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O Espelho

Humberto fecha as portas de casa com estrondo e atira a pasta para um canto.
– Outra vez um 1 a matemática!
– Ah, que figura horrorosa! – grita Humberto para a imagem que vê no espelho.
A imagem à sua frente não parece estar com medo e devolve-lhe o olhar, furiosa. Até
levanta a mão e aponta para Humberto.
– Tu é que és ridículo!
– Eu? – gagueja Humberto.
– Olha só os teus pés, que tropeçam em tudo!
Ou as tuas mãos desajeitadas, que partem tudo!
Ou a tua boca, que gagueja de cada vez que lês!
Ou o teu pescoço, que nunca está limpo!
Ou os teus olhos, que durante as aulas estão sempre a olhar lá para fora!
Ou a tua cabeça, que nunca se lembra de todos os trabalhos de casa que trazes para fazer e
se engana sempre nas contas de matemática.
– “Sempre… Nunca… Mal…” Passo o dia todo a ouvir isto! Não preciso que mo andes
sempre a repetir! – Helmut está furioso. Ninguém gosta que uma imagem o acuse desta forma!
Prepara a mão para infligir uma bofetada bem forte a si próprio… mas alguma coisa se mexe
atrás dele…
Uma segunda imagem aparece no espelho por detrás da sua. É a da irmã, Eva, que se põe
em frente dele e lhe diz:
– Eu sei que os teus pés correm tanto, que conseguem afastar quem me quer insultar.
Eu sei que as tuas mãos fazem aviões de papel que voam como nenhuns outros.
Eu sei que a tua boca consegue contar histórias que, embora não sendo verdadeiras, são
muito cativantes.
Eu sei que os teus olhos conseguem ver lagartas e borboletas maravilhosas que eu nunca
veria.
E eu sei que a tua cabeça está cheia de ideias que não queres contar a mais ninguém.
Humberto espanta-se.
– E és tu que dizes isso? Tu, que te queixas cem vezes ao dia que tens um irmão tão
palerma?
– Sim – responde Eva. – Dizemos sempre mal daqueles que não compreendemos. – Eva
aponta com o dedo para a imagem atrás das costas. – Mas nem vale a pena tentar explicar-
-lhe isso, porque ela não entende essas coisas.

Wolfgang Wagerer

Jutta M odler (org.)


Brücken Bauen
Wien, Herder, 1987

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