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HISTORIA DAS IDEIAS PENAIS NA ALEMANHA DO POS-GUERRA* RESUMO Winfried Hassemer** Trata o presente trabalbo do estudo da epistemologia aplicada a teoria do direito penal na Alemanba do pos- guerra. ABSTRACT This paper focus on the study of epistemology applied to crininal low theory in post-war germany 1. DEPOIS DA GUERRA E DEPOIS DOS NAZISTAS 1. Cicatriz e esquecimento ‘enhuma praxis juridica € nenhuma concepgio do Direito foi amesma ap6s 1945. Esta verdade ‘no é menos elogtiente por ter sido apenas aos poucos percebida, nem pela circunstancia de que, por ‘exemplo,em 1968, oabismoem relagio, 2.1944 parecesse mais profundo que em 1948. Pelo contrério, os estragos da era nazista foram de tal extensio, que's6 com o tempo e muito esforgo eles puderam, ser percebidos ¢ compreendidos em toda a sua gravidade' Isto no quer dizer que aera nazista tenha como surgido de surpresa no horizonte de um ** Prof. Dr. em Direito Penal da Universidade de Frankfurt, Julz Federal do Tribunal Constituctonal da Alemanba: Revista Pensar/FortalezaWV. 4(N° 4/PS-SO/JAN. 1996 5 dia para o outro ¢ da mesma forma desaparecido sem deixar vestigios: obviamente cla foi preparada, gestada, e ainda sobreviveu por algum tempo de miltiplas formas?. Isto apenas evidencia que, se por um lado, a prixis ea ciéncia juridicas foram profundamente marcadas pelas vicissitudes da era nazista, Por outro lado, estas vicissitudes ‘do foram inteiramente apreendidas de um s6 fdlego. Nés mal comecamosa processar este pasado © a descobrir suas cicatrizes em Nosso presente. Seja apenas marginalmente anotado que esta tarefa, ao menos aparentemente, vem sendona atualidade transposta Para os julgamentos dos fatos relacionados com ex-Reptiblica Democritica Alema. Este bindmio de cicatriz ¢ ‘esquecimento dificulta extraordina- riamente uma segura exegese do Pés-Guerra (e, por conseqiiéncia, também dos periodos sucessivos) © sugere equivocos e falsas conclusdes. Acrescente-se que a anilise precisamente desta etapa de nossa historia deve ter em conta interesses acentuados € contri vertidos sobre os possivei resultados: muita coisa dependeu 1s. do T: Artigo tradusido do original alemdo por Carlos Eduardo Vasconcelos, procurador da Reptblica, doutorando em processo penal na Universidade de Frankfurt, Adoerténetas quanto @ tradusao: na redardo procurou-se guardar fidelldade do estile do aston {endo tradutor optado por tradugies Mterats ou deseritinas de conceltos ainda desconbectieg da tteratura juridica brasileira, segundo parecesse melbor @ clareza, «pelo emprego de termos consagrados na doutrina penal brastletra, ainda que ndo correspondecsen 'Weralmente ao original alemdo. Nomes de érgdos jurtadicionats « de diplomas legals Joram tradueldos pelos equivalentes brasileiros, quando possivel, mantendoe @ vig (0 abrevtagdo alema quando ocorrente (ex: 51GB, Cédigo Pena, SIPO, Cidigo de Processo Penal; BGH, Supremo Tribunal Federal; OLG. THbunal Superior Estadual, cegutde da ‘ldade sua sede; etc). Nas notas de rodapé, as referénctas bibliogrdficas forum transcriies fntetramente no original, inclusive indicagdes de pagina, e outnas destinadas a bene ‘Quando pareceu iti! @ compreensio do tema abordado ou interessante para qite © lelfor de lingua portuguesa se inteirasse dos temas discutidos pelos penalstas e ermondtoges alemaes nas distintas etapas bistéricas, 0 tradutor forneceu tradugdo lore dov talon de artigos, revistas ou livros, entre |. Stelas de pertddiene reportérion de porlprustencns Joram meramente transerttas, No final do texto, vejarse nora do tradutor indicando ‘algumas publicagdes do autor traducidas para o espanbol ou portuguee 4, Instrutivo a propésito, no campo do Direito Penal, uma das primetras exposigbes criticas em Eb SCHMIDT, Emfubrung in die Gescblebte der deutschen Strafrecbispflege 1 Aufl. 1947. 3. Aufl. (1965). §§ 345ff. sob 0 tMtulo “Der Zusammenbruch der deuterben Strafrecbispleg ¢ im nationalsozialistisch-totalitaren Staate” ["O desmoronamento da tutela penal alema durante o Estado totalitarlo nacfonat-soctalise') 2. Esta visto fol elaborada para 0 Diretto Penal especialmente por NAUCKE. Cf. (sobre 0 ‘método) Tendenzen in der Strafrecbtsentwtcllung. 1975. 5. 14 ff, (sobre w queside Propriamente) Uber Generalkiausein und Rechtsanwendung im Strafrecbt [Sobre ltuulax ‘genéricas eaplicagdo da let no Direito Penal}. 1973. Off: Entutekiungen der allgemetners Politik und der Zusammenbang dieser Politik mit der Refom des Strafrecbts th dor ‘Bundesrepublik Deutschland [Desenvoloimentos da politica geral e suas relagbes com a ‘eforma do Direito penal na Repiblica Federal da Alemanba), in: W. HASSEMER (rn, Strafrecbispolitth [Politica do Direito Penal), 1987. 8 25 6 Revista PensarFortaleza, 4° 4/7, &.5QUAN. 1996 edepende do resultado da anilise’ Se tudo isto nio bastasse, ainda convém arrematar que os mencio- nados obsticulos 4 compreensio do pés-guerra incidem acentua- damente sobre a seara do Dircito Penal, sua priixise também sua teoria. Questdes como as normas fundamentais vigentes neste campo, penas corporais e a moral do dia- dia suscitam 0 interesse das pessoas pelos aspectos penais da discussio Assim, descle que se considerem todas as ressalvas indicadas, parece- me que nao é (ainda) possivel extrairem-se teses definitivas sobre ‘0s efeitos da era nazista para o Direito ¢ as ciéncias penais‘, O risco de Fepresentacées grandiloqientes, porém falsas, € enorme. Em vez desta pretensio, melhor serd ater- se ao que salta aos olhos ¢ dai tentar prudentemente extrair algumas conclusoes. 2. DELATORES E JUIZES sta trilha mais modesta permite ‘em todo 0 caso 0 exame de viriat questées. Apés 0 colapso dz denominacao nazista 0 fim di Guerra, aflorou no campo do Direite Penal um problema de ordem pritica ‘que reclamava urgente solugio. Este problema s6 era teoricamente solucionavel por um caminho especifico. O problema e sua colaboragio teérica conduziram inevitavelmente ao classico dilema do Direito (penal) durante ¢ aps 0s periodos de ilicitos legais’. Refiro- me ao problema, para usar uma expresso atual?, dos "delitos da velha ordem", eA impossibilidade de processi-los sem lancar mao de Principios juridicos supra-positivos. Depois da Guerra © dos nazistas, principalmente a praxis *. Apatronada analtse dos anos 1945-48 sob o titulo “Irtimer und Ilustonen (Equivocos «¢ ilusdes’), em Dieter SIMON. Zasiiren nach 1945. Essays sur Poriodislerrung der deutschen Nachbriegigecbicbte (Rupturas apes 1945 Ensatos sobre a periodizaydo da bistoria stem do pésGuerra}. 1990. 8. 153% ‘Um forte argumento para justificar esta cautela afigura-se-menosconteidos diversficados do conereto de “positivismo juridico” antes, durante e apés Guerra, sempre aprewntados ‘como certexas inquestiondvets. Exemplos e demonstracées em LAAGE. Die huscinandersetsung, sum den Begrif des gesetzichen Unrecbis nach 1945 {A controvérsia em tormo do conceit de Wicito legal apas 1945], tn: KJ 1989, 409ff+ Manfred WALTHER. Hat der jurteticbe Posttivismus die deutschen juristen tm “Dritten Relch” webrios gemacht? [0 povliletome uridico tornou os jurlstas alemaes indefesos mo “Il Relcb'), in: DREIREISHLLERE (rag), Recht und Justis im “Dritten Retch”. 1989. 8. 323ff As discussoes partem do fumeco tratado de Gustav RADBRUCH sobre Gesetzgches Unrecht und bergetetrticher Recht Mlictto juridico e Diretto supra-legal] (JZ 1946. 105ff, ctualmen ‘in RADBRUCH. Gesamiausgabe [Obras completas] 3. Rechtspbilosopble Il 1990. &. Sif). 4. Gf SAMSON, Die strafrechtliche Bebandlung von DDR-Alttaten mach der Einigung Deuiscblands (A elaboragado penal dos delits da velba ordem da RDA apés a unificagds da Alemanbal, ine NW 1991. 3350. Revista PensarFortalezaW, 41M? 4P.5-5QUAN, 1996. 7 penal e a doutrina penal voltada Para a Teoria do Estado ¢ para a Filosofia do Direito descreveram esse dilema e procuraram uma saida’, (O dilema criatalizou-se em sua forma ‘mais pura em duas direcées: a punibilidade dos delatores cujos informes expuseram os denunciados Avioléncia estatal’ e a punibilidade dos juizes que aplicaram "leis injustas’ entao vigentes*. fizeram mais que os funcionérios da execugio penal e os carrascos € “funcionérios” dos campos de concentragio na etapa subseqiente _simplesmente ‘cumpriram a situacio juridica entao vigente?. Se no hi, além ou acima desta "situacdo juridica’, nenhuma fonte do Direito, mas apenas "sentimentos” juridicos, opiniSes subjetivas ou convicedes bascadas ‘em fatos, entdo 0 problema juridico dos delatores e juizes criminais fica “resolvido", antes mesmo que cle Possa teoricamente ser formulado. Mas nio somente o Direito Penal da Republica Federal da Alemanha - na pratica em maior extensio que na teoria”®- ocupou- seda criminalidade violenta nacional- socialista por décadas. Também 0 Direito Constitucional viu-se A estrutura do problema é idéntica em ambos os casos. Quem nao estiver disposto, pelas mais variadas razdes, a reconhecer uma diferenca entre lei (positiva) e Direito Gusto), nao consegue discutir 0 fendmeno, nao consegue mesmo vislumbrar comoa punibilidade possa ser fundamentada, ndo consegue sequer ver onde esti 0 problema. Afinal, 0 delator e 0 juiz nao “ Instrutivo a este respeito 0 nimero espectal do SZ de marco de 1947, sobre ‘Humantatsverbrechen und thre Bestrafung [erimes contra a Humanidade e sua apenay20} ‘com coniribuigdes de v. HODENBERD (L13ff). A. WIMMER (123{f), e RADRUCH (1318). 7, Paradigmdtico a propésito, decisdo do QLG [THbunal superior estadual] Dresden. 2 1947. 519, com observagdes de HENNERA. 522 (Zur Strafoarkelt der denunstation als Verbrechen gegen die Menscblicbkeit™["Sobre a punibilidade da delacdo como crime contra a bumantdade'). 8. Paradigmético a este respetto, COING, Zur rage der strafrecbilichen Haftung der Richter far die Anwendung naturrechtvwtdriger Govstea [Acerea da reiponaub lle Penal dos julzes pela aplicacdo de lets contrartas ao Direito Natural), iw Se 1947, 61, © artigo discute 0 trabalbo de RADBRUCH. Thesen 2u gesetslichem Unrecht wnd ‘bergesettichem Recht [Teses sobre o Hlicio legal e 0 Direito supra-egall. (S72 1946. 105). 9. Boldentemente pode-se encontrar esta mesma estrutura de problema também boje, no ‘ocante a punibilidade dos expides da antiga RDA. A polémica nao se estabelece em torno dda situago juridica no dmbito de vigencla do SIGB [Codigo penal da Repiblica Federal da Alemanba, que passou a reger toda a Alemanba apo a unficagdo com algumas ressalvas, isto & razoavelmente claro. O problema constste mais em saber se € Ictto ‘orrigir wma sttuacdo juridica com base em principlos supriclegais e quals seriam estes principios. Vale a pena observar as diferentes solugoes adotadas pelo BGH [Supremo Tribunal Federal ¢ pelo KG [Tribunal Superior de Berlim] sobre a mesina controvérsia Juridica, uma em maio, outra om julbo de 1991. Jus 1992. 810. 10. Mats detidamente a propdstio. H. JAGER. Verbrechen unter totalitdrer Herrscbaft ‘Srudten zur nationalsonalistschen Gewalthrininalitat [Crimes sob dominagdo totalltdra. Estudos sobre a criminalidade violenta naclonal-socialista). 2. Aufl. 1982. 8 Revista PensarFortaleza/V. 4° 4/7. 5-5QUAN, 1996. ‘obrigado aacercar-se do problema'" io obstante, as reflexes resultantes deste acercamento influenciaram ‘© Direito Penal proporcionalmente menos! quea preocupacio acerca de um Direito supra-positivo, cuja base e medida pudesse servie para ‘uma critica 2 legislagio e & praxis juridica nacional-socialistas, ou seja, a indagacio exemplificada com a punibilidade dos juizes criminais dos delatores. N6sa discutiremos a seguir sob o titulo de "renascenga do. Direito Natural", onde apontaremos vigorosas conse- qiéncias do dominio do Direito Penal e ciéncias afins. 3. RENASCENCA DO DIREITO NATURAL Sempre que "reavivamento", “retorno” ou "renascenea" do Direito Natural daqueles tempos sio hoje comentados numa escala que vai doazedume ao deboche, simplifica- se 0 fendmeno e perde-se de vista asituagio ideolbgica do pés-Guerra. £ certo que a pretenséo a uma seguranga supra-positiva produziu precisamente na seara do Direito Penal um tipo de fundamentacio juridica absolutamente inconcebivel c inaceitivel numa sociedade secular, porquanto impede prematuramente ‘uma critica objetiva da matéria. Sobretudo 0 malsinado 6° volume do repertério de decisées do BGH (Supremo Tribunal Federal) em matéria penal oferece um manancial de exemplos contendo este tipo de fundamentagio™. Todavia, é preciso desde logo evar em consideracio o fato singelo de que, em 1954, quando os acérckios 11. Proeminente exemplo 6 a postertor supressdo da prescricto para casos de homlctdio ‘qualificado ¢ genocidio. A esse respelio. LODERSSEN. Polite Grenzen des Rechts ~ Rechiliche Grenzen der Poll [Prontetrar politicas do Direlto- frontetras juridlcas da Political, tn: 0 mesmo. Kriminalpolitte auf versblungenen Wegen [Politica criminal em ‘caminbos tortuosos]. 1981. S. 143{f, assim como os sequintes artigos na ZRP de 1979: VOGEL (1). BYRICH (49), MAYHOFER (81). Klein, BAUMANN, LEWALD (145(). 12, Como se pode dedusir em JAGER. Verbrechen unter totalitdrer Herrschafy, a partir da ripria sgiéncta da exposiedo, as influénctas mencionadas estendem-se substanclalmente ‘aos seguintes campos: autoria e participagao, obediéncla blerdrquica, conscléncla da ‘antijuriedade, punblldade do genocidio « de ator preparatirtos para a guerra. 13, Rat desig saben aden on ree the Diet (lnc renal) corn kor ‘ou menor propriedade. Sew estudo sistematico ¢ objeto da Filosofia do Direito, onde ‘matores pormenores poderdo ser consultados, como por na obra de U. NEUMANN. U4, Refirovme ds duas decisoes sobre a punibilidade do lenocinio (BGHSt 6.46) ¢ da articipagdo na tentativa de suicidio de outrem (147). Ambas foram proferidas pelo Grolien Senat [Grande Camara} do Supremo Tribunal Federal « dam com filgranas do problema com uma certa brutalidade, Bim espectal a "Let Moral. que a ordem Juridica nnormativa incorpora em estrutura e felgdo de lel (e cujo conteiido, aparentemente, era facilmente acessivel ao colegiado julgador), serotu de fundamentacao simplisia aos dots ‘acérdaos condenatérlos, sendo vejamos: "A ordem moral quer que as relages entre os ‘sexos se reallzem basicamente em Jorma monogdmica porque 0 sentido e 0 efelto destas relagbes sd0 08 fbos"(53). "Jd que a Lat Moral enfaticamente desaprova 0 euicidio-salv, talves, extremas excecoes ~, ¢ jd que ninguém pode, autonomamente, dispor de sua ripria vida e darse 4 morte, também nao pode o Direito recorbecer que a obrigagdo de ‘ajuda do torceiro soja menos relevante que a vontade moralmeate reprovdvel 40 sulclda de morrer'(153) FRevista Pensar/FortelezaW. 4/NP 4/P.5-50JAN, 1996, 9 foram proferidos, a situacio ideol6gica da Alemanha ocidental era completamente diversa da dos fins dos anos 40. Na verdade, 05 julgados da Grande Camara do ‘Tribunal, tio profusamente citados, nao documentam a desesperada ‘busca de um fundamento normativo ‘supra-positivo capaz negar validade 20 ilicito manifestado sob a forma de leis positivas com argumentos teoricamente aceitéveis". Mais apropriadamente, cles documentam ‘mofo normativo dos anos 50: uma atitude de domingio ignorante, do ponto de vista da Teoria do Conhecimento, ingénua, do ponto de vista da Filosofia dos valores, einsensivel, em relacio a avaliagées inovadoras ou desconhecidas. Apés a Guerra ¢ os nazistas, outras exigéncias mais imediatas foram dirigidos a Filosofia do Direito © a0 Direito Penal'*. Abstraindo- se, por um momento, a tarefa de se encontrar bases de aio ¢ de avaliagao que pudessem ser adotadas apés 0 nazismo e nao renegassem as experiéncias vividas em doze anos + € nesta tarefa se empenharam todos", defrontaram-se os juristas, sobretudo os penalistas, com um problema urgente ¢ incontornavel de Direito Natural: os delatores nio haviam mentido, os juizes haviam aplicado as leis penais formalmente vigentes lege artis, mas o resultado obtido exibia um verdadeiro escémnio, diante da mais despretenciosa acepgio de proporcionalidade, lealdade ou dignidade humana. Veja-se o mesmo problema por ‘um outro lado, a conduta dos juizes: se € justificdvel que somente a decisio judicial frontalmente desvirtuada da interpretacio juridica geralmente acatada (justa?) possa materializar a modalidade de Prevaricacao definida no § 336(*) do StGB = pois do contrario a independéncia do juiz nao seria Preservada -: se é justificvel” que © § 336 do StGB atue para o juiz como um sucedineo de outras 15, Rara uma abordagem sucinta e critica da furtsprudéncia fundada em argumentagdes Jusnaturaltstas. RUPING. GrundriB der Strafrechtegescbichte, 1981, § I11ff 16. Pormenores em Arthur KAUFMANN. Die Naturrechtsrenaissanceder ersten Nacblertegrjabre und was daraus geworden ist [A renascenca do Dirsito Natural dos amos do pos Guerra © que dela restou), in: Festschrift fir Gagnér, 1991. S105, 17. Isto pode ser bem percebido na vida e no pensamento de Gustav RADBRUCH nesta ‘poca, Suas concepsoes politicas, praxis didrta, teorla do conbectmento # filosofua de Vida sd0 euldadosamente descritas por Arthur KAUFMANN. Gustav Radoruch, Pbtlowpb, Soslaldemokrat. 1987. §. 147-167. 18. Argumentagdo e justificattoas om BGHSt 10. 294 (289f), (2) do T: § 336 StGB: Um julz de Diretto, um outro servidor piiblico ou sem juts ‘arbitral que, na conducdo ou na dectsao de uma causa, praticar uma vlolagde de Direito em bensficio ou em prejulzo de uma das partes serd condenado com pena rivatiea da Uberdade de um a cinco anos. 19, Limttes de aplicagao deste principlo em BGHSt 2. 173 (I75{f), acbrdao de 12.0252 10 Revista PensarForteleza/V. 4° 4/7. &-5QUAN. 1996. figuras penais de algum modo relacionadas com respectiva sentenca judicial - pois do contrério a independéncia do juiz ver-se-ia corroida diante de hipéteses como homicidio qualificado, lesées corporais ou carcere privado -entio, © resultado insuportével” é que a justiga penal, a final de contas, absolve-se a si mesma de sua participagio criminosa no terror nazista. Por conseguinte, a inclinagio do Direito Penal para certezas jusnaturalistas, tanto na doutrina quanto na praxis, foi nio apenas ‘compreensivel no periodo apés 1945, ‘como também quase que inevitavel. ‘Sem uma base normativa para além das leis positivas nao era entio possivel nem uma nova orientacio geral juridico-penal 0 surgimento de uma judicatura com um minimo de dignidade. Numa outra abordagem do problema, surge naturalmente a questdo do grau de intensidade, fundamentalidade, certeza ¢ abstracdo com que as normas supra- positivas devam apresentar-se”!, a fim de cumprir as tarefas ‘mencionadas satisfatoriamente. Neste ponto € de justica formula-se as seguintes criticas: as ciéncias penais de orientacio jusfiloséfica do pés- Guerra” vozram normati-vamente alto demais, seu modo de afirmagio do Direito supra-positivo foi excessivamente enfitico, a0 passo que as suas diividas no campo da teoria do conhecimento eram excessivamente superficiais. Além do mais, concentraram-se demasia- damente no estudo do Direito penal material, em detrimento do processo penal ¢ da praxis cotidiana da claboragio de leis penais, da imposicao ¢ execugio de penas. Sobretudo, pode-se asseverar que ‘0 debate em toro dos ilicitos penais da era nazista foi, nestes anos, estruturado em termos muitos abstratos € normativos, portanto estreitos. $6 muito mais tarde o debate comecou a abordar sistematicamente fatos concretos ¢ relacioné-los com a ordem juridica penal da era niazista: a realidade do processo penal e de outros procedimentos que, em situagées determinadas, faticamente tomavam ‘seu lugar, execucio penal, niimeros 20. Critica com fundamentos adiclonats em BEMMANN, Uber dl sirafrectliche Verantwortung ‘des Richters [Acerca da responsabilidade penal do jus], ims Gedachintsschrift fr Radbruch, 41968. S. 308{f SPENDEL, in: Letpziger Kommentar zum SIGBL10. Aufl. (1982). § 336 Rdnrn 79ff: sobre o caso do jutz vogal do Tribunal do Pov, Rebee. 21, Orlentacdes sobre estas varlanter em ELSCHEID. Das Naturrechisproblem, Eine ‘Systematische Orientierung, in: KAUFMANN/HASSEMER. Binfubrumg tm Rechtspbllosopble und Recbistheorle der Gegenwart [Introducdo a Filosofia e & Teoria do Direito ‘ontempordenas]. 5. Aufl. (1989). S. 189ff, 203f. 22, Demonstracdo exaustiea da astertiva na blbliografia por mim elaborada sobre os Ssequintes tomas: Ontologla juridica naturexa das cotsas, etruturas légico-objetioas, fenomenologia ¢ Direto, Fllosofia existenctalsta e Diretto tr: Arthur KAUEMANN (Hrsg). ‘Die ontologische Begrindung des Rechts. 1965. . 64. Revista PensarFortalezaW. 4/N° 4/P-5-50/JAN, 1996, 1 € estruturas das condenagées, jurisdicao penal, policia, instancias nio-estatais de controle, etc.” 4. CONCEPCAO HERMETICA © caminho seguido pelas ciéncias penais no periodo apés 4 Guerra © apés os nazistas teve ‘conseqiiéncias que em breve seriam percebidas. Duas delas foram particularmente marcantes, a saber, CO desinteresse pelos efeitos priticos das opcées dogmatico-penais, especialmente no campo da politica criminal, ea tendéncia de formular enunciados normativos com a pretensio de solidez e de delimitacdo hermética. Geralmente se aponta como passo decisivo rumo a um Dis penal nacional-socialista* 0 Congreso da Secio Alema da Associagio Criminalistica Interna- ional, realizado entre 12 ¢ 13 de setembro de 1932, em Frankfurt am Main. Neste conclave deveria ser discutido 0 "prosseguimento da reforma do Direito Penal’, com CO obtivode consolidaras tendéncias liberais, sociais ¢ ciosas do Estado de Direito, entio correntes. No entanto, esta conslidagio s6 foi possivel seguida do seguinte arrasador aditamento: "sem prejuizo do reconhecimento da influéncia de novas correntes de pensamento ¢ de significativas alteracées em relagio as forcas politicas’. Porém, pelo menos se podia observar - ¢ € isto que interessa agora - que a Politica criminal ¢ os seus fundamentos cram 0 objeto declarado dos debates. Isto mudou depois. A Secio Alema da mencionada associagao nao se reuniao mais, e a politica criminal, assim como outras esferas da real praxis juridico-penal nunca mais foram tema de interesse das, ciéncias penais. NAUCKE mostrou. com detalhes®, trazendo como exemplo o volume Festschrift fir KOHLRAUSCH 1944, comoasciéncias penais da época se recolheram a0 interior de fundamentagdes te6ricas, fechando os olhos 20 que ocorria a0 seu redor. Como se vera logo a seguir, esta inclinacao nao se reverteu imediatamente apés aqueda do nazismo. Também 0 modo axiomitico com 0 qual as ciéncias penais revestiram seus enunciados nao deixou de produzir seus efeitos. Anteriormente, a Filosofia do Direito que se seguira a KANT, no periodo da Republica de Weimar ¢ em 23. A propésito e agora. WERLE. Justisstrarecht und polizelliche Verbrechensbehampfung ‘im Dritien Reich [Diretio penal judictario © combate policial ao crime no If Reich. 1989, especialmente 5, 481(f (sobre as formas de combate policial ao rime). SCHREIBER. Zur Strafgesetzgebung im "Dritten Reich [Sobre a elaboragao de ets penats} (151): ROPING. Zur Praxis der Strafjusttz im “Dritton Reteb" [Sobre a praxis da justiga penal] (14), ‘todos in; DREIERISELLET (Hrsg). Recbt und Justts, pdginas indieadas. 24, Entre outros. Eb, SCHMIDT. Elnfubrung. $8 345 125. NAUCKE, Uber das Verbalints von Strafrecbiswissenschaft und Strafrechtspravts [Sobre fas relagdes entre a eténcia e a pritica do Direto penal], im: ZSIW 85 (1973). 3998, 40M. 12 Revista PensorFortaleza, 4IN° 4/P, 5-5QKIAN. 1996 | sintonia com o espirito da época, ja manifestava ceticismo frente a ‘enunciados normativos, com o que suscitou uma preocupacio ¢ uma sensibilidade para questées da Teoria do Conhecimento, criando assim ‘um antidoto contra uma propaganda massiva, seja por valores "novos" ‘ou "eternos™, que logo asseguir seria deflagrada. Sucede porém 0 dilema “ilicito legal" e "Direito supra- legal” exigiaformulacdo mais enfitica dos enunciados ¢ levava a fundamentacées de cunho jusna- turalista. Ceticismo e sensibilidade revelaram-se receitas muito fracas paraomanuseio normativo do terror em forma de lei. Era necessério um ‘equipamento argumentativo pode- oso, que pudesse normativamente suplantaras leis. Logo apés a Guerra, os tribunais careciam urgentemente deste equipamento, pouco thes importando onde 0 conseguiria. Enunciados jusnaturalistas, nas horas de aperto normativo, podem ser extremamente titeis, pelo menos nos resultados; empregados como dotacio normal da justica penal ou do Direito Penal, seus efeitos sa0 devastadores, pois eles: -se distanciam nao apenas da critica ¢ do controle (pilares de uma ‘organizagio judiciéria_no Estado de Direito), mas também de modos alternativos de decidir ou de fundamentar; - impedem uma participacio ‘democraticamente organizada dos individuos afetados na realizagio das normas juridicas de toda natureza; = propagam um clima de dedugio normativa; € = restringem a influéncia sobre 0 surgimento ¢ desenvolvimento do Direito aos especialistas ‘Também esta caracteristica das iéncias penais contemporaneas tem resistido ao tempo. I. DOGMATICA ABSTRATA Concetragio em questées fundamentais do Direito Penal material, poucaatengio & organizacio juridica e fatica do processo, politica criminal real ¢ a suas conseqiiéncias - eis algumas das estratégias, como se pode supor, de desviar a atengio. A controvérsia em torno do nazismo era deste modo transposta para as elevadas esferas dos juizos de valor, e assim se ivrava de defrontar-se com detalher sujos, ‘ou pelo menos nao precisava falar sobre eles. (O revestimento de enunciados normativos com certezas jusnatu- ralistas nao sobreviveu apenas como um meio de combater 0 ilicito sob forma de lei; tornou-se também um aarmadura poderosa. Quem conseguit entrar em campo com esta armadiura, tinha pouco a temer no tocante & 26. Considero paradigmdtico 0 ensino de RADBRUCH. Der Relatietsmus in der Rechtspbilowopbie, im: 0 mesmo Gesamtausgabe 3. S175 Revista Poneer/Forteleza/V. 4 4/P5-5QJAN. 1996. 13 controvérsia € podia contar que suas afirmagées no seriam (Cio depressa) desmentidas pelo mutavel espirito da época: o distanciamento da historicidade e de condicionantes de tempo ¢ espaco é uma marca especifica e tradicional da fundamentagio jusnaturalista de normas. Aconcentragio em argumen- tages normativas ¢ 0 revestimento jusnaturalista dos enunciados certamiente nao foram uma cespecificidade apenas da discussio penal que se seguiu imediatamente a 1945. As mesmas caracteristicas estiveram presentes também na discussio penal da etapa subse- qiente, quando a criminalidade nazista jé deixou de ser seu tema ‘ou tarefa principal. Esta etapa teve ‘uma outra coloragio. Ela aleangou, segundo alguns”, o climax do requinte e refinamento dogmatico- penal, que, no plano tedrico*, culminou na teoria finalista da agio” Ginfra, n° 2) © nas controvérsias a seu respeito™ (énfra, 3), eno plano politico-criminal, esgotou-se no ‘célebre projeto “E 1962 (infra, 4). 2.4 teoria finalista da agéo Evidentemente, a teoria finalista da agio (assim como na verdade toda a Dogmitica penal dos inicios. da Repiblica Federal da Alemanha, ‘mas aqui mais acentuadamente) tem muito ver com 0 idedrio nazista™. Isto € bastante compreensivel, jé que as bases destas teoria remota 08 anos 30 ¢ também ela sofreu 08 influxos ideolégicas do tempo em que se desenvolveu. Ainda que esteja totalmente excluido que a 27. A abordagem critica da matérla , mas reconbecendo 0 elevado nivel téenico que 0 Jinalismo trouxe ds discussbes tedricas bdelcas do Diretto penal. ROXIN. Zur Krltik der {finalen Handlungslecbre, in: 0 mesmo. Strafrechtliche Grandlagenprobleme [Problema ‘Jundamentats do Direito Penal, com tradugdo em portugués). 1973. S. 72ff 0 proprio WELZEL ndo tinba confianga incondicional em sua tori, come 8 mats ou mesnos em seu trabalbo, Um die finale Handlungslebre, 1949. S. 30f 28. Divergente om varios aspectos sobre @ matéria, mas com argumentacdo similar. WORTENBERGER. Die gerstige Situation der deutschen Strafrechtewiesenschaft. 1957. 2 ‘Aufl. (1950). Continuando na mesma senda desta obra, agora. MULLERIDIETZ. Die geistige ‘Situation der deutschen Strafrechrowtssenschaft nach I945 [A sltuagdo teérica doDirelto Penal alemao apés 1945], im: GA 1992. 99ff 29. Acerea da qualificagdo que 0 finalismo se atrbul, como uma "época de edificagao de tum sistema do Diretto Penal". B. SCHONRMANN. Einfibrung in das strafrecbiliche ‘Systomdenben, in: 0 mesmo (Hrsg). Grundfreageb des modernen Strafrecbtssystems. 1984, SI 530. Sobre posterior fim desta etapa, SCHMIDTHALSER, Was tt aus der finalen Handlugslebre ‘geworden? [0 que sobrow da teorta finalista da agit), im: JZ 1986. 109 31. Entwurf eines Sirafgesetibucher v.[Projeto de um Codigo penal de] 410.1962. BI:Dr eps50. 32 G/FROMMEL, Welles finale Handtungslebre, Bine Konservatve Antwort auf das nationaleo) vallstisebe Villensstrafrecht [A teorta finalista de Welzel. Uma resposta conservadora ao ireito penal da vontade do nacional = socalismo], n: REIENERSONNEN (Hr), Strafjust) ‘und Polizel im Dritten Retch] Justiga penal e policia no Ill Reich]. 1984. S. B6f. 14 Revista PenserFotabza/. 4° 4/P. &-5QUAN. 1996. teoria finalista da acio tenha ‘stimuladoo nazismo ouengrossado © coro das escolas anti-liberais da era nazista™, resta incontroverso que a acepcio pessoal de agio ¢ de anti-juridicidade, como cerne do pensamento penal finalistico™, ‘encontrava um correspondente contemporaneo, se bem que distorcido, no "Direito Penal da vontade’, elaborado pelo pensa- mento penal nazista™. Ateoria finalista da agio entrou ‘em campo desde 0 inicio com grande auto-estima e poderosa argumen- tagio. Ela ambicionava nada menos que elevar as ciéncias penais a0 nivel da Filosofia ¢ Antropologia ‘contemporineaseao mesmo tempo erenizar esta posicéo. De uma certa forma, cla acabou conseguindo seu intento™. Oadversério com oqual ateoria finalista se defrontou estavadecerto despreparado no campo que 0 finalismo elegeu como decisivo. A teoria até entio existente, prontamente rotulada de “causal”, ‘inha-se ocupado pouco das questes agora convertidas cm essenciais. Ela havia ordenada ¢ sistemati- camente pensado, analisado, classificado ¢ harmonizado seu objeto, ¢ produzira um sistema de enunciados complexo ¢ fungivel no seu conjunto, © qual porém pecava por nio ser consciente de si, portanto, ndo conseguir auto- justificar-se. Mediante indagagées sobre os fundamentos bisicos, os alicerces “reais” do seu sistema, a teoria tradicional via-se facilmente em apuros, sim acabou mesmo em ridiculo. ‘certo que, sobretudo na assim chamada “polémica das escoas penais, na virada do século, muito ja se debatera sobre os justos fins das penas, inclusive com oemprego de teoremas filos6ficos inspirados ‘pas ciéncias da natureza”. Nao menos certo € que, Franz von LISZT, em seu “Programa de Marbung” * ja 33 Substanctal acerca destas quesibes, MARKEN. Der Kampf gegen das Hberale Strafrecht Eine Studie Zum Antiliberalismus in der Strafrechtswlssenschaft der swanziger und drelBiger Jabre) A campanba contra 0 Direito Penal liberal. Um estudo sobre 0 ant Uberalismo nas cléncias penats dos anaos inte « trinca} 1974. principalmente Tele, 167. 3ADetalbes nitidamente apontados em MAURACH/ZPIPE, Strafercbi Allgemelner Tell 7, ‘Aufl, (1987), § 16 0 BI [35 Assim também, SCHMIDTHAUSER, Strafrecht Allgemeiner Tel, Lebrbuch, 2 Aufl. (1975), IRdnr, 7/14 30 Expostgvdo sucinta em JESCHECK, Lebrbuch des Strafrechts Allyemeiner Tell 4. Aufl (988). § 22 V26. 37 Discussdo e fundamentacdo em FROMMEL. Praventionsmodelle in der deutschen ‘Strafzeck Diskussion. Beztbungen Recbispbilosophic. Dogmatik, Recbipolittk und Efabrungsvissenschaften [Modelos de prevengdo na discussto alemd sobre os fits dat Pena. Relagées entre Fllosofia do Direlto, Dogmadtica, politica do Diveito e cienclas ‘empiricas]. 1987, principalmente 42ff [38 Von LISZT, Der Zweckgedanke tm Strafrecbt [A tdtta de finalidade no Direito Penal) ‘in 2st 3 (1983) Hf este respetto, NAUCKE. Die Driminalpolitiledes Marburger programms ne ZS0W 94 (1982), 52596 Revista PensavFortalza/V. 4/N° 4/PS-SQUAN. 1996. 15 esbocara 0s contornos de uma “ciéncia penal total”, ¢ com isto j& teria abordado o sistema juridico- penal de fora. Certo € também que ‘0s neo-kantianos ¢ 0s neohegelianos tentaram emprestar 20 Direito penal suas proprias tradigées”. Tudo isto, porém, diante das pretensées da teoria finalista, ndo passava de meros estilhacos. 0 finalismo entrou na arena ‘com um saber homogéneo sobre ‘nada menos que o niicleo do Direito Penal - agio, anti-juridicidade ¢ culpa -, trazendo a firme convicio de que este saber se assentava sobre oser®, Nada de tradigGes ou opindes, cesim “estruturas objetivas” (baseadas na “natureza das coisas” ou argumentos semelhantes), era a divisa, que, assim, conferia a0 finalismo a conviecio da retidio da teoria penal. Os fundametos do Direito Penal nao deveriam ser objeto do “achar” ou do convencionar de cada um, e sim o resultado de cuidadosa observacio cientifica (isto é, inacessivel & cegucira cientifica). O legislador nao tinha a prerrogativa de deliberar sobre o regramento justo, podia apenas acolhé-lo ou rejeité-lo, encontré-lo ou perdé- Jo Esta cesteza met6dica dos finalistas no se restringiu a questées fundamentais, que pela sua generalidade nao fossem vinculantes, ‘mas estendeu-se por minticias como a localizacio do dolo na estrutura do_crime, as relagées da autoria com a participacio" ¢ a omissio imprépria®. Contra esta teoria nao ‘germinou nenhuma erva dogmtica, mas apenas metodol6gica, ¢ isto teve consequiencias palpiveis logo a seguir. Qualquer opinio divergente acerca de aco, anti-juridicidade, Participacio, dolo ou omissao nao representava objecio séria, enquanto nao fosse também guarnecida com certezas jusnaturalistas, “objetivas. Portanto, uma teoria que apenas divergisse das teses finalistas perdia, pelo 56 fato de divergir, qualquer possibilidade de receber atencio académica ¢ legislativa, e de gerar efeitos priticos na jurisdicao penal, porque seu modo de argumentar se afigurava demasiado fragil. Uma ciéncia do Direito Penal, um Iegislador ou um orgao jurisdicional, 39 Um bom exemplo 6 a tese de catedra de RADBRUCH de 1904: Der Handlungsberriff in ‘einer Bedeutung fur das Strafrechtssystem. Zugletch ein Bettrag zur Lebre von der recbiswissenschafttchen Systematth [A déia de agdo e seu significado para o sistema do Direito Penal. Ao mesmo tempo, uma contribuido para a sistematica das clrclas penal]. Sobre este trabalbo e suas relapses com a teorla finaltsa da ado, Arthur KAUFMANN na reedigao de 1967, $. Vfl 40 Levando a este ponto no manual de WELZEL. Deutsche Das Strafrecbi, I Auf] (496). § 81, I 41 "Quem quiser normatizar a agdo, deve atentar @ sua extrutura ontoldgica. A estrutura ‘da agao bumana finalista,nela comprrendida a fungao do dolo, nao pode ser modificada saquer pelo leisiador, que, caro queira normatizéla deve obvervar suas caracteriticas Intrinsecas, sob pena de errar 0 alvo da normattzagao pretendida.” (WELZEL Naturrecht und materiale Gerechtighett (Diretto Natural ¢ justiga matertall, 1951, §. 197). 42 Armin KAUPMANN, Die Dogmatit der Unterlassungadeliste, 1959, etwa S. 17f 16 Revista PenserFortalezaV. 4° 4/P. 5-5QUAN, 1996. que estivessem habituados a converter verdades objetivas, fundadas no Ser, em pensamentos eagdes concretas, nio se deixariam, impressionar, no exercicio de tal atividade, por uma critica que contestasse 0 contetido intrinseco destas verdades, sem oferecer um outro fundamento igualmente objetivo (qualquer que fosse sua motivag4o). Do ponto de vista metodolégico, o finalismo, na seqiténcia da redescoberta do Direito Natural, acabou por estragara vitéria. 3. Dogmdtica e metodologia Contra ofinalismo nao surgiu nenhuma teoria penal igualmente ‘munida de armadura jusnaturalista, Sobre as razées para isto pode-se apenas especular. Uma hipdtese poderia ser ade que os potenciais ctiticos tivessem em tio alta consideracio a nitida separagio entre ser e dever ser, de importancia secundiria para 0 finalismo. Dat esses criticos nao desejavam seguir ©-caminho filos6fico da “logica das coisas" ou “natureza das coisas” para combatero finalismo, Também poderia ter tido alguma relevincia © faro de que o finalismo ja havia ocupado inteiramente 0 campo da “Logica das coisas", de modo que, um critico que quisesse combater em pé de igualdade, s6 restavam opgées_metodoldgicas, nao dogmaticas: ou se destrocava 0 finalismo em seu proprio modo de argumentar, ou se edificava um modo de argumentagio igualmente poderoso. Ambas estas opgdes ‘requerem uma certa fadiga filosétfica a que as teorias penais de entio nio se achavam dispostas*. Portanto, as opgdes ao finalismo mais promissoras situavam-se no plano metodolégico. Elas nio chegavam, por isto mesmo, a sec muito convincentes, e afinal no tiveram 0 éxito esperado. Dois trabalhos sio a este respeito paradogmaticos. STRATENWERTH, um dos diset pulos de WELZEL com evidente distanciamento desuas concepcées, abordou em 1957 0 problema da “natureza das coisas”. A despeito do titulo do trabalho, este ocupou- se na verdade do teorema das “estruturas légico-objetivas". Ao contririo de outros finalistas, que demonstravam notivel indiferenga por problemas metodol6gicos, neste trabalho oautor procurou estabelecer las distincGes entre realidades dadas e sua valorizagio, de maneira ‘que, da base “I6gica”do Direito Penal pouco mats restou do que uma Palida “alusio ao ser humano como pessoa”, isto é, como foco de valoracao®. Conveahamos que este ado era um bom comeco, porque ‘quase todas.as concepgdes dogmiticas 45 Bem nitido em HIRSCH, Die Entwicklung der Strafrechtsdogmatih nach Welze, i: Festschrift der Rechtswissenschen Fakultat >u Koln, 1988. 399f. “44 STRATENWEKTH, Das rechistheorettsche Problem der *Natur der Sache”. 1957. 4B. Idem, principalmente §. 17f Revista PensarFortalezaV, 4IN® 4/P.5.5QUAN. 1996 17 se ajustavam a enunciados semathantes. AENGISCH coube em 1961, no curso de uma polémica metodolégica principalmente com © finalismo, mas também com STRATENWERTH, formular a tinica € decisiva questo “Onde termina aestrutura do Ser e onde se insere © foco da valoracio? Quais sio os critérios, com base nos quais, nés possamos decidir se 0 que, na constatacio da “natureza pessoal" do ser humano, deva ser creditado na conta da realidade pré-existente ‘una conta da valoracio juridica?™*. No entanto, ele acusou STRATENWERTH de hesitagio no acolhimento de dados ontolégicos”. Em suma, a critica metodo- légica nao atingiu frontalmente os alicerces do finalismo e, por “status” metodolégico que deve ser atribuidos formulagées dogmaticas da teoria finalista: se, para dar um exemplo, a localizagio do dolo é disposta na estrutura do crime devido: A natureza (humana), ou se € sugerida apenasem decoréncia de quasquer pessoalidade da teoria da anti- juridicidade se deve aalgum espirito da €poca, ou se decorre de alguma idéia de justiga atemporal, Estas sio lacunas dolorosas para um interesse filos6fico nas ciéncias penais. O fim da teoria finalista e de seus émulos ocorreu do modo como Thomas KUHN descreveu 0 “impulso revoluncionario” nas descobertas € avancos cientificos”. Seus teoremas dogmaticos - quando nio foram de algum modo acolhidas se sua metodologia nao foram refutado, mas apenas esquecidos, 0 fio da discussao prosseguiu em outros dominios ¢ de outras formas”. conseguinte, nio abalou’ seus teoremas dogmaticos. Ainda hoje nao se tem por definido qual 0 46. ENGISCH, Zur “Natur der Sache” im Strafrecht. in Diskusstonsbeltra. apud KAUPMANN Girsg), Die ontologische Bogrundung et, §. 216. 497 Idem, S.212ff, 200, 48. Com mats pormenores e sob um angulo de vtsdo socoligico a este respelto, minba Binfubrung in die Grundlagen des Strafrechts, 2. Aufl (1990). 5. 226f. 49. KUHN, Die Struktur wtssenschaftlicher Revolutionen, 1967, passim. Uma objecdo a ‘sta abordagem no dominio da Criminologta encontra:se em KECKEISEN. Die geselschafliche Definition abeichenden Verbaltens Perspektiven und Grenien des labeling approach] A dsfinlgdo soctal de conduta desvlante. Porspectloas ¢ limiter do labeling approach} 1974, principalmenteS. If; a propésto, W. HASSEMER. Krmminalsonziologische Paradigma in: 32-1976, 164. 50. moda deste hd algum tempo invocar 0 modelo de KUHN dlante da constatagao de ‘qualquer mudanca no campo das clénclas para se diagnésticar uma "mudanca de Paradigma’, e, aqueles que assim procedens, nao raro precipitam-se a proclamar sud descoberta. Por iso, deve ficar bem claro aqui que a questao de se a passagem de uma Dogmatica abstrata para uma teorla penal voltada para as consequéncias (mf. I) revelou uma mudanica de paradigma ou algo menos espetacular, dpresenta uma tmportancta secundaria, tendo em vista as dificuldader de se submeter os desenvoloimentos das Clinctas penats desses tempos a um tipo de clancla determinado. Portanto, a referéncta ‘KUHN atesta ndo tanto wma mudanga de paradigma, mas apenas « observasao por ele reglstrada, segundo aqual as clénctas superam seus modelos de expicacaoe de argumentagao menos pela via da refutacao que pela via do exquectmento, e que esta observacdo se {plica também as ciénctas ponats ¢, particularmente, ao finalismo. 18 Revista Pensar/Fortaleza/V. 4IN° 4/P. 5-SQWJAN, 1996. 4. Politica criminal academicista (Os tracos marcantes desta etapa, ‘fnomeadamente a concentragio em fandamentos te6ricos da disciplina © a inclinagio para a solidificacéo hermética dos — enunciados cientificos, constituiram-se num veneno para qualquer relevancia Politico-criminal desse tipo de ciéncia penal. Politica criminal exige nao tanto concentragio nos fundamentos teéricos, mas muito mais a sensibilidade para uma “ciéncia penal”, af compreendidos 0s dados empiricos da realidade sancionatéria ou do desenvolvimento © controle sobre as condutas desviantes, af compreendido também © interesse por modalidades novas ‘oualternativas de sangio, pela ago conjunta do Direito ¢ proceso penal, pela integracio de Direito Penal, Direito trabalhista e previdencidrio, politica habitacional, politicas da juventude e da side publica. Para isto a Dogmética academicista encontrava-se _pessimamente equipada. Mais devastador para um engajamento politico-criminal seria ainda a inclinagéo para 0 endurecimento ¢ a pretencao a imutabilidade dos enunciados ‘normativos. Afinal a politica criminal, como qualquer outra politica, bascia: se na capacidade e disposicio de ‘compromisso entre os contendores, © impasse surge inevitavelmente ¢ insuperavel frente a convicées bbaseadas no Ser, na “esséncia imutavel das coisas”. Nao obstante, a ctapa da Dogmitica abstraca fol intensivamente submetida.a experimentos politico- criminais, com um_ significativa Participagio de juristas penalistas", © com resultados que apenas corresponderam 0s receios. Pode- seafirmar que foram sobretudo estes resultados que difundiram a impressio de quea era da Dogmatica abstrata nas ciéncias penais se aproximava de seu fim, (Os empenhos para uma reforma do StGB [Cédigo penal] comecaram to logo ele entrou em vigor. A Republica de Weimar produziu por certoalguns ante-projetas avangados, mas nao teve a forca ¢ 0 tempo necessario para converté-1os em lei A politica criminal dos nazistas concentrou-se menos em mudangas legislativas que fiticas, Jaina Republica Federal da Alemanha, a fase decisiva ce resoluta na diregio de uma reforma tornou-se visivel a partir de 1954, A partir de entdo (¢ até 1959) passou a reunirse a Grande Comissio Penal, composta de profissionais da prixis © sobretudo dos mats renomados Penalistas do momento. As sucessivas Publicagdes dos relatérios das discusées, sob a forma de “minutas”, fez com que os debates se tornassem acessiveis € eficazes entre os interessados. Neste mesmo ano foram Publicados os sete volumes dos “Anais 54. Visdo sucinta em BAUMANN/WEBER, Strafrecbt Allgemeinere Tell. Fin Lebroueb, 9, ‘Aufl. 1985), 5 5 104. Revista Pensar/Fortaleza/V. 4IN° 4/P5-SQUAN. 1996. 19 da Reforma do Direito Penal”, em 1956, 1959 e 1960 surgiram os ante- projetos parciais de um novo StGB que, afinal, convergiram no ja mencionado “E 1962”. Todo este movimento foi acompanhado ¢ preparado por discussées dos professores de disciplinas penais ‘em seus congressos de 1957, 1959 © 1961 Do ponto de vista das ciéncias penais, o marco divisor situa-se entre © Congreso dos professores realizado em Saarbriicken, em 1963, € 0 realizado em Hamburgo, em 1964. Em 1963 deliberaram cles a realizagio de um congresso extraordindrio em 1964, para uma exaustiva discussio do E 1962, quando entio, através da critica visceral ao tipo de politica criminal vigorante, desenhou-se no horizonte a nova etapa das ciéncias penais alemas”, Na mesma ocasiio, constituiu-se um grupo de jovens professores de disciplinas penais que, a partir de 1966, com a publicagao de virios volumes de “Projetos Alternativos”, farmularam uma concepcio moderna do Direito penal na teoria e na praxis, manifestada em virias sugestoes legislativas © fundamentagoes doutrindsias™! Ill. TEORIA DO DIREITO. PENAL VOLTADO PARA AS CONSEQUENCIAS 1. Politica criminal voltada para as conseqiiéncias Acritica que, a partir de 1964, massivamente se exerceu sobre 0 E 1962 aponta - com maior ‘concentracio na politica criminal = tanto a Dogmatica abstrata ¢ academicista do passado como os fundamentos da nova etapa. O-citado projeto trouxe 0 Direito Penal 20 ponto culminante do espirito da época. + criminalizacio ampla eabran- gente, em interessse da integridade do sistema, com énfase na protegio do Estado e da ‘moralidade” + elaboragio teérica concen- 52. Gontetido essencial: Pareceres dos professores de matérias penats sobre problemas da Punter Geral ¢ Expectal, Direlio comparado, projets de Direlto Penal « de execusao penal do tempo da Repiblica de Weimar. 53 0 primetro Congresso de professores de matérias penais em que partiipel fol 0 de Hamiurgo em 1964. Em nenbum outro momento vlvenciel uma to clara diferenca lente duassituagoes (¢ geragdes). $4 Bota virada ¢ bastante clara em ROXIN, Franz von Lisct und die kriminalpolitsche Roncuptvon dex Alternatis-enteutfs in: ZSEW 81 (1965), 613ff, uma proveltosa comparagdo Com andlogo desenvolvimento na Austria pode ser buscada em STANGL. Die neue Gerechiighet Strafrecbtereform in Osterreich 1954 - 1975, 1985. 35 Paradigmitico os dois livros de boleo (também esta forma de publicagao nao foi Casual) organtzados por Jurgem BAUMANN, Programm fir ein newes Strafgesetzbuch, 966, « MiBlingt die Sirajrechtsreform? [Fracassa a reforma penal]. 1969 Interessante hotar que em 1966, a Parte Especial fot objeto de apenas um entre daze trabalbos enquanto {quecm 196) ela fo! 0 tema de wm torco deles. 20 Revista Pensar/Fortalexa/V. 4IN? 4/P 5-SOLIAN. 1996. ‘trada nas condigoes da punibilidade, principalmente na Parte Geral, em detrimento dos efeitos do Direito Penal (penas e medidas de seguranga); + fayorecimento dos tradi- cionais fins da pena de retribuicao € prevengio por intimidagao. (Os novos tons soavam muito diferentes. Pense-se no carater fragmentério do Direito Penal e sobretudo no principio da protecio de bens juridicos: antes lacunas do que criminalizagio excessiva e, pelo ‘menos, nenhuma ameaca de pena sem demonstacio sélida da necessidade de protecao penal de um interesse humano ameagado. Com base nestes _principios, climinava-se do Direito penal sobretudo a seguranca do Estado, © aborto © os comportamentos sexuais, posteriormente, 0 corte se estenderia ao chamado Direito penal da bagatela”. A teoria da justa fetribuigdo era apontada como anacrénica e, em seu lugar, entrava um direito sancionatério voltado a prevencio especial, com novas respostas ao fendmeno da criminalidade: humanas, criativas € eficientes. Alterava-se a reflexio de uma énfase no input para uma énfase no output: de uma justificagio doDireito Penal fundada em abstracio e sistema para uma justificagio pelos efeitos que possa produzir. Isto néo valia para todos os ‘“jovens” penalistas na mesma medida, nao valeu tudo de uma vez 86 € nao valeu na pureza aqui apresentada”. Mas serviu para dar ‘tom mais marcante do alinhamento © da orientacdo da (serentific community) do tempo. Assim, pelo ‘menos a partirda metade da década de 60. - fundamentagdes sistémicas ‘no discurso juridico-penal nio mais valiam como _verdades inquestionaveis, + sangées © execugio penal converteram-se em objetos centrais da reflexao penal, - uma consistente teoria da politica criminal comecou a desenvolver-se, 56 *Now0” agut naturatmente apenae om relay & etapa snteriur. Ne apenas no dominto ‘Penal, mas também nele os novs tempos reportauamse a modelos antenores.cevtamtente 4 modelos mais “corretos" aos tebricos de uma ctincia penal total, de wma Fllosfia ética, de uma excecugdo penal eentrada na prevensdo especial ¢ le face bumana 57 Projeto de tet contra o furto de lojas, em sintonta com @ Projeto Aliernativg de CBdigo ‘Penal, apresentado por um grupo de trabalho de professores de dsciplinas pends alemees © sutgos, 1974; discutido no 51° Congresso alema de juristas 1975 (pareceres de NAUCKE DEUTSCH) 458 acerca destesconceltos¢ de seu objeto, LEHMANN, Recbisystom und Rechtsodgmatth 1974. S. 25ff 58 ff mais pormenortzado sobre o sistema do Direto penal, men haba Uber die Bertcksicbtigung von Folgen bei der Auslegung der Strafeseze [Sobre a considerdgdo das consequiénclas na interpretagdo da let penal}. in: Festechrf J Coing. 982, 18. Sift 9g. 99. As divergéncias podem ser mutto bem aprectadas, inclusive nas formulagdes, na ‘Polémica em torno do aborto 0 AE [Projeto Altsmnatio} Props aqut wma solucdo majortdria © outra minoritaria; AEBT. Straftaten gogen die Porson, , Maloband, 1990, 8 tafy 5. Revista Pensar/Fortaleza, N° 4/P.5:5QUAN, 1996. 2t + a Criminologia ¢ outras ciéncias sociais_ penalmente relevantes estabeleceram-se na teoria € no ensino como objetos de crescente atencio = 0 empirismo teve acesso As fandamentacées juridico-penais. 2. Gritica do Direito Penal io somente as ciéncias penais, mas particularmente elas, viram-se expostas nesses anos a fortes presses de legitimagio mudanga. Muito antes do ano “magico” de 1968, j4 se anunciavam ¢ delineavam tendéncias na sociedade da Repiblica Federal da Alemanha, conforme jé assinalamos com relagio a0 Direito penal, Estas tendéncias confericam ‘um novo tom as bases da chamada “Bra Adenauer". O sistema penal viu-se empurrado para 0 centro do interesse politico e social, onde se apresentava sob a estigma do exercicio da dominacio ¢ da imposicio de — sofrimento™ cespontaneista, desigual, desdenhoso do ser humano, cruel, ineficaz para a prevencio, estabilizador da dominagio. A visceral critica do Direito Penal nos anos 60 e 70 concentrou- se principalmente em dois pontos 0s fustigou impiedosamente. (Logo a seguir, tornou-se evidente quio ‘mal preparados estavam os penalistas para este tipo de critica, sobretudo nas salas de aula das faculdades de Direito, onde ela se manifestava da forma mais ferina; as explicagoes © fundamentagées de: que os professores lancavam mio ja no impressionavam mais os estudantes criticos). Bsta critica desmascarou seu objeto em duas direcdes; que © Direito Penal nao podia invocar a seu favor, quer a aplicacio © execucio de leis genéticas, que a produgao de ordem ou justica, a0 contrario, o Direito Penal constituis- se na verdade em um instrumento clandestino a servico de inecessidaades ou desejos, individuals ‘ou sociais, de dominacio ou punigio. A primeira variante de critica formulou-se negativamente ¢ buscou sua fundamentagio em argu- mentagées das ciéncias sociais € dda teoria da interpretacio, com isto, pretendia cla arrancar a mascara da face do sistema. A segunda 60, H. RUDOLE, Mebr als Stagnation und Revolt, Zur politischen Kultur der secheiger Jabre [Mais que estagnasao e revolta. Sobre a cultura politiea dos anaos sessenta), in: ‘BROSZAT (Hrsg), Zasuren, S. 14. 61, Caracteritico deste estigma é até o presente o liuro Limits to pain {Limites da dor] Goriginal om noruegués ¢ inglés, 1980/81: alemdo. Grenzen des Leids, 1986), de Nils ‘CHRISTIE (62. Paradigmético para a teoria da interpretacao, ROTTLEUTHNER, Richterliches Handetn, Zur Krite der jurtetischen Dogmatik { Atioldades do juz. Para uma critica da dogmdtica Juridical). 1973. A critica baveada nas elénclas soclats atinglu sua formulagdo mais radical nateora do “labeling approach”. a propdstt. Fritz SACK. Definition von Kriminalitat lle polttisches Handeln der labeling approach (Definicao de criminadade como atteidade politica 0 labeling approach), im Krimjourn 1972, 31f 22 Rovista PensarfForteleza/V. 4N® 4/P. 5-5QUAN. 1996. variante formulou-se afirmati- vamente e buscou sua funda- mentacao preferentemente em angumentagées psicol6gicas, psicana- liticas eanaliticas, com isto, pretendia mostrar a verdadeira cada do sistema®, Como quer que cla seja avaliada, esta critica preencheu uma condigéo que até 0 momento sé fora realizada em rudimentos ou fatias. Ela partiu de fora do sistema penal e dai podia abordé-lo de forma nova e diferente. (Presumivelmente, € esta circunstincia que explica a irtitacio dos “insiders” de entio, nao sem alguma razio, pelo menos ‘quanto aalgumas das criticas, tacanhas € precipitadas ou levianas). Jé nao mais era possivel confortavelmente discutir sobre as vantagens ou desvantagens dos métodos objetivos esubjetivos de interpretacio, diante da ousada tese segundo a qual nenhum método garantia uma interpretacao segura, de modo que © juiz, no fim das contas, julgava por capricho e, mesmo que nao ‘quisesse, acabava exercitando uma justiga de classe. Ficou ainda sem resposta a subversiva objecio, segundo a qual a criminalidade nio era um fendmeno real, mas construido e produzido’ pelas instancias do controle social (policia, ministério piblico, tribunais penais), € mais: esta construcio efetuava- se seletivamente em prejuizo dos mais fracos. Assim, a tioacalentada idéia da cura, da recuperacao ¢ da Prevencio especial perdia seu brilho diante da constatacio de que o ‘criminoso nao passava de um bode expiat6rio, sobre o qual os demais ‘descarregavam suas culpas, para que ele as absorvesse, Decerto nao se pode afirmar que estas teses tenham encontrado acolhida nos projetos alternativos de cédigo, mesmo considerando que eles se assentavam sobre uma critica do Direito Penal, ‘Também seria exagerado ver nestas teses 0 padrao da tcoria do Direito Penal voltado para as conseqiiéncias. Elas constituem, porém, em ambas as diregées, emanagées do mesmo contexto empirico marcantes expressées de seu tempo (tantoem seu conteiido, quanto em sua forma radical de se apresentarem) Indubitavelente, seu modo provocadorimpulsionou as ciéncias penais para a énfase no “output”, 3. Realidade e alcance Neste ponto, ainda € possivel fixar os marcos mais caracteristicos da teoria do Direito Penal voltado Paras conseqiiéacias nas mesmas bases assinaladas para as ciéncias enais do pés-Guerrae para a etapa 3. Caracteristicos desta modalidade de ertica os trabalbos reeditades em 1971 e 1973 de REIK, Gestandnisswang und Strafbedirfnts [Coagio confissio © necevsidude ce ‘Punir|: de ALEXANDERISTAUB, Der Verbrecher und sein Richter [O crtminoso ¢ seu els assim como de REIWALD, Die Gesellschaft und tbe Vrbrecher {A sociedalee ous crimthoeed, Puradtgmatico da critica pstcolégico-psicanalitica deste tempo, Arno PLACES, Pladover fur die Abschaffong des Sirafrechis stimortal pela aboligdo do Dirato penal 197A G4. Supra, L4 ‘Revista PenserFortalezaV. 4 4/P.5-5QUAN. 196. 23 subseqiiente da Dogmatica abstrata®, saber, concentracio em questes te6ricas fundamentais ¢ solidificagio hermética dos enunciados. A partir da segunda metade da década de 60 08 ventos comecaram a soprar nna direcio contrisia: cumpria ampliar ‘odingulo de visio das ciéncias penais, para abarcar a realidade penalmente relevante e considerar os conhecimentos de outras éreas que se ocupam desta realidade. Ateoria do Direito Penal voltado paraas conseqiléncias traduziu, pela primeira vez no periodo ora abordado, uma stibita reago das ciéncias penais a critica do Direito penal lancada de fora do sistema penal (Algo semelhante s6 pode ser visto em algumas das primeiras reagbes do periodo do pés-Guerra 205 ilicitos da era nazista- mas estas reagGes assentavam-se na propria tradic4o do Direito Penal e, em sentido estrito, nao representavam reacio a uma critica ao Direito Penal), Esta critica obrigou as ciéncias penais + na medida em que elas nao se fizessem de surdas -a repensar suas relacdes com a realidade. Estas relagoes eram pricisamente 0 alvo visado pela critica, por mais diversifieados que fossem seus fundamentos direcies. Os efeitos reais produzidos pelo sistema penal, ¢ nao sua profundidade e coeréncia teéricas surgiram na metade dos anos 60 ‘na ordem do dia. Assim, a discussio 65. Supra, Ht nao mais se interessava pela justificacio de principios ¢ de fins; doravante, constatacées empiricas adquiriam um significado que no podia ser —_negligenciado. Conseqtientemente, a metodologia jusnaturalista e a concentragio em quest6es teéricas fundamentais chegavam a seu fim. Agora, as polémicas se estabeleciam em torno da metodologia das ciéncias empiricas, em torno da elaboracio peal da realidade penalmente relevante e, com isto, se transferiam ppara matériais penais e entio“olhadas de cima” pela teoria penal tradicional: criminologia, execugio penal, detalhes da histéria do Direito penal, aspectos do processo penal € da Politica criminal. Evidentemente, a nova ordem do dia nao era produto exclusive da critica ao Direito Penal (a critica cra uma parte das discussdes em voga ¢ néo objeto de toda a discussio). Ao contririo, a tematica trouxe a0 primeiro plano uma modificacio e um agravamento das exigéncias de legitimacao postas frente A dominacio do Estado (¢ da sociedade): cumpria mostrar que a dominacio era “racional", que elando visavaa simesma mas traduzia ‘um fungio itil para os dominados®, Para o Direito penal isso significava: 6, Paradigmatico a este respetio, HONDRICH, Theorte der Herrschaft Teorta da dominasio], principalmente 8. 16, 626 24 Revista Pensor/Fortaeza/V. 4N° 4/P. S-SOUAN. 1996 + protegio de interesses humanos clementares ameacados; + intimidacao das pessoas propensas ao crime; ¢ - recuperagao do delingiiente com o menor custo para ele. Estas cram as tarefas (e por isto também as promessas) do sistema penal. Traduzidas em abstracoes penais, elas significam: protecio de bens juridicos, prevencao geral (negativa) € ressocializagio - nas confluéncias de uma praxis juridica humana e guiada pela proporcio- nalidade. 4. Pontos principais (Os trés aspectos principais dos afazeres das ciéncias penais a seguir expostosconciliam-se sem dificuldade com 0 modelo contem- poranco de uma teoria do Direito penal voltado para as conseqiiéncias (@- ). Também 0 chao onde cles germinaram apresenta particu- laridades insteutivas (d). 4. Protecao de bens juridicos © principio da protegio do bem juridico traz para a discussio ~ pelo menos ny contexto” em que fol introduzido pela teoria do Direito Penal voltado para as conseqiiéncias um pressuposto tanto critico quanto de contetido para afericio de uma correta legislacio penal®, Ele enuncia precisamente que uma ameaga penal ‘contra um comportamento humano € ilegitima, sempre que nao possa lastrear-se na protecio de um bem jutidico. A partir deste ponto de vista, o Direito Penal manifesta-se ‘como instrumento de controle social que 86 pode ser acionado para a protecio necesséria de elementares interesses humanos, e desde que instrumentos menos lesivos com resultados equivalentes nao estejam disponiveis, Este principio apresenta- se para a politica criminal, campo onde ele mais almeja influir, tanto ‘mais rico em conseqiiéncias quanto mais ele consiga apontare restringit como “bens juridicos” penalmente relevantes somente objeto palpaveis, conceitos como “satide popular, “condig6es funcionais do mercado de capitais’, “economia popular"ou “moralidade sexual coletiva” nio trazem nenhuma pitada politico- criminal, cles servem para fundamentar tudo nada a0 mesmo tempo. Bens juridicos modelares segundo 0 paladar do principio 67, Sobre as profundas raizes deste contexto, vejase exposigdo cenclsa com remissBes em W. HASSEMEER, im: AK StGB [Comentério alternativo ao Codigo penal 1990, vor $I Rdnrn. 2356 08 llustrativo, AMELUNG, Recbisgiterschuyee und Schutz der Gesellchaft. Untersuchungen zum Inbalt und zum anwendungsberetch eines Strafrechisprincips auf degmengescbicilicber Grundlage, Zugleich ein Beitrag zur Lebre vom der “Sovialechadlebhelt™ des Verbrechent {[rotegdo de bens juridicos e protegdo da soctedade, Investigagdes a respeto do conteado «& dmbito de aplicagdo de um principlo de Direito Penal em bases dogmitico Distoneas, Também uma contribuigao sobre a teorta da “nocioldade social” do crime). 1972) LHASSEMER, Theorle und Soztologle des Vorbrechens. Ansdize x slner prastsorientierton Rechisgustslebre [Teorka e Sociologia do crime. Bases para uma teorta do bert furtdico lortentada para a prasis), 1973, Rovista Pensar/Fortaleza/V. 418° 4/P5-SQUAN. 1998. 25 em apreco sto de outro calibre Trata-se dos interesses primérios dda pessoa vida, a satide, a liberdade, & propriedade, ou seja, bens juridicos Individuais.. Bens — juridicos universais, a0 contritio - principalmente quando enunciados ‘tio vagamente como os que acabamos de mencionar - necessitam passar pelo teste que afere se eles, em Sltima instancia, remetem-se a interesses coneretos € justos de pessoas concretas”. Atcoria do bem juridico como critica a0 sistema penal” teve seus éxitos mais notaveis em um clima politico-criminal € politico-social ‘que- como ela mesma -apresentava- abrangente, ¢ mais voltado para a Sarantia da liberdade e da protegio do acusado”. Serve de exemplo a reforma do Direito Penal sexual, © qual, nas etapas anteriores, muito ilustrativamente, compreendia e se intitulava “crimes contra os costumes”. Cedo comecou a ser formulada a indagacio critica acerca do bem juridico legitimo de um tal Direito Penal”, até que, em 1968, 047° Congresso alemiio de juristas”, cem 1969, olegislador" extrairam as conseqiléncias priticas: desconsi- deraram as ameacas de pena contra figuras como adultério, homos- sexualidade entre adultos, atos libidinosos com —_animais, induzimento a prostituicio € se adverso a uma tutela penal moralista e a uma criminalizacio restringiu os delitos sexuais aos dois tinicos bens juridicos aceitaveis: 69. Mais pormenores a respetto om meu trabalbo Grundlinion einer personalen Rechtsgusislebre [Linbas basicas de uma teorta pessoal do bem Juridico), in: PHILIPPS) SCHOLER (Hrsg). Jenselts des Punktionaliemus, Artour Kaufmann zum 65. Geburstag 1989, 8. 859. 70 Como & de se esperar de uma teorla voltada para as consegiincias, ela cobra do sistema do Direito Penal e de sous tipos legats a legitimacao dos preceitos através da {nvoeasao da protegdo de algum bem juridico, endo se contenta com uma mera castficagao do sistema do Diretto Penal segundo um sistoma de bens juridicos desde logo acatado sem discussdo, artificio que seria aceltével apenas numa teorta sistémico-tmanente Sobre a distingdo entre uma concepeao critica e uma sistémico-imanente de bem juridleo, ‘minba Theorte und sostologte des Verbrechens S. 19ff 71 Este tipo de clima acarreteou consegiénctas andlogas no Direito Penal formal. A chamada Pequena Reforma Processual Penal de 1964, que se suceden no contexto de wn esforco de uniformizacao do Direlto, amplion as garantias jurtedicionats penal ¢ 08 oderes do acusado, enquanto a evolugao posterior caracterizowse por um esforgo de ‘celeridadeesimplificagdo do processo penal. Breve resumo em ROXIN, Strafverfabrensrecbt. 22 Aufl. 1991). § 72. 72 Herbert JAGER, Strafgesetigebung und Rechtapiterssechutz bet Sttlichkettsdelikten, Eine krminalsojtologische Untersuchung [Elaboracao da let penal e protesdo de bens Juridicos em delitos contra os costumes. Uma pesquisa criminal-socioligica), 1957: sobre “bem juridico e moralidade’, S. 29ff 73 Giitachton A [Parecer AJ de HANACK: Empfiehltesscb, die Grenson des Sexualsrafrechts nou 2 bestimmen? [Convio fixar os limites do Direito Penal sexual novament?). 1968, Sobre 0 princtpto do bom furidico, Rdnrn 29ff 74 Brstes Gresetz zur Reform des Strafrechts. v, 25.6. 1969 (BGBI [Boletim legtsativo federal} 1954). 26 Revista Penser/Fortalexa/V, 41N° 4P. 5-501JAN, 1996 liberdade sexual € protecio da juventude. Estes epis6dios conferiram 20 Direito Penal voltado para as conseqiiéncia um contorno definido ‘no campo da criminalizacio: ele odia agora afirmar que sua bandeira era a protecio do ser humano - 36 dele e isto apenas nos limites da necessidade, da adequacio eda proporcionalidade dos meios. Com ©comprometimento da tutela penal com a protecio de bens juridicos, ocorreu que, deum lado, o principio da (ultima ratio) ganhou vida e, de outro, as portas da metodologia das ciéncias empiricas foram franqueadas: 0 Direito Penal passa ‘ase apresentar como meio de solugio de problemas sociais (protegio de bens juridicos via instrumentos penais), subordina, porém o emprego de seu maquindrio- porque ele magoa ¢ fere intensivamente - a rigorossissimos requisitos e, afinal, 86 entraré em campo quando nada mais adiantar. E quando ele entra em campo, decerto fica na necessiria expectativa de éxito. Inegavelmente, as teorias do bem juridico apresentaram-se nny primeiry plano do cendrio penal com prudente cautela e sobretudo munidas do aspecto de negagao ¢ critica do Direito Penal que conferiu ‘vigor 20 principio (“sem bem juridico idéneo, nenhuma ameaca de pena € justificavel”). Quem, porém, entra em campo usando como escudo, nao importa como, a protecio de 75 A propéste Grundlagen des Strafrecbts, $28. $§ 29f bens juridicos, deve prevera objecio que se traduz na pergunta: a pretendida protecio. sera efetivamente atingida com o ‘emprego de tais instrumentos? Por conseguinte, 0 conceito de bem juridico tem um potencial de critica a sistema e pode, ao mesmo tempo, ‘combinar inteligentementea vigéncia de prineipios consagrados com as elaboragoes empiricas do Dircito Penal. No entanto, daqui decorrerio novos e diversificados problemas de fundamentacio. 5, Prevencdo por intimidagao Estes problemas decorrem fundamentalmente das esperancas em resultados benéficos produzidos pela cominagioe execugio de penas: esperanga de que os concidadios com inclinagées para a pritica de crimes possam ser persuadidos, através da resposta sancionatéria a violacio do Direito alheio, Previamente anunciada, a ‘comportarem-se em conformidade com 0 Direito, esperanca, enfim, de que o Direito Penal ofereca sua contribuicio para oaprimoramento da sociedade, Costuma-se qualificar as teorias preventivas da pena como “modernas”, embora elas tenham surgido na historia da Dogmatica mais de uma vez, alias com razio, ¢ frequientemente reverteram-se com as opcodes “clissicas” de retribuicao € expiacio, nzs discussées sobre 0s fins da pena”. Também a teoria © sobre 0 que se segue, mals pormenores em minba Einfibrung in die Revista Pensar/Fortaleza/V. 4IN° 4/P.5-5QUJAN. 1996. 27 da prevencio por intimidacio, na versio em que hoje consideramos aceitével, j4 fora formulada pelo criminalista FEUERBACH na virada do século. Para que se pudesse atar ‘ohomem perverso a uma corrente, capaz de afasti-lo de sua natural inclinagio para o mal, era preciso submeté-lo a uma “coagio psicolégica””’, mediante uma inequivoca mensagem expressa na lei ¢ na sua execucio, de que 0 crime nao compensa: que as sangées do Dircito Penal exercam mais infuéncia nas conjecturas dos homens propensos a deliquéncia do queas esperangas nas vantagens do crime. (Ora, 0 teorema acima adequa- se sem reparos a uma teoria do Direito Penal voltado para as conseqiiéncias, pode mesmo converte-se na sua pedra fandamental. Assim como ja fazia ateoria da protecio do bem juridico, também prevencio por intimidagio aborda os fins da pena, direcionando © foco do Direito Penal para observagées empiricas, e delas tira proveito: enquanto as concepcées “classicas”, se as tomamos a0 pé da letra”, ndo esto absolutamente interessadas nos efeitos da pena e contentam-se com uma compensacai pela ilicitude e culpabilidade da conduta do agente - pois na sua 6tica os fins da pena sao retribuicio castigo - aqui se indaga dos reais efeitos da cominagio ¢ execucio de penas ese sustenta que o Direito penal - produz tais efeitos. + pode regular tais efeitos através do ponderado emprego de seus intrumentos ¢, = € capaz, por conseguinte, de ajustar-se funcionalmente a0 sistema de controle social das condutas desviantes. ‘Damesma maneira quesucedeu ‘com 0 conceito de bem juridico, delineia-se com relacao ao fim da pena visto na intimidacio a incessante pergunta: pode o sistema penal “efetivamente” garantir estes maravilhosos efeitos? Ou, como se opera concretamente o atingimento dos efeitos? Esta questio estabeleceu- se em toda a sua extensio na discussio dos fins da pena, foi ‘exaustivamente debatida com mais profundidade que na discussie do bem juridico, e conduziu a formulagées novas ¢ marcantes, 76 A tio deve a teria 0 seu nome, Pormenores em NAUCKE Kant und die psvcbologische Zwangstbeorie Feurerbachs. 1962, principalmente S. 39f, breve resumo em JESCHECK, Lebrouch des Strafrechts,Allgemener Tel, 4 Aufl. (1988), § 8 1V 2. 77 f fora de divida que, mesmo as teorias “sem fins" da pend, no fundo persegutam fin, as teorias “cldsscas". ao invocarem a seu favor a busca da justiga ¢ da compensaqdo Pela infragto,atribuiam a tals efeltos uma certa conotacao empiriea Todas elas podem ser agrupadas sob 0 rétulo “persecucao de fine através da negagao de fins"conforme demostret em mex trabalbo Strafetele tm sozlalwistenschafich orientierten Strafrecht [Fins da pena num Direlto Penal orientado para as ciéncias sociats), in HASSEMER! 'LUDERSSENINAUCKE, Fortschritte im Strafrecbt durch die Sorialwlsenscbaten? [Progresios no Direito Penal através das ctinctas socials), 1983, 8. 39%, 40, 28 Revista Penser/Fortaleza/V. 4N° 4P. 5-5OLIAN, 1996. Aindagacio acerca dos “reais” resultados da aprevencio geral compeliu a teoria da pena a uma ultrapassagem semantica e sistémica dos limites dentro dos quais até ‘entéo abordara os fins da pena. Na medida em que no Direito Penal dificil a montagem de uma situagio experimental, na medida em que afirmagées sem lastro sobre “os efeitos” sociais “do Direito Penal” logo viram-se expostas a intenso tiroteio, alias merecidamente, a indagagao voltou seu foco para explicagdes psicol6gicas e baseadas na teoria da comunicacio. Isto € bastante compreensivel, pois, onde, se nao nas cabegas e nos coracées, dos homens, pode desenvolver-se um efeito preventivo geral resultante da pena? Pelo menos na Republica Federal da Alemanha”, a prevengio Por intimidagao nao foi acolhida ‘com a mesma despreocupacio que caracterizara seu desenvolvimento na Escandinavia e nos Estados Unidos, mas antes com um certo receio. Afinal, esta teoria nao estava imune a um teor de Estado” e, de mais a mais, prestava-se a justificar instrumentos repressivos mais enérgicos, circunstinciais que suscitavam grandes suspeitas de parte da avangada teoria do Direito Penal voltado para as conseqiéncias, ja firmemente instalada na doutrina ena legislacio, Considerando estas condigées, Bernhard HAFFKE formulou a teoria da prevencio geral ‘de modo que se tornasse compativel com 0 Dircito Penal voltado para as conseqiiéncias®. Assim, foi como que construida uma ponte entre as concepgGes até entao correntes na discussio dos fins da pena e as, novas percepcdes baseadas na psicologia profunda sobre a fungio do Direito Penal. Deste encontro, ambas ressurgem de cara nova. AS construgées oriundas do Direito Penal abandonam suas presungées, abstratas e adotam hipéteses empiricamente verificaveis, as construgées da psicologia profunda trocam suas ladainhas de sentimentalismo por enunciados objetivos acerca do que 0 Direito Penal é capaz e do que ele realiza. A critica a esta forma de prevengio geral aprofundou a discussio sobre os fins da pena ¢ 78. Cf, em contrapartida. ANDENAES. Puninsbment and Deterreace. 1974; sobre uma ara situagdo cirada por um expertmento de prevencéo geral em 1994 na Dinamarca.§. 1 79 Mesmo as melhores intencdes pedagdgicas de dissuadir pessoas propensas ao crime somente sto aceltdvets dentro dos limites de uma reagio penal bunana e proporcional. Festa assertiva ndo deriva automaticamente da teorta da prevenedo por intimidacdo, “antes deve ser a ela erticamente oposta. como wma baliza. Pode até mesmo demonstrar ‘que 0 etbor da prevencdo goral se presta a “experimentar” uma criminalisagde mats ‘abrangente ¢ 0 agravamento das penas no “combate @ dilingéncla”. Todavia, prevenedo -geral sem as barreiras ergiuldas pelo Estado de Direlto, pela proporcionalidade, pelas ‘garantias do processo e do formaltzmo contitut terortemo de Estado, 80 HAFFKE, Tiefenpsychologte und Generalpravention. Eine strafrecbtstheoretiscbe Untersuchung [ Psicologla profunda e prevencao geral. Una pesquisa tebrico-penal). 1976. Revista PenserFortaleza/V. 4IN° 4/PS-SQUAN. 1996 29 situou a proclamada orientacio do Direito Penal para as conseqiiéncias ‘em um novo contexto, relativizando suas afirmac6es. Esta critica, de um lado, questionou a fungio de dominacio e de estabilizacio Direito Penal, que esta vertente da prevengio geral encerrava, uma funcio estranha aos objetivos da psicologia profunda" De outro ado, ‘mesma critica reativou uma objecio 40 mesmo tempo normativa e ‘metodol6gica contra toda e qualquer forma de prevencio por intimidagao™: a intimidagio como forma de prevengio atenta contra a dignidade humana, na medida em que ela converte uma pessoa em instrumento de intimidagao de outras e, além do mais, os efeitos dela esperados sio altamente duvidosos, porque sua verificagio real escora-se necessariamente em categorias empiricas bastante precisas, tais como: - oinequivoco conhecimento por parte de todos os cidadios das penas cominadas e das condenagoes (pois do contrério o Direito penal nao atingiria o alvo que ele se Propoe), € -a motivacio dos cidadaos obedientes a lei a assim se comportarem precisamente em decorréncia da cominagio eaplicagio de penas (pois do contriio 0 Direito Penal como instrumento de prevencio seria supérfluo). Pois, para se ter alguma esperanga com o minimo de fundamentos nos efeitos da prevencio geal, é preciso que ambas as condicdes estejam presentes interdependentes. Ora, quem seria tao ingénuo de esperar tanto do Direito Penal? Quando se procura cxplicar por que as pessoas em geral ‘comportam-se de conformidade com © Direito, salta ao olhos que nio € por obra do Direito Penal, ¢ sim por efeito de normas sociais © da socializacio priméria, desmetindo- se assim a conviccio do criminalista FEUERBACH. A teoria da prevencio por intimidacdo, to plausivel em suas afirmagées e tio promissora nos seus efeitos como parecia primeira vista, nao foi capaz de apresentar qualquer argumentacio contra a critica normativa € nao ofereccu nenuma réplica a objegio metodolégica. Ela nao sobreviveu a etapa do Direito penal voltado Para as consequéncias, ©. Ressocializacao” Uma verdadeira teoria do Direito Penal voltado para as {81 Exemplar a polémica entre HAPFKE (S. 133FE) e Herbert JAGER 98. 47{E 173ff) tn JAGER (irs). Kriminoligie im Strafprozeb. Zur Bedeutung psycbologisehen,soztologtecher ‘und Kriminologlscher Erkenninisse fur die Strafrecbtsprass [Criminologia no process0 penal. Sobre o significado de conbectmentos pricolégicos.soclologicos e criminolégicos na préts do Diretto penal}. 1980. {82 Bxposta nos artigos de NAUCKE (5, 9) ¢ HASSEMER (S. ff), in HASSEMER/LUDERSSEN/ NAUCKE, Haupiprobleme der Generalpravention, 1979. 83 Utiizaret as expressbes ressoctalizacdo, prevengdo expectal ¢ tratamento na execusdo ‘penal com o mesmo sentido, A distingdo entre os respectivor conceltos nao & relevante ‘numa abordagem geral como a presente 30 Revista PensarFortsleza/V. 41N° 4/P. 5-SQVJAN, 1996. conseqiiéncias teria que nao apenas dedicar-se a protecio de bens juridicos (a), mas também cuidar Para que 0s concidadios inclinados Para o crime nao atentassem contra cesses bens (b). £ de todo imperativo que a mao salvadora e restauradora do Direito Penal se estenda também Aquele cidadio que falhou na sua conduta, com isto mostrando que tem problemas, e que portanto Poder voltar a criar problemas para asociedade. Numa palavra, Direito Penal voltado para as consequéncias tem necessariamente queser também. um Direito Penal da recuperagio edo tratamento, um Direito Penal da ressocializacio. Do mesmo modo que ocorre com a prevencio geral, também as. sperangas depositadas na prevengio especial pelas teorias penais contemporineas nao sio invengées estas tiltimas. A prevencio especial esta como que ao alcance da mio, E também de se assinalar que, a0 contririo das varias teorias da Prevengio por intimidacdo, a Prevencio individual nao causou muita sensagio nos meios académicos™. Desde que existe pena privativa da liberdade, existe também alguma representacio ou nocio de como € com que fim preencher o tempo vazio do preso, e até 0 presente a reintegracio social concebida como fim da pena esta vsceralmente ligada 2 execucéo de penas privativas da liberdade". De alguma maneira, este fim da pena apresenta-se diante de nés como uma obviedade que nao reclama justificacio. Quem porém resolva aprofundar-se noseu contetido vai deparar com a atitude de suspeita da teoria fra einsensivel De mais a mais, quem se aventure nesta empreitada tera que comer a hospitilidade de uma concepgio assentada na jurisprudéncia, segundo a qual a ressocializagio € uma ‘emanagio do Direito fundamental a dignidade humana previsto na Constitui¢io, e por fim defrontar- se com a realidadede certos campos do Direito Penal “modemno” intensamente permeados do ideal ressocializador (no plano te6rico), como Direito Penal da juventude”* ¢ das drogas". Aqui sem divida situam-se as razées pelas quais a ascensio e queda da idéia da ‘84, Texto representative: CALLIESS. Theorle der Strafe im demokratschem nd soztalen ‘Rechtsstaat | Teorta da pena no Estado de Direttodemocrdtco social. 1974 principalmente ‘Sif ESER. Resocialisterung in der Krise? Gedanen zum Sostaisationscel des Strafvoliuges | Ressocializapdo na crise? Relexbes sobre o fim de soctalizagdo da execuedo penal | i Festcbr {Peters 1974. 8. 5O5ff: KAISER. Resoztaisierung und Zeligest[Ressoctatzagdo ‘expirtio da época}. in: Festebr { Wurtenberger. 1977. 8 3598. {85 Em um local proeminente (§ 2. primetra frase), proclama a Let de Execugdo Penal de 163.1976: *No decurso da execucdo de pena, deve 0 presa tornanse capar de condustr uma vida futura com responsabilidade soctal ¢ som atos punivels im da execugdo).” 86. BYerfGE 35,202 ("Caso Lebach’, sentenga da Corte Consttuctonal da Alemanba). 87. §§ 3, 9. 1GG [Let dos tribunate da juventude). 88. $§ 350F BUG [Let dos extupefaciontes). Revista Pensar/FortalexalV. 4IN? 4/P5-5/JAN. 1996, 3 ressocializacio procede com certa lentidao. ‘Todavia, apesar da roupagem suave e discreta da tcoria da ressocializacio, ela no escapa a justas criticas. Elas comecam pela indagacio” sobre o que realmente se quer atingis com 0 fim apontado: uma vida exterior conforme ao Direito (ou 86 conforme ao Direito Penal?), uma “conversio interna, uma “cura”, um consentimento (?) com as normas sociais/juridicas/penais () de nossa sociedade? A resposta ainda esta pendente. Sem uma determinacio clara ¢ vinculante, nenhum de recuperagio, a rigor, se justifica. No mais tardar no momento da escolha de seus instrumentos, 0 programa j4 deve ter uma nocio cexata dos fins pretendidos. Ademais, considerando a incerteza reinante quanto aos objetivos de uma ressocializacio, nio faz evidentemente nenhum sentido prosseguir na discusso sobre os reais efeitos da ressocializacio © do tratamento, fica dificil até formular perguntas. Aqui ha um perigo: enquanto apenas se especula Sobre esses efeitos e continuamente se lanca mao do surrado argumento “nada funciona’” , a ideia da ressocializagio se transforma em ‘moeda de troco de qualquer politica de seguranca publica e da respectiva idcologia: na Escandinavia, nos Estados Unidos, menos espetacu- larmente também entre nés, ela primeiro se apresenta como panactia, ‘um verdadeiro salvoconduto para 2 solucdo de todos os problemas da ctiminalidade e, pouco depois, converte-se no charlatéo, que subtraiu dos presos e da sociedade tempo de vida e dinheiro. No cerne da idéia de ressocializacio entrecruzam-se perguntas criticas” sobre a medida de pressio que ela é capaz de tolerar. Estas perguntas representam um petigoa sua sobrevivéncia, porque investem contra. maior capital politico-criminal da idéia de recupecio, que é sua “humanidade’. “Recuperar em vez de punie” - uma antiga palavra de ordem que atormentou incessantemente (com algum éxito) as teorias penaiscssicas ¢ fez a ideologia da recuperacio parecer progressiva ¢ sem concorrentes - perde agora muito de seu brilho inicial, depois que demonstra que “recuperagio” na execucio penal é outra coisa que um convalescimento no hospital. Como meio utilizado pelo Direito Penal ¢ em intima ligacio com a exccugio. penal, a ressocializagao” constitui uma 99. MULLER-DIETZ. Grundfragen des strafrechiltchen Sanktionensystems, 1979, Principalmente S. 52ff, 1079. 90 p. + A ALBRECHT. Jugendstrafrecbt. 1977. § 6 IL. com demonstracdo. 91, lustratvo. PA. ALBRECHT. Spestalpravention angesicts neuer Tatergruppen [Prevensao ‘especial © noves grupos de infratores. ZSIW 1985. 830i W. HASSEMER. Resoztalisterung lund Rechtestaat Ressoclaltzagao « Estado de Diretto), Krimjourn 1982. 161ff 92. Alguns eliminam 0 prefixo “re” para exprimir que os individuos que compoem sua ‘lientola devern ser soctallados pela primeira ver na tida no que revelam wna concepyto Particular de soctalizagdo, normativamente disfarcada, © exibem wma arrogdnicia frente 4 outros modos de vida, 32 Revista PenserFortalezaV, 4IN° 4/P. S-50UAN. 1998 atividade compulséria para o paciente, um tratamento imposto, ‘uma tentativa de arrebatar o preso nao apenas no corpo mas também na alma e mais: almeia exorcisar” seu estilo de vida ¢ seus modelos de comportamento especificos da classe baixa a que pertence. Se a tudo isto se acrescenta que respeitiveis representantes da idéia da ressocializagao" —acabam propugnando a pena de duracio incerta (porque o término da pena deve ser calculado em sintonia com as teorias da socializacio, com base no concreto éxito da recuperacio, endo com base no abstrato principio da proporcionalidade), de duvidosa constitucionalidade, e se, por fim, se lanca 0 olhar sobre todo 0 panorama que se descortina sobre pano de fundo da incerta eficdcia da recuperagéo na execugio penal, entio nao fica dificil compreender por que razio a ideologia da recuperacdo ndo atravessou imune a.era do Direito Penal voltado para as conseqiiéncias. Nesse meio tempo, as vozes favoriveis tomaram-se mais timidas. “Tratamento” ndo é mais apresentado ofensivamente, como fim genérico ‘ou tnico da pena privativa da liberdade, mas apenas como uma medida adicional da execugio, que além do mais deve ser diferenciada, segundo 0s diversos tipos de presos € de momentos da execucio. Atualmente, @ conceito de tratamento inspira-se mais em concepsées de apoio ao preso que de intervengo no seu compor- tamento. Assim, a idéia de ressocializacio passa a reivindicar pelo menos que a de-socializagio provocada pela vida no cfrcere seja reduzida 20 minimo possivel”. Sbvio que nao se pode esperar para médio prazo que propostas humanizadoras e objetivamente inatacaveis, tais como tipos de ‘ratamento em liberdade ou “terapias emancipadoras™, encontrem na doutrina, na prixis e na politica legislativa a necesséria maioria para que sejam implementadas. 0 Direito Penal ainda se acha muito impregnado de uma certa “raiva do carcereiro". Se, porém, a idéia de ressocializagaoabris mao definitivamente de suas prestagées de querer reinar com exclusividade na teoria e prixis da execugio penal ede querer methorar 0 mundo na pessoa do preso, ela ainda pode renderbons frutos. Ela poder’, por exemplo, tornarse mais sensivel Ador da privagio da liberdade, trazer 193. Neste sentido, SCHELLHOSS, Rebabilttaon. Resoslalisterung, in: IAISERIKERNER(SACK/ SCHBLLHOSS (Hrsg), Kleines Krimionologtscher Worterbuch | Pequeno dictonério ‘riminolégico|, 2. Auf. (1985), S. 359ff, com exemplos. 94. Exemplos em JESCHECK, AT. § 8 V4 ‘95. aradgmdtico SCHULAR SPRINGORUM. Kriminalpolith fur Menscken [Politica criminal ‘para gente}. 1991. 318990 0. ‘Staradigmdtico HAFFKE. Hat eman/ipterende Sostaltherapte eine Chace? Eine Problemshi/ Le. in: LUDERS-SENSACK (Hrsg). Seminar Abwelcbendes Verbalten ill 2. 8. 291. Revista Pensar/Fortaleza’, 4N® 4/P.5-5QUAN. 1996. 33 algumas mitigagées para o decurso da execugio e contribuir para uma aulatina abolicio da pena privativa de liberdade”. Assim, um instrument concebido ou fomentado pela idcologia da recuperagio poderi a final, astutamente, sair vencido ou pelo menos enfraquecido por esta mesma ideologia; a privacio da liberdade como pena criminal. d. Ciéncias sociais, execucao penal e ensino juridico Protecio de bens juridicos, prevenc4o por intimidagio ¢ ressocializacio sao apenas centros de gravidade de uma teoria do Direito Penal voltado para as conseqiiéncias. Eles nao compreendem todos 0s temas de que esta teoria se ocupou, mas sobressaem do conjunto da produgio cientifica, que os sustentou e nutriu. Um quadro fidedigno da tcoria do Direito penal para as conseqiiéncias requer que se dirija, a atencio também aos sinais distintivos menos espetaculares desta etapa, © contetido dos referidos Pontos principais resultou sobretudo do alargamento do foco juridico- penal para as ciéncias apoiadas na observagio da realidade™. f certo que, desde longa —_ data, questionamentos resultados roduzidos pela Medicina, Psicologia ce ciéncias afins ni eram estranhos As cogitagdes do Direito Penal, sobretudo na prixis. Pensa-se por exemplo nos institutos da imputabilidade no Direito material e na fidelidade dos depoimentos no Direito processual. No entanto, © Direito Penai voltado para as conseqiiéncias abordou_ estas questées de um novo angulo, nio mais como ciéncias auxiliares ou inferiores. Este novo Angulo é abreviadamente (ndo sem alguma polémica a respeito) denominado de “absorcao das ciéncias sociais no Direito Penal”. Ele contém mais do que 0 nome indica™. A determinagio do Dieito Penal de usar as ciéncias para ele relevantes ndo mais como ciéncias 97. lustrattvo, LIDERSSEN. Stufenavtse Breetzung der Fretbettsstrafe \Gradativa substtulgdo da pena privativa de liberdade|, in: HASSEMER (Hrsg), Strafrechispolitis, 1987. S. 83f. 98. isto fd se aludtu supra HL, 99. Prova disso sdo dots trabalbos de NAUCKE: Uber die jurtstiche Relevanz der Sostabwissenschafter | Sobre a relevdncta furidica das clénclas soctats|. 1972, ¢ Die Sorlalpbilosopbic des saztalwtstenschaflich orientieten Strafrechts | A fiosofia social do Direito penal voltado para as elénclas socials|. in HASSEMER/LUDERSSENINAUCKE, Fortscritte. 5. If 100. Representativos os semindrios publicados em quatro volumes por LUDERSSEN ¢ SACK: Abwelichendes Verbalten. 1975 - 1980 (Temas: As normas seletieas da socledade. A reagdo soctal a criminalidade; producao de lets penats « dogmética penal, processo penal e execusdo penal Politica criminal « Diretto penal), assim como os dots volumes Yor Niutzen und Nacbtell der Sotalwissensebaften fur das Strafrecht | Sobre ax vantagens ‘¢ desvantagens das clénclas socials para o Direlio penal. 1980. 34 Revista Pensar/Fortaleza/V. 4IN° 4. 5-SOLIAN. 1996, ‘auxiliares", mas para deixar-se instruir por elas, nao tinha por objetivo apenas absorver o estranho harmonicamente, esim de modificar criticamente 0 proprio. Conheci- mentos e métodos estranhos deveriam ser alcados a posicio de colaborar na reformulacéo das questdes fundamentais acerca do objeto, do fim e da justificagio do Direito Penal, em vez de simplesmente responderem aos ‘quesitos que hes eram previamente formulados pelo Direito Penal. Os conhecimentos de outras reas nio mais deveriam, por exemplo, preencher de recheio cientifico a rede dogmética tecida pelo Direito Penal sobre a aptid’o para a culpabilidade (§§ 20, 21 StGB), € sim participar na confeecio da rede ‘mesma, opinando sobre como ela deve sere no que vai dar no futuro", Afinal, uma teoria que se diz orientada paraas conseqiéncias no teri éxito por meio de uma observagio distante dos efeitos produzidos pelo sistema penal; ela Pressupée um entrelacamento da realidade com seu processamento te6rico. Se este resultado ocorre, deve-se contar como certo que 0 processo de aprendizado deixar suas marcas € 0 préprio objeto de estudo nao teri o mesmo aspecto de antes. “Absorgio das ciéncias sociais"™ nio significa portanto um simples remendo de conhecimentos ¢ questionamentos estranhos no sistema do Direito Penal. Mais do que isto, significava uma reestruturacio do sistema mediante novos critérios de racionalidade © corresio, de relevancia © de justificagao: uma praxis bem sucedida e umaciéncia do Direito Penal de boa qualidade nio mais poderiam ser aferidas unicamente com teorias concludentes ¢ em principio bem claboradas, nem com suas respectivas projegbes em “casos” abstratos e assépticos. Era preciso muito mais: que ofoco de observacio se estendesse por toda amplitude do sistema e das efeitos que cle produzia, por causalidades e ages reciprocas, por molduras normativas ‘econdigdes efetiva de transformacio € aprimoramento. Sob a bandeira das “ciéncia socias” navegavam todos 0s elementos que reclamavam ou prometiam uma reforma do sistema do Direito Penal de fora para dentro. Isto no era pouco ¢ nem apresentava _homogencidade. Tampouco era novidade, a se ulgar pelo projeto. Tudo aquilo que a 101. Exposigdo em SCHILD. in: AK StGB | Comentario alternative ao Chdigo penal. 1990, 5 Rdnrnlfe 50, 102, Para se verificar que a espressdo “clémctas soctats”alcancam inclusive a Ptcologta individual, conbecer quats os campos e temas se oferecem para wma reflesdo no sen ambito ¢ extremar os seus confins veja-se com farta fundamentagao, men trabalbo Soxiawissenschafilich orientierte Recbisanwendung im Strafrecbt | Aplicagto do. Direito ‘Penal orientado pelas cloncias sciats, tn: W. HASSEMER (Hrs.), Soctalwssenschefton tn Strafreche 1984, Sp. Revista PensarFortaleza, 4N® 4/P.5-5OUAN. 1996. 35 idéia de uma “ciéncia total do Direito penal” nao conseguira produzir na ‘era da Dogmitica abstrata™, veio a calhar apropriadamente na teoria do Direito penal voltado para as conseqiiéncias; a conducio exitosa de uma idéia, sob a qual se agruparam todos os esforcos © tendéncias, que tinham como denominador comum a desqualificacio da Dogmatica penal A posicéo de uma atividade esotérica. ‘A idéia era venerada ¢, 20 mesmo ‘tempo, vaga insuficiente, para reunir por longo tempo as mais heterogéneas formulagées e aspiracdes frente ao sistema do Direito Penal", Ela serviu neste perfodo como um vigoroso grito de guerra contra um Direito penal tapado™,PO solo sobre o qual por primeiro germinaram as idéias centrais da protecio de bens juridicos, da prevencio por intimidacio ¢ da ressocializacio s6 se torna melhor conhecido, desde que se aborde com mais precisio 5 dois campos que os penalistas contemporineos consideraram mais significativos e sobre os quaisatuaram com mais insisténcia, de modo a converterem-nos em marcos decisivos desta etapa, Refiro-me aos 103.Supra, 1L2. ‘campos do ensino juridico ¢ da execugio penal Execugio penal e ensino juridico constitufam, na fase do Direito Penal voltado para as conseqiiéncias, os campos sobre os quais 0s requisitos € os efeitos de um Direito correto e de uma boa implementagio do _Direito apresentavam-se mais visiveis ¢ palpiveis. Na execucio mostram- se 0s efeitos do Direito Penal - da ameaca de pena, passando de pena, passando pela _sentenca condenatéria, até as realidades da pena - em forma concentrada, projetam-se © exibem-se os softimentos que 0 Direito Penal inflige; no seu estudo deveria, inecessariamente, ser possivel a exata afericio dos efeitos recuperadores sobre os quais se assenta este tipo de tutela penal. No ensino juridico sito tracados os funclamentos da précis juridica dos futuros bacharéis, delibera-se em boa parte 0 peso relativo das matérias ministradas, ¢ definem-se com exatidao as tutas ideolégicas em torno do "bom jurista” ¢ da “correta ciéncia do Direito” Dai, surpresa que, justamente no ensino aio causa nenhuma 104.0 colorido do fetxe “eléncia rotal do Direito Penal” pode ser visto em: BARATA, Strajrechisdogmattk und Kriminalpolusk. Zum Vergangenbett und Zukunft des Modelle ‘einer gesamten Strafrecbiswissenschaft. ZSAW 1980. 10Tff: LANGE, Newe Wege 24 einer Gesamten Strafrechtswissonsebaft. ime Festschrift fur jescheck. 1985. S Sif: MAIHOFER. Gesamte Strarechisuissenschaft, tm Festschrift far Henkel. 1974. 8. 75ff 105. Este emprego da Idéla ndo a desmerece necessartamente: A visdo de Franz von Lister, segundo a qual a prdsis e a elincta do Direito Penal se uniriam numa base mats ‘ampla, aparscen mats sedutora do que munca aos olbos dos pensadores da época em ‘apreso, como logo se demonstrard sob om WW. snr. 36 Revista Pensar/FortalezaV 4° 4/P S-5Q1/AN, 1996 juridico e na execugio penal, 0 Direito Penal ea sociedade de uma época se'encontram osmoticamente. Em ambos os campos, os professores de disciplinas gerais certamente no lavraram sozinhos, mas colheram part si; em ambos campos moldaram- ‘seas feigdes de uma teoria do Direito penal voltado para as conseqiigncias com rara clareza. No campo da execucio penal, 0s penalistas se defrontaram sobretudo com 0 Dircito Constitucional", que destrogou- thes a figura da “relagio juridica especial de poder”, que, até entio, ‘sempre viera solicita em seu socorro, para justificar e — encobrit comodamente as violagées de direitos especificas da execugio penal. No campo do ensino juridico, 0s penalistas envolveram-se com potentes reivindicagées de mudangas sociais ¢ juridicas™, que compreenderam também 0 Direito Penal, nas etapas sucessivas ¢ diversas reformas legislativas"™. O interesse geral por reformas juridicas documentou-se com enorme ressonincia no 482 Congresso alemio de juristas, em 1970, que debateu exatamente a execucio penal e 0 ensino juridico. Em ambos 0s campos, o legislador acabou acolhendo ¢ convertendo em lei algumas das demandas centrais da época: Para 0 ensino juridico, estabeleceu, entre outras reformas, a chamada “Experimen-tierklausel”, substituindo ocurriculo até entao disposto em duas fases por um Programa de fase —tinica, compreendendo a uma s6 vez, a Praxis eas ciéncias sociais nas aulas dos cursos juridicos™, para a execugio penal,adotou, entre outras medidas, 0 principio da jurisdicionalizagao da situagao do reso! Os paralelos entre a execugio penal © 0 ensino juridico sio surpreendentemente numerosos, nao apenas no procedimento como também nos eventos, ¢ marcaram indelevelmente a fase do Direito penal voltado para as conseqiiéncias 106, Blaborado para aplicazdo no Direito Penal sobretuds por LLLER-DIETZ, Strafvoltewesgesetsxebung und Strafvollzussraform | Lagilagia da execu penal e reform ‘da execusdo penal |.1970,« por SCHULER SPRIN-GORUM. Strafvotiong tm Ube Staion zum Stand der Vollzugsrecbislebre | Execuso penal em transiedo. Estudos sobre a teorka Juridica da execusdo penal, 1969. 107. BlerGE 33,1 | Decisdo da Corte Constituctonal Federal | 4108. Raradigmdtico. LOCCUMER ARBEITSKREIS (Hrsg). Newe Juristenausblldung | Novo ensina furidico |, 1970. 109, Inventério, andltse e valoracdo em GIEHRINGISCHUMANN. Dic Zukunft der Sorlalwissenschatfon in der Ausbildung tm Strafund Strafverfabrensrecbt - Erfebrung versus Programmatik |O futuro das etincias roctais no ensino do Direito @ processs penal -experiéncia versus programas|. tr: HASSEMER/HOFFMANN RIEM/LIMBACH (Hee), Juristenaubildung zwtschen Experiment und Tradition |Eusino juridico entre ‘experimentagdo e tradicdo|. 1986. 8. G5 110. Atteracao no § 5b DRUG |Let da magistratura alemdo| pela let de 10:9.1971, BGBI, 115567. 111, Strafvollzugsgesetz |Lel de execuso penal| v, 163.1976, BOS. 1, 581. Revista PensarFortaleza/V. 4IN° 4/P6-QUAN. 1996 37 Emambosos campos ergueu-se como centro do interesse nio principios ‘ou sistemas abstratos, mas. realidade penalmente relevante. Em ambos 08 casos, tratava-se de encontrar ‘opgdes politicas e ndo apenas te6ricas. Os reformadores insistiram, na ampliacio do foco de observagio cientifica e na resoluta absorcio das conseqiéncias da decisio na elaboracio da decisio. Com isto, a etapa do pensamento juridico voltado para as conseqiléncias gravou sinais duradouros, capazes de preservar e legar sua mensagem, IV. DIREITO PENAL FUNCIONAL Se se tomam os sinais pelas coisas que possam significar, é forgoso reconhecer que a continuidade da teoria penal voltado paraas consequéncias no tem muitas chances de prosperar. No proprio campo da execugio penal o horizonte nao é animador: importantes projetos de reforma continuam pendentes, apesar de sua implementagio ser. insistentemente cobrada'™; aomesmo tempo, sio implantadas “contra- reformas” que, com razio , sio apontadas como retrocessos", No setor do ensino juridico, o legistador retrocedeu logo a seguir de introduzir reformas, chegando mesmo a_—extinguir. a “Experimentierklausel” repentinamente'. 0 que sobrou do Direito Penal voltado para as conseqiiéncias? 1. Questées fundamentais Uma apreciagio de fatos que nos estio préximos no tempo ¢ no espaco reclama muita cautela, No maximo, seria possivel tracar apenasalgumas linhas basicas"®. Estas linhas correm paralelas no sentido 112, CALLIESS MOLLER-DIETZ, Komm. StVolleG, 5. Aufl. (1991), Bink. Rd. 45 113. SCHULER-SPRINGORUM, Tatschuld tm Strafvollzug |Fato reprovdvel na execusio ‘Panal|, in: SCHOL-IERIPHILIPES (Hees). Punbtlonaliomnt, § Elf 114, 34 Let de alteracdo da DRIG \Lel da magistratural, de 25.7.1984, BGBI, 1, 995. 115. 0 que se segue no texto fol por mim exposto com mats pormenores em: Symbolisches Strafrecht und Recbisgiterschutz |Diretto Penal simbtico « protecao de bene juridicos. in: NSIZ 1989. 553ff Grundlinien einer personalen Recbtsgutslebre |Linhas bdelcas de uma teora do bem purkdico pessoall, i: SCHOLLER/PHILLIPS (Hrag) 8. 5ff: AlternatieKonnmn. = StGB |Comentério alternativo ao Cédigo Penal. Vorbem Rdnrn. 465(f, 480 ff Sostaltechnologie und Moral. Symbole und Recbisgter | Tecnologia sociale Moral. Stmboloe 1 bens juridicos, in. JUNG/MULLER-DIETZINBUMANN (Hrs), Recbt und Moral. Boltrage 12 einer Standortbestimmung. 1991. S. 329ff Similar no essenctal e nos resultados. F LHERZOG. Gesellschafiliche Unsleberbett und strafrechllche Daseinvorsorge. Studien 21n Vorvelagerung des Strafrechtsschutzes in den Gefabrdungsberetch \Inseguranca social ¢ ‘Prontiddo penal. Estudos sobre o deslocamento da tutela penal para 0 setor dos deltos ide perigo|. 1991: PRITTWITZ. Funktionalisterung des Strafrecbis |Functolizacdo do Direito Penal. in: Strafoertetdiger 1991, 435ff MULLER-DIETZ, Die gestige Situation, in: GA 1992, 124, 38 Revista PensarFortlez@/V. 4IN° 4, 5-50/JAN. 1996. de uma funcionalizagio ‘modernizacio do Direito Penal, de ‘uma paulatina perda de importancia da produgao cientifica para a producio da politica e da praxis do Direito Penal, ¢ de uma erosio dos tradicionais do Direito Penal. © Direito Penal para as conseqiiéncias realizou eficien- temente 0 interesse na produgio de efeitos desejiveis e na evitagio de efeitos indesejéveis, implementou com éxito seus sinais distintivos: “realidade” e “alcance”™, Diante desta situacio, ¢inevitavel a evocagio ainda que vaga- de uma “dialética do moderno””, no sentido de que esses interesses © esses sinais distintivos se autonomizaram, Passaram a ter vida propria ¢ conduziram o Direito Penal a uma fronteira, na qual os objetivos origindrios de um sistema penal voltado para as conseqiiéncias inevitavelmente desvirtuam-se: com © seu mergulho na realidade © a sua orientagio para as préprias conseqiiéncias, 0 sistema penal rachou as estruturas do Direito penal voltado para as consequéncias ¢ abandonou no trajeto os prineipios consolidados pela teoria do Dircito Penal voltado para as conseqiiéncias. O sistema penal atual se apresenta acima de tudo como um instrumento efetivo da politica interna ou de 116. Supra, U3,4 seguranca publica, _rejeita sumariamente a indagacdo critica sobre sua aptidio instrumental ¢ desvencitha-se pouco a pouco dos grilhdes representados pelos principios. Estes grilhdes, tradicio- nalmente © com boas razées, desempenhavam a tarefa de manter sistema penalno seu lugar, ajustado ao conjunto dos instrumentos politicos disponiveis para o controle de conflitos*. Sendo, vejamos: 2. Questées exemplares @. Tendéncias Desde as reformas legislativas penais ocorridas na primeira metade dos anos setenta (através da 2! Lei de reforma do Dircito Penal ¢ da Lei de Introducio ao Cédigo penal"), as quais se concentraram Parte Geral, sobretudo no tema das sangées penais, nossa politica criminal passou a mover-se, com crescente preponderincia, na Paste Especial do Cédigo © no Direito Penal Especial, nao codificado. E ai, ndo se vé'sendo uma febril criminalizacio: novos tipos penais © agravamento das cominacées penais confirmam 0 quadro. Descriminalizacio e aprimoramento da Parte Geral, digamos no terreno das penas ¢ medidas de seguranca, ‘nao mais constam da ordem do dia. © quadro de endurecimento restric6es fica completo com a 117. HORKHEIMERIADORNNO, Dialckttk der Aufelarung |Dialstica do iluminismo| 1968. 118. Bata linba serd retomada infra, 4. 119, 2SURGe. 4.7.1969, BGBL. 1. 717; EGStGBe. 23. 1974, BGBI: I. 49. Revista PensarfForteleaV, 4N® 4/P.5-5QUAN, 1996. 39 politica de reforma legislativa empreendida no proceso penal, que aponta no rumo da abreviacio, reducio, simplificagio e remogao de 6bices formais a uma pronta resposta penal. A ilagio de que aqui se esta diante de uma “sede de punir” ja seria anacrOnica. Pelo contratio, ‘0 que atuando € nada mais que a heranga do Direito Penal voltado paraas consequiencias. Isto se torna ‘evidente quando se deeompée destas tendéncias em suas singularidades. ». Areas de interesse ¢ instrumentos As areas sobre as quais se delineiaa politica criminal do Direito Penal material e os instrumentos dos quais ela preponderantemente seserve sio bastante esclarecedores, Problemas ambientais, drogas, criminalidade organizada, economia, tributacio, informatica, comércio exterior € controle sobre armas bélicas - sobre estas reas concentra- se hoje a atencio publica; sobre elas aponta-se uma “necessidade de providéncias”, nelas realiza-se a complexidade das sociedades modernas © devenvolvidas; delas preferencialmente surgem na luz do dia os problemas de controle desta sociedade. Sao Areas “modernas”, e delas se encarrega oatual Direito Penal. Nestas reas, espera-se a intervencao imediata do Direito Penal, no apenas depois, quese tenha verificadoa inadequacio de outros meios de controle nio penais. O veneravel principio da subsidiariedade ou da ultima ratio doDireito Penalé simplesmente cancelado, para dar lugar a um Direito Penal visto como sola ratio. ou prima ratio na solucio social de conflitos. A resposta penal surge Para as pessoas responsaveis por estas areas cada vez mais freqiientemente como a primeira, senaoa Gnica saida para controlar 05 problemas" 0s instrumentos de controle amplamente providos pelo Direito Penal sdo considerados adequados para emprego indiscriminado nestas reas. J4 ndo se trata mais da protegio de ultrapassados bens juridicos individuais concretos, como a vida ea liberdade, mas dos modernos bens juridicos universais, por mais vaga e superficial que seja a sua definigio; saade —_piblica, regularidade do mercado de capitai ou credibilidade de nussi politica externa, A cles correspondem os tipos de delitos em que o moderno 120 Arthur KAUMANN, Subsidlariat und Strafrecht, in: Festschrift fir Henkel, 1974. S af. ANN, Subsidtaritat und Strafrecht, in: Festecbrif fr Henkel, 1974, 5. 88fE 121Assim 6 que, nestes dias, abril de 1992, ouve-se por toda a parte a curiosa idéia de se fnstiir uma obrigagdo elettoral, cuja vlolagdo serta punida com pena pecuniéria. E ‘que, nas recentes eleigdes para cargos extaduats om Baden Warttemberg e em Scblestl- Holstein, 0 indice de participasdo foi mutto batxo. Ao mesmo tempo, tres atletas de Neubrandenburg adguirem forga ers sua campanba de se criminalizar 0 doping 40 Revista Ponsar/Fortaleza/V. 4IN° 4P, 5-SOLJAN. 1996. Direito Penal se realiza; nos crimes de perigo abstrato, nao se indaga de uma ameaca concreta, muito ‘menos de um dano ao bem juridico Protegido; para fazer nascer a Pretensao punitiva, basta a pritica de uma conduta considerada tipicamente perigosa, segundo a avaliagio do legislador. Este tipo de Direito Penal no tem nenhum nticleo delimitado , a idéia da punicio a ofensa de bens juridicos individuais ha muito se desfez. 0 novo Direito Penal derrama-se sobre todos os campos em que nossa vida se tornou “moderna” e arriscada, Porém, € curioso também notar quea tendéncia moderna de penas mais brandas nao est presente na criminalizagao abrangente e flexivel ‘dos modernos tipos penais. Aqui, © legislador predispée-se a0 endurecimento e 4 intimidagao, como por exemplo no “combate” da “criminalidade organizada”, na disciplina penal do comércio exterior ¢ de armas bélicas, ou no Direito Penal Ambiental. © proceso penal moderno segue de perto estas mesmas tendéncias. Dois de seus campos particularmente salientes oferecem- se para confirmar a caracterizagao de um Direito Penal funcional. Refiro-me ao “Deal” ou acordo no Proceso penal” eaoagravamento de medidas coercitivas precessuais nos casos da “criminalidade organizada"™. No primeiro, as estruturas do proceso penal s40 flexibilizadas, no segundo os instrumentes de investigacio sio afiados € fortalecidos, mas 0 resultado produzido € 0 mesmo em ambos as casos; um processo capaz de adaptar-se ao “espirito de seguranca” destes tempos. c. Acordos no processo penal “Acordo” ou também “conci- liagdo” no processo penal sio cufemismos que presumivelmente designam a reacio do processo penal sua saturagio. Esta saturacio deve ser creditada a especifica hipertrofia do Direito Penal material, pelo que também ela é um problema *moderno”. Nao € por mera coincidéncia que precisamente as 122, DENCKER/HAMM, Der Vergleich tm Strafprozef |A concituado no processo penal 1988; SCHUNE-MANN, Absprachen im Strafvefabren? Grundlagen. Gegenstdnde und Grenson Gutachten zum 58. DIT |Acordos no processo penal? Fundamentos, objeto « limites Pareceres do 58° Congreso alemao de juristas|. 1990; discustbes adtcionals na “Strajverteidiger” Sonderbeft \edieao especial da revisia *Adwogado de Defesa”|, 1990. dedicada ao mesmo Congresso. 123. Vso geral ¢ critica em W: HASSEMER, Stellungnabme zum Entwurf eines Gesetzes zur Bekdmpfung des ilegalen Rauschgiftbandels und anderer Erscbeinungsformen der ‘Oorganisierten Kriminalitat |Consideragoes sobre o projeto de let para a repressio do comércio tlegal de estupefactentes ¢ de outras formas de manifstagao da eriminalidade ‘organtzada|. in: Kritschejustis 1992, G4f: com mats pormenores, WOLTER in: Systematischer Komm. zur StPO und zum GVG, 1990, Vorbem, § 151 Rdnrn. 81 Revista PensarFotalezaV. 4 4/P-5-5QUAN, 1996 41 matérias penais “modernas” - ambiente, drogas e sistema econémico - séo apontados pela doutrina como os campos mais apropriados para a realizagio de acordo ou conciliagio™. No estado atual, ainda nao € possivel prever ‘qual dentre as formas de conciliagio indicadas pela acirrada discussio doutrinaria ir prevalecer © impregnar 0 processo penal do futuro. Ainda assim, j4 € possivel avistar onde esta viagem vai dar e «quais 0s traumas politico-legislativos ficario pelo caminho™. Os acordos desformalizam 0 processo penal, abreviam-no, barateiam-no ¢ expandem a capacidade da justica penal de processar maior mimero de casos. Os acordos tém uma penca de principios constitucionais ¢ processuais fundamentais como inimigos naturais; publicidade das audiéncias (porque a conciliacio requer decéncia e descricao); juiz natural (porque a proposta de se introduzir a participacio de juizes leigos também nas audiéncias de julgamento € pouco convinvente); principio da legalidade (porque, compreensivelmente, nao sera 0 contetido do Direito Penal material aplicavel a0 caso que guiari a decisio final, e sim a avaliagdo oportunista das perspectivas de desfecho do processo ¢ da disposicgio dos Partners” para 0 acordo); principio inquisitério (porque 0 “grande achado” do acordo consiste exatemente em evitar investigagées de outro modo inevitéveis); nemo tenutur se ipsum accusare (porque 86 faz sentido participar de uma conciliagio se se tem algo a oferecer); igualdade de tratamento (porque deve-se procerder de tal modo que ‘acusado pouco disposto ou pouco capaz de cooperar seja por esta razdo mesma tratado com mais rigor), d. Agravamento das medidas coercitivas de investigagao £ impressionante também 0 arsenal dos métodos de investigagio com os quais a prixis do Direito Penal pretende enfrentar a ‘riminalidade; investigados camu- flados agentes de ligacio, sondagens e observagées prolon- ‘gadas, operagoes arrastio em bancos de dados € buscas por meios cletrénicos, emprego clandestino de aparelhos visuais e auditivos até mesmo no recesso. do. lar, gentecnologia, processamento de dados ostensivo ¢ “preventive”, utilizagio de anotagées intimas em criminalidade grave. Eis ai arazao pela qual os avangos politico- ‘eriminais causam inquietagies no apenas nos professores. A distincio entre medidas coercitivas policiais 124, DENCKERIHAMM, 5. 12; SCHONEMANN, 5. 18f 125. Pormenores em meu artigo, Pacta sunt servanda - auch int Strafprozcf? |também no processo penal?|, in: JuS 1989. 890ff 42 Revista PenserfFortalza/V. 4IN° 4/P 6-50V/AN, 1996. € processuais penais, fundamental para a tutela juridica do cidadio, se desvanece em fase do crescente medo da criminalidade e das agressivas exigéncias de prevencio; cada vez mais pessoas nao envolvidas na criminalidade caem nas redes da investigacio; os irrecusiveis limites que a nogio de “suspeito” ou indiciado de um ato punivel estabelecem para a restrigio de direitos no interesse da investigagio séo constantemente ultrapassados ‘ou simplesmente desaparecem em medidas como as investigagées de bastidores ou de combate “preventivo” a criminalidade; os Direitos Humanos Fundamentais + a comecar por emanagées da dignidade humana e dos direitos da personalidade, como o ja consagrado Direitoao controle sobre ‘oso dos dados pessoais, chegando até ao Direito fundamental & inviolabilidade do domicilio - nilo sio capazes de deter a avalache da atividade policial “razoavel”, com a desculpa do combate ao crime, © Estado investigador invade a Privacidade e a alma das pessoas €, no trajeto, perde a presungio de credibilidade. A moda atual nio €a jurisdicionalizagio do processo penal, mas sim sua aptidio para um efetivo combate a criminalidade, ‘Nao custa lembrar que as adverténcias contra a degradacio das garantias Processuais siode ontem, no duplo sentido da palavra, 3. O papel das ciéncias penais @ Teoria e préxis presente trabalho trata do desenvolvimento das ciéncias e nio da praxis juridico-penal. Nao obstante, é notével que a praxis ‘tem exercido um papel determinante na elaboracio do Direito Penal funcional desta fase, por razées que se extraem do préprio contexto, As ciéncias penais participaram ‘autelosa e marginalmente nos novos avancos ¢ tendéncias noticiados neste capitulo. A desvinculacio do interesse cientifico penal de seu ambiente politico-criminal reedita hoje, pelo menos nos resultados, as condicées vividas na fase da Dogmiitica abstrata e academicista’”. Decerto ainda prossegue uma reflexao séria em torno da teoria do Direito Penal voltado para as conseqiéncias, mas nio se vé ‘nenhuma te6rica da prixis, e muito ‘menos uma reconstrucio critica da rixis. Ou seja, a prixis se desenrola segundo suas préprias leis ¢ 0 resultado s6 pode ser um; 0 Direito Penal funcional. Com estas ressalvas, as contribuigées mais notaveis 41268ste concctto pode ser encontrado, entre outros, em Eb, SCHMLDT, Lebrkomm zur StPO wnd zum GYGt, 2. Aufl. (1964). Radnrn. 20ff: “Admintsragdo da justica em forma risdictonal, dirigida a verdade e & justica, significa a satisfacao das tarefas do Estado no campo da tutela penal” - conforme saltentado conctusivamente na Rdnr. 20. 127Supra, Ul, especialmente Ik Revista Pensar(Fortaeza/V. 4IN° 4/PS-SQUAN, 1996 43 objetivamente discerniveis das ciéncias penais para a elaboracio de um Direito penal funcional comportam-se dentro de trés campos claramente delimitiveis, a saber: a Dogmitica penal, as teorias da pena e a Politica criminal. b. Dogmética penal Esquematicamente, pode-se bem tracar a diferenca entre 0 Direito Penal do século XIX e o do final do século XX na abordagem dos problemas da causalidade e da imputabilidade. Num exame superficial (ja? apenas?) evidencia- se que, enquanto 0 Direito Penal outrora se ocupava de problemas do tipo Caio envia Ticio a floresta na iminéncia de uma tempestade, na esperanca de que este ultimo seja fulminado por um raio™, atualmente tem que se defrontar ‘com problemas do calibre de uma causacio de danos decorrente de uma decisio por escassa maioria do conselho fiscal de uma SA, ou de uma organizacio desastrada de uma cquipe — cirdrgica. A complexidade de nosso mundo desenvolve-se pricipalmente em Dai, certamente nao ¢ por mera coincidéncia que as mais atuais investigagées, com altas pretenses cientificas, confessadamente elegem como seu objeto a teoria da responsabilidade objetiva, ¢ geralmente nao se acanham em apresentar-se como contribuicoes para o progresso de um Direito ‘penal funcional’. Este seria portanto © tipo de uma resposta adequada das ciéncias penais as palpaveis modificacées. da _realidade penalmente relevante; diversificagio dos instrumentos dogmiticos € aumento da capacidade sistémica de lidar com complexidades. © Teorias penais No tocante as teorias penais, isto 6, as atividades cientificas que se ocupam com os fins da pena estatal, € possivel isolar dois pontos incontroversos: que estas teorias ‘ocupam o centro dointeresse teérico e que esta afirmacio s6 vale para uma metade, e nao para a outra: Se Direito Penal, funcional, ocupa seu lugar entre os instrumentos de solucio de conflitos, adaptado e ajustado aos demais fins complexas cadeiras de responsa- bilidades. politicos; se sua produgio cientifica 128, Exemplo frequentemente usado, conforme aponta ROXIN, Strafrecht, Allgemciner Tell |, 1992. § 11 Rdnr 36, remetendo-se a WELZEL. No mesmo Tocal (Rdnen. 30ff), um panorama sobre ar mats recentes toortas da tmputabilidade. 4129. Paradigméticos. WOLTER. Objetive und personale Zurechnung von Verbalten. Gefabr lund Vertething |Responsabilidade objetiva e pessoal de conduta,perigo e lesdo|, 198; U. [NBUMANN, Zurechnung und “Vorverschulden”. Vorstudien zu einem dialogischen Modell strafrecbilicher Zurechnung |Responsabilidade e “culpabilidade prévia’. Estudos preliminares sobre um modelo dialégico de responsabilidade penal|, 1983: FRISCH, Tatbestandamiafiges Verbalten und Zurechnung des Erfolgs \Comportamento penalmente Lpleo e responsabilizacdo pelo resultado|. 1988. 44 Reviste PenserfFortaleza’. 4° 4/P S-SQUAN. 1996. atual se dedica a produzir setores funcionais ao sistema ¢ a eliminar as disfungdes, entdo, tudo isto 36 faz sentido em estrita conformidade com as fungGes do sistema e dos respectivos subsistemas relevantes. De outra forma nao pode ser, pois, somente as fungdes do sistema podem assegurar a funcionalidade do conjunto c oferecer os critérios do que seja adaptado e do que seja inadaptado, do que reproduza e do que perturbe 0 sistema. Deste modo, a tradicional concepsio do Direito Penal, que (ainda?) desconhece a diferenga entre “fungdo” e “fim”, chega a tematica dos fins da pena. Cumpre a estes, reformulados na linguagem da teoria do Direito Penal funcional, fornecer indicacées sobre os objetivos do sub-sistema Direito Penal, De plano fica claro que, dos fins da pena até © presente cogitados, s6 ha interesse por dois (intimidagio ¢ reintegragao), ficando os outros dois (retribuicao e expiacio) negligen ciados. Somente a prevencio, traduzida na aspiragio de uma situagio futura ¢ factual possivel, pode converter-se em fim de uma Preocupacio funcional; nesta nio hd lugar para a reparacio pela ilicitude © pela culpabilidade, baseadas numa _compensacao normativa e voltada a fatos pretéritos'. De mais a mais, € imperativo que se estabeleca uma vinculagao entre os fins da pena subsistémicos © outras funcées sistémicas mais elevadas. O Direito Penal compreende-se aqui como um instrumento funcional, isto é, como parte de um todo maior, do qual ele extrai suas estruturas de relevancia e 0s critérios de avaliagao. Para o atingimento de seus objetivos. Decerto ndose pode sustentar que oDireito Penal funcional tena Cumprido integralmente seu programa te6rico ao realizar os ns apena. Todas, das poderones orrentes ais climinam quaisquet vidas sobre directo. fas! almejed a teora funcional da culpa ea teoria da prevencio integrative ‘Aatual teorit da culpa integra se as coneepgdes funcionals que ganham terreno. Com, cata Siracteristica, cla se articula com 8 fins preventivos da pena", Ela 1308 sclarccedor. SACK. Dic Chancen der Kooperation zwischen Sirafrecbtswistenschaft lund Kriminotagie.Problome und offone Fragen \an euncen de cooperagao entre a cdhetos enais ¢ a Criminologia « problemas e questbes abertas|. in: LUDERSSEISACK. Seminar, Abweichondes Verbalten IU. $. 360, 131Rara mats pormenores efundamentos sobre esta isting entre tecrias penats absolutas « relativas veiase minba Einfubrung in die Grundlagen des Strafrechts |Inirodugao do Direito penal}. § 28 132Com grandes discrepancias tanto em espectos bdsicos quanto em detalbes: ROXIN, ‘Sebuld” und Yerantwortlichhelt als strafrechtliche Systembategorien |"Culpa” ¢ responsabilidade como catagorias sistimieas do Diretto penall. in: Festschrift fir Henkel 1974, S. 171ff: JAKOBS, Schuld und Pravention. 1976. SCHUNEMANN, Dle Funttion des Scbuldprinzips im praventionsstrafrecbt |A funcao do principio da culpabilidade no Direito penal da prevencao|. in; 0 mesmo (Hrsg.) Grundfragen des modernen Strajrechissystems, 1984, S. 1539} abordagens crticas: STRATENWERTH. Die Zudsunft deo strafrechilichen Schuldprinsips. 1977, S. 2ff: W. HASSEMER, Uber dle Berckstebtigamng ‘von Folgen bei der Auslequng der Strafgesetze |Sobre a consderagao dos efoite me, Interpretacao da lel peenal|, in Festschrift far Colng 1. 1982. §. 506, 322f Revista PensarFortalezaV 4IN° 4P 5.5QJAN. 1996, 45 € funcional, na medida em que se orienta para os fins da pena ¢, portanto, na medida em que extrai a semantica de “culpabilidade” a partir dos fins da pena. Esta culpabilidade avanca sobre a dosimetria da pena, momento em ‘que, na pritica ena teoria, concorre fa imposicao da sangio ¢ na produgio da decisio. Assim, 0 significado atual de “culpa” (e também de“desculpa”), segundo a concepcio ora exposta, — depende substancialmente dos modelos ¢ possibilidades de prevencio individual € geral. Trata-se, portanto,da adequacio funcional do conceito de culpabilidade e da pena; da earticulagiosistémica destes conceitos. Estas teorias!™ aprederam a seguinte lio da eriticaa prevencio por intimidacio"™ Nada se sabe faticamente sobre os efeitos de um Direito Penal que se baseia na intimidagio, razio pela qual um tal Direito Penal nao & normativamente tolerivel. Ou seja, as arestas foram polidas, lixadas ¢ desgastadas, enquanto as, engrenagens mecanistas se afrouxaram. A partir de entéo, 0 Direito Penal néo deve apenas antimidar as pessoas propensas & pritica de crimes através da previsio abstrata de penas e de sua aplicagio Aquele que seja colhido em suas ‘malhas, mas sim, j4 pela sua mera existéncia atuante, reafirmar ceficazmente frente a todos nés os mandamentos ¢ — proibicées fundamentais que ele encerra. Com isto se consegue - a0 lado da neutralizagio de toda trincheira metodolégica - que a “funcionalizagio” produza seus efeitos nio apenas frente a0 delingtiente singular, mas se estenda sobre o sistema penal; em sua totalidade. A tutela penal; adquire, por assim dizer, uma fachada mais ‘empresarial do policial; as esperangas de real efetividade tornam-se tio vvagas e fundamentais, que fica dificil refutéclas. Por fim, oajuste funcional do Direito Penal aos demais mecanismos de controle social € definitivamente aleancado também no plano te6rico, por via dos fins da pena. d. Politica criminal Dispensa demonstragio 0 fato de que cogitagdes sobre qual seja a correta Politica criminal pertencem. a0 micleo das preocupagées de um Direito Penal funcional. Afinal, que mais pode significar “fungio”, senio a politica do controle de condutas criminosas mediante instrumentos 183No mesmo sentido, mas com notdvels diferencas, énfases ¢ pormenores (e na maior ‘parte sob a denominasao de “prevensdo geral positiva’): JAKOBS, Strafrecht Allgemeiner Til De Grundlagen und die Zurechnungslebre Lebrbuch, 2. Auf. (1991), 1 iff: MULLER. DIETZ, tntegrationspravention und Strafrech. Zum positiven Aspekt der Generalpravention, in: Festschrift ftr Jecheck, 1985, 8. 813ff: GIEHRING, Soxtalwtssenschafiliche Forschung ‘ur Gereralprivention und normative Begriindung des Strafrechts, In: Krimjourn 1987, a 1348upea 1114. 46 Revista Pensor/Fortaleza/¥. 4IN° 4/P. S-SQ1JAN, 1996. do. Direito Penal? E nao obstante tudo isto, as reflexdes te6ricas sobre 4 politica criminal do Direito Penal fancional se encontram, na melhor das hip6teses, no seu inicio, E nunca se pode ter uma certeza absoluta de que as poucas investigacées ja realizadas cheguem a algum lugar. Addiagnose, segundo a qual a prixis, da Politica criminal est4 divorciada de sua teoria, retrata apenas um eufemismo. A praxis nesta érea simplesmente nunca deu a menor importancia a qualquer teoria (0 que, de resto, no implica em um juizo de censura em relagio a prixis), Todas as contribuicées tedricas que podem ser atribuidas a politica ‘criminal do Direito penal funcional’ Jevam em conta - com maior ou ‘menor explicitude- os de processos de modernizacio e o funcionamento de complexidades no mundo moderno. Por isso mesmo, as referidas contribuigées gravitam em tomo de termos seménticos tais como “perigo” (em vez de “dano”), “risco” (em vez de “ofensa e um bem juridico"), ou mesmo “seguranca” — (cm ver de “distribuicio de justica”) Elas se nutrem de nossas experiéncias cotidianas, de insegurancas e temores em escala conereta e global, da vida marcada cada vez por estruturas entrelacadas. E no entanto, elas se permitem invocar em seu favor interpretagdes: te6ricas da modernidade, que de alguma forma se inspiraram nas ‘mesmas esperincias™. 8 de cristalina evidencia que esta moldura grande demais para ‘equipamento tradicional do Direito Penal. Ouse renova o-equipamento, ou se desiste da esperanca de incorporar o Dircito Penal na ‘ociais. Vejamos qual éo equipamento tornado obsoleto: 0s bens juridicos individuais €m concreto, vistos como nticleo do Direito penal assim “modernizado”, sao simplesmente ridiculos (a conversa agora é sobre vvastos bens juridicos universais, sobre “fungées", sobre “grandes ‘aos sistema”, conjuntos de miltiplos riscos); 135Com grandes varlacdes em pontos bdsicos « tambim om detalbes, SCHUNEMANN, ‘Moderne Tendenszen n der Dogmatih der Faby fendencias da dogmditca dos crimes culposos ¢ de perige), tm IOS, a4 rlasiphelts-und Gefabreungsdelite [Moderns ‘Tesumo @ consideragdes eriicas em F. HERZOG, Gesellichaftiche Unctoberkelt wooed Tell 5. If 136 ‘BECK, Risthogesellschaft. Auf dem Weg in eine anderme Moderne \Soctedade do "se. A caminbo de uma nova modernidade|. 1986; LUHMANN. Resiko und Cajabe 1990. Revista PenserFortaleza/V. 4° 4/P.5-5QUAN. 1996 47 = os crimes de dano sobreviveram como tipo central da imputagio penal (para nossa ‘sensagio constante de ameaca, parece ‘mais razoavel punirjé 0 mero perigo abstrato); = 08 vetustos principios da retribuicio ¢ da énfase no fato punivel tornam a vida moderna mais perigosa (hoje ni podemos esperar ‘que a crianca caia no pogo, é preciso desde antes prevenir). - © principio da responsa- bilidade individual _trona-se anacrénico (0 ilicito penal modemo resulta muito mais de processos entrelacados e complexos de decisées); - € preciso repensar o principio di in dubio pro reo (um Direito Penal que pretende apresentar-se adulto diante do mundo moderno, ‘precisa ser capaz de agir com rapidez precisamente nas situagGes mais obscuras); - diferenciagdes normativas tais como tentativa/consumacio, autoria/ participacio, dolo/eulpa tornam- se incémodas, se no até mesmo contra-producentes para um Direito Penal moderno (porque na luta contra a criminalidade moderna, torna-se necessaria a utilizagio de cestruturas de relevancia e critérios de avaliacio totalmente novos e adequados ao fim). 4. Questdes abertas € tarefas postas (*) Dificilmente se contestaré 0 faro de que Direito Penal funcional Ievou a orientagdo do Direito Penal para as conseqiiéncias as suas tiltimas conseqiléncias, por assim dizer. A ligagdo do Direito Penal com sua realidade’” tornou-se tio intima, ‘que se pode mesmo falar de uma unido funcional entre os dois. 0 campo de atuacio da Politica criminal tornou-se queseilimitado, ointeresse na causagio de efeitos" praticamente suplatou todos os ‘outros interesses. (9) N do T: Alqumas publicagbes de Winfred Hassemer tradusidas para 0 espannbot ow Cportugués Fundamentos del derecho penal, trab. e notas de Munoz Conde e Arrayo Sapatere, Haredlona Bosch, 1984, 428 p: Introduccion a la Criminologia y al Decreto Ponal, om couutorta com Munoz Conde, Valencia (Esp). Tirant fo Blanch, 1989, 237 p Destino de los derechos del ciudadano en 1m derecho penal “eficaz", trab. de Munoz Conde, revista Batudos penates y eriminoldglcos XV, Universidade de Santiago de Compostela (tip), P 183-198. 0 sistema do Direto ¢ a codificagdo: A vinculagdo do jutz a let, in: (fstudos de Direto brasiletro e alemao. Col. Direlto comparado 1. Porto Alegre, 1985, p. 1189-209: La persecuctin penal, legaludad y oportunidad in Lecclones y ensayos, Facultad de Derecho } cloncias de la Universidade de Buenos Aires, 1988. p. 13-21 « também tn: acta una nueva justicla penal, Buenos Aires, 1989, p. 29-38; Alternatieas al principio de culpabilidade, tm: Cncias penales, ano 2, No 3, San José (Costa Rica), 1990, p. 29) Prevenciin en el derecho penal, in: Poder y control: Keclsta bispano-latinoamertcana de disclplinas sobre el control social, Barcelona, no. 0 1986, p. 93-117 137. Supra M3. 138. Supra ULL. 4139. Supra UL 48 Revista Pensar/Fortaleza/V. 4IN° 4/P 5-SO/JAN. 1996. ‘Nao obstante (¢ em razio disto) © Dircito Penal funcional despedagou a ratio original da orientacio para as conseqiiéncias™®, Esta ratio era adequada no seu devido tempo. Ela nasceu como contraponto a uma Dogmatica abstrata, que ndo conseguia ver sequer os arredores do Direito Penal", estreitava a reflexio teGrica”? € praticava uma politica criminal desprovida de qualquer base empirica', © principio da protecio dos bens juridicos™, por exemplo, significou uma coisa para o enfoque voltado para as conseqiiéncias ¢ outra para o enfoque funcional. Originariamente, ele era formulado critica © negativamente, como obsticulo a criminalizacio. A conduta que nao ofende um bem juridico eimprestavel para converter-se em tipo penal. O principio em apreco perde a sua ratio quando passa a ser utilizado como fundamento para acriminalizagio. Todo bem juridico merece protecao penal. De forma andloga, 0 principio se articula com a idéia da orientacdo para as conseqiiéncias. Numa tutela penal outrora orientada para a realizacao da justiga, esta idéia atuava como instrumento limitador, bastante diferente da fungio que the est reservada como principio dominante ‘da cominagio e imposicio de penas no Direito Penal funcional. E por fim, a abordagem do Direito Penal 140. Vola Togo acima I. TAL Supra It 12. Supra tt3, 143. Supra th 148. Supra Icha voltada para as conseqiéncias - diversamente da abordagem funcional - encontrava nas garantias do Estado de Direito 0 seu fundamento, e nao um obsticulo. © futuro do Direito Penal funcional esti aberto, nose avistam Por enquanto novas abordagens. Abertas encontram-se também algumas questoes, sobre as quais convém refletir,a fim de se certificar de algum possivel desdobramento desejivel, Deve ficar fora de diivida que © Direito Penal necessita manter ‘seus lagos com as mudangas sociais: ele precisa ter respostas prontas Para as perguntas de hoje e nio pode sempre retroceder a um Purismo de ontem, perdendo-se ‘em problemassobre norma eviolagio de norma. Ble precisa continuar desenvolvendo-se em contato com sua realidade. A questio decisiva orém seri dequanto de sua tradicio © Direito Penal deveré abrir ndo a fim de manter esse contato. Esta questio sera afinal decidida politicamente, o que significa, no que nos diz respeito, sem influéncia significativa das ciéncias penais, Ainnda assim, as ciéncias penais tém a chance (¢ a tarefa) de produzir ou desenvolver alguns topoi minimos, sem cuja observancia uma decisio politica nao deveria ser legitimamente adotada, Revista Pensar/FortelezaV, 4N® 4/P.5-5QUAN. 1996. 49

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