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Existem
teorias científicas que revolucionam o modo de pensar de determinada
área do conhecimento. Outras ganham espaço na mídia em geral e,
consequentemente, são reconhecidas pelo grande público. A teoria das
Inteligências Múltiplas de Howard Gardner (pesquise livros e preços de edições brasileiras) parece estar enquadrada nos
dois casos.
Em
1900 o psicólogo francês Alfred Binet foi solicitado para que
desenvolvesse uma medida de predição do sucesso escolar de crianças das
primeiras séries. Desta forma surgiu o primeiro teste de inteligência.
Tal teste tinha por finalidade geral diferenciar crianças retardadas e
crianças normais nos mais diferentes graus. Após a I Guerra Mundial,
onde o teste de Q.I. (Quociente Intelectual) foi utilizado para medir a
inteligência dos soldados, tornou-se muito popular sua aplicação.
Com
a popularização do teste, propagou-se a idéia de inteligência nele
inserida. A inteligência seria única, estagnada, passível de ser medida
quantitativamente. Segundo GARDNER (1995, p. 21), autor da teoria das
Inteligências Múltiplas que veremos a seguir, segundo esta visão
tradicional: "a inteligência é (...) a capacidade de responder a itens
em testes de inteligência". Os testes psicométricos consideram que
existe uma inteligência geral, nos quais os seres humanos diferem uns
dos outros, que é denominada g. Este g pode ser
medido através da análise estatística dos resultados dos testes. É
importante acrescentar que tal maneira de encarar a inteligência ainda
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Entretanto
uma proposta mais revolucionária surgiu recentemente através de Howard
Gardner, psicólogo e professor norte americano. GARDNER (1995, p.14)
entende por inteligência "a capacidade para resolver problemas ou
elaborar produtos que sejam valorizados em um ou mais ambientes
culturais ou comunitários". A novidade dentro da teoria de Gardner é
considerar a inteligência como possuindo várias facetas. Tais facetas,
que na verdade são talentos, capacidades e habilidades mentais; são
chamadas de inteligências na teoria das Inteligências Múltiplas, como o
próprio nome explicita.
É dentro desta
perspectiva que Gardner apresenta a teoria das Inteligências Múltiplas
(IM). Os testes de QI medem apenas as capacidades lógica e lingüística,
capacidades que normalmente são as únicas exigidas e avaliadas pelas
escolas e, sem dúvida, as capacidades mais valorizadas em nossa
sociedade. Gardner pretende considerar também as outras capacidades, as
outras "inteligências" menos lembradas, para analisá-las em sua teoria.
Para
selecionar quais as inteligências que seriam trabalhadas em sua teoria
foram utilizadas diversas fontes: as informações disponíveis sobre o
desenvolvimento normal e o desenvolvimento do indivíduo talentoso;
estudos sobre populações prodígios, idiotas sábios, crianças autistas,
crianças com dificuldade de aprendizagem; dados sobre a evolução da
cognição; considerações culturais comparadas sobre a cognição; estudos
psicométricos; estudos de treinamento psicológico e principalmente
análise da perda das capacidades cognitivas nas condições de lesão
cerebral. Foram consideradas inteligências genuínas apenas as
inteligências candidatas que satisfaziam todos ou, pelo menos, a
maioria dos critérios acima. Além disso cada inteligência deveria ter
uma operação nuclear ou um conjunto de operações identificáveis e
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Como
o próprio nome indica, a inteligência lógico-matemática é a capacidade
lógica e matemática, assim como a capacidade de raciocínio científico
ou indutivo, embora processos de pensamento dedutivo também estejam
envolvidos. Esta inteligência envolve a capacidade de reconhecer
padrões, de trabalhar com símbolos abstratos (como números e formas
geométricas) assim como discernir relacionamentos ou então ver conexões
entre peças separadas ou distintas. Relaciona-se, também, à capacidade
de manejar habilmente longas cadeias de raciocínio, elaborar perguntas
que ninguém fez, conceber problemas e levá-los a diante. Juntamente com
a linguagem, é a principal base para os testes de QI. O desenvolvimento
de tal inteligência foi o grande objeto de estudo de Jean Piaget.
Tal
inteligência possui uma natureza não-verbal, de modo que a solução de
um problema pode ser construída antes de ser articulada. Alguns idiotas
sábios realizam grandes façanhas de cálculo sem sequer saberem
comunicarem-se ou até mesmo realizar simples operações de adição ou
subtração. Como dois gêmeos relatados por SACKS (1997, p.217) que
apenas vêem a resposta do problema: "Uma data é mencionada e, quase
instantaneamente, eles informam em que dia da semana ela cairá. (...)
Eles também podem dizer a data da Páscoa durante o mesmo período de 80
mil anos." Enquanto tais gêmeos são tragicamente deficientes em
diversas áreas, conseguiram realizar um algoritmo para a data da Páscoa
que até mesmo o grande matemático Gauss teve uma enorme dificuldade
para descobrir. Possuem uma inteligência lógico-matemática extremamente
desenvolvida.
Está presente nos cientistas, programadores de computadores, contadores, advogados, banqueiros e matemáticos.
A
inteligência lingüística é manifestada no uso da linguagem (seja ela
escrita, falada ou através de outro meio), no significado das palavras;
pela capacidade de seguir regras gramaticais e usar a linguagem para
convencer, estimular, transmitir informações ou simplesmente agradar.
Ainda é responsável por todas as complexas possibilidades lingüísticas,
entre elas, a poesia, as metáforas, o raciocínio abstrato e o
pensamento simbólico.
Esta
inteligência baseia-se no reconhecimento de padrões tonais (incluindo
sons do ambiente) e numa sensibilidade para ritmos e batidas. Inclui
também capacidades para o manuseio avançado de instrumentos musicais.
Não
podemos separar para a inteligência musical determinadas áreas
corticais como fizemos para a inteligência lingüística. Mas sabemos que
o hemisfério direito, principalmente o lobo temporal, é o encarregado
da audição e da criação musical. Uma lesão maciça neste hemisfério pode
levar a uma amusia: o lesionado não consegue perceber combinações
rítmicas ou até mesmo entonações de voz. (LURIA, 1981, p. 112)
A
inteligência corporal-cinestésica está relacionada com o movimento
físico e com o conhecimento do corpo. É a habilidade de usar o corpo
para expressar uma emoção (dança e linguagem corporal) ou praticar um
esporte, por exemplo. Garrincha, reprovado no teste de QI,
provavelmente apresentaria um ótimo desempenho nesta inteligência se
esta fosse submetida a um teste psicométrico.
"O controle do
movimento corporal está, evidentemente, localizado no córtex motor, com
cada hemisfério dominante ou controlador dos movimentos corporais no
lado contra-lateral." (GARDNER, 1995, p. 23) Porém é possível
acrescentar outras áreas corticais também importantes para a realização
do movimento que Gardner deixa de lado. Uma delas é o giro pós-central,
onde está localizado o Homúnculo de Penfield sensitivo. É uma
representação somatotópica: cada ponto sensitivo do corpo tem uma
representação nesta parte do córtex. Por exemplo, a mão, que possui
muitos receptores sensitivos, possui uma representação grande no córtex
enquanto que o pé, com menos receptores, possui uma área menor.
(MACHADO, 1981, p. 219) Deste modo, esta área cortical tem como função
sentir, perceber o corpo para que o movimento possa ser harmônico.
Outra área importante é o córtex pré-motor, que integra os impulsos
motores no tempo, permitindo a criação de movimentos habilidosos,
suaves e finos. (LÚRIA, 1981, p. 154)
A inteligência
corporal-cinestésica pode ser melhor observada em atores, atletas,
mímicos, artistas circenses e dançarinos profissionais.
A
inteligência espacial é a capacidade de formar modelos mentais
(imagens) e operar com tais imagens. A imagem não é necessariamente
visual, pode ser construída uma imagem tátil, por exemplo, que é o que
geralmente faz uma pessoa cega ao tatear objetos. Esta inteligência
lida com atividades como as artes visuais, a navegação, a criação de
mapas e a arquitetura.
Engenheiros,
escultores, cirurgiões plásticos, artistas gráficos e arquitetos
dependem desta inteligência para atuarem com êxito.
Esta
inteligência opera, primeiramente, baseada no relacionamento
interpessoal e na comunicação. Envolve a habilidade de trabalhar
cooperativamente com outros num grupo e a habilidade de comunicação
verbal e não-verbal. Constrói a capacidade de perceber, por exemplo,
alterações de humor, temperamento, motivações e intenções de outras
pessoas. Em sua forma mais avançada a pessoa consegue ler, mesmo que os
outros tentem esconder, os desejos e intenções, podendo ter empatia por
suas sensações, medos e crenças.
Esta
outra inteligência pessoal está relacionada aos estados interiores do
ser, à auto-reflexão, à metacognição (reflexão sobre o refletir) e à
sensibilidade perante as realidades espirituais. Podemos dizer que é a
capacidade de formar um conceito verídico sobre si mesmo pois envolve o
conhecimento dos aspectos internos de cada um, como o conhecimento dos
sentimentos, a intensidade das respostas emocionais, a auto-reflexão e
um senso de intuição avançado.
Contudo
as inteligências agem de forma integrada. Um alto nível de capacidade
na inteligência corporal-cinestésica apenas, por exemplo, não
asseguraria a ninguém um sucesso como jogador de futebol. Seria
necessário também um bom desenvolvimento da inteligência espacial para
realizar bons passes e chutes a gol e também inteligência interpessoal
desenvolvida para um bom relacionamento com os companheiros, os
adversário e a imprensa. Estas três inteligências agindo de forma
integrada provavelmente possibilitariam uma maior chance de sucesso no
esporte. Todavia não seria necessário, neste caso, um bom desempenho da
inteligência lógico-matemática, por exemplo, com bem demonstrou
Garrincha.
Uma
das fontes para a escolha das inteligências propostas acima foi o
estudo de como tais capacidades falham sob condições de lesão cerebral.
Isto pressupõe que cada inteligência possui uma localização cerebral,
mais especificamente cortical. Assim sendo, uma lesão que incapacitaria
determinada inteligência, deixaria as demais intactas. A tabela abaixo
apresenta um resumo da representação cortical de todas as inteligências
consoante vimos ao analisar cada inteligência em particular.
Tabela 1 - Localização cortical das inteligências múltiplas propostas por Gardner.InteligênciaÁrea cortical
responsávelLógico-matemáticaregião têmporo-paríeto-ocipitalLingüísticaárea de Wernicke, área de Broca, região
têmporo-paríeto-ocipital (hemisfério esquerdo)MusicalLobo temporal (hemisfério direito)Corporal-cinestésicaGiro pós-
central, córtex pré-motorEspacialregião têmporo-paríeto-ocipitalInterpessoallobos frontaisIntrapessoallobos frontais
Podemos
perceber através da tabela que diversas inteligências são regidas pela
mesma área do córtex cerebral. A região têmporo-paríeto-ocipital é
responsável ao mesmo tempo pelas inteligências lógico-matemática,
lingüística e espacial. As inteligências pessoais também são comandadas
por uma única área: os lobos frontais.
Isto invalida a
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Além disso,
neste caso, os desenvolvimentos das inteligências lógico-matemática,
lingüística e espacial não aconteceriam separadamente, mas seriam
dependentes entre si. LURIA (1981, p. 24-25) desenvolve uma explicação
destas áreas como sendo integradoras e essencialmente espaciais. Assim,
tanto a matemática quanto a gramática seriam trabalhadas pelo cérebro
de uma forma espacial. Uma deficiência espacial tornaria incapazes
tarefas de relacionar "espacialmente" os números entre si e construir
uma frase trabalhando as relações "espaciais" entre as palavras.
Não
se trata das inteligências lógico-matemática e lingüística serem
englobadas pela inteligência espacial, mas da aceitação de uma
dependência e de uma relação íntima entre determinadas inteligências.
O
mesmo ocorre com as inteligências pessoais. É possível perceber que em
várias características tais capacidades equivalem-se. Afinal, uma mesma
área cerebral é responsável pelas duas. Todo psicoterapeuta conhece e
chega mesmo a ser lugar-comum o fato de que só podemos conhecer bem o
outro se conhecermos bem a nós mesmos primeiro. Sendo assim uma
inteligência interpessoal desenvolvida necessita de uma inteligência
intrapessoal também bem trabalhada, o que sugere não existir uma
independência entre as inteligências.
"Uma
lista de 700 inteligências seria proibitiva para o teórico e inútil
para o praticante. Consequentemente, a teoria das IM tenta articular
apenas um número manejável de inteligências que parecem constituir
tipos naturais". (GARDNER, 1995, p.45) Esta foi a resposta dada pelo
autor da teoria das inteligências múltiplas quando perguntado o que
impediria a construção de novas inteligências: elas poderiam deixar de
ser 7 e tornarem-se 700!
Se Gardner
apresenta novas inteligências, nada impede que outras inteligências
sejam descobertas - ou criadas - por outros autores. Isto é preocupante
pois não parece ser tarefa muito árdua a criação de uma nova
inteligência. Para demonstrar esta afirmação, apresento neste trabalho
um esboço de uma nova inteligência: a inteligência palato-olfativa.
Podemos
considerar tal inteligência como a capacidade de sentir o gosto e o
cheiro das substâncias e identificá-las com precisão. Em nossa
sociedade esta inteligência seria valorizada nos cozinheiros, enólogos
e provadores nas empresas como cervejarias e torrefação e moagem de
café. A fim de evidenciar a veracidade desta inteligência, seguirei os
critérios para a escolha de um inteligência conforme foram descritos
anteriormente.
Para aceitar
tal inteligência é preciso considerar também os dados sobre sua
evolução. Sobre tal assunto, "Freud escreveu em várias ocasiões que o
sentido do olfato no homem era uma ‘perda', reprimido no crescimento e
na civilização quando o homem assumiu a postura ereta e reprimiu a
sexualidade primitiva, pré-genital." (SACKS, 1997, p. 177) Nas obras de
Freud tal idéia é encontrada principalmente nas cartas número 55 e 75.
A adoção da postura ereta deixava o nariz mais longe do chão e fornecia
um maior campo para a visão e para a audição. De fato, a representação
do olfato e da gustação passaram a ocupar um lugar pronunciadamente
menor no córtex por serem eclipsados pela representação central dos
sistemas exteroceptivos superiores, principalmente a visão e a audição.
(LURIA, 1981, p. 49)
E, trabalhando de igual modo, poderiam ser criadas tantas inteligências quanto o número de capacidades humanas
existentes.
4. CONCLUSÃO
A
teoria das Inteligências Múltiplas tem enorme importância ao conseguir
derrubar a idéia de uma inteligência única, fechada. A muito a ciência
estava impregnada com tal idéia e já era tempo de fazermos uso de uma
noção de inteligência mais dinâmica.
Porém
poderíamos considerar também as inúmeras capacidades existentes em cada
ser humano e, sem pretensão de desejar um desenvolvimento total,
procurar desenvolver a inteligência em que cada pessoa em particular é
mais apta, que não necessariamente precisa estar incluída nas dez inteligências descritas na teoria das IM.
Desta forma, o educador - ou qualquer outro profissional que
trabalharia com a inteligência- precisaria conhecer melhor cada
indivíduo para perceber nele a capacidade que se sobressai. Os
resultados provavelmente seriam melhores pois, conforme vimos, a
independência pura entre as inteligências não existe e desenvolvendo
melhor uma capacidade, outras também seriam afetadas.
Mas este
seria um passo mais adiantado. Levando-se em conta a atual situação dos
profissionais que, de qualquer forma, trabalham com o aprendizado, a
simples adoção da teoria das IM já é mais do que satisfatório.REFERÊNCIAS BIBILIOGRÁFICAS
SACKS, Oliver. O homem que confundiu sua mulher com um chapéu. 1. ed. São Paulo :
SPRINGER, Sally P.; DEUTSCH, Georg. Cérebro Esquerdo, Cérebro Direito. 1. ed. São