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Augusto Drumond
“Na casa de meu pai...”, de Kwame Anthony Appiah, é um livro que deve
ser lido por todos aqueles que discutem questões relativas à identidade e à
cultura. Partindo de produções literárias, artísticas e filosóficas africanas, e
articulando-as com o pensamento ocidental, Appiah vai aos poucos
mostrando os equívocos que a imposição de um tipo de “universalismo”
ocidental criou. Isso sem desprezar a necessidade da racionalidade ao
desenvolvimento humano, mas revelando o erro induzido de se considerar
um pensamento local como universal, como o mundo ocidental faz crer.
Segundo Appiah, esse pensamento norteou as mentes daqueles que
pensaram um mundo africano para os africanos, inventaram uma África
pós-colonial, “criaram” uma raça e minimizaram as diferenças existentes na
diversidade continental sub-saariana.
O autor deixa muito claro que sua visão de mundo e sua crítica a um
pensamento que domina, desde o século XIX, as transformações políticas e
sociais são produtos do seu contexto.
Criado com uma educação formal européia, dentro de uma família africana
cristã, mas sem abrir mão de diversas “tradições” de sua terra natal, ele
consegue nos mostrar como essas práticas, conflitantes aos olhos de
qualquer ocidental, conseguem coexistir, lado a lado, na África. E sua
história é igual à de muitas outras pessoas naquele continente.
O que Du Bois tentou foi partir para uma concepção sócio-histórica de raça.
A partir dessa concepção, ele tentou unir os africanos através do
compartilhamento histórico e geográfico. E a aproximação que ele obtém
para unir a experiência dos afro-americanos com a dos africanos
colonizados foi o que Appiah chamou de “insígnia de insulto”, e não o
insulto em si, já que a discriminação e a segregação a que os afro-
americanos estavam sujeitos não correspondiam à experiência dos
africanos. Ou seja, “a história de cada um é a história das pessoas que
viveram num mesmo lugar” (ibidem, p.60). Não se pode esquecer que o
desenvolvimento da concepção sócio-histórica de raça por Du Bois acabava
levando novamente a sua concepção biológica.
No final das contas, não há raças, não há nada que comprove que elas
existam, nem há nada no mundo que se refira àquilo que chamamos de
raça, como também não há nada no mundo idêntico ao que se espera que a
raça faça para as pessoas. Olhando a história do mundo, podemos perceber
que a única coisa que a raça trouxe para o homem foi muito sofrimento.
Como o exemplo dado por Appiah, é só olhar os horrores que o nazismo
trouxe para a humanidade e o resultado do segregacionismo e da
discriminação. O que o conceito de raça faz é biologizar aquilo que se refere
à cultura e à ideologia.
O que foi dito acima não pode atrapalhar a visão do modo como a filosofia
africana brota das próprias tradições locais. O fato é que até mesmo as
tradições filosóficas européias surgiram a partir de um determinado
contexto que conseqüentemente levaram além das diferenças doutrinárias,
mas também a diferenças de métodos e expressão. Há no mundo ocidental
basicamente duas tradições: a “continental” originária a partir das
discussões francesas e alemãs, e a “analítica” de origem anglo-saxônica e
norte-americana.
Como a filosofia é um rótulo valoroso no ocidente, supor que para tudo que
há no Ocidente deve ser encontrado algo semelhante na África é adotar
uma posição comparativa, o que significa ver as tradições africanas dentro
de um contexto europeu. E essa postura comparativa na África é reforçada
dada a formação dos intelectuais africanos nas escolas ocidentais.
O que Appiah procura mostrar é que não há como fugir do uso dessa
formação ocidental na filosofia africana, mas deve-se procurar evitar
projetar as idéias ocidentais junto com os métodos derivados do Ocidente
no arcabouço conceitual local. Torna-se fundamental compreender a relação
do pensamento africano com o pensamento do mundo ocidental. Não se
pode esquecer que, como trocas culturais sempre ocorreram, a etnofilosofia
pode ser considerada um bom começo, mas ela deve desenvolver-se no
sentido de poder intervir nas sociedades africanas.
sua incorporação no mundo dos museus faz lembrar que na África […] a
distinção entre cultura e cultura de massa […] corresponde
predominantemente à distinção entre os que têm e os que não tem uma
educação formal de estilo ocidental como consumidores culturais. (Ibidem,
p. 207).
Outro problema enfrentado pelos novos Estados foi que as elites locais –
provenientes de uma tradição em que elas ditavam as normas, julgavam,
ou seja, detinham as decisões locais – não se adaptaram ao poder
centralizador dos Estados. A centralização deslocava o controle dos
cidadãos de algo que eles conheciam para algo que eles não conheciam.
Desde o início, o autor mostra estar ciente de que suas idéias não estão
livres de seus pré-conceitos, de sua experiência de vida e de sua formação
intelectual. É por isso mesmo que, dada a inexistência da imparcialidade,
ele sabe estar julgando, por um lado, e também distorcendo os fatos, por
outro. E quem não está livre disso?