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São Paulo
2006
SILVIA MÁRCIA FERREIRA MELETTI
Doutor em Psicologia.
Desenvolvimento Humano.
São Paulo
2006
AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE
TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA
FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.
Catalogação na publicação
Serviço de Biblioteca e Documentação
Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo
RC570
FOLHA DE APROVAÇÃO
título de Doutor.
Desenvolvimento Humano
Aprovado em:
Banca Examinadora:
vida;
Educação, do Conhecimento;
minha vida
AGRADECIMENTOS
acompanharam durante todo o percurso de elaboração deste trabalho. Por isso, optei
Foram cinco anos envolvida com o doutorado. Cinco anos marcados por
início deste trabalho. Como foi decisivo o apoio do Paulo, de nossas famílias e de
nossos grandes amigos para que eu conseguisse resgatar meu trabalho e chegar até
aqui. Assim como foi decisivo o percurso acompanhado pelo Professor José Leon
Exame de Qualificação.
deste trabalho.
Para que fazemos teses?
Resumo
O presente trabalho teve como objetivo analisar os mecanismos utilizados pela instituição
especial para se adequar às exigências legais e normativas no sentido de assumir a
educação escolar como eixo central de seu trabalho, compatibilizando-o com as
necessidades especiais de seus educandos. Para isso, optou-se por analisar os
documentos institucionais que nortearam o movimento de adequação e a percepção dos
profissionais que compõem a equipe técnica de uma instituição especial em processo de
mudança. Os documentos analisados foram: as diretrizes curriculares elaboradas pela
Federação Nacional das APAES APAE Educadora: a escola que buscamos, o currículo da
instituição especial e seu relatório de atividades. A análise consistiu em buscar nos
documentos e no discurso dos profissionais a forma como as dimensões Educação
Especial, Deficiência Mental e Instituição Especial eram concebidas e se as concepções
contemplavam as novas configurações de cada uma delas, previstas na legislação
educacional: a educação especial como uma modalidade de ensino, a deficiência mental
como uma necessidade educacional especial e a instituição especial como uma escola do
sistema regular de ensino. Para isso, o recurso metodológico utilizado foi a Análise de
Discurso. Os resultados indicaram que os mecanismos utilizados foram: apropriação do
discurso oficial; reinterpretação das normas de flexibilização curricular e de terminalidade
específica; reorganização formal e aparente da estrutura institucional. Com base na
análise dos resultados foi possível concluir que os mecanismos utilizados pela instituição
especial sustentam uma transformação institucional aparente que mantém o caráter
totalitário e conservador da instituição e da educação especial por meio da manutenção
da pessoa com deficiência mental no âmbito da filantropia; da indistinção entre
reabilitação e educação e o não acesso a processos efetivos de escolarização; e da
manutenção da condição segregada da pessoa com deficiência mental na instituição
especial, reconhecida como escola do sistema regular de ensino.
Meletti, S.M.F. School Education of a handicapped person at special care
education institutes : from school policies to real-life institution - 2006 – p.
125. Doctorate thesis – Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo.
Abstract
The aim of this work was to analyze the devices used by the special care institution
to fit in with the legal and standard demands of regular school education by
adjusting it with the special needs of their students .In order to do so, both, the
school documents used in the adjusting process as well as the professional
awareness of the group in charge of the special care institution which is going
through a changing process, were analyzed .The documents taken into account were
the following: curriculum constraints, worked out by the Federação Nacional das
Apaes/ Apae Educadora: a escola que buscamos (The school we search for); the
special care institute curriculum and their activity report.The analysis searched for
the way Special Education, Handicapped People and Special Care Institution were
thought of and whether their basic ideas regarded the new shapes each one of them
has nowadays according to the school rules: Special Education as a modality of
teaching, Handicapped as a special education need and the Special Institute as a
regular teaching school.In order to do so, the methodology used was Discourse
Analysis. The results of the research showed that the devices used were the
following: formal discourse appropriation; a re-interpretation of the rules for
curriculum flexibility and specific bounds; formal reorganization of the institutional
structure. According to the data analysis it was possible to conclude that the devices
used by the special care institution support a seemingly institutional change that still
retains a conservative and totalitarian character. The same occurs with Special Care
Education because handicapped people are regarded within the scope of
philanthropy, they are maintained at the indistinct boundaries between restoring and
regular education; regular school access is denied for handicapped people.The
isolation of handicapped people remains at the special care institution which is seen
as a school of the regular teaching system.
Sumário
Resumo
Abstract
da Instituição Especial 64
Referências 120
1
impossível, como nos mostra Amaral (2001, p. xii), delimitar o início deste caminho,
dessa “espiral infinita que une as coisas da vida, alternando e imbricando início e
fim”. Por isso, a tentativa de reconstrução que aqui se inicia pode não contemplar
todo este trajeto constituído por minhas experiências pessoais e profissionais sempre
Meu contato com pessoas com deficiência mental se iniciou, juntamente com
análises indicava, por um lado, o trabalho como uma via de integração social da
1
Local supervisionado, situado em instituições especiais ou como apêndices destas, que atende o indivíduo com deficiência
proporcionando atividades consideradas profissionalizantes [...] Geralmente, é considerado parte do processo de formação [...]
representando uma escala a mais em sua trajetória educativa (MELETTI, 1997, p. 20)
2
Modo como as pessoas com deficiência mental eram denominadas na oficina abrigada.
3
Especialmente, Amaral (1994, 1995), Goyos (1995), Manzini (1989), Giordano (1994).
2
que para as pessoas com deficiência mental que participaram do estudo o processo
dos tipos de contratos firmados com empresas, não foi possível perceber um
1997).
direcionei meu interesse e meus estudos para o fato da educação desta população
especializada que analisa a segregação da pessoa com deficiência mental como algo
Ser identificado como deficiente mental em alguns contextos pode ser mais
restritivo das interações entre a pessoa identificada e seu grupo que a identifica do
Nesta mesma linha, encontramos nas análises tecidas por Jannuzzi (1992,
2004), por Amaral (1995), por Bueno (1997a) e por Garcia (2004) a sustentação de
primeira, é algo que coloca a pessoa identificada como deficiente mental em uma
momento histórico.
Mas, que idealização é essa? Como o homem deve ser, qual é o ideal de indivíduo
4
Podemos encontrar exemplos de como pessoas são identificadas e classificadas como deficientes mentais em função das
condições sociais que lhes são impostas nas análises tecidas sobre o fracasso escolar (Patto, 1997; Moysés e Collares 1992)
sobre os procedimentos de avaliação e encaminhamentos de alunos para as classes especiais (Denari, 1994; Dal Pogetto, 1987)
e também em estudo anterior (Meletti, 1997) em que pude constatar jovens desempregados e com problemas de
comportamento na escola sendo diagnosticados como deficientes mentais leves para trabalharem em oficinas abrigadas.
5
cada indivíduo.
Por ser uma abstração, o padrão ideal não pode ser atingido em sua
totalidade pelo indivíduo singular e, por isso, assume o papel daquilo que deve ser
e julgamento do que não é condizente com aquilo que se almeja para cada indivíduo
em seu grupo social. O ideal de homem é utilizado para qualificar sua própria
Ser identificado como não correspondente ao padrão idealizado faz com que
seu lugar social, seu status, seus papéis, suas interações sejam permeadas e
6
validadas por essa idealização. O que significa, inclusive, ser considerado como não
grupo são também criadas e sustentadas pelas idealizações postas em cada contexto
deficiência mental, podemos observar que suas condições de vida foram e ainda o
são sustentadas pela leitura social que é feita de sua condição, qual seja, de que sua
A conseqüência disso pode ser observada nas formas de significar e de lidar com a
determinado grupo, mais normal será considerada e, por isso, mais aceita. Quanto
mais se distanciar destes, mais desviante e menos aceita será. É nesse contexto de
(1982), como constructo social, como algo que se efetiva no julgamento social do
Considero, compartilhando das reflexões tecidas por Goffman (1982) e por Amaral
(1994, 1995, 1998), que as relações sociais são permeadas por referências que
naturais para cada uma dessas categorias. Quando em minhas relações sociais
ele e seu grupo social, que passam a ser mediadas pelo rótulo a ele impingido.
função desta e sua deficiência passa a ser seu único atributo, com uma carga social
tem de um grupo de pessoas que recebem o mesmo rótulo, já que o estigma traz
passo a considerar que sei tudo a seu respeito pois o rótulo “deficiente” traz consigo
possuem as mesmas necessidades, devem ser alvo dos mesmos serviços, métodos
de trabalho etc.
acima de tudo, faz com que a pessoa não seja considerada para além de sua
deficiência.
No que se refere à educação da pessoa com deficiência mental o que pode ser
maioria das crianças anormais, mesmo com a ampliação das instituições especiais,
Por outro lado, a autora enfatiza que o fato da Declaração não explicitar
deficiência, contribuiu para que estas permanecessem, até a década de 1970 quase
Unidas (ONU) aprova a Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes. Com esta
Declaração, pela primeira vez, as pessoas com deficiência têm suas necessidades
Neste momento, a pessoa com deficiência “pôde começar a ser olhada, e a olhar
para si mesma, de forma menos maniqueísta: nem herói nem vítima, nem deus nem
demônio, nem melhor nem pior, nem super-homem nem animal. Pessoa” (AMARAL,
na rede regular de ensino sendo a instituição especial uma opção educacional, caso
as pessoas com deficiência e/ou suas famílias assim decidirem (Brasil, 1997, 2001a).
contrárias. Diante deste embate, as questões que se colocam são: 1) que direções as
instituição especial nos processos de mudança para lidar com as exigências legais e
questões.
reestruturação.
Capítulo I
impacto de uma política que aponta para mudanças em dois sentidos que são
de educação escolar.
resgate por meio de uma breve análise histórica da Educação Especial no Brasil,
breve por já ter sido alvo de valiosas investigações 5 das quais me aproprio para
constituiu com uma função também específica: oferecer educação especializada para
5
Tais como as desenvolvidas, entre outros, por Jannuzzi (1992, 2004), por Bueno (1993), por Ferreira (1995), Mazzotta (1996)
e por Kassar (1999).
14
desta população que, de forma incipiente, tem seu início nos primeiros anos do
século XX. Neste período, surgem os primeiros registros sobre a educação da pessoa
registros também vão rompendo com o silêncio acerca dessa população e mostrando
nos hospitais psiquiátricos juntamente com todos os tipos de desvalidos que estas
iniciativa de alguns médicos que criam alas anexas aos hospitais com o objetivo de
6
Em 1905, temos no Rio de Janeiro a criação do Pavilhão Bourneville, anexo ao Hospício da Praia Vermelha. Esta prática se
repete em Petrópolis, 1920 e em São Paulo, no Hospício de Juqueri, em 1921.
15
século XX, temos a criação de classes especiais para atender crianças que
Outro aspecto a ser destacado é que com o surgimento das classes especiais
Carvalho (1997) nos mostra que nessa busca a escola moderna se consolida
campo da Pedagogia.
nosso país, na medida em que por meio de várias práticas “de indagação e de
1997 p. 272).
que cada uma fosse encaminhada e cuidada de acordo com suas necessidades.
composição do grupo de crianças que pode freqüentar a escola. Esta prática era
analisa que a
marcado pela hegemonia da ideologia liberal, pelos preceitos das ciências naturais e
objetivava
É também sustentada por essas idéias que Helena Antipoff, “na década de 30,
reitera a crença de que seja possível “reconstruir a sociedade por meio da educação
dado e como uma conseqüência direta das diferenças individuais. Isso faz com que o
de acordo com o resultado dos testes favorece o aprendizado. Por outro lado, o que
deficiência (D’ANTINO, 1996). Por outro lado, não podemos desconsiderar que a
criação das instituições especiais privadas foi favorecida pelas reformas educacionais
modalidades.
das pessoas com deficiência mental para o setor privado, especialmente para aquele
de caráter filantrópico.
7
Inicialmente seu objetivo foi “assistir às famílias dos convocados na II Guerra Mundial, passou a partir de 1945, a dar
prioridade à assistência materna e à infância” no que se refere às áreas de saúde e de educação. (Rizzini, 1995 p. 291)
20
fértil para criação das instituições especiais privadas de cunho filantrópico como a
Silva (1995), nos mostra que, desse modo, o surgimento da APAE está
marcado por um modelo de associação que busca se desenvolver como uma rede
deficiência mental. Nesse sentido, Silva (1995, p. 41) nos mostra que a APAE se
21
fundação das APAEs de Volta Redonda, em 1956, São Lourenço, Goiânia, Niterói,
Jundiaí, João Pessoa e Caxias do Sul, em 1957, Natal, em 1959, Muriaré, em 1960 e
homem e seu meio, na seleção e controle de variáveis que interferem nas respostas
nesta abordagem "é o da busca das causas, das relações de efeito de variáveis sobre
24-25).
que “significa corrigir falta, tirar defeito” decorrentes da deficiência (JANNUZZI, 2004,
medida em que agrega à sua especialidade um atendimento global. Mais que isso, ao
caráter filantrópico.
principais vias de integração. Por outro lado, seu artigo 89 explicita o compromisso
sistema paralelo de ensino, que se estrutura fora da escola pública e que não seria
da influência que estas passam a exercer sobre o Estado. Isso é apontado por Silva
dos temas discutidos foi “Legislação”. Silva (1995) nos mostra que entre os aspectos
lacuna deixada por um Estado que reduz os investimentos com a educação geral
questões relativas à educação especial. Jannuzzi (1997, p. 185) acrescenta que “há
assim uma parcial simbiose entre o público e o privado, que permite ao segundo
da APAE-Rio, de 1954, que explicita como um de seus objetivos “promover junto aos
1971 explicitava:
1962.
Silva (1995, p.90) nos mostra que o rápido desenvolvimento das APAEs
8
Segundo Silva (1995, p. 96), “na década de 50 a APAE constituiu-se com 07 associações, na década de 60 contava com 118,
na década seguinte com 428 e chegando à década de 80 com 775 associações”.
27
Cabe citar como exemplo do êxito obtido na relação com o poder público a
especiais filantrópicas por parte do poder público nas políticas educacionais e sociais.
direcionadas à
que, a partir de 1961 com a Lei 4024/61, explicita o apoio financeiro às instituições
verba pública destinada à educação especial no Brasil. Silva (2003, p. 91) nos
aproximadamente 404%”.
das instituições especiais, com apoio público decisivo. De acordo com dados
constituem como o espaço social responsável pela pessoa com deficiência mental. O
profissional do INPS/MPAS.
9
Segundo Sposati (1995), neste mesmo ano a LBA funda o “Programa de Assistência aos excepcionais” com o objetivo de
“reabilitar portadores de doenças físicas, mentais, sensoriais, congênitas, ou adquiridas e prevenção de deficiências do
excepcional” e para o qual foram destinadas verbas para atendimento de aproximadamente 400.000 pessoas (p.98).
29
No final da década de 1970, início dos anos 80, podemos perceber que a área
quem deveria ser ensinado beneficiar-se daquilo que a sociedade pode lhe oferecer
invés de construir condições de vida “tão semelhantes quanto” o que se observou foi
mental se encontrava anteriormente. Por exemplo, Ferreira (1995, 1998) aponta que
sociais dos quais foi excluído em função de sua diferença (FERREIRA, 1994).
já que só estará preparado na medida em que estiver menos deficiente, o que não se
centrais da educação especial (CAMBAÚVA, 1988). O que explicita a não ruptura com
anteriormente.
atendimento ao indivíduo com deficiência mental, por outro, ele por si só, não é
suficiente tanto para justificar a amplitude do espaço social por elas ocupado, quanto
para suprir suas necessidades econômicas. Assim, conforme nos mostra D’Antino
(1996, p.04), muito embora o Estado canalize recursos públicos para iniciativa
do assistencialismo e da caridade.
concepção de deficiência mental que coloca o indivíduo com tal condição como
aquele que depende do outro para as questões mais básicas da vida, como aquele
depende desse apelo e dessa imagem do deficiente mental para se manter e para se
imagem do indivíduo com deficiência mental como aquele que necessariamente deve
ser alvo da piedade humana. O apelo à caridade para angariar fundos na sociedade
vínculo do aluno com deficiência mental com o espaço institucional; o que reforça, e
mental. Isso resulta não só na arrecadação de fundos junto à sociedade civil mas
Isso faz com que o caráter pedagógico da instituição especial, que justifica
inclusive grande parte das verbas advindas do poder público, possa ser
esta se configure como um poder oculto que domina e aliena os diferentes atores
sociedade civil e pelo Estado como locus social do indivíduo social com deficiência
mental.
reflexões tecidas por Goffman (2003) e por autores da educação especial brasileira,
ser histórico, produtor e produto de seu contexto social, que se constituí na interação
crenças, normas, regras etc. A instituição, qualquer que seja sua natureza, é um
se constitui em suas constantes interações sociais e que é por meio de sua inserção
35
que essa constituição se dá. Assim, um mesmo sujeito pode estar inserido em
diferentes espaços sociais, cuja delimitação lhe permite representar papéis distintos.
Para ele, as instituições atuam como reguladoras das relações e dos papéis sociais.
Por outro lado, existem situações em que uma única instituição se configura
das barreiras que comumente separam as diversas esferas da vida de cada indivíduo,
de outros espaços sociais. Nesse sentido, sua singularidade, sua particularidade fica
pessoas com doença mental, nos mostra que as formas estereotipadas de interação
pessoa do que propriamente à sua doença. Entretanto, aos olhos dos profissionais e
internação.
Outro aspecto apontado pelo autor, é que, mesmo com seu caráter totalizante,
Considero que as análises tecidas por Goffman (2003) acerca das instituições
instituição especial vem sendo considerada como a principal instância, senão a única,
todas as esferas da vida do indivíduo com deficiência mental. Ser o locus social da
isso, temos a desintegração das barreira que separam cada uma delas fora dos
mental; a assistência social passa a buscar o bem estar social do deficiente mental...
distanciadas da sociedade”.
contexto social mais amplo, mas também dos outros grupos sociais em relação a ele.
segregada do primeiro.
somente por elas. Assim, essas maneiras passam a ser reconhecidas como “de
deficiência mental, como a responsável por aqueles que apresentam tal condição,
De acordo com Jannuzzi (1995, p. 07), isso faz com que, no caso da
Além disso, ter suas interações restritas a uma instituição reconhecida como o
seus relatos sobre elas mesmas, sobre seu cotidiano institucionalizado, sobre suas
pelo que pôde ser observado, a vida cotidiana desse grupo de mulheres
se desenrola entre três espaços bem definidos: a casa, a instituição e a
rua. A casa e a instituição são os espaços onde elas vivem suas práticas
diárias rotineiras, ritualizadas, repetitivas. São campos seguros onde elas
têm uma posição definida, onde sabem como agir e o que esperar do
relacionamento com as outras pessoas. Em suma é o mundo que lhes
pertence. [...] A rua, por outro lado, representa o mundo “de fora”, onde
elas transitam ocasionalmente, mais onde não possuem um conjunto de
relações e funções definidas. É um mundo estranho, onde algumas
sonham penetrar um dia (quando conseguirem “trabalhar fora”), mas que
para a maioria tem um significado ameaçador e violento. (GLAT, 1989, p.
207)
A autora nos mostra, ainda, que o lugar que a casa, a instituição e a rua
Outro aspecto ressaltado pela autora, diz respeito à intensa infantilização das
Vale ressaltar, apropriando-me uma vez mais das reflexões de Goffman (2003)
mental uma posição social infantilizada. Outro aspecto apontado é que as atividades
é sem sentido, não condiz com a realidade do deficiente e muito menos com a do
40
contexto do qual ele está excluído. A autora nos mostra, por exemplo, que as
Podemos perceber que a forma como a prática educacional (que deveria ser o
contexto é que o indivíduo com deficiência mental pode ser ensinado, visto suas
Este estudo se distingue dos outros não só pelo seu objeto mas também por
com que o adulto perca a possibilidade de agir e interagir em seu meio de forma
não está posta em seu cotidiano por ser considerada como incapacidade inerente à
Não pode deixar de ser mencionado que as formas utilizadas pela instituição
perpetuação como locus social da deficiência mental, também denotam sua condição
deficiência.
Educacionais Especiais.
referida década é necessário discorrer sobre a forma como o Estado e sua relação
segundo Borón (1994) deve ser considerada sem haver uma valorização de uma das
43
concomitante:
nas relações engendradas na e pela sociedade civil. É esta relação que delimita a
Estado pode ser concebido como “um instituição independente, com interesses e
sinônimo de estatal. Contudo, Sanfelice (2005, pp. 178-179) nos mostra que,
rigorosamente, “escola estatal não é escola pública, a não ser no sentido derivado
público”.
E acrescenta:
“cidadã”, pela ênfase nos direitos sociais; e, por outro, com a eleição de Fernando
Nacional.
das áreas sociais, privatização, proteção aos bancos, redução de direitos trabalhistas
Núcleo Estratégico: “setor que define as leis e as políticas e cobra seu cumprimento”;
subsídio à educação básica”, entre outros; 3) Serviços Não Exclusivos: são aqueles
nos quais o “Estado atua simultaneamente com outras organizações públicas não
46
voltadas para o lucro que ainda permanecem no aparelho do Estado, como, por
Para efeito das reflexões realizadas neste trabalho, focaremos o terceiro setor
nesta esfera que se dá a redefinição dos setores Público e Privado de modo mais
explícito.
administrados pelo setor público não estatal, mas não privatizados. Isso é possível
organizações sociais, que são entendidas como “entidades de direito privado que ,
contrato de gestão com esse poder, e assim ter direito a dotação orçamentária”
(BRASIL, 1995).
mental reitera o caráter assistencialista, que tem sido historicamente sua marca, já
privadas de caráter filantrópico. Bueno e Kassar (2005, p. 128) nos mostram que:
No que se refere à educação da pessoa com deficiência mental o que pode ser
impostos.
Estado quanto à educação das pessoas com deficiência mental. Neste processo de
educação desta população. O que pode ser constatado nas referências feitas em
reafirmado:
Para as instituições por seu favorecimento e para o Estado pelos gastos reduzidos já
deficiência na rede regular de ensino. Isto pode ser constatado na avaliação feita
educação especial.
exclusão social destas pessoas. Assim, podemos perceber que o conceito inclusão
população.
mesmo processo, submerso em uma trama social que sustenta sua interdependência.
10
Estou me baseando nas análises tecidas por Garcia (2004).
50
Para Martins (1997) exclusão é uma categoria vaga e indefinida que passou a
ser utilizada de forma mecânica para explicar todos os problemas sociais. O autor
vaga e indefinida que passou a ser utilizada de forma mecânica para indicar e
da população pobre (os imigrantes árabes, asiáticos, latinos e os negros) dos países
de Primeiro Mundo 11 .
para se constituir. Martins (1997, p.26, grifos do autor) nos mostra que
11
Não me refiro à pobreza apenas como carência material, “as pobrezas se multiplicaram em todos os planos e contaminaram
até mesmo âmbitos da vida que nunca reconheceríamos como expressões de carências vitais” (Martins, 2002).
51
sociedade atual. Martins (2002, p. 38, grifos do autor) nos mostra que
Nesse sentido, incluir não significa superação ou ruptura com uma condição
de exclusão, visto que todos estamos incluídos nas relações sociais que reiteram a
ordem social vigente. Mesmo quando inseridos por meio de privações, de processos
Com base nesta referência é possível analisar que a inclusão não se constitui
Cabe aqui acrescentar as análises tecidas por Arelaro (2003) e Bueno (2005)
sustenta suas ações nas premissas de que o país não tem problema de atendimento
suficientes. A autora contesta estas premissas por meio da análise dos dados
de atendimento escolar.
educação infantil e que, apenas em casos excepcionais – aqueles que em função dos
aqueles que não puderem atingir o nível exigido para a conclusão do ensino
definidos:
crianças com deficiência e crianças bem dotadas; crianças que vivem nas ruas e que
educativas especiais.
deficiência. Isso porque, conforme análises tecidas por Bueno (1997b), a adoção do
ser lida como incentivo à redução dos conteúdos a serem apreendidos, conforme as
evidenciado no caso dos alunos com deficiência mental para os quais o documento
conteúdos acadêmicos.
sem fins lucrativos, que atuem exclusivamente em educação especial e que atendam
aos critérios estabelecidos pelos órgãos normativos dos sistemas de ensino (art. 60).
pessoas com deficiência mental ser plenamente oferecida no âmbito de uma escola
Capítulo II
neste estudo. Esta opção se deu em função destas dimensões serem representativas
brasileira.
Mas, para a viabilização da análise das dimensões foi necessário eleger alguns
12
Por solicitação da direção da instituição, o nome e a cidade onde está localizada a Escola não serão divulgados. A escola
especial onde a pesquisa foi realizada será denominada no trabalho “APAE” e estará destacada em itálico.
59
para apreensão dos mecanismos utilizados pela instituição especial. Era preciso
eleger outra esfera institucional que expressasse tais mecanismos. A opção foi
incide sobre a atuação destes, haja visto a centralidade do papel das equipes
trabalho da equipe técnica que passou a atender os alunos nas salas de aula como
buscamos.
Considerei, então, que focar estas duas mudanças seria uma das vias de
Outro aspecto a ser ressaltado é que as análises foram tecidas não só por
conceber
Especial e Deficiência Mental. Então, a opção foi por tentar apreender as concepções
que você me falasse um pouco sobre o seu trabalho, sobre o que você quiser me
feito um contato com cada um dos profissionais para que a proposta de trabalho e os
todo.
quais foi solicitado a cada participante que falasse sobre seu trabalho, a partir da
colocação já apresentada.
transcrição integral de seu conteúdo. Após a transcrição das entrevistas foi feita a
sem aspectos da linguagem oral que ao serem transcritos podem tornar o texto
caderno teve como objetivo a reapresentação cumulativa dos conteúdos para que
alterar as iniciais, explicar ou corrigir o que havia dito, dando assim continuidade ao
mais nada a acrescentar, foi solicitado a ele que relacionasse seu trabalho com o
Cada sessão de entrevista foi encerrada quando o participante disse não ter
auxiliou de forma preponderante a análise dos relatos. A organização dos relatos que
frases. Foram formadas a partir das entrevistas, tendo como base os assuntos
tratados por cada participante, e selecionadas de acordo com sua pertinência com o
interesse do estudo.
dados e de sua contextualização. Vale ressaltar que os temas não foram elaborados
um deles. Este procedimento foi realizado para cada um dos temas tratados por cada
participante.
assumir a educação escolar como eixo central de seu trabalho, conforme será
apresentado a seguir.
64
Capítulo III
desencadeou uma reação imediata das instituições especiais filantrópicas que, por
o documento afirma:
das pessoas com deficiência mental reside exatamente no não pedagógico, assim é
comum não consegue educar ao mesmo tempo em que exige-se sua pedagogização
todos”.
FENAPAES e esta passa, então, a construir uma linha de ação cujo principal objetivo
1997, p. 11).
Educadora: a Escola que Buscamos, que sintetiza a proposta de unificação das ações
ponto de partida
Educação para Todos e de Escola Inclusiva como norteadores da proposta, mas com
educação das pessoas com deficiência mental no Brasil e como aquele que supre as
lacunas sociais e educacionais referentes a essa população. O que está posto é que o
seu reconhecimento como instância educacional contribui para que a oferta de uma
educação de qualidade para todos seja uma realidade em nosso contexto. Ou seja, o
direito à educação está garantido à pessoa com deficiência mental, mesmo que seja
o direito a uma educação não comum a todos e que não se insere em instâncias
escola.
69
Por outro lado, a inclusão no sistema regular de ensino é colocada apenas como uma
deficiência mental é aquela que, em função de suas condições específicas, não pode
mental deve ser considerado elegível para o ensino especial ou para outras
especial do aluno.
mental são elegíveis para a instituição especial. Ou, invertendo o sentido, toda
pessoa com deficiência mental pode ser considerada como aquela que
APAE Educadora que visa implementar a educação escolar nas instituições especiais
APAEs.
caráter totalitário, haja visto que todas as esferas da vida estão circunscritas ao
destaque o fato da área educacional ser um componente associado a outros que não
sugere que
72
ensino regular, pode-se inferir que o “movimento” do aluno por esta estrutura
especial.
pessoa com deficiência mental não tem condições ou não necessita de outros níveis
abarcar, sem prejuízo daquilo que o aluno deveria receber na rede regular, e que
Mais uma vez o olhar teve que ser direcionado para o silenciamento, para a
críticas do que seria necessário modificar nas estruturas curriculares e nas práticas
obrigatoriedade da Educação Básica. Até atingir esta idade o aluno com “alterações
Parece que o caráter substitutivo não está na troca da escola comum pela
instituição especial, mas da última por ela mesma. Nisso está implícito que a partir
“terminalidade específica para aqueles que não puderem atingir o nível exigido para
apreendido é de que esta é a única forma de conclusão de algum nível ensino para
esta população.
permite a expansão do tempo para mais que os oito anos mínimos previstos na lei.
especial como uma justificativa para o trabalho institucional destinado aos adultos
com deficiência mental. Além disso, fica subentendido que as pessoas com
educacional e que garante o seu financiamento por parte do poder público, implica a
curriculares fica a cargo de cada APAE. Vale destacar o fato das Diretrizes
escola e de seu Regimento Escolar, apresentando os itens que devem compor cada
um.
Além disso, a APAE Educadora traz volumes específicos sobre Arte e Cultura e
Currículo da rede regular de ensino, que deve ser a base da proposta pedagógica da
escola especial.
instituição especial como a instância que pode substituir a escola comum caso esta
sinônimas.
interessadas na causa das pessoas portadoras de deficiência. Até 1971, teve sua
Escola Especial para pessoas com deficiência mental. Em 1999, por deteminação da
N° 2963/2002.
13
A caracterização apresentada foi elaborada baseada nas informações obtidas no Relatório de Atividades da APAE de 2002 e
nas entrevistas realizadas (entre agosto de 2002 e fevereiro de 2003) com seus profissionais.
81
inauguração da primeira APAE, em 1954, do que para aqueles expressos nos textos
segundo os quais a APAE atende pessoas com deficiência mental com grau de
apoio. Mais uma vez, no silenciamento temos implícitos os sentidos. Vale resgatar a
definição que não rompe com a concepção de associação dos déficits intelectual e
indicam isso.
APAE, ao definir que o aluno elegível para freqüentar a escola especial é aquele que
graus de comprometimento.
níveis profundo, severo, moderado e leve nos mostra uma associação entre déficits
pode ser caracterizado, segundo a faixa etária, de acordo com o Quadro II.
84
pessoas.
ou não um caso para ser avaliado. Se sim, a pessoa fica em uma lista de espera e, à
variadas.
Após a avaliação psicológica, caso esteja com mais de seis anos, o candidato
passa por uma avaliação pedagógica para avaliação do nível cognitivo. Para esta
dos déficits dos alunos e entendida como uma condição que apresenta peculiaridades
lidar com esta condição de deficiência mental é algo que só a Instituição Especial faz
e pode fazer.
entendimento de que o deficiente não tem autonomia para lidar com situações
básicas de sua vida (alimentação, higiene pessoal), o que é coerente com alguns
Porque, o que é que acontece? Os nossos alunos não vão chegar numa
chefia e falar: o professor não está dando nada, eu estou vendo revistas
4h, eu estou só pintando... Então, felizmente ou infelizmente esse é o
meu padrão. Eu tenho que ser os olhos, os ouvidos e a
reivindicação dos nossos alunos. Porque o professor fecha a porta
dele e lá ele dá o que quer. E ele pode me mostrar um planejamento
belíssimo, mas e daí? Porque realmente os nossos alunos eles não vão
reivindicar. (Entrevista n° 02 Coordenadora Pedagógica)
atividades pré-escolares tendo por base mais o nível cognitivo do que a faixa etária
considerada normal, para mais ou para menos. Significa dizer que alunos com
idade do aluno e a forma como atua em seu ambiente é que determina seu grau de
no repertório comportamental.
desconsideradas e, acima de tudo, fazendo com que a pessoa não seja considerada
Quadro II: Estrutura do Setor Escolar segundo número de alunos e distribuíção por
níveis, programas e modalidades. Fonte: Relatório de Atividades de 2002 da
Instituição Especial.
Nº Nº
NÍVEL PROGRAMAS MODALIDADES IDADE
TURMAS ALUNOS
Programa
Educação Pedagógico 04 a 06 anos 01 14
Infantil Especifico I
Pré-
Fase I, II, III 04 a 06 anos 03 07
Escolar
Ciclo I
Escolar 07 a 16 anos 10 58
Fase I e II
Ensino
Fundamental
Programa
Pedagógico 07 a 16 anos 06 33
Específico II
TOTAL
05 02 0 – 16 anos 21 124
89
documento oficial que serve como base para a avaliação da instituição pelos órgãos
risco 14 , com deficiência mental e outras deficiências associadas a esta, com atraso
14
O conceito adotado pela APAE Educadora é o proposto pela Política Nacional de Educação Especial do MEC (1994). São
consideradas crianças de alto risco “as que têm o desenvolvimento ameaçado por condições de vulnerabilidade decorrentes de
fatores de natureza somática, como determinadas doenças adquiridas durante a gestação, alimentação”.
90
fisioterapia (trinta minutos), da fonoaudiologia (uma vez por semana com duração
indicação de como podem ser trabalhados e nem por quais áreas. A título de
pela condição sócio-econômica das famílias e também como uma forma de evitar o
subgrupos e o trabalho individual passa a ser feito com duas ou mais crianças no
para este agrupamento é o tipo de deficiência que a criança apresenta (por exemplo,
freqüentarem o maternal. Esta preparação é feita até a criança atingir quatro anos e
Atende crianças de quatro a seis anos nos níveis Maternal, Jardim 1 e Pré-
cognitivos da criança.
trabalho.
92
saúde. Por outro lado, pode indicar também que em vários locais as instituições
Estado no que se refere não só à educação, mas também à saúde desta população.
atendimento pedagógico tem este perfil, que é também sustentado pelo caráter
APAE relatam o acompanhamento de uma criança que se iniciou em seu décimo dia
de vida.
local mais adequado para atender a esta população. O que pode ser apreendido é
constitucional do Estado, tem início na faixa etária de zero a seis anos, durante a
educação infantil. Área, segundo Ferreira (1998, p. 11), “em que o atendimento
inserção no sistema comum de ensino para os primeiros meses de vida, por exemplo
mesmo aspecto.
é ao mesmo tempo uma via de institucionalização precoce e uma das poucas portas
para reiterar o seu papel de instituição privada que presta serviço público:
comum pela especial, mas do dever do Estado (previsto na lei) pelo “apoio” do favor
Infantil como um dos parâmetros para o trabalho com alunos de sete a dezesseis
pré-escolares para as diferentes faixas etárias. Por exemplo, conteúdos como noção
ocorra o aluno será encaminhado para a escola comum permite inferir que os
hipotético na APAE.
atender seus alunos no setor escolar. Para melhor compreendê-la, é preciso antes
esclarecer que os critérios adotados pela instituição para o agrupamento dos alunos
comprometimento).
96
Escolar Dois, Escolar Três, Escolar Quatro e Escolar Cinco. Cada um dos níveis possui
diferentes turmas que são montadas no início de cada ano de acordo com as
Cinco com duas turmas e, em outro, não precisar ofertar nenhuma turma pela
cognitivo do aluno e pode ocorrer tanto para níveis superiores quanto inferiores. A
aluno pode mudar de nível ou de turma desde que seja considerado oportuno pela
acordo com seu desenvolvimento cognitivo, da mesma forma que pode ficar vários
denota o caráter não educacional do trabalho desenvolvido. Não significa dizer que o
pedagógico inexista, mas sim que ele não é o eixo central do trabalho institucional,
que deveria ser em uma escola. Podemos perceber este mesmo caráter em outras
aprendizes) e terminou o período letivo com 100 alunos, visto que cinco foram
Nº DE
PROGRAMAS Nº DE TURMAS
APRENDIZES
que se refere a ter diferentes turmas para diferentes graus de comprometimento dos
conteúdos acadêmicos formais são trabalhados. Contudo, em 2002, dos 109 alunos
preciso ressaltar que outros setores não fizeram nenhum. O que nos permite inferir
que uma das poucas e estreitas portas de saída da instituição se encontra no Setor
Outro aspecto que merece atenção é o fato do setor manter um trabalho que
Por outro lado, o caráter não educacional não reside apenas no pedagógico
instituição.
o trabalho pedagógico. Ficando a cargo também de cada escola definir como será a
atuação da equipe técnica, que pode ser composta por pedagogo, médico, psicólogo,
do trabalho foi feita no sentido de alterar o “local” da prática e não seus objetivos. O
mudança é concebida como restritiva do papel de cada um. As falas dos profissionais
são ilustrativas:
fazendo o meu trabalho aqui dentro. Não estava uma coisa clara para
mim. E no fim, eu via o quadro motor dos alunos piorando cada vez mais,
se agravando... e eu não podia estar retirando ele da sala de aula.
(Entrevista n° 02 Fisioterapeuta)
que cada um pode dar, é um exemplo apenas de como a APAE tentou se adequar às
exigências externas.
É, eu falo que essa semana eu tive uma vitória! Consegui tirar uma turma
da sala e trazer para a minha sala para um atendimento individual. São
adolescentes e não sabem dar laço no sapato, e um faz basquete fora, a
outra participa do grupo GRD e está indo para Fortaleza numa
apresentação de ginástica... e aí eu coloco para você, onde está a auto-
estima desses adolescentes? Eles não sabem nem amarrar o sapato, se
está num jogo e se o tênis desamarra, eles tem que sair, sentar no banco
para professora pode ir lá e amarrar, então assim foi uma vitória sabe,
conversando, explicando realmente a necessidade da turma, que é uma
turma que está envolvida em várias atividades, e que isso para auto-
estima deles não é bom. Então eu perguntei se eu poderia estar fazendo
esse trabalho de treinar o amarrar cadarço, colocar o cadarço e daí me
liberaram. (Entrevista n° 02 Terapeuta Ocupacional)
distinga do que já era feito. Nesse sentido, o retorno ao trabalho individual, mesmo
104
uma vitória.
trabalho em sala de aula perde seu sentido. Mais que isso, desta forma o trabalho
seu sentido. A percepção dos profissionais é a de que do modo como o trabalho foi
institucional que pode ser apreendido no trabalho realizado com as famílias que
e como inadequação para lidar com a condição de deficiência mental do filho. Deste
modo, cabe aos profissionais suprir as “deficiências” da família por meio de medidas
entendem que o principal objetivo desta prática é oferecer condições destas darem
Terapeuta Ocupacional:
Assim, temos a orientação das famílias sobre como posicionar o filho em uma
cadeira, como utilizar uma adaptação, como estimular. Da mesma forma que, como
dar o banho, escovar os dentes, lavar alimentos, dar a comida... E isso é feito tanto
na APAE quanto na residência, por meio das visitas domiciliares, que têm dois
está passando por algum problema que possa justificar a inadequação do aluno na
Toda terça-feira nós técnicos saímos para uma visita domiciliar. Então
tudo que a gente quer descobrir no âmbito familiar, a gente deixa tudo
para terça-feira. Que na parte da tarde os técnicos depois das 3h da
tarde não tem atendimento, é direcionado para isso mesmo, então a
gente faz uma reunião e vê qual o aluno está necessitando de uma visita.
Que nem nessa terça-feira eu visitei a casa de um aluno que nós
estávamos achando que ele não estava tomando a medicação, que a
família não estava dando a medicação. Então nós sentamos em equipe
técnica e decidimos que terça-feira nós iríamos visitar a casa desse
paciente para conferir se a medicação está sendo ou não ingerida. Então,
quando a gente quer fechar alguma coisa, alguma questão de medicação,
a gente não avisa a família que nós estamos indo, a gente chega assim
de supetão para pegar mesmo, para ver se a família está com essa
medicação em mãos, se está sendo administrada... então na terça-feira é
fechado para essas visitas. (Entrevista n° 01 Terapeuta Ocupacional)
106
sociedade. Assim, cabe à assistente social mediar o contato da família com postos de
social, entre outros. É por meio da atuação da instituição especial que as famílias
têm acesso a benefícios como bolsa família, passe livre para transporte, além de
filho tais como cadeiras de roda, aparelhos ortopédicos etc. É nesse sentido que a
da instituição mas, sobretudo, seu caráter totalitário, já que parte das interações
A gente faz o trabalho também com as mães, mas não para falar de
filhos, é um grupo de mães a cada 15 dias onde são feitas propostas de
lazer, uma palestra, uma coisa bem fora... esquecer um pouquinho que
ela tem filhos. Porque assim ela vivencia isso 24h por dia, então nossa
idéia é dar um tempo para ela. Uma tarde, a cada 15 dias, elas têm o
momento delas; então a gente faz passeio marca... elas querem
conhecer tal lugar... vamos conhecer o aeroporto... Então parte delas o
que elas querem. Querem um profissional para falar... um cardiologista,
um ginecologista... então é o momento para elas. (Entrevista 01,
Psicóloga)
ressaltar que o foco da análise não o trabalho desenvolvido pela psicóloga, visto que,
conforme Amaral (1995) nos ensinou, as relações de uma família que possui um
Vale ressaltar que os modos de lidar com as famílias estão lastreados pelo
espaço institucional reiterando seu caráter totalitário. E isso é sustentado por três
mecanismos:
especial é apresentada como escola que contribuirá para atingir a meta de educação
para todos mesmo sem oferecer a escolarização básica aos seus alunos.
mecanismo.
dos conteúdos e dos objetivos que compõem o currículo básico. Com isso, cria-se o
avaliação dos alunos para definir quais níveis ou setores da própria instituição
escola são para pré-escola e para funções que não exigem certificação de
efetiva não seja colocada em xeque. A reorganização dos níveis de ensino e das
ensino e a aprendizagem.
109
quanto em horizontais, permitindo que o aluno mude de grupo (turmas) sem mudar
turmas: uma com quinze alunos de 04 a 06 anos de idade e seis com trinta e três
alunos de 07 a 16 anos. Assim, é possível que um aluno entre neste programa com
04 anos e nele permaneça até os 16 mudando de turma de acordo com sua faixa
etária.
precoce.
arraigada de que a pessoa com deficiência mental não tem condições de se apropriar
Mesmo não oferecendo aquilo que a escola comum não oferece. Ou seja, educação
110
oferece algo a mais que a escola comum poderia oferecer (educação comum +
apoios, adaptações), ela oferece menos. Sua pseudo pedagogização não é suficiente
para colocar o pedagógico como eixo central do trabalho educacional, mas o é para
deficiência mental.
escola do sistema regular de ensino, o que a repõe como locus social da deficiência
Considerações Finais
especial favorecem sua conservação como locus social da pessoa com deficiência
instituída, conservar o que estava posto. Todo esse movimento reitera para
considerações tecidas por Ozouf (1989, p. 727) acerca do princípio tríplice liberdade,
igualdade, fraternidade: “as duas primeiras são direitos e a terceira é uma obrigação
iluministas, como uma concessão e não como um direito. É nesse sentido que a
ações.
condição de dar o retorno desejado. Para as pessoas com deficiência mental, então,
a pessoa com deficiência mental não tem condições de se valer nas esferas mais
elementares de sua vida, só poderá conquistar e usufruir de seus direitos por meio
do outro ou da instituição.
conservação está posta, tal direito não está garantido, haja visto o caráter totalitário,
especial como o único espaço onde esta pessoa pode ser atendida, já que na escola
Mais uma vez a omissão do Estado se evidencia, pois que o fato de não
aqui abro um parêntese para relatar uma conversa que tive com um dos
direto é para a APAE, não é para o posto de saúde. Entra lá bebê e não sai mais; só
escola da rede regular de ensino que lhe confere uma pseudo identidade. Aqui cabe
Uma escola de educação infantil não seria reconhecida como tal oferecendo
estivesso estruturada com apenas uma turma de alfabetização que atende entre dez
e quinze dos seus mais de cem alunos em idade escolar, que são distribuídos entre
ensino fundamental.
regular de ensino lhe confere uma pseudo identidade de escola, já que não
intituição, nem fora dela. Isso é justificado pela própria deficiência mental do aluno,
normalização. Assim, ele terá acesso à educação à medida que for se tornando
menos deficiente.
inclusive pela FENAPAES, como uma contribuição das APAEs para que o Estado
cumpra com o seu compromisso de oferecer Educação para Todos. Nesta “parceria”,
atendimento especializado.
Assim sendo, não faz sentido encaminhar o aluno com deficiência mental para
educacional. Também não faz sentido que a escola comum precise se estruturar para
inclusive para aqueles alunos que conseguirem avançar até o hipotético conteúdo
escola precisa dos alunos produtivos para se manter como escola. Mesmo sendo
reconhecida pelo trabalho desenvolvido com a minoria de seus alunos. Isso é a porta
regular de ensino colabora com a estatística da Educação para Todos, que mantém o
aluno com deficiência mental longe da escola comum, pode ser reconhecida como
visto que a pseudo educação escolar garante sua condição de locus social da
deficiência mental. Por outro lado, aqui reside a contradição: para se manter como
totalitária precisa ser reconhecida como escola semelhante à comum, mas para
ao ponto de possibilitar que a escola comum seja igual a ela, haja visto que se isso
116
população. Em suma tem que se estruturar como escola sem deixar de ser a
Instituição Especial.
Há um desconforto dos profissionais com o novo papel que lhes foi imposto
Este sentimento é captado tanto no desconforto com que falam dos seus
implementar uma nova prática que lhes foi imposta sem que fossem consultados,
que não teve suporte institucional em seus desdobramentos e que foi sendo
transformação desejada.
Ainda que a inserção das pessoas com deficiência mental na escola comum
não signifique a ruptura com sua condição de segregação social; ainda que os
desafios de sua educação não se esgote no âmbito escolar; ainda assim a educação
para construir uma nova rede de significações em torno da pessoa com deficiência
Esses são os pontos que elejo a partir desta pesquisa tanto para evidenciar as
mental em nossa sociedade, quanto por considerar que são aqueles necessários a
[...] que uma sociedade abstrata também não existe, pois cada um de
nós a constitui e, portanto, cada um de nós pode subverter alguns dos
postulados vigentes, revolucionar a mentalidade hegemônica. Essa seria,
para além da própria revolução conceitual, a revolução micropolítica,
detonada e exercida no cotidiano, nas interações do dia-a-dia – e talvez
especialmente no cotidiano escolar (AMARAL, 1998, p. 26).
para contornar uma inquietação. Mas, como toda pesquisa “tem como fim último
sustentar a ruptura da crença de que a pessoa com deficiência mental só pode ser
maior destaque em minhas reflexões. Mas isso não significa que as instituições
especiais não façam mais parte delas, ao contrário, o entendimento é de que nos
transformação.
desdobramentos esta transição trouxe não só para a instituição alvo do estudo, mas
também para outras que sofreram o impacto das mesmas exigências legais e da
FENAPAES.
Talvez, estejamos, mais uma vez, diante da “espiral infinita que une as coisas
Referências Bibliográficas