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Bem-vindo!
Aqui você encontra de tudo sobre o cérebro: curiosidades, definições, livros e ensaios
sobre as aplicações da neurociência à vida cotidiana.
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Espero que você goste do novo Cérebro Nosso! Seus comentários e sugestões são
sempre bem-vindos, basta deixá-los no Livro de Sugestões do site.
Boa leitura,
Suzana
O Cérebro Nosso de Cada Dia foi criado em 2000 por Suzana Herculano-Houzel,
neurocientista formada pela Case Western Reserve University (EUA), Universidade
Paris VI (França) e Instituto Max-Planck para a Pesquisa do Cérebro (Alemanha) e
bióloga graduada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Daniela Ramos também é bióloga, formada pela UFRJ, monitora do projeto Ciência
Móvel do Museu da Vida (Fiocruz), também futura mestranda em divulgação científica,
e passou a integrar a equipe do Cérebro Nosso em outubro de 2007.
Numa pesquisa chamada "Você Conhece Seu Cérebro?", perguntei a 2000 cariocas,
entre outras coisas, se eles concordavam que "utilizamos normalmente apenas 10% do
nosso cérebro." A metade concordou. Fiz a mesma pergunta a 35 neurocientistas, e
somente 2 concordaram. O veredicto? Essa estória de usar 10% do cérebro é nada mais
do que um mito.
Vamos deixar claro logo do começo: não há qualquer razão científica para supor que
usemos 10% do nosso cérebro. Nem 10% dos seus neurônios. Nem 10% da sua
capacidade. Todas as evidências sugerem o contrário: usamos nosso cérebro INTEIRO.
Os 10% ficam por conta da imaginação de quem conseguiu convencer quase metade da
população do Rio a aceitar esse mito.
Por que tantas pessoas aceitam essa idéia dos 10% do cérebro? Talvez porque à primeira
vista, essa estória parece muito convidativa. Se usamos 10% do cérebro, então temos
90% de reserva, que se conseguirmos aprender a usar, poderíamos ficar até dez vezes
mais inteligentes, memorizar dez vezes mais fatos, fazer contas dez vezes mais rápido...
Tudo balela.
E o que é pior, com gravíssimas conseqüências. Quem acredita que 90% do seu cérebro
são dispensáveis não tem porquê evitar choques à cabeça usando capacete na
motocicleta ou cinto de segurança no carro. Quem não sabe que usa seu cérebro inteiro
a todos os momentos ainda não pôde realmente apreciar a maravilha que tem dentro da
cabeça, e fica susceptível ao assédio de livros e cursos que se auto-denominam
"científicos" e pretendem ensinar "como usar os outros 90%". Espalhar o mito de que
usamos 10% do cérebro ou da sua capacidade é um dos maiores desfavores que a mídia
já fez ao homem e à ciência.
Quais 10%?
Para entender por que a estória dos 10% é balela, primeiro é necessário esclarecer de
que 10% estamos falando. Se são 10% da massa cerebral, 90% do que temos dentro da
cabeça devem então ser dispensáveis. Se são 10% dos neurônios, os outros 90% devem
ser silenciosos, ou então redundantes, servindo só como "reservas". Ou se são 10% da
capacidade de desenvolvimento intelectual... será que alguém sabe o que seriam os
100%?
Em qualquer dos três casos, toda a evidência científica está do outro lado. Lesões do
cérebro, mesmo pequenas, têm conseqüências graves ao intelecto e ao comportamento.
Também é possível "escutar" as células nervosas em atividade, e em sua grande maioria,
e em quase todo o cérebro, é possível identificar algum aspecto do mundo ou do
comportamento animal relacionado. Quanto às potencialidades, não é simples tentar
estabelecer um limite de o quê o cérebro pode ou não conseguir fazer. Mesmo porque
várias vezes um limite parece ter sido atingido, só para então ser ultrapassado graças a
uma mudança de estratégia - exatamente como no caso de atletas de competição.
O cérebro todo...
É verdade que algumas lesões cerebrais podem não ter consequências... até que alguém
descubra a primeira. Quando os neurofisiologistas do século 19 tentavam descobrir se
cada região do cérebro tinha uma função definida, a prática comum era remover partes
do cérebro de animais de laboratório e observar se havia perturbações do
comportamento, do aprendizado, perda de capacidades sensoriais, ou motoras. Foi
assim que por exemplo o alemão Hermann Munk ( 1839-1912 ) pôde determinar que a
visão está localizada na região mais posterior do cérebro: cachorros que perdiam esta
região ficavam incapazes de reconhecer objetos pela visão. Mas pesquisadores como o
psicólogo americano Karl Lashley (1890-1958) acreditavam que a maior parte do
cérebro podia ser removida sem grandes conseqüências para capacidades como a
memória, já que ratos que tinham perdido grandes partes do cérebro ainda eram
capazes, por exemplo, de tarefas específicas como encontrar a saída de um labirinto.
Lashley usava suas observações para criticar aqueles que defendiam que certas áreas
definidas do cérebro desempenham funções específicas. Para Lashley, funções cerebrais
como a memória e o aprendizado eram desempenhadas por neurônios espalhados nas
mais diversas regiões do cérebro. Na interpretação de seus experimentos, Lashley
esqueceu de considerar que os animais operados poderiam usar por exemplo os sentidos
restantes para compensar um sentido lesado e ainda conseguir deixar o labirinto. De
fato, hoje sabemos que cada um dos sentidos, os movimentos e certos aspectos da
memória têm, sim, localização precisa no cérebro, e a lesão ou remoção dessas regiões
cerebrais em humanos provoca deficiências graves. E como demonstra a neurologia,
lesões afetando muito menos do que 1% do volume do cérebro podem ter conseqüências
devastadoras, provocando parálise, perda da fala, ou vários outros distúrbios
neurológicos graves.
É verdade no entanto que ainda não se conhece a função de cada pedacinho do cérebro.
Pode ser que existam de fato algumas áreas "de reserva", quem sabe? Mas tudo leva a
crer que identificar a função das áreas que faltam será somente uma questão de tempo. E
de encontrar a pergunta certa. Afinal, quando um neurocientista tenta determinar a
função de uma área, ele não começa do nada. Não é possível "perguntar" a um pedaço
do cérebro para quê ele serve; além das opções serem infinitas, não existe um aparelho
que se coloque sobre uma região do cérebro e indique o que ela faz. O que é possível há
uns vinte anos é observar o consumo de energia no cérebro de um voluntário e perguntar
quais regiões trabalham mais quando ele realiza uma determinada tarefa. Depois, é só
prosseguir relacionando cada região a uma tarefa específica. Se uma região não se
tornou mais ativa em nenhum teste, é provavelmente porque ainda não testaram a tarefa
certa... Na verdade, o problema que os neurocientistas encontram é o oposto: por mais
simples que seja a tarefa, nunca é apenas uma pequena porção do cérebro que se ativa;
várias áreas de função ainda indeterminada são ativadas também.
Testando-se uma série de tarefas simples é possível se comprovar que existem regiões
do cérebro que somente identificam cores, ou objetos, ou movimento. Isso quer dizer
que quando vemos um filme, o tratamento da imagem sozinho já mobiliza funções
espalhadas em várias partes do cérebro. Além disso, dificilmente uma única tarefa é
executada por vez. Pular corda, por exemplo, não é simplesmente "pular corda". Para
isso, uma menininha precisa conseguir acompanhar com os olhos o movimento da
corda, pular no momento certo, na altura certa, com o pé certo, e sem parar de cantar a
musiquinha, colocando em ação no seu cérebro áreas visuais, áreas motoras, áreas
auditivas... só aí já temos mais de 10% da massa cerebral em funcionamento num dado
momento. E nem sequer falamos das regiões que cuidam da memória da musiquinha ou
do sentimento de euforia com a brincadeira!
Foi um fisiologista inglês, Lord Edgar Adrian (1889-1977), quem descobriu, em 1928,
que os neurônios dos sentidos respondem a estímulos como um toque na pele com uma
sequência de descarregamentos e recarregamentos. Quanto mais intenso o estímulo,
mais vezes o neurônio se descarrega; mas a cada vez, o descarregamento é sempre igual.
Isso quer dizer que os neurônios indicam a presença e intensidade do estímulo se
descarregando mais ou menos vezes, e não simplesmente um pouco mais ou um pouco
menos.
Assim, neurônios que estão "fazendo alguma coisa" estão transmitindo sinais - ou seja,
se descarregando e recarregando. Para saber então se um neurônio participa por
exemplo do tato, pode-se determinar se ele é ativado por um toque em alguma parte do
corpo, quer dizer, se ele se descarrega mais vezes com o toque. Uma das maneiras de
fazer isso é colocar um eletrodo ao lado do neurônio e escutá-lo descarregar.
Literalmente. Esse é o procedimento mais usado em laboratórios de neurofisiologia
onde se estuda a relação entre a atividade neuronal e por exemplo a percepção, o
movimento, ou a memória. O eletrodo funciona como um fio cuja minúscula ponta
desencapada fica dentro do cérebro. Quando os neurônios descarregam, parte da
corrente liberada passa para a ponta do eletrodo, que é ligado a um amplificador, que
por sua vez transforma a corrente elétrica em som. Um eletrodo no cérebro funciona
portanto como um microfone que torna audível a atividade dos neurônios. Ligando-se o
amplificador ouve-se o som do cérebro: um chiado semelhante ao som que faz a agulha
da vitrola no fim do disco. É exatamente como se puséssemos um microfone sobre uma
multidão. Chegando no entanto o microfone mais perto de uma só pessoa, ou neurônio,
ouve-se somente a sua voz.
O som dos descarregamentos de um neurônio estimulado no nosso exemplo por um
toque à pele é uma série de pipocadas na caixa de som. E o som desse mesmo neurônio
sem ser estimulado é.. uma série de pipocadas na caixa de som! Bem menos pipocadas,
é verdade; mas ainda assim, pipocadas. É difícil encontrar no cérebro um neurônio que
passe mais de dez segundos sem descarregar. Um neurônio estimulado pode pipocar até
umas 100 vezes por segundo, mas sem o estímulo, é possível ouvir até mesmo 20
pipocados por segundo! Isso quer dizer que mesmo não estimulado, sem "fazer o que
ele faz", um neurônio está sempre fazendo alguma coisa. É o que os neurocientistas
denominam "atividade espontânea".
Usando esse método de ouvir a atividade dos neurônios, é fácil verificar que em todas
as partes do cérebro há neurônios ativos. Em qualquer experimento de eletrofisiologia
cerebral, o pesquisador começa descendo o eletrodo aos poucos no cérebro, até chegar
na região que deseja estudar. Isso pode ser feito sob anestesia geral, ou em um animal
ou em um paciente acordado, porque o próprio cérebro não é sensível - não sente toque,
dor, nada. Ao longo do caminho, o eletrodo vai encontrando uma sequência de
neurônios ativos, pipocando. Quando se afasta de um neurônio e começa a perder seu
som, se aproxima de outro, cujo pipocar logo se faz ouvir. Em qualquer lugar do cérebro
onde haja neurônios, não há buracos na trilha de um eletrodo: todos os neurônios estão
continuamente se descarregando e recarregando, fazendo alguma coisa. Mesmo que
ainda não se entenda o quê.
Acreditar que nós usamos apenas 10% das capacidades do cérebro é considerar que o
sistema trabalha longe do seu máximo. No entanto, basta examinar os limites do cérebro
para ver que o sistema já roda a todo vapor, fazendo tudo o que pode fazer.
O cérebro humano, coitado, vive sendo comparado a um computador. Se você ainda não
se convenceu de que o quilo e meio de matéria em sua cabeça é muito mais capaz e
interessante do que a máquina à sua frente, pense no seguinte: você acorda, escolhe o
que vestir, come, trabalha, resolve os problemas do mundo, imagina outros tantos, curte
quem você gosta e ainda descobre várias curiosidades sobre o funcionamento do
cérebro trabalhando a uma potência de apenas... 22 Watts, bem menos do que a lâmpada
que ilumina sua sala.
O consumo de energia pode ser calculado para qualquer tipo de energia, elétrica ou
química, como as calorias dos alimentos que o cérebro consome. Das mais ou menos
duas mil quilocalorias que precisamos ingerir diariamente para manter o corpo
funcionando, 450 kCal são consumidos pelo cérebro sozinho (já dá para ver que dietas
de menos de 500 kCal por dia são perigosas).
Ou seja: o cérebro tem 22 Watts de potência. Tanto quanto uma lâmpada incandescente
fraquinha, que só ilumina e esquenta!
Para calcular o consumo de energia no final do mês como a Light faz, é só multiplicar a
potência do aparelho pelo número de horas utilizadas. Como o cérebro funciona 24
horas por dia sem interrupção, a conta é simples:
Para quem quer uma conta mais rápida, é só considerar que 1 kWh equivale a 860 kCal.
Como em trinta dias o cérebro consome 13.500 kCal, esse total dividido por 860 dá os
quase 16 kWh da conta anterior.
Ao preço de R$ 0,50 por kWh, manter seu cérebro funcionando com eletricidade
adquirida do governo custaria módicos R$ 8,00 ao mês.
Agora me diga: qual computador consegue funcionar sem interrupção por oito reais ao
mês - e ainda ter caprichos, desejos e paixões? Hmmm? (SHH)
Copyright © 2007, Suzana Herculano-Houzel. All rights reserved.
Você se espanta com a quantidade? Pois cada gotinha é necessária. Primeiro, porque o
cérebro, sozinho, consome 20% do oxigênio que usamos, e esse oxigênio chega através
do sangue. É só fazer as contas para ver que bate direitinho: como são quase 5 litros de
sangue no corpo todo, 750 ml são quase 20% do total. E segundo, trata-se de uma
questão de "elegância" cerebral: ao contrário do resto do corpo, o cérebro não guarda
energia em gordurinhas localizadas (embora as células da glia guardem depósitos de
glicogênio, como faz o fígado, que pode ser disponibilizado para os neurônios). Na
prática, no entanto, ainda se acredita que toda a glicose, ou açúcar, que o cérebro
consome, precisa chegar "on-line", quer dizer, no momento em que é necessária. E
como é necessária o tempo todo...
Ou você se espanta da quantidade não mudar com o exercício físico, e nem mesmo com
o esforço mental? Isso tudo parece muito esquisito, porque afinal se o cérebro trabalha
"mais" para fazer uma conta, deve precisar de mais energia, portanto de mais glicose,
portanto de mais sangue para trazer a glicose... e como é então que não muda? A
resposta é que as regiões que se tornam mais ativas a cada instante recebem mais
sangue, às custas das outras, que passam a receber menos sangue, de modo que fica
tudo equilibrado.
Ainda bem. Afinal, imagina a dor-de-cabeça se o cérebro inchasse com mais sangue a
cada conta difícil! (SHH)
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