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“Proteja seu próprio direito de pensar. Mesmo pensar erroneamente é melhor do que
não pensar”
Hipácia de Alexandria
Vale lembrar que Hipácia havia concluído seus estudos em Atenas, onde
também chamara a atenção dos membros remascentes da antiga Academia de
Platão, do Liceu de Aristóteles e dos celebrantes dos mistérios órficos e pitagóricos.
Com toda essa bagagem, antes mesmo dos trinta anos Hipacia já era a nova – e
infelizmente, a última – diretora da Grande Biblioteca de Alexandria. Hipácia se
tornou célebre tanto por sua inteligência quanto por sua beleza. Precisamos
destacar que Hipácia era tolerante para com a corrente religiosa crescente do
cristianismo. Entre seus alunos estavam pagãos e cristãos, alguns destes últimos
renomados, como Sinesius de Cirene, que se tornou bispo e teólogo conhecido,
entre outros que sempre, em suas cartas, expressaram grande admiração por sua
jovem professora.
Frei Betto
Onde há oferta de produtos – TV, internet, outdoor, revista, jornal, folheto, cartaz
afixado em veículos, e o merchandising embutido em telenovelas – o que se vê é
uma profusão de seios, nádegas, lábios, coxas etc. É o açougue virtual. Hipácia é
castrada em sua inteligência, em seus talentos e valores subjetivos, e agora
dilacerada pelas conveniências do mercado. É sutilmente esfolada na ânsia de
atingir a perfeição.
Para evitar ser execrada, agora Hipácia deve controlar o peso à custa de enormes
sacrifícios (quem dera destinasse aos famintos o que deixa de ingerir...), mudar o
vestuário o mais frequentemente possível, submeter-se à cirurgia plástica por mera
questão de vaidade (e pensar que este ramo da medicina foi criado para corrigir
anomalias físicas e não para dedicar-se a caprichos estéticos).
Toda mulher sabe: melhor que ser atraente, é ser amada. Mas o amor é um valor
anticapitalista. Supõe solidariedade e não competitividade; partilha e não
acúmulo; doação e não possessão. E o machismo impregnado nessa cultura voltada
ao consumismo teme a alteridade feminina. Melhor fomentar a mulher-objeto (de
consumo).
Na guerra dos sexos, historicamente é o homem quem dita o lugar da mulher. Ele
tem a posse dos bens (patrimônio); a ela cabe o cuidado da casa (matrimônio). E, é
claro, ela é incluída entre os bens... Vide o tradicional costume de, no casamento,
incluir o sobrenome do marido ao nome da mulher.
No Brasil colonial, dizia-se que à mulher do senhor de escravos era permitido sair
de casa apenas três vezes: para ser batizada, casada e enterrada... Ainda hoje, a
Hipácia interessada em matemática e filosofia é, no mínimo, uma ameaça aos
homens que não querem compartir, e sim dominar. Eles são repletos de vontades e
parcos de inteligência, ainda que cultos.
Se o atrativo é o que se vê, por que o espanto ao saber que a média atual de
durabilidade conjugal no Brasil é de sete anos? Como exigir que homens se
interessem por mulheres que carecem de atributos físicos ou quando estes são
vencidos pela idade?
Pena que ainda não inventaram botox para a alma. E nem cirurgia plástica para a
subjetividade.
Bibliografia
Dzielska, Maria. Hipatia de Alexandria. Editora Siruela, Madrid, 2009.
Miranda, Herminio Correia. Guerrilheiros da Intolerância. Hipácia, Giordano
Bruno e Annie Besant. Publicações Lachatre, Niterói, 1999.
Verbete Hipátia, da Wikipédia: pt.wikipedia.org/wiki/Hipátia
Entrevista do Diretor Alejandro Amenábar sobre o filme Ágora, no Youtube em
http://www.youtube.com/watch?v=6tYfRWN1fJA
e em http://www.youtube.com/watch?v=mBokDBqU1Vk&NR=1