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Introdução
Cada gota que deslizava janela abaixo reflectia o rosto pálido e inerte
de Susan Fletcher.
Anne tinha a mesma idade de Susan, era a sua melhor amiga e era também a
única visita bem-vinda no Bethlem Royal Hospital, em Londres.
I
Megan Fox desde muito cedo percebeu que iria seguir a área da saúde. Em
criança dizia que queria ser a melhor “curadeira” do mundo, uma expressão
inocente, que fazia rir quem a ouvisse.
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John Brook, por sua vez, era um reconhecido empresário do mundo das
telecomunicações, desde muito novo detentor de um charme e rosto
irresistíveis. Aos quarenta anos, com os seus olhos translúcidos verdes,
pele morena e os seus fartos cabelos grisalhos, que se ondulavam batendo-
lhe nos ombros, não precisava de nenhum corpo escultural para conseguir
chamar a atenção. Além da forte presença física, John sabia brincar com
as palavras, tinha um jeito especial para fazer rir todos aqueles com
quem se cruzava.
Anne e John tinham-se conhecido através de Susan Fletcher e esta era
precisamente o único ponto sensível do casal. Anne teimava em ir visitá-
la ao Bethlem Royal Hospital, enquanto John detestava que esta o fizesse,
por considerar Susan uma demente e sempre um motivo de discussão. No
entanto, Anne Rimes sentia que este era o momento em que Susan mais
precisava dela e da sua amizade, sabendo que lhe devia isso e muito mais…
– Anne, já te pedi que não vás – insistiu John, sem ser ouvido.
– Sabes bem que ela só fala comigo, não posso abandoná-la… não agora –
disse Anne, irritadiça.
– Claro que reconhece! Ela só pronuncia o meu nome, isso não te diz nada?
– ironizou Anne.
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– Oitenta por cento dos assassinos em série estão na América, o que não
quer dizer que não tenhamos que nos preocupar, antes pelo contrário! Como
bem sabem, o Jack Estripador foi o primeiro serial killer em todo o mundo
e os seus crimes foram cometidos aqui mesmo em Londres – explicava Frank
Douglas.
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Padre Molony tinha trinta e oito anos e era irlandês. Desde cedo optara
pela vida religiosa. Em casa, nos seus tempos de juventude, a sua
educação girara sempre em torno de muita disciplina, rigor e fé,
praticada no seio de uma família constituída pelos seus pais e cinco
irmãos, todos rapazes. Molony fora o único a decidir-se pela vida do
sacerdócio. Apesar de ter sido um jovem muito alegre com propensão para
traquinices, teve sempre uma grande aptidão para os estudos e uma forte
inclinação para auxiliar os que mais precisavam. Sempre que chegava a
casa, vindo de mais um dia de escola, tinha por hábito contar aos pais,
cheio de orgulho, as boas acções que tinha feito. O seu nome próprio era
Gair e significava pequeno, este tinha-lhe sido atribuído pela madrinha
no dia do seu nascimento, por medir apenas quarenta e oito centímetros de
altura. Já o sobrenome Molony significava servidor da Igreja, um título
atribuído aos seus antepassados pela devoção demonstrada ao catolicismo.
– Não aguento mais padre, cada dia que passa aumenta a minha tortura! –
respondia alguém do outro lado.
– Tem apenas duas soluções e sabe que não lhe digo nada de novo! Ou vai
em busca do perdão revelando toda a verdade ou aguenta com esse segredo
para o resto da vida – respondia ele, uma vez mais.
Padre Molony não podia fazer mais, sabia que o seu aconselhamento de
pouco ou nada servia, o pecado ia continuar a existir e amanhã lá
estariam os dois novamente a conversar sobre o mesmo assunto...
II
– O Dr. Evans não ia preparado para isso e como bem compreende também não
faz parte das suas funções. O que o Dr. Evans nos disse foi que Susan
repetiu inúmeras vezes... – Megan interrompeu de imediato. – O quê?
– Claro Dra. Fox, deixo-a na sua assistente. Mas ainda vai tentar
consultar a Susan hoje? Olhe que não deve conseguir grandes resultados! –
exclamava ele.
– Claro que sim! Tudo é importante, colega, tudo! Até amanhã e por favor
não se esqueçam do relatório! – exclamou Megan, intrigada com o
acontecimento, dado que Susan nunca tinha proferido qualquer palavra
perante os médicos.
Jessica Fletcher tinha contado a Megan Fox, quando esta lhe pedira,
situações marcantes da infância da filha. A psiquiatra queria com isto
obter informações que conseguissem trazer a cabeça de Susan de volta à
realidade.
Entre outras histórias, Jessica contou-lhe que a filha adorava escrever
no diário da escola. “ – Era sempre ela que escrevia no jornal da escola
as notícias sobre as festas. Ela anotava tudo. Era uma aluna extremamente
atenta e no recreio adorava brincar até não poder mais. Normalmente dava-
se melhor com os rapazes, pois sempre gostou mais de jogar futebol do que
brincar com bonecas” – explicava Jessica, sorrindo. “– Costumavam chamá-
la de Maria Rapaz! Eu e o Kurt optamos pela All Saints, porque além de
residirmos perto, aqui em Sherbone, tínhamos óptimas referências da
mesma” – explicava Jessica a Megan Fox.
Megan Fox decidiu não puxar mais por Susan. Achava que aquela lágrima já
tinha sido uma vitória e um bom presságio para o caminho da
recuperação... Tinha-lhe conseguido provocar uma reacção e por agora não
pedia mais nada, estava satisfeita. Ia deixá-la descansar aproveitando,
também, para ir para casa mais cedo. Queria reflectir sobre o que se
tinha acabado de passar, pretendia voltar a analisar todo o processo,
incluindo o relatório do Dr. Evans. Aliás, este era o dia em que o seu
marido chegava mais cedo do trabalho e Megan Fox gostava de aproveitar
para estar o máximo de tempo possível em família. Quarta-feira era o seu
dia especial e este até já tinha outro sabor. Megan Fox saiu entusiasmada
do Bethlem Royal Hospital.
A visita de Megan Fox deixou Jessica Fletcher numa angústia maior do que
a habitual. Agarrada à almofada da filha, Jessica chorava compulsivamente
quando olhava para as dezenas de fotografias da filha que espalhara no
chão da sala. Sempre que se sentia saudades, Jessica agarrava numa peça
de roupa de Susan e deitava-se nos seus lençóis, adormecendo a maior
parte das vezes enroscada ao urso de peluche que lhe tinha oferecido pelo
seu terceiro aniversário. O certo é que não havia nada que lhe aliviasse
a dor. Não conseguia suportar o facto da sua única filha estar internada
num sanatório, e sem a sequer reconhecer.
– Porcaria? Como podes falar assim das coisas da tua filha? É por tua
causa que ela está internada, é tudo por tua causa! – respondeu Jessica,
descontrolada.
– Larga já isso! Não estou para ouvir nem mais um disparate! Dá-me essa
porcaria! Para louca já basta a tua filha! – exclamou Kurt enquanto
arrancava as fotografias das mãos.
– Tens meia hora para voltar a pôr tudo no sítio e vires preparar o
nosso jantar! Hoje temos visitas! – de seguida foi buscar uma cerveja e
sentou-se frente à televisão a ver… qualquer coisa, não importava o quê,
não depois daquela discussão.
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Lopez era um veterano no FBI, conhecia o país como a palma das mãos,
bairros, gangs, movimentações ilegais, estava por dentro de praticamente
tudo. No entanto, e apesar do seu reconhecido know-how, enfrentava agora
sérias dificuldades na investigação de um novo assassino. Por conhecer
bem o percurso de Frank Douglas, e admirar o detective inglês desde que
este alcançara a fama internacional ao desvendar o dificílimo caso “Boys
Killer”1, Lopez mandara-o chamar.
– Bem-vindo detective Frank Douglas! Espero que tenha feito uma boa
viagem! Eu sou o comandante Lopez – exclamou entusiasticamente,
estendendo-lhe a mão.
– Muito prazer em conhecê-lo, para mim é uma honra estar mais uma vez na
América a colaborar com o FBI – respondeu cordialmente Frank Douglas,
continuando. – Espero conseguir ajudá-los!
Frank Douglas estava bastante excitado por ter sido chamado à Califórnia.
Adorava novos desafios e à escala do FBI, ainda melhor. Embora cheio de
vontade de trabalhar, sentia-se derreado. Não gostava de andar de avião,
ficava nervoso, e como se isso não bastasse tinha sido acordado, em total
sobressalto, às seis da manhã, com o pedido invulgar de viajar com a
maior urgência para a América.
– Espero que possamos começar de imediato! Aceita um café? – perguntou
Lopez com simpatia. Frank aceitou, respondendo: – Estou ansioso por saber
o que se passa!
– E onde estavam?
– Ora essa, não tem nada que agradecer, afinal de contas é você que nos
está a fazer um enorme favor! Deixou da noite para o dia as suas
investigações, as suas aulas, não tem nada que agradecer. Ah! E se
precisar de alguma coisa que não nos tenhamos lembrado de lhe deixar no
quarto, avise-nos! – exclamou Lopez, piscando-lhe o olho.
Frank Douglas já conhecia o tratamento VIP que o FBI fornecia aos seus
convidados. Após descer ao hall do prédio viu que do lado de fora já
estava à sua espera um motorista com o carro. Frank dirigiu-se a ele,
entrou no carro e este arrancou de imediato. Pelo caminho, de janela
aberta, Frank Douglas apreciava ao pormenor tudo o que via. Nunca tinha
estado na Califórnia, apesar de ter tido sempre um especial interesse em
conhecê-la. Em conversa com os amigos, estes diziam-lhe que era um Estado
carismático pela presença das estrelas cinematográficas e pela graça de
ter como seu governador um actor de Hollywood. “Só mesmo na América, a
terra das oportunidades... Quem diria que viria à terra de Schwarzenegger
à procura de um assassino. Se calhar devia contratá-lo para entrar neste
filme!”, brincava ele consigo próprio. Mesmo cansado, o investigador
estava muito bem-disposto e acima de tudo orgulhoso por se terem lembrado
de si e reconhecido o seu árduo trabalho de 1993.
Num silêncio que chegava a ser incómodo, subiram os três de elevador até
ao vigésimo piso. O bagageiro deixou as malas frente à porta, desejando a
Frank uma boa noite. Em seguida falou o motorista:
Após ter devorado o jantar, Frank deitou-se de imediato. O dia tinha sido
longo e cheio de emoções e sabia que no dia seguinte seria acordado bem
cedo para prosseguir com a investigação. Por isso reduziu a luz do quarto
e deixou-se adormecer...
III
Quinta-Feira, 23h00m.
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– Está tudo normal! Esta turma que tive agora porta-se muito bem, piores
são os alunos que vêm a seguir! Os da turma B, já te falei neles... –
contava Megan.
– Ui, coitada! Diz-lhes que se forem mauzinhos contigo terão que se ver
comigo! – riu-se John, continuando. – Liguei-te porque queria saber se
logo queres ir jantar fora.
– Jantar fora, hoje? Mas o que é que te deu? John Brook, o que é que tu
andas a preparar? – perguntou Anne Rimes feliz, mas desconfiada.
– Foi no teu emprego, é isso? Promoveram-te? Por isso é que estás tão
contente, adivinhei?
– Convencido! Agora tenho que desligar que já está a tocar para dentro e
ainda tenho um bando de pestinhas para aturar!
– Yes teacher, see you later! Big kiss and I love you! – brincou o
marido.
Anne Rimes ficou em pulgas para saber o porquê daquele jantar e o porquê
de ser no seu restaurante italiano preferido, onde pela primeira vez
tinha sido apresentada a John. John Brook estava decidido. Tirou a tarde
de folga para preparar o ambiente. A mesa já estava reservada e agora ia
tratar do ramo de flores. Na florista comprou trinta e duas rosas
vermelhas, que pediu para serem embrulhadas em papel dourado. John queria
que tudo fosse perfeito. Para muitos casais esta decisão era a mais
normal e fácil do mundo, mas para eles não, portanto achava que tinha que
dar o devido valor ao momento. Sabia que Anne esperava há muito tempo por
isto e agora sentia-se mais que preparado para o assumir e realizar o
desejo da sua mulher. Dentro do ramo colocou um cartão com a mensagem:
“Que este dia mude para sempre as nossas vidas! Amo-te Princesa! John.”
Já no restaurante...
– Não acredito amor, esta foi precisamente a mesa em que nos conhecemos,
lembras-te? – perguntou Anne, comovida.
– Ai, pára com isso! Diz-me porque é que estamos aqui, estou a morrer de
curiosidade! – insistiu ela.
John tinha acabado por conseguir distrair a mulher. Ele sabia que bastava
falar da família dela, fosse dos pais, da irmã ou até do gato, para que
Anne nunca mais parasse de falar. Antes da sobremesa ele fez um sinal ao
empregado, sem que ela reparasse, e passado poucos segundos este entregou
a Anne o ramo de John. Anne Rimes ficou perplexa a olhar para o
empregado, que se justificou dizendo: “De um admirador seu!”. Ela corou e
olhou para o marido enquanto o empregado se afastava...
– Estou tão feliz! Quando é que podemos começar a tentar? – fez Anne um
sorriso malandro ao marido.
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– Está fantástica! Quem a viu e quem a vê! Pode ir falar com ela, está
ali sentada ao cantinho... – respondia a enfermeira, contente pela visita
do padre.
– Claro que não, só tenho andado um pouco ocupado com as tarefas da nossa
paróquia. E a Sophie, quando é que volta a aparecer na missa?
– Não sei padre, todos dizem que estou a recuperar bem, mas agora não
tenho coragem de regressar. Sinto-me uma estranha, tenho vergonha! –
desabafou a paciente.
– Eu sei padre, mas é tão difícil voltar. Aqui somos todos iguais, cada
um com a sua mania é certo, mas todos nos entendemos. Ao longo destes
seis meses fiz muitos amigos que não quero perder...
– E não vai perder ninguém Sophie, um dia também eles vão acabar por sair
deste hospital e aí poderá retomar todas as amizades que travou.
– Que bom, fico muito feliz por si! Ah, e fico também à sua espera no
domingo. Quero-a a assistir à missa na primeira fila, bem à frente de
todos! – levantava-lhe Molony a cabeça. – Para mostrar como está muito
bem!
Naquela cantina via de tudo, por mais vezes que lá fosse sentia sempre
uma profunda tristeza por ver tantos doentes distantes e perdidos numa
outra realidade.
– Senhor padre, vai-me desculpar, mas não podemos deixá-los ter visitas,
não é de todo aconselhável! – respondeu o director, que se encontrava
sentado na sua poltrona de cabedal.
– Estou?
– Sim, é a própria!
– Sim...
Após algum silêncio, Susan Fletcher acenou que sim com a cabeça. Ainda à
espreita, Phill não conseguia acreditar no que os seus olhos viam. Era um
milagre. Tinha que avisar toda a gente do que estava a acontecer, tinha
que informar o Dr. Evans que Susan tinha comunicado com outra pessoa, sem
ser Anne Rimes.
– Então, Susan, sentimos muito a tua falta! – exclamou Molony. – Vim aqui
falar contigo porque tenho saudades das nossas conversas. Eles não me
queriam deixar entrar, achavam que não ias falar comigo, nem ias gostar
da minha visita... mas não é verdade, pois não? Quando voltas para nós? –
perguntou Molony, mas desta não obteve resposta. Susan fitou-o somente
com atenção. Molony começou a achar que ela lhe queria transmitir algo,
mas não conseguia entendê-la.
Megan Fox estava de boca aberta a assistir do lado de fora a todo aquele
cenário. Ao lado de Phill, espreitava fascinada pelo postigo. Embora não
conseguissem ouvir nada, Megan tinha optado por não entrar, pois poderia
estragar o que quer que estivesse a acontecer naquele momento lá dentro.
“Incrível!”, magicava ela para si mesma, “Incrível”.
– Susan, trouxe-te um presente, mas vais ter que o esconder muito bem,
não podes mostrá-lo a ninguém! O que estou a fazer não é permitido e
podem proibir-nos de estar juntos de novo. Por isso presta bem atenção ao
que te vou dizer – pediu Gary Molony. – Por baixo deste casaco que pousei
aqui ao nosso lado está um caderninho. Quero que fiques com ambos. Com o
meu casaco para te cobrires sempre que te sentires insegura e sozinha e
com o caderno, que aconselho a esconderes debaixo do colchão, para
fazeres o que sempre fizeste, escreveres os teus pensamentos e
sentimentos. Promete-me que fazes isso Susan, ok? – olhava-a Molony,
enquanto Susan o observava olhos nos olhos. – É um segredo que fica só
entre nós. Eu acho que te consigo ajudar se me deixares. – Susan abanou
positivamente a cabeça. O padre Molony aproximou-se dela, com alguma
cautela, e beijou-a na face. Susan Fletcher deixou, sem oferecer qualquer
resistência. Nunca ninguém o tinha conseguido antes.
– Agora vou ter que sair, mas prometo que volto em breve! – exclamou o
padre. – Fica bem Susan Fletcher e não te esqueças que há quem goste
muito de ti, amiga!
– Bem, fico muito satisfeito por achar que a paciente reagiu bem à minha
visita, agora se não se importa precisava de me retirar – disse Molony,
um pouco incomodado por não pretender dizer que conhecia Susan e que era
seu amigo de longa data.
– Com certeza, mas diga-me só mais uma coisa por favor – insistiu Megan
Fox. – A Susan falou?
– Não, não abriu a boca. Boa tarde Dra. Megan. – retorquiu Molony num tom
frio e esquivo, à medida que se afastava dela.
Megan não sabia o que pensar, apesar de serem boas as notícias a história
não lhe parecia fazer muito sentido, por isso decidiu também ela tentar a
sorte com Susan e entrou...
– Olá Susan, sou eu, a Dra. Megan! – mas, de resposta, Megan obteve
simplesmente aquele que era o mesmo silêncio do costume. Aliás, naquele
espaço de tempo, Susan já tinha regressado à janela onde se sentava
imóvel.
– Doutor, penso que lá fora falamos melhor! – sugeriu ela, sem que Evans
lhe ligasse, voltando-se em vez disso para Susan, num tom irónico e
metediço.
– Lamento colega, mas não tenho tempo, estou cheia de pressa. Peça ao
enfermeiro que lhe conte, ele viu mais que eu! Até amanhã – respondeu
ela, seca e frontalmente.
Entretanto Evans estava enfurecido por saber que Susan tinha registado
uma melhoria. “Para a próxima não me escapas menina, hoje tiveste muita
sorte por não estares sozinha!”, pensou ele.
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– Sim?
– Bom dia Sr. Douglas, fala o comandante Lopez! Presumo que o tenha
acordado...
– Faltam quinze minutos para as seis da manhã. Precisava que viesse ter
connosco para arrancarmos com as buscas. Consegue estar cá dentro de meia
hora?
– Não, foram os três levados para a Trace Evidence Unit3, mas não
encontraram nada de nada.
– Bem, agora eu vou até ao porto tentar perceber o que se passa lá,
enquanto aguardo todos os registos que lhe pedi.
– Sim? – pergunta ele e continua. – Quando? Como é que ele é? Ok, vamos
já para lá! Detective, siga-me! – exclamou o comandante num tom alto e
assertivo para Frank Douglas, enquanto vestia o seu casaco.
– Disse noventa e oito por cento? – Frank sabia que ainda não tinha
ouvido todos os pormenores.
– Bem, sendo assim podemos não estar a falar do mesmo assassino. Pode ser
apenas uma coincidência. Só depois de o abrirmos e vermos se tem coração
é que vamos conseguir ter a certeza... – tagarelava Frank, ansioso por
ver o cadáver.
– Mas tudo indica que o homicida seja o mesmo, não é verdade? Os outros
também foram encontrados aqui... – insistia o jornalista da CNN.
– Já lhe disse que ainda não sabemos de nada. Quando tivermos informações
válidas e confirmadas comunicaremos em conferência de imprensa, até lá
peço-lhes que se afastem! – falava Lopez, num tom mais brusco. – Se não
se importam retirem-se e parem com as fotografias! Precisamos de
prosseguir! – gritava ele. – Vamos iniciar o trabalho e não queremos
ninguém aqui!
– Está tudo limpo, comandante. Sugiro que levemos o corpo para ser
analisado!
– afirmou Frank Douglas, convicto de que já não estavam lá a fazer nada.
E assim foi, o cadáver foi transportado para o departamento de
investigação criminal onde Frank e Lopez esperaram até que os
especialistas anunciassem o resultado, após três horas.
– Pode ficar aqui no meu gabinete à vontade. Eu vou ter que sair, volto
dentro de duas horas. Se por acaso me demorar, amanhã é um novo dia,
Frank. Vá até ao hotel descansar, pois preciso de si fresco nesta luta!
Frank trancou-se no gabinete depois de ter pedido para não ser incomodado
por ninguém.
– Ora vamos lá ver o que temos aqui! – falava ele em voz alta.
“Porque é que alguém queria vingar-se daqueles quatro homens? Que motivos
teve a pessoa para querer vê-los mortos?”, pensava Frank, enquanto
desenhava rascunhos a lápis numa folha em branco que tinha pousada na
secretária.
Passadas mais de duas horas, Lopez telefonou-lhe a avisar que não voltava
ao escritório.
– Frank, aproveite hoje para dar uma volta, se não ficar a conhecer nada
da Califórnia os seus amigos vão-nos achar uns péssimos anfitriões –
brincava Lopez.
– Sou capaz de pedir ao David que me leve a algum café depois do jantar.
Aconselha-me algum em particular?
– Nessa zona são todos bastante agradáveis, mas talvez o The Last Detail,
que é recatado e tem uma decoração engraçada.
Frank pegou nos documentos, deitou a folha fora e saiu do gabinete. David
estava à sua espera no carro.
– Até que enfim, filho! Já não me ligas há quase três dias! – Frank
costumava telefonar-lhe diariamente para conversarem um bocadinho. –
Estava a começar a ficar preocupada!
– Filho, as notícias não dão outra coisa. Sabes como é, o nosso melhor
detective a desvendar um caso desta importância na América... – brincava
a mãe, cheia de orgulho.
– Estou óptima, quero é que me contes tudo, sabes como sou curiosa!
Martha sabia que o filho não lhe escondia nada, já era costume falarem
sobre tudo, e um dos assuntos que mais a entretinha eram os mistérios
criminais em que ele se metia.
– Tudo, tudo, fica para depois, mas entretanto posso dizer-lhe onde
estive há pouco... acho que vai ficar com ciúmes! – dizia ele a brincar.
– Passei frente à casa do Sylvester Stallone, do Elvis Presley, do Eddie
Murphy...
– Ai seu sortudo! Com que então em vez de trabalhares andas a passear nas
ruas dos famosos! Que trabalho aborrecido o teu! – brincava agora Martha.
– Claro que acho, só se fosse burra é que não o achava sexy! – ripostou
alegremente.
– Quem?
– O Jack Nicholson!
– Bem, mas para mim o melhor, melhor foi ver a casa espectacular da
Madonna!
Frank Douglas sabia que a sua mãe tinha uma enorme admiração por ele.
– Ai filho, não acredito!
– Pode acreditar! E por sua causa saí do carro e tirei uma fotografia de
recordação com o meu telemóvel!
– Que querido Frank, obrigada! Olha, mas falando de coisas sérias, quando
é que voltas?
Frank Douglas sentia uma enorme admiração pela mãe. Ela enviuvara do pai,
com apenas trinta e sete anos, e decidira nunca mais voltar a ter
ninguém, optando por dar toda a sua atenção ao crescimento e formação do
filho.
– Sim, o quarto homem também não tinha coração! Faz parte da mesma série
de crimes. Acho que podemos concluir que se trata mesmo de uma vingança!
– exclamava Lopez entusiasmado. – Tirando isso não temos mais nada. Foi
tudo analisado ao microscópio e nem fibras têxteis, nem fios de corda,
cabelo, penas ou pêlos de animais, nenhum vestígio debaixo das unhas,
nada da nada!
Anne Rimes andava com a cabeça nas nuvens. Durante a noite sonhava que
era mãe de um lindo bebé e que o embalava no seu colo ao som de caixinhas
de música, e de dia, sempre que se cruzava com uma loja para crianças,
parava frente à montra e deixava-se enternecer com tudo o que lá estava
exposto. O desejo de engravidar e ter um filho era maior que tudo e desde
que John Brook se comprometera a realizar-lhe o sonho que deixara de ter
descanso. Todos os momentos que estavam a sós Anne seduzia-o de forma a
tentar mais uma vez. Ele gostava, mas receava que a vontade da mulher
virasse uma obsessão.
John Brook sempre dispensou ter filhos. Viera duma família de três
irmãos, sendo que estes eram bastante mais novos que ele, frutos de um
segundo casamento por parte da mãe. E como consequência de o padrasto ter
sido sempre uma pessoa bastante ausente, teve que, também ele, ajudar a
tomar conta os irmãos. John achava que já tinha feito muito e não ansiava
passar pela mesma experiência tão cedo, mas Anne, à medida que o tempo
passava, ia tentando convencê-lo de que eram uma bênção.
John desde que a viu pela primeira vez apaixonou-se como nunca antes o
tinha conseguido. Já tinha passado por muitos relacionamentos, mas
nenhuma mulher o deixara tão embeiçado como Anne Rimes. Anne tinha trinta
e cinco anos… e sempre se vestira com roupas sportswear, o seu à vontade
realçava-lhe a simpatia chamando a atenção de todos os que a rodeavam,
incluindo a de John. Ele tinha-se encantado com os seus olhos rasgados
cor de amêndoa. Para John, toda ela era uma figura apetecível, descrevia-
a aos amigos como uma rapariga única, querida, divertida, com um imenso
sentido de humor, em resumo, encantadora. Os seus amigos a princípio
achavam que ele estava somente apaixonado, mas depois de os verem juntos
compreenderam que ele tinha razão. Não propriamente pela beleza dela, mas
porque John estava verdadeiramente fascinado. Nunca o tinham visto assim.
Sabiam que ele conseguia todas as mulheres que queria e que não precisava
de ter só uma, principalmente assim simples como Anne era. No início
custou-lhes a aceitar a sua relação, não estavam habituados àquele John
todo enamorado e caseiro, mas aos poucos lá se foram conformando e
aceitando as mudanças.
Anne também ficou encantada nesse mesmo dia em que foram apresentados,
mas aí já era mais fácil de compreender. John Brook era realmente muito
interessante e charmoso, sempre com uma maneira muito própria de falar,
muito caricata e sedutora. Ambos sabiam que não se podiam apaixonar mas
nem tentaram resistir, pois o seu sentimento tinha sido mais forte.
Quando começaram, oficialmente, a namorar, Anne Rimes teve o receio de
que ele não fosse o homem que desejava. Lembrava-se centenas de vezes das
histórias que Susan Fletcher lhe tinha contado acerca de ele ter muitas
mulheres, ser atiradiço e sério nas relações amorosas. Anne sabia que se
arriscava a ser apenas mais uma no vasto leque de conquistas de John
Brook, mas não conseguia evitar. O desejo de estar com ele era demasiado
intenso. John mexia-lhe com todas as emoções, deixava-a arrepiada,
nervosa, com o coração a bater a mil à hora, as mãos suadas e com um
enorme desejo de o beijar até perder o fôlego. Bastava-lhe aquele piscar
de olhos verdes, para que Anne dissesse que sim a tudo e o seguisse até
ao fim do mundo. Naquele dia o sentimento de ambos tinha sido o mesmo, de
puro encantamento.
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– Querido, vou ao hospital... esta tarde como não dou aulas vou
aproveitar para ir visitar a Susan!
– Sim, eu sei que não gostas que eu lá vá, mas pronto já chega de
discutirmos sempre por causa do mesmo!
– Estava a brincar querida, não fiques lá muito tempo que também não te
faz bem... voltas sempre triste e desanimada! – gritava ele de dentro da
casa de banho.
– Pois está. Mas já te ocorreu que um dia ela pode melhorar? E depois com
que cara é que lhe vamos contar? E se tem outra recaída? – falava ela
através do corredor.
– Se isso vier a acontecer logo vemos, agora olha é para o relógio e não
te atrases!
Anne saiu de casa e John continuou a arranjar-se. Ele não tinha horas
para chegar, o seu horário era livre. Enquanto se barbeava pensava no que
a mulher lhe tinha dito: “Já te ocorreu que ela um dia pode melhorar?”.
John nunca colocara essa hipótese. Apesar de já ter gostado de Susan, não
estava para ter mais problemas na sua vida. O seu lado menos bom rezava
para que ela não recuperasse mais.
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No emprego, James, o seu chefe, não sabia o que fazer. Tinha sido
obrigado pela administração a despedi-la, mas para ele era muito
complicado, pois além de serem amigos, Jessica tinha dedicado grande
parte da sua vida àquela casa. Entre suores, lágrimas e risos, juntos
partilharam trabalho pela noite dentro, vezes sem conta. James
compreendia a administração pois o caso começava a não ter solução à
vista, e sabia que a decisão não estava mais nas mãos dele. Era certo que
os administradores já tinham reparado que Jessica não respeitava
horários, que andava sempre com um péssimo aspecto e pior que tudo isso
era o facto de nas reuniões não conseguir dar uma única resposta clara e
objectiva aos seus clientes, adjectivos que sempre fizeram parte da sua
postura. O chefe, por mais que gostasse dela, também já não a reconhecia
mais, assim decidiu chamá-la ao seu gabinete...
– Mas ainda sou James, só estou a atravessar uma fase má... – baixou ela
a cabeça.
– Jessica, sabes que além da consideração que tenho por ti, enquanto
colegas, tenho ainda uma maior enquanto amigos. A Nora4 tem-me contado
que tu estás cada vez pior, que precisas mesmo de ajuda, por isso deixa-
nos ajudar-te!
– O que é que queres dizer com isso? Queres despedir-me, é isso James? -
agora era ela quem se levantava da cadeira.
– Não, isso é precisamente aquilo que não quero fazer. – segurava ele na
mão dela. – Mas há mais de dois anos que tento esconder todas as tuas
falhas aqui dentro e agora fui obrigado pela administração e sou sempre
pressionado pelos teus colegas para te afastar... O prazo está a terminar
Jessica, temos que fazer alguma coisa! Eu pedi-lhes compreensão por causa
do que aconteceu com a Susan, mas agora já não dá mais...
4 N. A. - Mulher de James.
– Não, James! Eu juro-te que quero trabalhar! – agora era ela quem lhe
segurava nas mãos. – Não me despeças por favor, somos amigos, passei aqui
os melhores anos da minha vida! Sabes bem que eu me sacrifiquei imenso
para construir isto tudo ao teu lado! Tu sabes! – Jessica estava
visivelmente perturbada e James começava novamente a perder as forças
para lhe chamar à razão.
– Claro que sei e também é por isso que ainda cá estás! Mas como teu
amigo, que sou – frisava ele –, tenho que te avisar que a administração
informou-me que se até ao final deste mês não fechares nenhum negócio eu
tenho de te despedir... – suspirava.
– Porque é que eles me estão a fazer isto? James, eles não podem fazer-me
isto!
– Claro que podem, sabes bem que sim, são teus patrões e tu sabes que
eles têm razão em te querer afastar. De milhares de lucros que tínhamos
contigo passamos quase para o prejuízo no teu sector, é uma situação
insustentável!
– Por favor não deixes que me despeçam! O ambiente lá em casa está cada
vez pior e...
– O Kurt?
– Sim, ele tem andado intolerável, diz que já não me aguenta, nem a mim
nem às minhas loucuras.
– Nem que tenhas que me despromover, que eu tenha de meter baixa, sei lá…
qualquer coisa é melhor do que ficar sem o meu emprego!
– Está bem, tem calma e limpa essas lágrimas. Uma cara tão bonita não
devia estar assim tão tristonha... olha, tive uma ideia! Eu tento
convencer a administração a mudar-te de cargo, para um inferior claro,
mas só até à tua recuperação e tu entretanto procuras ajuda num médico
especializado, em vez de andares a tomar comprimidos sem receita.
Concordas? – perguntava James com alguma esperança em conseguir ajudá-la.
– Nós sabemos, mas ela nunca vai melhorar se fores visitá-la sempre nesse
estado! Vou falar com a Nora e pedir-lhe que fale com o psiquiatra nosso
amigo. Vou pedir-lhe que marque uma consulta e não olhes para mim com
essa cara, ou isso ou o desemprego! – ameaçou-a ele.
– Está bem. Obrigada mais uma vez! Vocês são uns verdadeiros amigos –
disse-lhe Jessica, enquanto lhe deu um abraço forte.
– Sempre que precisares, Jessica. E não quero te quero ver mais a chorar!
Força! – incentivou-a James, com receio que ela não seguisse os seus
conselhos.
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Anne Rimes após chegar ao Bethlem Royal Hospital, depois de uma viagem de
carro de mais de duas horas, tempo que levava de sua casa em Sherborne ao
hospital, perguntou se podia visitar a paciente Susan Fletcher. A
enfermeira respondeu que sim, mas que naquela altura Susan estava com a
psiquiatra, pelo que Anne ia ter de aguardar pelo final da mesma...
– Já vi que hoje não estás para muitas conversas, mas estranho porque
normalmente quando não te apetece estar com ninguém estás à janela e não
sentada na cama. O que fazes aqui?
Susan Fletcher continuava sem dar qualquer resposta, mas estava na cama
porque tinha estado a escrever no diário que o padre Molony lhe
oferecera.
– Ah, já vi que gostaste da visita de Anne, só tenho pena é que não olhes
para mim...
Susan chegou-se mais para o lado na cama, dando a entender que queria que
Anne se sentasse junto de si.
Anne nunca tinha estado tão perto de Susan como naquele momento. Sentada
ao lado da antiga amiga, Susan levantou a sua mão e pousou-a na de
Anne.
Ao ouvir isto, Susan Fletcher deu um pulo da cama afastando a mão de Anne
com força e encostou-se à parede a chorar. Estarrecidas, Anne e Megan
observaram-na durante alguns segundos em silêncio, pois há muito tempo
que não viam nenhuma reacção sua.
Anne ficou parada sem qualquer reacção. Não podia acreditar no que tinha
acabado de ouvir enquanto Megan insistia...
Mas Susan repetia os gritos e a agitação corporal era cada vez maior.
Megan Fox decidiu acabar com aquilo, com medo que a paciente tivesse um
novo ataque.
– Susan querida, nós vamos embora agora... vamos deixar-te descansar. Vai
ficar tudo bem! – disse Megan olhando para Anne, dizendo-lhe de seguida:
– Vamos! – mas Anne continuou no mesmo sítio a olhar para a amiga,
parecia estar em choque... e Megan repetiu: – Anne, vamos embora?
Anne acenou palidamente e recuou sempre de olhos postos em Susan até sair
do quarto. Depois de fecharem a porta chamaram a enfermeira, mas quando
esta lá chegou, Susan já tinha adormecido no chão.
À saída do quarto Anne ia-se embora, quando Megan lhe pediu para que
ficasse mais um pouco.
– Anne, porque é que ficou assim? Foi pelo comportamento de Susan? Porque
é que está tão transtornada?
– Pois compreendo que não deva ser fácil ver a sua melhor amiga neste
estado, mas veja bem hoje fez uns progressos fantásticos! A Susan tem
melhorado de dia para dia!
– Sim, mas...
– Não se preocupe, logo, logo terá a sua amiga de volta. Olhe só quem vem
aí, Jessica Fletcher, aposto que vai ficar satisfeita com as novidades!
Anne saiu disparada como uma bala, cumprimentando Jessica com um sorriso
forçado e desaparecendo logo de seguida.
– Mas falou?
– Não, foi tudo por gestos, mas preste atenção! Anne sentou-se na cama
encostada a ela e a Susan pousou a mão dela em cima da de Anne!
– A sério? Mas o que é que isso quer dizer? A minha filha está a
recuperar? Doutora, diga-me?!
– Tenha calma e preste atenção… Depois aconteceu mais uma coisa. A Susan
falou finalmente!
– Mas que dor? Dra. Megan, a Susan está a sofrer? – perguntava Jessica
nervosa.
– Depois de Anne lhe dizer que estavam todos ansiosos para que ela
voltasse para casa ela começou a dizer isso de “a dor mata”, depois Anne
perguntou-lhe que dor é que a matava e ela respondeu “A dor do John, a
dor do John”.
– Sente-se bem? Porque é que ficou assim? Mas afinal quem é esse John que
parece fazer toda a gente sentir-se mal?
– Não, quem me contou foi a Anne. Confessou-me que ela e o John tiveram
um caso pouco antes de Susan ser internada e que nunca lhe chegou a
contar que estava apaixonada por ele...
– Mas então...
– Então, supostamente a Susan não sabe de nada, nem que namoraram e muito
menos que agora são casados!
– Sim, Dra. Megan, obrigada. Eu nunca lhe contei esta história, porque
pensava não ser relevante... é que a minha filha nunca soube da relação
deles!
A primeira coisa que fez foi abraçá-lo, e com tanta força, que John teve
que delicadamente afastá-la, para conseguir voltar a respirar
normalmente. Ele vinha carregado com jornais, a sua pasta e ainda uma
saca de compras. Tinha passado na mercearia ao lado da empresa para
comprar fruta.
– Claro! Só podia ter a ver com essa destrambelhada! Sempre que existem
problemas é por causa dela!
– A Susan falou? De mim?! Mas o que é que ela disse? – perguntou John tão
espantado quanto Jessica, Megan e Anne ficaram.
– Aí é que está! O que ela disse é que foi horrível! Começou por dizer
palavras sem sentido como “a dor mata”... E quando eu lhe perguntei que
dor é que a matava, ela respondeu a tua! “A dor do John”! – Anne uma vez
mais rebentara num pranto.
– Pára Anne, já estás a dramatizar... É claro que a loucura dela não tem
nada a ver connosco! Aliás ela nem sabe que estamos juntos ou que alguma
vez estivemos. Eu namorei com ela até ela ter sido internada e nós já
tínhamos um caso há muito tempo, lembras-te?
– Não há mas nem meio mas, ela não podia sequer desconfiar, senão tinha
terminado com a nossa relação, não achas?
– Sim, mas então porque é que ela disse isso? Porque é que ela mencionou
o teu nome?
– Não sei...
– Sim, mas daí a dizer-me a mim que a dor que a mata és tu!
– Olha, como vês voltamos a discutir por causa dela. Eu não te disse que
não devias ir lá mais? Já viste o estado em que voltaste? Ainda para mais
o hospital é muito longe.
– Anne, não podemos fazer nada para corrigir o passado. O que está feito
feito está! Agora temos mais é que nos preocupar com o futuro, ou já te
esqueceste que temos um filho para fazer? – John levantou-se e abraçou a
mulher.
Anne ainda tristonha respondeu: – Não, deve estar quase... vou espreitar
o arroz!
– Ok, se não te importas eu vou dar uma vista de olhos aos jornais de
hoje, ainda não consegui ouvir uma única notícia!
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– Achas que alguém sabe? A tua filha está lá por vários motivos e o de
não fazer sentido no que diz é um deles!
– Pára de ser irónica! Eu sei disso! Mas também sei que a Susan não fazia
ideia de que o pulha do John e a traidora da amiga eram amantes! Nem ela
nem nós, e ao que parece, ninguém! Por isso não compreendo mesmo.
– Já te ocorreu que pode não haver nada para compreender? Eles eram
namorados é natural que ela se comece a lembrar de certos pormenores,
como do nome dele...
– Mas e a parte da dor... porque é que lhe dói? Será que aquele
impostorzinho fez algum mal à minha filha? – perguntou Kurt num tom
exaltado.
– Ah, agora já é a minha filha? Antes não te lembraste disso pois não?
Depois da ameaça, Kurt saiu de casa enfurecido. Jessica não fazia ideia
para onde o marido ia àquelas horas, mas também já tinha desistido de
perguntar.
Antigamente só saía às sextas e sábados, mas agora era diário. A ela
também não lhe fazia diferença, até lhe agradecia poder ficar sozinha.
– Estou?
– Nora?
– Nem por isso, será que te posso fazer uma visitinha depois do jantar?
Gostava de conversar um bocadinho a ver se espaireço!
– Claro, até é um favor que me fazes! O James vai a um jogo de futebol e
eu ia ficar sozinha...
– Susan agora não, depois falamos com o teu pai sobre isso em casa...
Mas Jessica sabia a filha que tinha. Susan tinha herdado o seu feitio
persuasivo e não se ia calar até conseguir o que queria.
– Por favor!
– Bem, mas Jessica, há um problema, não se preocupe que não é nada com a
bebé... – Kurt parou imediatamente de festejar e perguntou ao médico que
problema era esse. – Não tenho outra forma de lhes dizer isto sem vos
magoar. Eu sei que a senhora queria ter mais dois filhos, mas é com muita
pena minha que lhe vou ter que dar esta notícia...
– Sim, a senhora não pode ter mais filhos. Lamento por ambos – Kurt
Fletcher abraçou a mulher e esperou que ela se acalmasse. – Vou retirar-
me para os deixar mais à vontade, Jessica não se esqueça de que está de
parabéns, tem uma linda filha à sua espera no berçário! – ao dizer isto,
o médico saiu.
-----
– Estou? – perguntava.
– Não sei, mas se não aparecer hoje amanhã estou aí de certeza, aliás
temos coisas para combinar...
– Ok, beijo!
– Beijos.
V
– Não, não vamos perder mais tempo. Ele está longe... depois avisamo-lo!
Agora segurem-me... Podem descer-me mais? – perguntou o detective de
cabeça virada para baixo, enquanto o agarravam pelos pés e tentava a todo
o custo chegar com as pontas dos seus dedos ao sapato. – Desçam-me mais!
Falta pouco! – gritava.
– Já não dá mais detective, estamos no nosso limite! – respondia David,
cansado.
– Sim e este vai de certeza ter alguma pista que nos vai levar ao
criminoso, é desta comandante!
– Não vamos esperar mais! Vamos até à sala das análises! Júlio, chegue
aqui! – chamava Lopez o agente especial.
Frank Douglas estava super excitado. Há uma semana que esperava por
aquele acontecimento. Estava convencido que aquele sapato os ajudaria a
chegarem ao assassino. Entretanto, Júlio esteve com ele no departamento
de busca de provas. Para o agente especial, aqueles últimos dias tinham
sido únicos na sua carreira. Ele estava há apenas dois anos no FBI e
sentia-se imensamente realizado, principalmente naquela altura, com tudo
o que vinha a acontecer: desde que encontraram o primeiro corpo, à
chegada de Frank Douglas, sentia-se ainda mais motivado e com toda a
certeza de que tinha escolhido a profissão certa. Enquanto o analista
observava, através do microscópio, todas as marcas e partículas que
tinham sido encontradas no sapato, os colegas recolhiam os diferentes
vestígios deixados no mesmo, através de lenços molhados e espátulas, para
dentro de sacos de plástico, que posteriormente seriam também analisados.
– Frank, não podia estar mais de acordo. Já devemos estar muito próximos
desta besta.
Frank Douglas, nessa mesma manhã, tinha-se encontrado com Mary Borne,
filha de Michael, mas não tinha conseguido extrair das suas declarações
nada de relevante, tendo sido sempre a sua mãe a dar-lhe as respostas,
concluindo que a rapariga seria muito tímida e também que não tivesse
nada de relevante para lhe contar. Isto até ter encontrado um bilhete no
bolso do seu blazer, quando foi à casa de banho, já no FBI, que dizia:
“Não posso falar agora. Logo no Jurassic Café do Universal Studios, em
Long Beach, às oito e trinta”.
– Posso sentar-me?
– Sim, um café e uma tosta de queijo por favor. Mary, queres alguma
coisa? – perguntou-lhe Frank. Mary respondeu que não com a cabeça e o
empregado retirou-se. Ela só tinha bebido um café... Frank percebeu que
devia estar ansiosa demais para comer.
– Bem, eu vou contar-lhe isto porque pediu-me que lhe contasse tudo o que
sei sobre o meu pai e que pudesse ser relevante.
– Mas, antes de lhe contar, preciso que me prometa que não conta nada
disto à minha mãe, promete?
– Sim, prometo.
– E tu Mary, recusaste?
– Não! Ele era visto como um homem perfeito por todos e a minha mãe
adorava-o.
– Mary, a revelação que me fizeste... porque é que achas que pode ser
relevante para o meu caso?
– Mas como é que isso é possível? Os vossos pais não têm qualquer
ligação, nós estudamo-los, nem as vossas famílias ou amigos...ninguém!
Mary, não me estás a mentir pois não? – perguntou Frank, preocupado e
muito confuso.
– Não, juro que não! Estou a dizer-lhe a verdade! Nós pertencemos todas a
um grupo... um grupo secreto, entende? Por isso lhe peço que não revele
nada disto a ninguém.
– Mary, não te preocupes agora com o segredo… – Frank Douglas sabia bem
que não podia guardá-lo. – Conta-me tudo do princípio e com calma.
– Não me estás a dizer que tens alguma coisa a ver com estas mortes, pois
não?
– E como?
– Ela fazia parte desse tal grupo de raparigas que tinham sido violadas
pelos pais e levou-me até lá. Senhor detective, se eu não as tivesse
conhecido, hoje não estávamos aqui a falar. Elas foram a minha salvação!
Entende, não entende? – Perguntava Mary, aflita.
– Mary, estás a dizer-me que duas filhas de duas vítimas fazem parte
desse grupo?
– Somos sete…
– Sim, também foi violada, e o pai só parou quando ela saiu de casa.
(…)