiéncia do stress ou ameaga, vista como um estado subjectivo, € uma funcgao de tal avaliagdo - quer essa avaliacao seja positiva ou negativa. © segundo processo, entre a fase B e C, € essencialmente um processo de tomada de decisio. Envolve a relagéo da situag%o (da forma como é percepcionada) com as alterna disponiveis, e a “escolha” da resposta, ou conjunto de vespostas, que melhor se adaptem para lidar com as caracteristicas indesejaveis da situagao. Lazarus (1966), usou o termo “ avaliacg&o secunddéria” ao referir-se a este processo. A operagio e eficécia deste processo depender&é: do resultado do 1° processo de avaliagio; da experiéncia passada do organismo; do seu estado corrente/actual (ex* fadiga)e; dos contetidos e organizagao do seu reportério de resposta e dos recursos de que dispée. © terceiro processo de ligacdo entre a fase C e D do ciclo, € 0 processo de resposta ou desempenho. Resulta num conjunto de comportamentos, os quais, em principio, podem ser avaliados em termos de quantidade, qualidade e rapidez. 0 nivel de desempenho depende da capacidade, da dificuldade da 4a ‘Tensiio Psicolégica vivenciada pelos Agentes da P.S. em Missfio de Paz na Bosnia tarefa e dos “standards” (qualidade, quantidade, rapidez) utilizado para aceder ao desempenho. Finalmente temos ainda o quarto processo, entre a fase D (comportamento) e a fase A (situago). Esta é a ligacdo entre © comportamento do individuo em foco e as consequéncias para a situagio. & o chamado resultado, efeito ou processo de mudanga. Esta ligagéo é muitas vezes descurada, talvez porque ocorre “fora” do individuo. A medida em que a resposta resulta num comportamento desejado, depende da capacidade do individuo ao executar a sua deciséo (fazer o que realmente pretende fazer), bem como a medida em que © comportamento resulta nas mudancas desejdveis (ou indesejaveis) na situagdo, depende nfo sé do nivel de desempenho, mas também, de uma série de factores que ndo est#o sob 0 controlo do individuo em foco: a)o nivel de performance e tempo que os outros individuos est&o em interdependéncia facilitativa com o individuo (equipas de trabalho) ; b)o nivel de performance e tempo que os outros estado em interdependéncia com ° individuo (niveis hierarquicos)e; e)a natureza, forga e certeza do efeito do comportamento- -situagao. Ainda no ambito do stress profissional, Leonardo (1995), menciona algumas causas directamente ligadas ao stress dos agentes policiais. 42 ‘Tensio Psicolégiea vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missio de Paz na Bésnia Cada posigio ocupada por um individuo na sociedade, é vista como um papel que o individuo desempenha. Por vezes, © lhe € imposto, acarreta determinadas obrigacdes (espera-se que ele faca certas coisas mas n&o outras). 0 individuo tem igualmente direitos em virtude da posi¢do ocupada pelo seu papel na sociedade e¢ expectativas relativamente As outras pessoas, com as quais o seu papel terage. & assim designado o papel social: “ papel desempenhado por um individuo na sociedade envolvendo situagdes comportamentais especificas" (Leonardo, 1995). © conjunto da complexa rede de interacgées dos diversos s de um individuo forma um conjunto de papéis. papeis soci Assim € possivel imaginar um conjunto de papéis tipicos de um agente policial: CC tamiie > Agente Policial serie Pal > 43 ‘Tensio Psicolégiea viveneinda pelos Agentes da P.S.P. em Missio de Paz na Bésnia ‘Agente Policial A partir dos esquemas, embora simplificados, podemos tentar imaginar as varias expectativas quer do préprio indivfduo, quer dos outros membros da sociedade com quem o seu conjunto de papeis jinterage, bem como o potencial de exigéncias e a complexidade dos mesmos, que o individuo tem de representar (Leonardo, 1995) . & através do conjunto dos seus diferentes desempenhos que podemos representar o meio ambiente do individuo e apercebermo-nos das incompatibilidades entre as expectativas geradas pelos diversos papeis e obrigagées implicitas dos mesmos. S80 precisamente essas incompatibilidades que nos levam As poténciais fontes de stress Uma das fontes de stress é precisamente o conflito de papéis. Este tipo de conflito surge quando as expectativas e/ou obrigagées relativamente diferentes se —_ tornam inconciliaveis. Quanto maiores as incompatibilidades, maiores 44 ‘Tensio Psicologica vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missio de Paz na Bésnia as exigéncias colocadas ao papel focal, e se o individuo que desempenha esse papel néo possui, ou n&o consegue obter o poder ou a capacidade para solucionar o conflito, o resultado pode ser o stress. Outra fonte potencial de stress é a ambiguidade de papéis - incerteza. surge quando o executante do papel focal nao recebe informagées suficientes sobre as suas obrigagdes e/ou exigéncias dos outros desempenhos com os quais interage. 8 esta incerteza que leva & ambiguidade. N&o é de esperar niveis elevados de conflito de papéis no servico dentro das organizagdes policiais, ja que as comunicagSes e interacgées existentes entre elementos dos diversos escaldes hier&rquicos ou entre as diferentes unidades sio formais e o menos ambiguas possiveis. Mesmo assim, alguns objectivos so inevitavelmente gerais e pouco especificos (manter a ordem ptblica, prevenir o crime, proteger os cidad’os, as préprias missées de paz, etc). A socializag’o e o treino poderiam ajudar a clarificar estes objectivos. No entanto, a necessidade dos agentes de policia terem que responder a uma ampla variedade de situagées, torna impossivel prescrever modos de actuacio especificos para cada situagao. Outras vezes, o peso da responsabilidade; ter que tomar uma decisio em situagdes criticas perante diversas decisdes possiveis; pode levar igualmente & ambiguidade e mesmo ao conflito, logo estamos perante uma fonte de stress importante. 43 Tensio Psicolégica vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missio de Paz na Bésnia Contudo, © conflito de papéis e ambiguidade de tarefas nio sio os tnicos factores de stress na fung&o polfcial. Apresentamos de seguida alguns deles: Sobrecarga de Trabalho: Trata-se de uma sobrecarga quantitativa. Quando os agentes tém de prolongar o seu hordrio de trabalho ou quando o ritmo a que se tém de submeter nao permite pausas para descontraccéo e recuperagdo. Tarefas monétonas e rotineiras tornam-se psicologicamente extenuantes. Responsabilidade: No desempenho da sua missio, os agentes de policia tém no s6 A sua responsabilidade a protecgdo de um sem-ntimero de pessoas mas também a responsabilidade de evitar que essas mesmas pessoas infrinjam a lei. Frustrag&éo Profissional: Proveniente da instabilidade das carreiras profissionais com dificuldades nas promogdes, a atribuigéo pela sociedade de um status inferior aos agentes policiais e a desilusdo em relac&o a certos aspectos da fun¢ao policial. Perigo Fisico: Muitas situagdes existem (ex* multiddo exaltada) em que os agentes se encontram em perigo fisico com as quais dificilmente conseguem lidar emocionalmente como por exemplo a morte ou agress&o violenta dos camaradas. Este factor n&o se restringe ao perigo fisico do préprio. Lidar com casos de brutalidade infantil, comunicar a morte de alguém aos familiares, sao outros exemplos de situagdes geradoras de stress. 46 ‘Tensiio Psicolégica vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missio de Paz na Bosnia Sio igualmente factores de stress acontecimentos relacionados com alteragdes no servigo: alteragao de horarios e condigdes de trabalho, transferéncia de servico, mudanga nas rotinas de trabalho, aumento de responsabilidades, etc. (Leonardo, 1995). Os individuos que acreditam que aquilo que lhe acontece é controlado por algo ou alguém mais poderoso (destino, sorte,etc.), s&o mais susceptiveis aos factores geradores de stress que aqueles que, mais confiantes, acreditam poder controlar as suas accdes (Leonardo,1995) . 47 ‘Tensio Psicologica vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missio de Paz na Bosnia RESPOSTAS AOS STRESSORES As respostas dos individuos aos stressores diferem. Os sujeitos so diferentemente vulneraveis as ameagas e condicionados por limites de percepgéo de stress consoante as espécies de agentes indutores de stress. A redug&o de stress é fungéo dos estimulos desencadeadores das vulnerabilidades relativas do sujeito e do potencial de redugao do stress, em qualquer momento (Catarino, 1987). © estado psicolégico de um individuo pode ser descrito em termos de 5 sistemas de resposta: cognitivo, emocional, comportamental, fisico e espiritual, com dimensdes positivas e negativas (Macdonough, 1981). Cofer e Appley (1964), na continuagdo dos seus trabalhos identificaram quatro componentes de resposta ao stress: a emotividade; sentimentos subjectivos de tens&o; comportamentos defensivos e; sintomas fisiolégicos. Os sintomas fisiolégicos de emogio inclufram alteragdes cardiovasculares, transpirag’io, dilatag&o pupilar, respirag&o acelerada, palpitagdes, enxaquecas, tensdo, tremores, insénia, ete. Estudos psicofisiolégicos demonstraram que as respostas auténomas sd altamente padronizadas a nivel individual; cada individuo reage consistentemente segundo o seu padrao. As sensagées subjectivas de tensdo seriam a consciéncia subjectiva das alteragées corporais: “sinto-me tenso", “a 48 ‘Tensio Psicolégica vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missio de Paz na Bésnia minha cabega anda A roda”, “estou ansioso” , expressam a sensagao pessoal de stress. Os mecanismos de defesa do Eu, com as suas adaptagées de defesa alternativas seriam utilizadas de modo a reduzir ou a eliminar a frustragio e o stress, embora certas formas de defesa do Bu sejam utilizadas perto ou no limite do desespero. © estado psicético, poderé ser a Ultima defesa contra o colapso fisico, a exaustéo emocional ou mesmo a morte, que o stress intenso e continuado poderé acarretar. As perturbagées/doengas do stress originadas por acontecimentos e situagées psicolégicos e sociais de grande impacto traumético parecem surgir por ocasido de eventos excepcionais tais como certos flagelos ou a vivéncia dos individuos em meios externos. Se o choque emocional for muito forte, toda a organizagao da personalidade e a constelagiio dos seus mecanismos de defesa pode ser abalada. Como exemplo destes possiveis acontecimentos temos a guerra, acidentes naturais de varia ordem, acidentes em centrais nucleares, etc. Debrucemo-nos mais detalhadamente sobre as consequéncias da guerra como desencadeadora de fortes niveis de stress, com possiveis sequelas pés-traum&ticas importantes. Nos sécs XVIII e XIX s6 as manifestagdes psiquidtricas espectaculares, podiam ser consideradas baixas militares, nao se tinham em conta outras vivéncias psicolégicas resultantes do impacto da guerra (Marques,1994). 49 ‘Tensiio Psicolégiea vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missio de Paz na Bosnia Pereira (1991), num dos seus artigos sobre stress afirma que “no campo de batalha do presente e do futuro, as reacgdes agudas de stress constituem a causa mais provaével de baixas’ Durante a Primeiza Guerra Mundial as alteragées psigquicas s&o associadas & situagHo de combate, pois anteriormente eram atribuidas A cobardia ou A falta de disciplina. A partir da II Guerra Mundial, em que se d& outra ateng&o aos fenémenos psicolégicos, advém o conceito de Shell Shock, mais tarde conhecido por “Neurose de Guerra”. H& quem refira que as baixas psiguiatricas na II Guerra Mundial, comparativamente a I Guerra Mundial, aumentaram em 300%. Nos finais da II Guerra Mundial comega-se a dar uma maior importancia a situagdo de combate e A forma como esta interfere no individuo (Marques, 1994). Durante a Guerra da Coreia, o tratamento psicolégico dado aos combatentes é realizado no local, sendo reenviados para a situag’io de combate. Deste procedimento advém cerca de 6% de evacuagdes psiquiatricas comparadas com 23% da II Guerra Mundial (Marques,1994) . A Guerra do Vietnam vai determinar uma altera¢o no curso do “Stress de Guerra” . Comparativamente as guerras anteriores, as baixas psicolégicas foram diminutas em grande parte (+ ou - 12%) pela ateng&o a estes aspectos “dada no terreno” . Contudo, no pés-guerra, foi detectado elevado ntimero de afectados, tenham ou ndo sofrido reacgdes agudas de stress durante a situagéo de combate. Nesta altura, identificaram-se 50 ‘Tenstio Psicolégica vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missio de Paz na Bésnia também sintomas idénticos entre as vitimas de outros agentes de stress (violagdes, agressées varias, grandes acidentes naturais, etc). Todas estas vivéncias de stress sido englobadas no designado Disttrbio Pés-Traumético de Stress (D.P.T.S) (Andreasen,1985 in Kaplan, 1985). Em 1952, no DSM-I ( Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders) da Associag&o Americana de Psiquiatria, “o stress de guerra" € referido como “reacgio de stress excessivo" . Em 1968, passa A designacéo de “reacgdes de adaptagao do adulto” (DSM-II) . No ICD-9 (1975) International Classification of Diseases, da responsabilidade da Organizag&o Mundial de Satde, fala-se de “ reacc&o aguda ao stress” ligado ao stress catastréfico ou A fadiga de combate. Contudo, um passo importante para esta conceptualizagio surgiu com o DSM-III (1980) cujo impacto foi grande entre os Técnicos de Satide Mental. Neste ano o “ stress de guerra” € oficialmente reconhecido como “ Distirbio Pés- Traumético de Stress” (D.P.T.8.), origindriamente identificado como “ Sindroma do Pés-Vietnam” . Nas posteriores revisdes do D.S.M os critérios de “ Stress de Guerra” tornam-se ainda mais definidos (Andreasen, 1985 in Kaplan, 1985) . So apresentados os seguintes critérios de diagnéstico (DSM-III-R,1980) : A - Vivéncia de um acontecimento descomunal, fora da experiéncia humana comum, que provocaria um mau estar 3 ‘Tensio Psicoldgica vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missio de Paz na Bésnia significativo A maioria das pessoas, como por exemplo, guerra, acidentes de viagao, terramotos, inundagSes, rapto e violacdo. B - Reexperiéncia do acontecimento traumatico, pelo menos através de uma das seguintes formas: L)evocag3es intrusivas e recorrentes do acontecimento (que podem estar associadas a sentimentos de culpa sobre o acontecimento) . 2)agir ou sentir subitamente como se o acontecimento traumatico estivesse a ocorrer movamente (inclui sensagdes de reviver a experiéncia, —ilusées, alucinagédes e episédios dissociativos “ flashback" , mesmo aqueles que ocorrem durante a vigilia ou quando intoxicados. 3)intensificag’o dos sintomas por exposigfo a acontecimentos que simbolizem ou se assemelhem ao evento traumitico, incluindo aniversdrios do evento. C - O evitar sistem&tico de estimulos associados ao evento ou embotamento da capacidade de resposta (ausente antes do trauma), pelo menos de uma das seguintes maneiras: l)evitar pensamentos ou sensagdes associadas ao evento; 2)evitar actividades ou situagées que provoquem evocagées do trauma; 3)amnésia psicogénica; 4)diminuigéo acentuada de jinteresse por actividades significativas; 32 ‘Tensio Psicol6gica vivenciada pelos Agentes da P-S.P, em Missio de Paz na Bosnia 5)sensago de afastamento ou estranheza em relacdo aos outros; 6)constrig&o do afecto: incapacidade de ter sentimentos de amor; e 7)falta de esperanca no futuro. D - Sintomas recorrentes do aumento da activacdo (ausentes antes do trauma), como indicado a seguir, pelo menos através de dois dos seguintes factores: 1)dificuldade em adormecer ou permanecer a dormir; 2)irritabilidade, explosées de célera; 3)dificuldades de concentragéo; 4)resposta surpresa exagerada; e 5)reacgSo fisiolégica ap6s exposi¢ao a acontecimentos que simbolizem ou se assemelham ao evento traumtico. E - Durag&o do disttrbio pelo menos cerca de um més. Inicio tardio, se o desencadear dos sintomas ocorre pelo menos seis meses depois do acontecimento traumatico. Em Portugal nos anos de 1961 a 1974, nas trés ex- provincias ultramarinas, Angola, Mocambique e Guiné, mais de um milh3o de homens viram-se envolvidos na designada Guerra Colonial. Ao longo desse tempo estimam-se cerca de 8200 mortos e cerca de 30.000 feridos (Estado Maior do Exército,1987). De acordo com Pereira e al (1987), existe evidéncia empirica de que a repeticdo de reacgdes de stress favorece a produgdo de patologias, de certa forma mais ou menos permanentes, quer em pessoas quer em grupos. Este tipo de ‘Tensio Psicologica vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missio de Paz na Bosnia situagSes sio mais facilmente identificaveis em profissées ou desempenho de tarefas em que ndéo pode haver qualquer fuga as exigéncias intensas e repetidas sobre as pessoas, como por exemplo nas participagdes em combate (Pereira e al, 1987). Nos primeiros estudos de Pereira, 1974 e de 1974-1981, o autor chegou A concluséo que o aparecimento de défices psicolégicos permanentes dependiam fundamentalmente do tempo de Comiss&o no Ultramar, em que uma comissdo de 18-24 meses n&o apresenta consequéncias futuras, mas a partir de duas comissdes (Houve individuos que fizeram 5) aumenta a probabilidade de se desenvolver um défice cognitivo (semelhante ao da sindrome cerebral minima) acompanhado de progressiva dificuldade de adaptagio a sociedade civil. Foi também notado neste estudo que a gravidade dos disttirbios pessoais e grupais tendia a ser atenuada pelo que se designa por moral das unidades militares. Um segundo estudo, 1982, oito anos depois de terminada a intervengao dos fuzileiros no Ultramar, surgiu na sequéncia de nfo ser claro se o efeito de atenuagdo supra mencionado, se devia a um factor de lideranga ou a um factor de grupo ou a ambos. Neste estudo, embora se tivesse demonstrado que os “lideres de relacdes humanas” (indice LPC alto) sdo capazes de moderar os efeitos das situagSes de alto stress dos subordinados e que o mesmo nao acontece com os “lideres de tarde” (indice LPC baixo), nao foi possivel determinar como é que tal efeito se produz na dinamica das interacgdes lider-subordinados. 54 ‘Tensii Psicol6gica vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missfio de Paz na Bésnia Soldados em constante stress foram estudados por Futterer (1982). Os efeitos da privag&o do sono em operagées continuas militares de paz na Armada da US durante REFORGER 1987 e outros treinos militares foram estudados por Manning (1985) que também notaram estudos nas forgas norueguesas ¢ brit@nicas. Estas pesquisas acerca das reacgées aos stressores adaptativas e mal adaptativas s&o abordadas em termos de variagéo de indicadores apontando para a deterioragaéo dos soldados individualmente e em grupos. Estes factores incluem o abuso do Alcool e drogas, problemas raciais, violéncia familiar (abuso de criangas, esposas e abuso sexual), comportamentos anti sociais, disfungdes familiares, mudangas no desempenho, mudangas de moral e coeséo, falta de disciplina, exaustdo fisica e privagio do sono. Estudos empiricos que tenham em conta este tipo de problemas e a forma de os minimizar, beneficiaré os lideres militares e consequentemente os préprios militares (Macdonough,1981) . Modelos de stress que permitem aos soldados entender as suas reacgdes psicolégicas tém de ter em conta os tipos de operagSes militares desenvolvidas, para incluir operagdes de fraca intensidade (tais como misses de paz), dever de guarnigdo militar e guerra de grande intensidade. Harris & Segal (1985) encontraram o aborrecimento como sendo um problema geral entre os homens da infantaria na US durante seis meses de missdo de paz no Sinai. 0 aborrecimento ocorria a meio caminho das missdes. Trés tipos de aborrecimento 59 ‘Tensiio Psicologica vivenciada pelos Agentes da P.S.P, em Missio de Paz na Bosnia ecorriam: sentimento de ndo estar a ser totalmente utilizado, privagio cultural, falta de privacidade e sentimento de isolamento em relagéo aos ente queridos. Os lideres definiram © aborrecimento de forma diferente das suas tropas, definiam- no como a auséncia de tarefas realmente significativas. Contudo, as tropas usaram o termo aborrecimento como uma “ met&fora que representa um miriade da frustragio” (Harris & Segal, 1985). uma outra abordagem para a compreensSo desta temética tem a ver com os estudos e tratamento de programas relacionados com os veteranos em combate. Estes estudos identificaram dificuldades no reajustamento & vida civil e apresentaram quebra na performance laboral, bem como dificuldades nas relagées sociais e familiares (Williams,1987). Uma revisio sistemética dos veteranos militares da U.S foi conduzida por Kulka e al (1990), quinze anos apés a guerra do Vietname. Entre os veteranos combatentes masculinos, encontraram neste estudo 15.2% que mostravam niveis correntes de stress p6és-traumético e um grau de eficdcia de vida de 30.9%. Este estudo fez um esforgo no sentido de cobrir a importancia das condigées predispositivas, mas descobriu que as condigées na zona de guerra continuaram a “ jogar um papel predominante na determinagéo da prevaléncia corrente dos desastres do stress pés-traumitico PSTD” Com a Guerra do Golfo tudo voltou a ser despoletado. Contudo, medidas preventivas foram tomadas com 0 objectivo de 56 ‘Tensio Psicolégica vivenciada pelos Agentes da P-S.P. em Missio de Paz na Bésnia se evitar quer baixas psiquidtricas, quer sequelas psicolégicas pés-guerra. Uma dessas medidas foi a incorporagao de psicélogos na frente de batalha, os quais todos os dias estavam em contacto com os soldados e os punham a verbalizar as suas experiéncias do teatro de guerra, ou os preparavam para enfrentar essas mesmas experiéncias. Nos estudos de Israel acerca do stress em combate, Solomon (1993) encontrou que qualquer ruptura no “ sentido de seguranga” dos soldados, aumentava a vulnerabilidade de combater reacgdes de stress e mais tarde uma desordem de stress pés-traumitico. Este “sentido de seguranca” 6 sustentado durante a guerra, através de uma continua “confianga na eficdcia do seu treino, ou no interesse e competéncia dos seus oficiais” , e numa amostra bem definida de valores compartilhados. "0 sentido de seguranga” do soldado, também proporciona um sentimento de identificag&o e protecgao dentro de um grupo coeso. Existem alguns estudos que identificaram incidentes criticos” das reacgées de stress entre a emergéncia do servi¢o pessoal seguindo a participag&o nos grandes desastres. Durante um perfodo de 18 meses, oficiais policiais que estiveram envolvidos num desastre de um avido mostraram um aumento de pobre concentragéo, aumento de reacgées alarmantes, e um grande isolamento das outras pessoas (Foreman, 1990). Oficiais angustiados experienciaram terror, perigo pessoal e afastamento dos colegas. Estes oficiais atravessaram 37 ‘Tensii Psicolégica vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missio de Paz na Bésnia dificuldades na vida ao longo de 12 meses a seguir ao acidente. Idénticas reacgdes foram notadas por McFarlane (1986) entre os bombeiros que se encontravam a lutar contra a devastagéo da floresta na Austrélia (Oeste). Estes bombeiros confrontaram-se com perdas significativas dentro das suas comunidades e nas suas préprias vidas pessoais. Niveis significativos de angistia foram notados em 49% destes bombeiros nos 42 meses seguintes aos incéndios. Marmar (na imprensa) encontrou reaccgées semelhantes a seguir a um tremor de terra massivo e envolvimento na recolha de corpos. Oficiais policiais que relataram experiéncias dissociadas durante as operagSes de recuperacio mostraram uma grande semelhanga em dificuldades posteriores. © servico militar tem mostrado afectar a vida social e as relagSes familiares. Os soldados das Nacgdes Unidas tém sido alvo de estudo, nomeadamente dos paises escandinavos. As situagdes e condiges de trabalho dos soldados das Nagées Unidas diferem das situagdes militares ordinérias, bem como os stressores a que estSo expostos, e consequentemente as suas reacgées podem ser de alguma forma diferentes. 0 pessoal da manutengao da paz tem de manter a neutralidade, mesmo sob provocagao. Séo supostos desempenharem um papel de mediagdo em vez de confronto. Ndo h& lugar para agressividade na missdo de manutengo da paz. 58 ‘Tensio Psicolégica vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missio de Paz na Bésnia Como consequéncia deste constrangimento, uma reacc&o comum encontrada entre os soldados das Nagdes Unidas foram sentimentos de culpa em relagéo aos seus pensamentos agressivos. Esta situagdo pode llevar a sintomas psicossomaticos. Lars Weisceth encontrou no seu estudo acerca do stress das tropas norueguesas das Nagdes Unidas no Libano, irritabilidade e elevados sintomas de actividade auténoma como resposta A agressividade reprimida. © mesmo estudo apresentou aumento nos graus de desastres de stress p6és-traumético PSTD e um decréscimo no bem estar psicolégico geral em cerca de 5% dos sujeitos. 0 montante dos outros eventos stressantes da vida pareceram aumentar apés o terminus da misséo. Os procedimentos de avaliagdo dos candidatos a este tipo de missio pretendem seleccionar lideres = altamente conceituados, os quais podem ter expectativas irrealistas na sua capacidade de proteger as suas comunidades. Tal fardo injusto pode levar os oficiais a uma auto-critica rigida ou a uma culpa sobrevivente. Em resumo, as relagées stress-perturbagdo (fisiolégica e psicolégica) s&o complexas e o tempo que medeia o inicio do stress e a aparicao dos sintomas pode ser relativamente longo. Todo este processo € condicionado por factores cognitivos e pelas caracteristicas da personalidade. Com base nos pressupostos anteriores, o presente estudo pretende investigar a tensdo psicolégica experiénciada pelos 5s ‘Tensiio Psicolégica vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missio de Paz na Bésnia agentes portugueses ligados a misséo de paz no ambito das NagSes Unidas, na regido da ex-Jugoslavia. Esperamos ainda que os resultados deste estudo possam afectar a programagdo das operagdes da Policia Civil, bem como assistir na eficdcia da intervengo psicolégica referente a tens&o experiénciada pela policia em analise. Pretende-se colmatar o presente estudo com um questionério elaborado a partir das entrevistas realizadas, onde se reunirao todos os pontoes chave que geram tenséo, por forma a ser aplicado em estudos posteriores e facilitar a sua anélise e consequente prevengao, bem como possivel terapia. ‘Tensio Psicolégica vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missio de Paz na Bésnia II METODO O presente estudo de campo visa examinar o stress sofrido pelos agentes da P.S.P. que estiveram presentes na Bésnia em missdo de paz. Tendo em atengdo que € a primeira missdo de paz em que Portugal esteve envolvido e que, em principio, nao existem estudos publicados desta indole, trata-se de um estudo exploratério. Assim sendo, o desenvolvimento e os dados obtidos, reenviam-nos fundamentalmente para uma investiga¢do de teor qualitativo, ainda que apoiada em alguns dados quantitativos (criag&éo de questiondério e aplicag&o de escalas) e num tratamento estatistico relativamente simples. Nesta perspectiva, entendemos ser pertinente, com base na entrevista que jiniciou o nosso procedimento criar um questionério‘ por forma a quantificar, de certa forma, os dados obtidos e complementar a informacao. SUJEITOS A recolha dos dados dividiu-se em duas frases. Uma primeira fase em que se entrevistaram 6 agentes da P.S.P, e uma segunda fase em que se aplicaram 40 questiondrios construidos a partir das entrevistas, seguidos de escalas de stress. 6 Para proceder & sua realizagio contactou-se, por escrito, 0 Comandante Geral do Comando Geral da PSP, em que se explicou 0 propésito do estudo e se obteve a necessaria autorizacio, por intermédio do Tenente Coronel Francisco dos Santos, chefe da Divisio de Ensino e Aperfeigoamento do Comando Geral da PSP. 61 ‘Tensio Psicolégica vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missi de Paz na Bésnia Dos dados disponiveis referentes ao embarque de pessoal para este tipo de missées (listagens em Anexo I), desde 27 Margo de 1992 (ano em que Portugal se estreou no ingresso em misses de paz) até 25 de Agosto de 1995, a nossa amostra corresponde a 27.5% da populagéo em andlise (entrevistas 3.59%, question4rios 23.95%). Todos os sujeitos foram volunté: As entrevistas foram realizadas entre Julho de 95 e Janeiro de 96. Cada entrevista teve uma durag’o média de duas horas. Dos seis elementos entrevistados, cinco eram do sexo masculino e um do sexo feminino, com uma média de idades de 31.6 (de 23 a 49 anos de idade). As entrevistas foram gravadas com o respectivo conhecimento e consentimento dos participantes. Trata-se de uma amostra compo: ta por 2 subchefes, 1 comissario, 2 subcomiss4rios e um superintendente, representando 4 estratos da hierarquia policial. De entre os seis i dividuos entrevistados, dois tém o 11° ano de escolaridade, outros dois o 12° ano de escolaridade, e os dois Gltimos o grau de lice! datura em ciéncias policiais, para além de que todos eles tém outros cursos em paralelo, na sua maior parte todos tirados na policia com vista valorizagio profissional. Quanto a empregos anteriores, trés Internamente, com a ajuda do Subcomissario Coimbra da Divisio de Estudos e Planeamento do Comando Geral da P.S.P, entrou-se em contacto com os sujeitos cujas caracteristicas se enquadravam no respective estudo com a finalidade de se obter a sua autorizagio e disponibilidade para serem entrevistados. 2 ‘Tensio Psicolégica vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missio de Paz na Bosnia individuos vieram dixectamente para a policia, enquanto que os restantes trés individuos tiveram outros empregos, no entanto, quase sem expressdo significa' iva (maximo 6 meses) . Todos os entrevistados vivem em casa prépria. © seu ntimero reduzido deve-se ao facto de se tratar de uma stituig&o burocrética onde os pedidos levam tempo a serem respondidos, uma vez que séo sujeitos a despachos, ¢ nem todos os agentes se disponibilizam a prestar as suas declaragdes, para alé de que os prazos para a nalizagao do estudo tém de ser cumpridos, limitando assim os compassos de espera e consequentemente a amostra. Os questionaérios foram aplicados em trés fases,21 de Julho (15 individuos), 18 de Agosto (14 individuos), 20 de Outubro (11 individuos), alturas em que se conseguiu reunir os agentes que correspondessem As caracteristicas exigidas para a amostra (terem estado na ex-Jugoslavia em missdo de paz). Esta amostra & composta por 1 Intendente, Comissaério, 1 Subcomissario, 26 Primeiros Subchefes, 2 Segundos Subchefes, 3 Guardas Principal e 5 Guardas de 1* Classe, representando assim 7 estratos da hierarquia policial (ver Anexo II). Destes quarenta agentes, 37 elementos séo do sexo masculino 92.5% e 3 elementos do sexo feminino 7.5%, com idades compreendidas entre os 29 e os 42 anos, média 33,7 anos. Quadros 1 a 3 Na sua maioria os inquiridos provém de um meio urbano, 67,5% contra 20% que provém de meio rural.Quadro 4 viveneiada pelos Agentes da P.S.P. em Missio de Paz na Bosnia Embora todos os agentes se reunam em Lisboa para receber equipamento, fazerem exames médicos, receberem algumas instrugées e embarcarem para a misséo, a populagéo € muito Gispersa quanto ao local de residéncia, destacando-se no entanto, as cidades de Lisboa 27,5% e Porto 12.5%, como se pode verificar no quadro 5. No que concerne as habilitagées literaérias destaca-se o nfimero de individuos com ensino superior (20%), uma vez que o minimo exigido para entrar para a P.S.P. & o 9° ano. & de salientar que 75% da popula¢ao possui habilitagdes entre o 11° ano e o ensino superior. & também de notar que 30% da populagio em estudo possui outras habilitagdes, isto é, outros cursos, na sua maior parte tirados na policia e com vista 4 valorizagéo profissional. Quadros 6 e 7. Resultados idénticos foram obtidos nas entrevistas. & curioso que a maioria da populagéo em andlise 75% € casada, contra 17,5% de solteiros e 5% de divorciados, nao sendo o facto de estar casado um factor impeditivo de ingressarem na missio. Na sua maioria vivem em casa prépria 82,5%. Quadros 8 e As entrevistas apresentam a mesma predominancia de casados. Quanto a categoria profissional temos a predominancia do 1° Subchefe 65%, logo seguida da de Guarda Principal. Na ‘Tensio Psicolégica vivenciada pelos Agentes da P-S.P. em Missio de Paz na Bésnia populagao em estudo as categorias hierarquicas superiores encontram-se pouco representadas, apenas 2,5%. Quadro 10. Nas entrevistas, | verificou-se 0 contrério, a predominancia foi das categorias hierarquicas superiores. Note-se que a alinea 15 da base de dados, referente a categoria CAT_PROF, respeita A categoria profissional de 2° Subchefe que por lapso faltava no questionario aquando da sua aplicagéo e imediatamente corrigida apés observagao dos agentes, razdo pela qual foi introduzida na base de dados em 15* posigaéo em vez de 11 0s inquiridos encontram-se na policia em média ha 10.44 anos, A semelhanca do que acontece com os resultados das entrevistas. Quadros 11 e 12. © tempo de misso para os inquiridos foi em média de 16.69 meses, ndo muito distante da média das entrevistas, cerca de 12 meses. Quadros 13 e 14. A partir dos 24 meses esto contabilizadas duas misses. No que respeita aos locais onde exerceram a missdo e se foram considerados pelos agentes como calmos ou turbulentos, podemos ter uma visio geral na Tabela N°1 em anexo. Note-se que 52.5% dos individuos estiveram em dois locais, podendo um ser considerado calmo e outro turbulento, os dois calmos ou os dois turbulentos. 37,5% da populacao sé esteve num local e 10% nado respondeu A questao. No que respeita A experiéncia em outras missdes & semelhanga do que aconteceu nas entrevistas a maioria dos ‘Tensio Psicologiea vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missio de Paz na Bosnia individuos, néo tém experiéncia em outras missdes, contudo, a diferencga nos resultados n&o 6 muito significativa (10%), como se pode verificar no quadro 15. Dos 42,5% que possuem experiéncia em outras missées, podemos ver a sua distribuic&o na Tabela N°2. Note-se que 14 individuos, 35% da populacao j4 estiveram presentes numa missio e 3 individuos 7,5% ja estiveram em duas missdes. INSTRUMENTOS A entrevista individual (Anexo III) encontrava-se dividida em grandes temas (por sua vez subdivididos como se pode observar na grelha em Anexo VIII que nos facilitou a sua anflise)para recolha de dados biograficos, dados familiares, dados militares, dados gerais, vantagens e desvantagens de ingressar neste tipo de misséo, tomada da decis’o em ingressar na missio em estudo, envolventes, opiniées sobre o tipo de trabalho realizado, colocag&o, fixag&o, estabelecimento e local de trabalho, interaccéo social, fases da missao, dificuldades e problemas desta, consequéncias do stress, indicios de depressdo/falta de controlo, stress traumatico, stress experienciado, sucesso da operagao, significado e adaptagio ao treino envolvido na missdo, juntamente com uma ‘Tensio Psicologica vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missio de Paz na Bésnia entrevista de incidentes criticos’, cuja grelha p sua andlise se encontra em Anexo IX. Na entrevista incidentes criticos, pediu-se ao entrevistado para descrever uma situagio grave, dificil ou perigosa na qual esteve envolvido durante a missdo, mas que tivesse sido bem resol: da. Em segundo lugar, pediu-se ao entrevistado para se lembrar de uma situagdo inversa, ou seja, uma situagdo grave, dificil ou peri josa na qual esteve envolvido durante a missio, mas que tivesse sido mal resolvida. Foram usadas em cada caso, a mesma série de perguntas para ajudar o sujeito a relatar detalhadamente cada ituag&o, tais como: onde, como, quando aconteceu, quem esteve envolvido?, em que se pretende conhecer as causas atribuidas, avaliar as responsabilidades no sucesso ou insucesso na resolug&o da situagio, actuagiio dos hefes, grau de preparagao do pessoal, avaliar os aspectos do suporte social e emocdes sentidas. A descrig&o detalhada das entrevistas encontra-se no capitulo seguinte. No fim da entrevista individual foi solicitado aos agentes que efectuassem uma auto-avaliagéo da sua propria actuagao, em comparag&o com a sua prépria imagem, numa escala ordinal, de 1 a 7 pontos, sendo o grau mais elevado o policia ideal (Anexo IV). jente critico: Flanagan define incidente critico como: toda a actividade humana observavel, suficientemente completa, para que através dela, se possam fazer induces ou previsdes sobre o individuo, que realiza a acco, Para ser critico, um incidente deve dar-se numa situagao tal, que o fim ou intenefio da accio aparecam suficientemente claras ao observador € que as consequéncias da aesio sejam evidentes (La Technique de I'Incident Critique, Revue de Psychologie Appliquée, IV, n° 2, Abril 1954, pig. 166) 7 inci 67 ‘Tensio Psicolégiea vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missio de Paz na Bos: Foram também aplicadas a seguir 4 entrevista(Anexo V), trés escalas de stress e duas listas de avaliagao. Tratam-se de escalas que foram adaptadas para a populagdo portuguesa através de dois estudos efectuados por Pereira e Jesuino, acerca da relagao Stress/Lideranga nas Unidades da Armada(1982) e, concretamente no segundo estudo, nas Unidades de Fuzileiros (1987). Estas escalas foram adaptadas das escalas de stress de Holmes e Rahe (primeira versdo em 1967) e igualmente baseadas nas investigagSes de Cooper (1978), sobre os efeitos do stress. S&o as seguintes as escalas e listas utilizadas: 1. Lista de acontecimentos vividos no servigo: Trata-se de uma lista constitufda de 14 itens em que o sujeito assinala um ou varios acontecimentos directamente relacionados com o seu servico pelos quais tenha passado, veportando-se aos filtimos trés meses. 2. Lista de acontecimentos vividos fora do servigo Trata-se de uma lista constituida de 14 itens em que o sujeito assinala um ou varios acontecimentos ocorridos fora do seu contexto profissional em especial relacionados com situagdes vividas na familia, reportando-se aos Gltimos trés meses 3. Escala de stress organizacional: Trata-se de uma escala constituida por 9 itens que tem por objectivo uma avaliagéo do sujeito no que respeita ao stress vivido na 68 ‘Tensio Psicologia vivenciada pelos Agentes a P.S.P, em Missiio de Paz na Bésnia Organizagio em que se insere, reportando-se aos tltimos rés meses. Est4 relacionada com as condigdes e conduta organizacional no trabalho, considerando os seguintes aspectos: moral, disciplina, conflitos inter e intra unidades e com servigos exteriores. 0 individuo pode responder numa escala que vai de “Geralmente” a “ Raramente” podendo optar pela resposta intermédia “ Por vezes" . & atribuida uma cotag&o as diferentes hipéteses de resposta, que vai de 0 a 2. Exemplo: Geralmente Porvezes | Raramente Servigo demasiado para 0 tempo dado para o fazer 2 1 0 As consequéncias (strain) so medidas por duas escalas: 1. Escala de auto-avaliacio de stress, strain sentido (baseada na USA DECS Publication on the Management of Stress). Trata-se de uma escala constituida por 15 items que tem por objectivo uma auto-descrigdo do stress, considerando a experiéncia dos sujeitos nos ltimos trés meses. 0 individuo pode responder numa escala com caracteristicas semelhantes A utilizada na escala de Cs Tensio Psicolégica vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missio de Paz na Bésnia stress organizacional, j& referida. igualmente atribuido o mesmo tipo de cotacSo. Exemplo: Frequentemente | Por vezes Raramente 1, Sinto-me tenso/ansioso/ irtitavel ou nervoso 2 1 0 5. Escala das consequéncias estimadas para a saiide na actual condigéo de trabalho. Trata-se de uma escala constituida por 10 pontos correspondendo a uma intensidade progressiva, que tem por objectivo obter uma estimativa por parte do sujeito, quanto 4 sua satide, caso continuasse mais um ano na misséo. Strain estimado no futuro. 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Estado normal Gravemente Satide doente Perante anélise das entrevistas elaborou-se um questionaério de miltipla escolha (Anexo VI) com o intuito de criar um instrumento quantitativo, a partir do qual se pudesse fazer uma recolha de informag&o mais sistematizada. 710 ‘Tensio Psicolégiea vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missiio de Paz na Bosnia Este questionario foi sujeito a pré-teste por trés individuos que estiveram na ex-Jugoslavia em missdo de paz e nfo inclufdos nas outras amostras. Apés o pré-teste, o questionario sofreu algumas alteragées.(Anexo VII). Nos dados biogréficos, a questéo que se refere & residéncia foi alterada, deixamos apenas espaco para colocar a localidade por forma a preservarmos o anonimato dos inquiridos. Retiraémos a questSo referente aos dados militares achando que nao eram relevantes para o assunto em andlise e poderiam gerar confus&o quando se questionava sobre o tempo de servigo e tempo de comissdo. A questdo referente a categoria profissional também sofreu uma alteragSo. Foi acrescida a categoria de 2° subchefe logo a seguir a 1° subchefe e antes da categoria de Guarda Principal. Foi retirada a questo sobre a fungdo exercida actualmente, e categoria profissional actualmente, pois nao era mais do que uma uma repetig&o da questdo anterior. A questdo que respeita A experiéncia em outras missdes também foi alterada. Retirémos o tipo de actividades exercidas pois confundia os agentes e ndo era significativo para o objectivo do nosso estudo. No regime de trabalho, retiramos: muitas folgas, folgas normais e nenhuma folga, pois n&éo s6 era dificil de quantificar (caso existissem respostas diferentes), como todos eles tinham 6 dias de folga consecutivos ao fim de um més de trabalho. Retirémos a questéo n° 16, ou seja, opinido dos habitantes locais em relag’o 4 Policia Civil, pois fazia confusio aos agentes e dependia dos locais onde 7 ‘Tensio Psicolégica vivenciada pelos Agentes da P.S.P, em Missio de Paz na Bésnia estivessem. Desta forma nado era pertinente para o nosso estudo, nem seriam fieis os dados recolhidos. substituimos esta questdo pela seguinte: * Opinido dos habitantes locais em relagio A presenga das Nagdes Unidas” Posteriormente®, aplicou-se os questiondrios aos 40 ii ndividuos que os referidos Comissdrios conseguiram reunir. Os questionérios foram seguidos das escalas e listas de stress j4 mencionadas Os questionarios, tal como as entrevistas encontravam-se divididos em grandes temas: recolha de dados biograficos, dados familiares, dados gerais (perguntas 1 a 3), vantagens e motives de ingressar ne e tipo de missdo (perguntas 4 a 7), tomada da decisdo em ingressar na missdo em estudo (perguntas 8 a 9), envolventes - opinides sobre o tipo de trabalho realizado (perguntas 10 a 12), opinides sobre a colocagao, fixagao, estabelecimento e local de trabalho (perguntas 13 a 18 mais a questo 20), interacg%o social (perguntas 19 e 21), fases da missdo (pergunta 22), dificuldades e problemas desta, ou seja, factores de stress/diferentes tipos (perguntas 23 a 32), consequéncias do stress (perguntas 33 a 35), indicios de depressio/falta de controlo (perguntas 36 a 39), stress traumitico (perguntas 40 a 45), sucesso da operacao (perguntas 46 51), significado e adaptagao ao treino envolvido na missio (perguntas 52 a 54), discussdo da experiéncias vividas 8 Com a ajuda dos Comissérios, Luts Filipe Simdes e Comissario Luis Manuel Elias, da Divisio de Operagaes, Secgio de Organizagio e Servicos Gerais integrado no Comando Geral da P.S.P, entrou-se em contacto com os sujeitos cujas caracteristicas se enquadravam no respectivo estudo. 72 (pergunta ‘Tensio Psicolégica vivenciada pelos Agentes a P.S.P. em Missi de Paz na Bosnia 55),opiniées sobre o apoio social envolvido, instituig&o e governo(perguntas 56 a 57) 2B ‘Tensio Psicolégica vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missio de Paz na Bésnia I. RESULTADOS RELATORIO DAS ENTREVISTAS Dados familiares No que respeita os dados familiares, quatro dos indi’ duos ainda tém os dois pais vivos, um deles j4 86 tem mie e 0 ot tro j& n’o tem pais. De salientar que dos seis individuos entrevistados, dois deles tém pai aposentado da PSP e um deles oficial do exercito. As restantes profissdes oscilam entre a Fungo Piblica, Domésticas e dois Empresarios. Na sua maioria os individuos em andlise tém dois irmios, existindo um com seis. Todos os individuos so economicamente independentes visitando com regularidad os pais, oscilando as visitas entre semanais e mensais, atendendo a distancia a que se encontram dos filhos. Todos os individuos dao muita importancia a familia, quer aos pais, quer aos conjuges pois so todos casados, excepto um individuo que é solteiro. Dos seis inquiridos sé dois deles tém filhos, um tem quatro e o outro tem um. Todos os inquiridos véo para casa diériamente, excepto uma vez ou outra em que possam estar de servico. Perspectivas actuais Nenhum dos inguiridos confessa que tenha problemas graves, apenas tém problemas do dia a dia que vao resolvendo a medida que estes vdo aparecendo. Sdo por isso activos na sua resolugao. 74 ‘Tensio Psicoldgica vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missio de Paz na Bésnia Dados militares e gerais Quanto aos dados militares, o inquirido do sexo feminino nio o cumpriu pois na sua altura esta situago nao se punha em causa. Quanto aos restantes, dois inquiridos ao ingressarem na Escola de Policia e ao cumprirem treino militar especifico, foram dispensados do servicgo militar obrigatério. Dos trés restantes, um passou A reserva territorial e os outros dois cumpriram o servico militar obrigatério. os inguiridos encontram-se na policia, em média ha 11 anos, oscilando entre o valor menor - 10 anos e o maior 11 anos. Em média o tempo de missio para os individuos foi cerca de um ano em que o valor menor sao seis meses e o maior trés anos. Quatro individuos (66,7%) n&o tinham experiéncia de outras missdes, contra os outros dois inquiridos (33,3%) que j@ tinham tido este tipo de experiéncia, quer na misséo em xeferéncia, quer em Mogambique. Um dos inquiridos esteve também na Guerra do Ultramar e Angola. Todos os individuos participaram em missdes depois de serem agentes policiais, excepto o individuo que esteve na Guerra do Ultramar. Tendo como tarefas fundamentais o garante dos Direitos Humanos através de mediagdes, arbitragens, negociagées , os individuos tiveram fungdes tais como: @Oficiais de comunicagdes e operagdes @Oficiais de ligagdes e relagdes ptblicas @Monitores de esquadra 73 ‘Tensio Psicologia vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missio de Paz na Bés €Oficiais dos Direitos Humanos e porta voz da Nagées Unidas Patrulheiros Vantagens e motivos de ingressar neste tipo de missao No que respeita as vantagens e motivos de ingressar na missdo, em primeiro lugar aparece o factor monetério n&o muito desligado da aventura e conquista de novas experiéncias. Sao também apontadas questées culturais, conhecimento de novos povos e forma de trabalhar de outros contingentes. & apontado por um dos individuos, motivos profis onais, ou seja, experi€ncia profissional e alternativa de colocagao, bem como & apontado pelo mesmo individuo o significado histérico - * acontecimentos significativos para o futuro” - No que respeita & questéo “o que conseguiu para si préprio?” , todos os inquiridos so unfnimes em dizer que adquiriram experiéncia quer profissional, quer pessoal, como se pode constatar pelas seguintes frases: “Cresci, fiquei mais adulto...” “Adguiri muitos ensinamentos que nos livros nao poderia aprender. Um dos inquiridos salienta que conseguiu um enriquecimento pessoal, passando a dar valor ao que no dava até ent&o, tal como a amizade, carinho, ajuda em detrimento das coisas materiais a satide Note-se que outro dos inquiridos voltou a referir o aspecto monet@ério, para além dos factores culturais - relagées 16 ‘Tensio Psicolégica vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missio de Paz na Bosnia interpessoais, bem como uma percepg&éo da realidade vivida no local e percepgao da politica europeia e mundial. No que se refere A comparago das aquisigdes pessoais nesta missio com aquisigées noutras missdes, sé um dos dois inquiridos possiveis respondeu A questdo. Afirmou que as motivagdes foram diferentes, uma vez que as anteriores foram cumpridas por imposigiio, embora defendesse os seus valores. Nesta miss&o houve uma iniciativa prépria, “ febre de viver” . © tipo de pessoas que escolhem ir nas missdes das Nagdes Unidas definido pelos seis respondentes, engloba pessoas com problemas monetaérios (um respondente afirma que o factor econémico tem um peso de cerca de 90%), problemas familiares adicionando a estes parametros iniciais a aventura. Apontam ainda o factor profissional para alguns casos (diferentes do da Policia Civil), ou seja a nomeagdo, como € 0 caso dos militares que jingressam por imposicio, fazem parte do contingente do seu pais e tém de estar dispostos a ir. Dois dos inguiridos d&o a sua opinido de como devem ser essas pessoas. Afirmam que devem ser pessoas conscientes do que vao fazer, com grande auto-disciplina, estabilidade emocional, bom senso, corajosas, destemidas e sem terem como prioridade a luxtizia, o conforto e todo o bem estar, para além de que devem ser pessoas que se adaptem com uma certa facilidade a circunstancias adversas. E por iltimo aparece ainda, embora em menor grau, as questées ideolégicas, ou seja, aquelas pessoas 17 @ ‘Tensiio Psicolégiea vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missio de Paz na Bosnia que decidem ingressar na misséo atendendo & defesa dos Direitos Humanos - Paz. Na situacio inversa, ou seja, o tipo de pessoas que preferem n&o ingressar em missdes desta natureza é constituido por individuos emocionalmente instaveis, facilmente impressiondveis, que desanimam facilmente bem como n&o gostam de grandes turbuléncias na sua vida, n&o gostam de viver situagdes limite. Incluem-se assim neste grupo os comodistas uma vez que na percepg’o dos inquiridos este tipo de missdes obriga-os a sair de casa, a passarem necessidades e a serem humanos, preferindo desta forma a estabilidade e a seguranga, pois n&o se aventuram ao ambiente de guerra, ao perigo. Sao ao mesmo tempo receosos. Tomada de decisao Na sua maioria, os inquiridos decidiram ou tomaram a decisio de ingressar na missio, pelo facto de hes possibilitar adquirir experiéncia profissional e lhes dar a possibilidade de ir conhecer outras terras, culturas, povos. No fundo, iam em busca de aventura. Um dos inquiridos refere a ambigdo. Dois deles mencionam a novidade e a curiosidade, isto &, sedugio por coisas novas. Indicam assim, o tipo de personalidade como factor facilitador na tomada de decisao. Outros dois inquiridos referiram ainda que a ideia inicial era a missdo de Mogambique, ou seja, © regresso as origens. Como isso n&o foi possivel, esta missdo foi uma alternativa. E por 8 Tensio Psicoligiea vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missio de Paz na Bosnia Wltimo, temos ainda um individuo que menciona a experiéncia passada como factor facilitador na tomada de decisio. No que respeita as reacgdes familiares existe unanimidade, quanto a primeira reac¢do que foi m&, isto é, de negag’o tentando mesmo desmotivd-los tendo em ateng&o que era uma misséo de alto risco, envolvia guerra (mortes, feridos, estrupiados, bombardeamentos, etc) e a ideia que a comunicagdo social transmitia ainda era pior. A este facto ainda se juntou a quest&o de ser uma missdo em regime de voluntariado e ndo obrigatéria. Por estas razdes um dos inquiridos nem sequer consultou a familia, diz que foi egofsta, tratou de tudo e sé comunicou depois, diz mesmo: “sabia de antemio, pelo conhecimento que tenho da minha mulher que se eu dissesse antes ela ndéo me deixaria, apesar de depois ter vindo a concordar e a apoiar-me” . Diz que também nio foi apoiado pelos pais. A segunda reaccio familiar, apés a decisdo tomada, também foi na generalidade igual. Todos eles, apés terem decidido tiveram apoio familiar, apoio esse que consideram muito importante e crucial para a sua estabilidade psicolégica e emocional. Referem a grande importancia que atribuiam aos contactos telefénicos que tinham com a familia, um deles diz: “Longe deles € que vemos a falta que nos fazem” . Um dos inguiridos refere ainda que a instabilidade psicolégica da familia o obrigaria a regressar, ou seja, essa instabilidade 79 ‘Tensio Psicolégica vivenciada pelos Agentes da P-S. "em Missio de Paz na Bosnia exerceria nele influéncias negativas; “De certa forma fui mais eu a apoid-los que eles a mim” . Gontextos e opinides sobre o trabalho No campo do contexto de trabalho, temos a questdo que se refere ao trabalhar na Policia Civil e nas forgas de paz; quais as suas diferengas. Todos os respondentes referem que so contextos totalmente diferentes. Enquanto que no seu pais, a Policia Civil trata de manter a ordem piiblica, sempre com os mesmos “procedimentos, pois os livros so os mesmos", na missio, forcas de paz, j& se trata de um dispositivo multinacional, em que se convive com pessoas dos mais variados pontos do globo, desde os escandinavos aos africanos, com pontos de vista de natureza técnica e processual diferentes (diferentes culturas, diferentes formagées), trabalhando todos para o mesmo fim. Trata-se de um trabalho mais psicolégico em virtude de estarem a lidar com pessoas de diferentes ragas e de diferentes culturas. Ndo tém qualquer poder de autoridade neste tipo de missdes, uma vez que no so portadores de arma, para além de serem vistos como uma forga de ajuda e ndo como poder de autoridade. Trata-se assim de uma questdo humanitéria: ajudar as pessoas numa situag&o conturbada, verificar se cumpriam e faziam cumprir os Direitos Humanos. As funcdes da missio mais apontadas esto relacionadas com a ajuda humanitéria: arranjar comida, roupas, visitar os 80 ‘Tensio Psicolégica vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missio de Paz na Bosnia presos, fazer transportes para o hospital, arranjar medicamentos, visitar escolas, etc. Aparecem outras fungSes tais como Relagdes Piblicas e de Ligag’o (estabelecer contactos com as diferentes componentes militares e civis das Nagées Unidas), Monitoria, Investiga¢do de Crimes de Guerra, Hlaboragéo de Participagdes/Queixas quando havia violagdes destes direitos, Negociacdes para trocas de prisioneiros e troca de caddveres, Arbitragem de conflitos entre as partes beligerantes. No que respeita a diferenga entre esta missdo e outras missées, temos o parecer dos dois individuos possiveis. Ambos relacionam esta misso com questées humanitérias. Nas outras missées, um deles diz que na Guerra do Ultramar desenvolveu e cumpriu acgSes de contra guerrilha. O outro diz que em Mogambique o seu trabalho era mais parecido com a fungao de policia, uma vez que a sua miss%o era basicamente operacional: controlar e dirigiz as patrulhas, receber os relat6rios, informar e instruir o pessoal sobre as diferentes crises que iriam acontecer. A descrigéo do ambiente de trabalho é referida pela maioria dos respondentes como um em que as dificuldades eram normais em situagdes de guerra: tenso de estar no terreno, tensées dos varios paises, falta de habitagio, Agua, luz, alimentag&o, comunicagées sabutadas, onde ndo havia grandes luxos e comodidades, ou seja, dificuldades ao nivel da satisfacio das necessidades bdsicas. Ambiente de guerra é 81 ‘Tensio Psicolégica viveneiada pelos Agentes da P.S.P. em Missio de Paz na Bésnia caracterizado por um inguirido como: “tragédia humana, chocante, milhares de pessoas sem comida, sem residéncias, mortes, feridos, medo do futuro e do presente - pressdo psicolégica” . Vivia-se num clima de sobrevivéncia, ou seja, amizade e luta pela sobrevivéncia em comum: “ Havia dinheiro, mas néo havia comida” . Para além destes factores, o clima é referido como mais ou menos bom, no que respeita a relag3o com © pessoal local e com os colegas. Embora houvessem alguns atritos entre as diversas nacional lades acabavam por ser muito pequenos comparados com a quest&o da sobrevivéncia. Um dos inquiridos refere que para alguns, a missio € apenas um ulo: paises escandinavos sio associados a arrogancia e prepoténcia. Quanto ao papel na missdo, todos os inquiridos referem em 1° lugar a representagio do seu pais, embora fossem representantes das Nagées Unidas porque envergam uma boina com o simbolo das mesmas Sao mencionadas frases tais como: “mostrar o que o portugués vale” “ orgulho em ser portugués - vai A luta, tem coragem, 6 imparcial e profissional” . De seguida, so apresentadas por trés individuos, as fungdes de arbitro, auxiliar e por um deles, a fungio de avaliador. Opinides sobre a colocagao, fixagao, estabelecimento e local de trabalho Segue-se 0 capitulo das colocagao, fixagio,estabelecimento e local de trabalho. Quanto A forma de viver durante misséo, no infcio quatro dos 82 ‘Tensio Psicolégica vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missio de Paz na Bésnia individuos viviam com familias, acabando dois deles por alugar um apartamento para eles e mais outro portugués. De uma forma ou de outra, todos eles passaram dificuldades normais de ambiente de guerra: falta de alimentos, falta de agua para tomar banho, beber, etc. Um dos inquiridos menciona que ia a rua buscar neve para derreter em cima do aquecedor e fazer café, " havia dinheiro mas As vezes faltava a comida” . Os dois inquiridos que viviam com as familias passavam estas dificuldades juntamente com eles, se havia comida, comiam todos, se ndo havia, ndéo comia nenhum, “Um p&ozinho por vezes sabia muito bem” . Somente um dos respondentes refere que nao passou grandes dificuldades, talvez pelo sector em que esteve. um dos individuos refere que fazia a vida normal: trabalho/casa/trabalho. Trés deles referem-se ao regime de trabalho que era intenso (12,14,16 horas por dia), no havendo fins de semana, apenas 6 dias de folga apés 30 dias consecutivos de trabalho. Referem que se torna desgastante e gera tensées. Os dois inquiridos que comparam esta miss&o com outras referem que o regime de trabalho era idéntico, 6 folgas apés 30 dias, embora o propésito da missaéo fosse diferente, acgdes de contra guerrilha. Um dos inquiridos refere que o ambiente com a populacéo era diferente, nao havia tantas necessidades bésicas, mas o calor humano era inferior. Refere ainda que no seu pais, s6 0 facto de ter a famflia perto muda tudo 83 ‘Tensio Psicolégica vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missio de Paz na Bosnia Quanto A ocupagio dos tempos livres, é de salientar que dois dos inquiridos na fase de adaptacSo, no inicio, nao salam de casa. Um deles refere que as pessoas se embebedavam e eram capazes de tudo, “brincavam com armas em vez de atirarem foguetes” , sendo assim, no inicio via televisio. Depois da adaptag&o, comegaram a criar uma vida normal e a desenvolver actividades apontadas pelos restantes individuos, tais como: ir ao café beber coca-cola e cerveja, fazer festas com colegas, trocar ideias, falar das diferentes culturas e profissdes, tomar banho no rio no Verao, ler, reunides em casa de quem tinha parabélica para ver as noticias, jogos de bola, festas nas despedidas. Um dos inquiridos refere que fora do seu turno, ficava com os colegas a ajudé-los, chegando a trabalhar 24 horas por dia. & de salientar que outro individuo referiu que nos 6 dias de folga aproveitava para viajar, conhecer paises da Europa Central e ir a casa por forma a no perder o equilibrio. No que respeita A opinido dos habitantes locais em relagio A Policia Civil e as Nagdes Unidas, todos os inquiridos respondem que de forma geral é boa. A Policia Civil 6 bem aceite pois significava ajuda, precisavam dela, nao andavam armados, viviam com eles, movimentavam-se no seu espaco, compartilhavam os seus préprios problemas, estavam juntos aquando dos bombardeamentos, o que acabava por criar uma certa empatia e relagées de familiaridade. No entanto, a relag&o dos habitantes locais com a Policia Civil também 84 ‘Tenstio Psicolégica vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missio de Paz na Bést dependia das nacionalidades, como refere um dos inquiridos “uma parte n&o gostava dos russos, os portugueses eram bem vistos” . Entre os inquiridos, dois deles fazem disting&o entre a parte servia, croata e mugulmana. Referem que os sérvios tinham uma atitude positiva e de carinho, bem como os mugulmanos que tinham uma grande vontade de serem ajudados e de que se arranjasse solugio para aquele problema. No que respeita aos croatas identificam-nos como antipaticos, agressivos, dificultavam quer o processo de reunificagao, quer a actividade diaéria da Policia Civil. Um dos respondentes diz que foi vitima da agressividade croata. Indicam todos eles a diferenga entre Poicia Civil e Militares. Estes Gltimos j4 eram vistos pelos habitantes locais de outra forma. Tinham armas e nao estavam em contacto directo com eles. Quando saiem dos quartéis, implica que a situagdo n&o est4 bem, dai j4 nao serem bem vistos. “ Em termos de Organiza¢io das NagSes Unidas, esta é vista num todo e como se costuma dizer pagam todos por um. A ONU ndo € bem vista em nenhuma das fases” Quando falavam em Forga de Proteccéo das Nagées Unidas, referiam-se & componente militar, embora fosse este o nome da missdo. Quando comparam 0 local de trabalho da missao com o local de trabalho aqui em Portugal, todos os inguiridos referem que é completamente diferente, a tnica coisa semelhante era o material de trabalho, casa, = secretaéria, © arquivos, computadores. Trés dos inquiridos indicam que o ambiente de ‘Tensio Psicolégica vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missiio de Paz na Bosnia trabalho depende das pessoas, davam-se bem com os colegas, apoiando-se mutuamente. C4 o ambiente de trabalho é mais frio, um deles refere que quando chegou nao conseguia compreender como € que as pessoas se preocupam com certa natureza de questdes, pois o tipo de problemas com que lidava 14 era completamente diferente, eram realmente problemas, ao passo que aqui, apesar de tudo correr bem, as pessoas sentem necessidade de criar alguns obstéculos e inventar alguns problemas, porque nao existem outras preocupagées maiores a absorver o seu tempo. Outro dos elementos diz que em Portugal nfo existe ambiente de guerra, € mais pacifico, embora na misso em termos das Nagées Unidas tenham tido todos os meios para cumprir a miss’o, apesar de o seu local de trabalho sofrer os reflexos do ambiente de guerra. Refere ainda que o local de trabalho noutras missdes foi pior que o desta missdo. Enguanto na Bésnia havia populagéo e alguma vida normal, em Africa era s6 mato. 0 outro inquirido que esteve em Mogambique diz que o seu local de trabalho era muito grande, nao estava mal. Quando se perguntou se estavam preparados para ingressar noutra miss&o, temos dois inquiridos que respondem prontamente que ndo: “Neste preciso momento nfo” . Alegam questées de trabalho, n’o gostaram do que estiveram a fazer - Relacdes Piblicas - sentiam-se um pouco infiteis. Os restantes quatro (66.4%) respondem com convicgao que sim, inclusive dois deles 8 ‘Tensio Psicolégica vivencinda pelos Agentes da P.S.P. em Missio de Paz na Bosnia no est&o 14 porque ainda nao os chamaram, pois ja se ofereceram de novo. Interacgdio social No que respeita a interacg&o social questionou-se sobre as relagSes sociais; interacg%o dos agentes em andlise com os habitantes locais, autoridades locais, Policia Civil dos diferentes paises e com os colegas do seu préprio pais. Em relag&o aos habitantes locais, as relagées foram 6ptimas, inclusive dois deles indicam que fizeram amigos. “ Trata-se de relagées amigas, cordiais, éptimas” . Quanto as autoridades locais referem relagées de cooperag&o e na generalidade boas. Contudo, um deles, diz que as autoridades locais tratavam as pessoas consoante o pais. Com os portugueses a relago era boa, era de ajuda no que fosse preciso, ao passo que com os franceses por exemplo, j4 eram reticentes pois estes estavam envolvidos na guerra, aqui as relagées j4 nao eram to boas. No que diz respeito A relagSo com a Policia Civil de outros paises, na generalidade era boa, cordial e amiga, embora as diferencas culturais fossem acentuadas, bem como o espirito com que os diferentes elementos dos diferentes paises vio para esta missio, notando-se tipos de atitudes muito diferentes entre elementos de varios paises. A relag&o com os paises mais desenvolvidos , nérdicos, era uma excepg&o, ou seja era negativa, pois estes so profundamente racistas (de 87 ‘Tensio Psicolégica vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missio de Paz na Bosnia acordo com as palavras dos inquiridos), desenvolviam acgdes contra os colegas que consideravam inferiores quer por palavras quer por atitudes. Desta forma as relagdes a nivel profissional com os nérdicos eram impossiveis, a nivel pessoal eram mais ou menos possiveis. Respeitante aos colegas do proprio pais, todos referem uma relag&o éptima, de amizade e cooperagio. Um dos inquiridos refere que dentro do contingente portugués o espirito era extraordinario, conseguiam, apesar da disperséo territorial, manter um elo de ligagdo que fazia todas as pessoas sentirem- -se bem e apoiadas na medida do possivel. Quanto A questéo do espirito de equipa, todos os respondentes destacam o seu contingente, dizem que dentro do contingente portugués existia um espirito de corpo bastante acentuado, uma certa unido, para ultrapassarem de certa forma quer as dificuldades préprias da miss, quer as dificuldades que por vezes apareciam devido As diferengas culturais. Um dos inquiridos diz “Bu nao conheci outro contingente com maior espirito de corpo que o nosso, isso é reconhecido pelos outros contingentes” . Dentro da Unido da Europa Ocidental (Forga Militar da Unido Europeia), afirmam que existia uma identificacao, talvez por serem policias, e o &xito da missdo depender da cooperagao entre os elementos, mas havia alturas em que os principais objectives da missio raramente eram conseguidos, o que levava a frustragdo, e de alguma forma fazia com que o espirito de 88 ‘Tensiio Psicolégica vivenciada pelos Agentes da P.S, em Missiio de Paz na Bosnia equipa fosse menos forte, mais esbatido. Existia sim, um espirito de trabalho em equipa. Um dos inquiridos responde Gesgostoso que era suposto haver uma miss’o com objectivos comuns - Defesa dos Direitos Humanos, e ficou chocado, pois diz que existia uma preocupagdo com a guerrilha interna dentro da Instituigao, luta pelo poder liderada pelos nérdicos enquanto a missdo era posta de parte. Neste sentido, outro dos inquiridos responde que existia grande espirito de equipa exceptuando os paises predominantes: Dinamarca, Holanda, Noruega que enveredavam pelas guerrilhas internas. Diferentes periodos e fases da SA0 Quando se questiona sobre as fases pelas quais passa um individuo durante a missdo, todos referem uma primeira fase de mais ou menos trés meses e que lhe chamam de adaptacdo. B a fase em que se anda as “ apalpadelas” , em que se procura uma forma de estar, de fazer as coisas, em que tudo é novo, em que se conhece novas pessoas, novas gentes, novas formas de trabalhar, em que se vio habituando as regras que existem, procura-se também um local para ficar bem como conhecer a Area. Dois dos inquiridos referem que esta fase € motivante, de agitagdo e passa depressa. Depois temos a fase de integragdo a que alguns chamam de desenvolvimento, ou seja, 6 a fase em que realmente comecam a desenvolver trabalho, de acordo com os conhecimentos que adquiriram. & uma fase apés adaptacio e compreensiio dos 86 ‘Tensio Psicolégica vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missio de Paz na Bés objectivos em que se tenta arranjar uma solugdo. E nesta fase que as opinides se dividem: trés individuos gostaram desta fase pois estavam a realizar um trabalho que lhes agradava, sendo por isso uma fase gratificante. Para os outros trés, que desenvolviam trabalhos monétonos, rotineiros e n&o se sentiam Giteis ndo foi uma fase mito agradavel. E finalmente temos uma 3* fase, de mais ou menos trés meses, fase final, a que uns chamam de regresso a casa, outros dizem que passam pelo sindroma final da missdo,e outros dizem ainda que € a fase da impaciéncia, pois sabem que vaio regressar a casa e j4 ndéo lhes apetece fazer nada, alegando que n’o é sé com eles, mas que se passa com todos os participantes independentemente da nacionalidade. Um dos inquiridos refere que o sindroma final da misséo, é uma fase em que as pessoas ficam com saudades antecipadas das pessoas com que conviveram, diz que talvez o aspecto mais penoso seja fazer amigos em véo, pois néo sabem se os vdo voltar a ver. Outro diz que € triste deixar os amigos. Temos ainda outra opinido, em que um individuo caracteriza a 3*fase como desilusio. Diz que a influéncia foi praticamente nula, os resultados obtidos pela Policia Civil foram limitados, nao conseguiram impedir a violagdo dos Direitos Humanos. Incidentes criticos No que se refere 4 anélise dos incidentes cr{fticos, relativamente a situagSes evocadas graves, dificeis ou 90 ‘Tenso Psicolégica vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missio de Paz na Bésnia perigosas, quer bem quer mal resolvidas, ha cinco casos em que as situagdes relatadas se referen ao servigo de patrulha (41.7%), servigo diério dos agentes, seguidas de trés situagSes de guerra (25%) e apenas um caso é apontado no local de trabalho, esquadra (8.3%). Note-se que trés individuos n&o relataram situagées mal resolvidas (25%). A situagio de patrulha é a mais referida, tendo em atengdo que fazia parte do servigo diario dos agentes, eram por isso as situagdes a que mais se expunham, logo seguidas das situagdes de guerra que faziam parte do préprio ambiente, da sua envolvente laboral, pois foi essa a razdo da criagdo da missio no sentido de estabelecer a paz. & nestes dois parametros que os sujeitos se encontram mais propensos a situagdes geradoras de stress em que os “ strains” s&o fortes © 0 nivel de emogéo sentido é muito intenso e de grande impacto. Dado o seu envolvimento e a sua vivéncia s&o situagdes mais faceis de recordar. A descrigio relativa a situagéo vivida na esquadra (local de trabalho) ndo tem grande significado, apenas um relato em seis. Embora os individuos também estivessem sujeitos a situagdes geradoras de stress e a “ strains" fortes (conflitos entre colegas, situacées mal definidas, falta de competéncia de alguns, comunicagdes fracas, incertezas), no local de trabalho - esquadra, estas situagdes eram mais susceptiveis de acontecer nos locais acima mencionados (bombardeamentos, 91 Tensfio Psicoldgiea vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missio de Paz na Bosnia assaltos A mo armada, sequestros, minas, tiros, negociagdes constantes, corpos mutilados, etc) . A maioria das causas sdo externas, oito casos contra um em que as causas sdo internas e aparecem numa situacdo mal resolvida. S6 um dos individuos é que indica que teve uma vivéncia anterior de situagdes semelhantes a estas pois ja tinha estado numa outra miss&o em Mogambique. © grau de preparacio para este tipo de missdes é mais do foro psicolégico pois nas seis situagdes verificadas em que os agentes xeferem que iam preparados, todos dizem que iam preparados psicologicamente, mas a realidade é diferente. Nota-se uma certa necessidade de mais preparagao técnica, para além da psicolégica. Aparecem duas situagdes em que os individuos referem que nao estavam preparados/prevenidos, dizendo que se sentiram revoltados nessa altura. No que respeita as responsabilidades, verifica-se que na totalidade dos casos referidos (7 casos) estas sdo atribuidas aos outros, quer sejam situacdes bem ou mal resolvidas, o que de certa forma est& de acordo com o espirito da missio pois estavam 14 para ajudar a pacificar e nado terem qualquer tipo de iniciativa em nenhuma accao. Contudo, a resolugio dos incidentes deve-se mais & intervengao do préprio (juntamente com os colegas - 5 casos - atitude de auxilio, unidos partilhando a mesma ideia) que dos outros, nomeadamente dos superiores. 86 num dos casos é que houve um comportamento de auxilio por parte dos superiores, 92 ‘Tensio Psicoligiea vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missio de Paz na Bésnia mencionado numa situagéo bem resolvida. Nos restantes casos n§o intervieram, 6 referido pelos agentes que agiram por conta e risco e s6 podiam contar com eles (8 casos). Esta situag%o também tem a ver com as caracteristicas da missio, pois nas situagdes de patrulha os superiores levavam muito tempo a chegar ao local, e nesse entretanto os agentes iam negociando e resolvendo. Quanto A actuagéo do chefe, quer nas situagdes bem resolvidas, quer mal resolvidas, as opinides dividem-se entre previa (3 casos, sendo 2 das situagdes bem resolvidas) e nao previa (2 casos, um para cada situagio). Para os casos em que nio previam, alegam que estavam a espera que alguém desse solugao para um dos casos, e para o outro acham que deviam ter colocado alguém com conhecimentos da matéria que estava a ser tratada (tr€nsito). Estas duas situagdes tém a ver com a estrutura da propria missio em que est&o envolvidas muitas nacionalidades, com culturas e formas de actuar diferentes e com os superiores constantemente a rodarem, logo nao existe uma estabilidade por parte da orientagio superior. Tendo em ateng&o este factor, talvez seja esta a justificagéo para o facto de a maioria dos casos terem sido resolvidos por conta e xisco sem intervencdo dos superiores. Em doze situagdes possiveis (bem resolvidas e mal resolvidas), temos apenas dois casos em que a admiragdo e estima para com o chefe diminuiu, ambos nas situagdes mal 93 ‘Tensio Psicolégiea vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missio de Paz na Bésnia resolvidas, um caso em que se mantém igual e os restantes nao foram relatados. Na generalidade, a ligagéo ao grupo nfo é afectada negativamente, excepto um caso (8.3%) em que refere que apenas durante alguns dias a sua ligag&o ao grupo foi menor, pois nao defenderam o que era para defender - a Instituigao, contra cinco casos (41.7%) em que a ligag&o aumenta e trés casos (25%) em que se mantém. Os restantes dois casos (16.7%) nao foram relatados. A forma de lidar com os outros também nfo foi alterada. No entanto, note-se que um individuo numa situagdo mal resolvida, refere que n&éo alterou a forma de lidar com os outros s6 por questées de sobrevivéncia, pois tinha de manter a neutralidade. Quer a situagdo fosse bem ou mal resolvida, temos seis casos em que os individuos referem que essas situagdes o afectaram pessoalmente (trés casos - bem resolvida, 3 casos - mal resolvida). Tanto numa situag&o como noutra, os individuos dizem que perderam o apetite, o sono, se sentiram chocados, pensativos, pensavam nas coisas A noite, e um dos individuos, na situagio mal resolvida, refere que se sentiu revoltado, sentiu-se impotente. Quanto a motivag’o para a fungdo, esta aumentou nas situagdes bem resolvidas, trés casos e um em que esta se manteve. Nas situagdes mal resolvidas aparece um caso em que a motivacio diminuiu, o individuo alega que nao estava no 94 ‘Tensio Psicolégiea vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missi de Paz na Bosnia terreno para defender interesses politicos, mas sim Direitos Humanos. Os restantes, ndo foram relatados. A motivagao nos casos bem resolvidos determinam uma satisfa¢io pessoal muito grande em que 0 individuo se sentiu itil, com mais forga e maior poder de decisao. A confianga em si préprio alterou-se, ficou mais forte em quatro dos casos, contra trés em que se manteve. Nos casos em que aumentou, os individuos xreferem que ganharam auto- confianga para enfrentar certas situagdes e vdo adquirindo uma experiéncia que se vai acumulando, e Ihes sera Gtil no futuro. Quanto A alteracéo da confianga nos outros, sido referidos quatro casos em que trés deles sao em situagSes positivas e af alterou de uma forma positiva, ao passo que na situacdo mal resolvida, verificou-se o oposto, alterou de forma negativa, passou a no confiar nos outros. Quanto As repetigdes do caso, apenas temos quatro casos mencionando que é possivel que volte a acontecer e referem-se todos eles a situagdes positivas. Finalmente no campo das consequéncias destas situagdes para a carreira, todos eles (dos oito casos relatados) referem que sio nulas. Em Portugal nao existem louvores a nivel das missdes. Existem apenas cartas de reconhecimento mas até entdo ainda nfo sabem se lhes trazem ou podem trazer algum peneficio. Referem que Portugal e mais dois ou trés paises é que n&o usam este tipo de situagdes, pois alguns dos paises inclusivamente tém promoges consoante o desempenho que ‘Tensio Psicolégica vivenciada pelos Agentes da P.S.P. em Missi de Paz na Bosnia tem um bom demonstram pelo seu pa: Se o individuo desempenho, e se este € reconhecido internacionalmente ddo-lhe incentives. Um dos individuos refere que neste campo ficou desiludido, n&o ganhou nada em termos de carr as Dificuldades e problemas da missao Questionémos se 08 episddios relatados = foram comodativos/stressantes e quatro dos inquiridos deram a sua opinido. Um deles refere que foram stressantes, néo o ambiente de guerra, o risco de vida, mas sim a tragédia, 0 roubo, a desgraga consequente da guerra, para além do jogo politico internacional. Diz que estes cenérios se tornaram * traumatizantes e incomodativos” . Outro dos inquiridos afirma que s&o incomodativos, “mexem connosco”, e€ stressantes todos, * tudo ivido em cima do joelho, nfo da para prever nada” , “Incerteza do que vai acontecer a seguir’ . EB por Giltimo, dos outros dois inquiridos, um deles refere que nado foram muito stressantes pois estava num sitio sem grande turbuléncia, s6 havia bombardeamentos a 20 kms, existia apenas um pouco de receio. © outro diz que geram um bocadinho de stress, mas nada de especial; diz que os niveis de stress se equiparam aos niveis vividos dentro da policia portuguesa. Factores de stress No capitulo da informagio sobre a operagio em si, os individuos so dispares nas suas respostas, uma vez que dependia muito do local onde se encontravam e das fungdes que

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