Algumas considerações sobre os debates em torno de ‘Tropa de
Elite 2’
Em entrevista recente, Wagner Moura se declarou impressionado
com a quantidade de discussões geradas pelo ‘Tropa de Elite’ e disse acreditar que o primeiro passo para qualquer movimento de mudança é o debate. Concordo com ele e, por isso, aguardei com ansiedade as reações da crítica e do público explicitadas nos jornais, nos botecos, nos centros acadêmicos, nas redes sociais. Passada apenas uma semana desde sua estréia, ‘Tropa de Elite 2’ atinge a marca de três milhões de espectadores e já aparecem leituras diversas da obra de José Padilha. Como observadora atenta deste debate, gostaria de registrar algumas impressões.
Parecemos todos concordar que ‘Tropa de Elite 2’ é ainda melhor do
que o primeiro. O filme fala, com enorme competência, das forças que incidem sobre as políticas públicas no Brasil, mostra a força do capital eleitoral nas comunidades dominadas pelo poder das milícias e revela como os políticos que elegemos nos últimos anos fazem uso deste poder alimentado o sistema. Ainda assim, sofro de um incômodo provocado pela impressão de haver uma lacuna nos debates sobre o filme. Me parece que há algo nas entrelinhas dos diálogos de ‘Tropa’ que ainda não foi explorado.
Em debate promovido pelo jornal ‘O Globo’ tive a chance de refazer
a José Padilha, Luiz Eduardo Soares, Wagner Moura, Marcelo Freixo e Ignácio Cano a pergunta que fecha o longa-metragem – pedi que respondessem a seguinte pergunta: “Quem você acha que sustenta o sistema?”. As respostas, inteligentes como não poderiam deixar de ser, apontavam para políticos inescrupulosos e para uma polícia corrupta que serve a uma pequena parcela da população, elas ressaltavam timidamente a desigualdade social e finalmente, nos convocavam a fazer uma auto-crítica sobre o nosso papel de eleitor. No entanto, nas falas daqueles que mais conhecem de violência no Brasil ou nos comentários anônimos, ainda não ouvi sequer uma alusão à necessidade de mudanças mais profundas nos valores de nossa sociedade. Quais são as ações que favorecem de fato o sistema e como? Então os milicianos são encarnações do mal que se cria, se fortalece e se prolifera em um vácuo social? Tendo a rejeitar esta possibilidade e proponho a reflexão sobre as circunstâncias nas quais os podres poderes são criados e mantidos. A partir da realidade ficcionalizada do filme, talvez possamos olhar para nós mesmos e encontrar no nosso cotidiano o alimento que nutre um sistema que nos assombra.
Talvez a peça faltante nesta discussão seja a nossa descrença na
possibilidade de mudanças do sistema, o fato de não supervisionarmos o trabalho daqueles que elegemos, a capacidade que temos de nos isentar de nossas responsabilidades. Mais ainda: a maneira pela qual nossa luta desenfreada pela sobrevivência (e demais graus de acumulação financeira) nos priva de uma auto- crítica mais profunda. A mim parece que, no Brasil, dinheiro, imóveis e bens materiais cativam imediatamente nossos olhares, nosso entusiasmo, nossos desejos e ideais. Ou alguém discorda da capacidade que o dinheiro tem de atrair amigos, mulheres, companheiros de luta? Dito de outro modo, no nosso país, dinheiro é sinônimo de respeito e dignidade. E como todos nós queremos respeito (por nós entenda-se eu, você, políticos, traficantes e policiais) uma supervalorização do poderio econômico conjugada ao desinteresse político pode funcionar como espécie de fertilizante das milícias.
Enquanto aplaudirmos a acumulação de riquezas sem
questionarmos sua origem, enquanto for o dinheiro o definidor inquestionável de sucesso, enquanto tratarmos o poder como meio de obtenção de vantagens pessoais e o voto como instrumento para defesa de interesses individuais, daremos espaços para Rochas, Fábios, Jerominhos, Natalinos e tantos outros disputarem cargos públicos, votos, dinheiro e, até mesmo, a nossa admiração.