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EDUCAÇÃO, IDENTIDADE E PROFISSÃO DOCENTE

Selma Garrido Pimenta


Léa da Graças Camargos Anastasiou1

A educação é uma unanimidade na sociedade contemporânea. Nos momentos


que antecedem as eleições para governantes, nos debates e nas propostas dos
candidatos de todos os partidos, a educação aparece como prioridade. Também
na imprensa e na mídia em geral, os mais diferentes sujeitos sociais se
manifestam em sua defesa.

Os pais de qualquer segmento social almejam fazer seus filhos estudar e se


esforçam para isso. A sociedade do não-emprego impõe aos trabalhadores a
exigência de requalificação, e, então, os cursos de formação continuada ganham
relevo. Essa aspiração generalizada por educação revela que, historicamente, ela
tem sido encarada como um bem de consumo, um meio para a sobrevivência
financeira e social – para conseguir emprego –, mas também para o
desenvolvimento humano, uma vez que somente na sociedade humana existe um
processo intencional para tornar humanos os animais humanos. Todos valorizam
a educação, não só os políticos. A sociedade em geral considera a educação
como necessária e importante.

Essas diferentes representações ou funções da educação, de um modo ou de


outro, expressam o reconhecimento de que ela é condição coadjuvante e
fundamental para maior igualdade social, para o desenvolvimento econômico,
científico, humano, cultural, político e tecnológico. E é exatamente o
reconhecimento desse poder relativo, mas, sem dúvida, real da educação que
instaura as bases para perceber as diferenças entre os discursos e programas de
ação que efetivamente traduzam a educação como possibilidade de
desenvolvimento e de maior igualdade social e aqueles que apenas a valorizam
na retórica. Especialmente em se tratando dos programas dos políticos eleitos,
que não se traduzem em políticas de educação efetivas na direção de maior
igualdade social – algo que pode ser ilustrado com a falta de sustentação da
escolaridade pública de qualidade para todos. Na gênese dos países
desenvolvidos e na construção da democracia contemporânea está a educação
pública, gratuita e de qualidade como um de seus pilares. Por isso, sua
valorização retórica tem se traduzido em políticas de ampliação do sistema
particular de ensino e de sustentação de um sistema público que atende apenas
burocraticamente os anseios populares por educação, sem que se instaurem as
bases de sustentação de uma educação de qualidade – situação que envolve os
profissionais da área, entre eles os professores. É nesse campo ambíguo das
palavras e dos conceitos, usados por atores diferentes para finalidades, às vezes,

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IN: Docência no Ensino Superior. São Paulo: Cortez, 2002, Vol 1.

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opostas, que podemos compreender os problemas relacionados à profissão
docente.

Examinar as questões que envolvem a profissão dos professores exige que se


faça breve reflexão sobre o significado da educação na sociedade contemporânea
e sobre as demandas que se lhe vinculam e se refletem na atividade docente. Por
outro lado, é preciso investigar algumas características e modos de ser da
profissão docente, examinando os contextos nos quais emergiram, as
necessidades a que vieram responder e os desafios que se lhe apresentam,
tentando explicitar a identidade dos professores.

1. Da educação e seus desafios

A educação é um processo de humanização. Ou seja, é processo pelo qual se


possibilita que os seres humanos se insiram na sociedade humana, historicamente
construída e em construção. Sociedade que é rica em avanços civilizatórios e, em
decorrência, apresenta imensos problemas de desigualdade social, econômica e
cultural. De valores. De finalidades. A tarefa da educação é inserir as crianças e
os jovens tanto no avanço civilizatório, para que dele usufruam, como na
problemática do mundo de hoje, por intermédio da reflexão, do conhecimento, da
análise, da compreensão, da contextualização, do desenvolvimento de habilidades
e de atitudes. Portanto, sua tarefa é garantir que se apropriem do instrumental
científico, técnico, tecnológico, de pensamento, político, social e econômico, de
desenvolvimento cultural, para que sejam capazes de pensar e gestar soluções.
Apropriar-se dessa riqueza da civilização e dos problemas que essa mesma
civilização produziu. E nessa contradição que se inserem as demandas por
educação, fenômeno e prática complexos, porque historicamente situados. Dela
se solicita que forme seres humanos capazes de criar e oferecer respostas aos
desafios que diferentes contextos políticos e sociais produzem. A educação,
enquanto reflexo, retrata e reproduz a sociedade; mas também projeta a
sociedade que se quer. Por isso, vincula-se profundamente ao processo
civilizatório e humano.

Nas formas pelas quais se concretiza, define e vai construindo a sociedade que se
quer. Por isso, os modos pelos quais é praticada dizem de suas finalidades.
Enquanto prática histórica, tem o desafio de responder às demandas que o
contexto lhe apresenta.

Quais seriam esses desafios hoje?

Em síntese, podemos identificar três grandes desafios contemporâneos: a)


sociedade da informação e sociedade do conhecimento; b) sociedade da
esgarçadura das condições humanas, traduzida na violência, na concentração de
renda na mão de minorias, na destruição da vida pelas drogas, pela destruição do
meio ambiente, pela destruição da relação interpessoal, etc.; c) sociedade do não-
emprego e das novas configurações do trabalho. Breve exame desses desafios

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permite que se apontem as demandas para as instituições educativas,
especialmente a universidade, e para seus professores, examinando aspectos
relacionados a sua profissão e identidade.

No que se refere à sociedade da informação e do conhecimento, é necessário


distinguir os dois termos. Hoje a informação chega, em grande quantidade e
rapidamente, a qualquer ponto do planeta. Assim, um fato que ocorre, por
exemplo, em um país distante geograficamente afeta a economia de outros e
mesmo o cotidiano das pessoas que lá vivem. Identificada como uma instituição
que transmite informações, a escola tende a desaparecer, porque não tem a
eficácia dos meios de comunicação nesse processo. Nessa perspectiva, a
educação se realizaria submetendo os jovens e as crianças às informações da
televisão e da Internet. Portanto, o professor poderia também ser dispensado.

Há exemplos dessa lógica em políticas públicas que vêm sendo implantadas nos
sistemas de ensino mediante a instalação de telensino, no qual as escolas são
equipadas com redes de televisão que transmitem os programas das disciplinas
gerados por uma central.

O trabalho docente aí é o de monitorar o programa, ajudando e assessorando os


alunos na execução das tarefas. Esse sistema, utilizado em substituição ao
desenvolvimento da disciplina pelos professores, opera um ensino entendido
como transmissão de conhecimentos e é valorizado por sistemas públicos uma
vez que representa grande economia, pois em cada sala de aula há apenas um
monitor no lugar de cinco professores em uma 5a. série, por exemplo. Sua tarefa é
a de proceder à mediação entre os programas de todas as áreas do currículo e os
alunos.

Essa política altera a identidade do professor para a de monitor.


Conseqüentemente, também nesse conceito está embutida grande economia, pois
formar monitor é bem mais simples do que formar professor.

Algumas pesquisas sobre essa sistemática têm revelado que tal prática
empobrece significativamente os resultados da aprendizagem, operando uma
nova forma de exclusão social pela inclusão quantitativa no processo de
escolaridade. Essa escolaridade certifica o aluno com um diploma, mas não o
alfabetiza, por exemplo. Faz de conta que ensina, dando ao aluno a impressão de
que está aprendendo. No mercado competitivo, esses alunos terão reduzidas
oportunidades de inserção.

Reconhecendo, no entanto, a quantidade e a velocidade das informações na


sociedade hodierna, cabe estabelecer a diferença entre informação e
conhecimento. Conhecer é mais do que obter as informações. Conhecer significa
trabalhar as informações. Ou seja, analisar, organizar, identificar suas fontes,
estabelecer as diferenças destas na produção da informação, contextualizar,
relacionar as informações e a organização da sociedade, como são utilizadas para
perpetuar a desigualdade social. Trabalhar as informações, na perspectiva de

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transformá-las em conhecimento, é primordialmente tarefa das instituições
educativas. Realizar o trabalho de análise crítica da informação relacionada à
constituição da sociedade e a seus valores é trabalho para professor, e não para
monitor. Ou seja, para um profissional preparado científica, técnica, tecnológica,
pedagógica, cultural e humanamente. Um profissional que reflita sobre o seu
fazer, pesquisando-o nos contextos nos quais ocorre.

Neste início de século, o discurso que domina as mídias é o de que as instituições


educativas têm por tarefa preparar os jovens para o mundo do trabalho, que, entre
outras coisas, exige deles novas competências: criar, pensar, propor soluções,
conviver em equipe – competências essas compatíveis com as novas
configurações do processo produtivo. Essas transformações estão modificando
significativamente a identidade do trabalhador, que passou, da noite para o dia, a
ser valorizado como alguém que deve pensar e propor, embora com a finalidade
de gerar maior produtividade, que gere maior lucro. Não está em pauta o
desenvolvimento da capacidade de pensar como atributo constitutivo do humano
nem como condição para propor soluções para melhor distribuição do que se gera
com o lucro. É nesse tênue equilíbrio, nessa tênue questão que põe em pauta as
finalidades do pensar e do criar que é necessário diferenciar o papel das
instituições educativas e o trabalho que desenvolvem com as informações e o
conhecimento. O que põe em questão as finalidades das instituições educativas,
entre elas a universidade.

No que concerne à esgarçadura das condições humanas, tem-se a sua tradução –


como já foi dito – nas múltiplas formas de violência, na concentração de renda na
mão de minorias e na destruição da vida, mediante as drogas, a destruição do
meio ambiente, a destruição das relações interpessoais e suas manifestações nas
instituições educativas de todas as camadas sociais e de todos os países, os
desenvolvidos e os periféricos.

Essas questões são visíveis nas relações de dominação que se estabelecem entre
os países desenvolvidos e os periféricos. Naqueles, por sua vez, o fenômeno se
manifesta nos choques entre culturas diversas, sobretudo pela presença de
imigrantes. A evidência desses problemas, nesses países, começa a se fazer
sentir também em conseqüência da globalização das informações, que expõe
claramente os conflitos internos e externos por intermédio das mídias. É essa
complexa rede de relações que exige uma leitura da questão da desigualdade no
mundo atual, traduzida nas diversas formas de destruição da vida, seja as
conseqüências da mercantilização e da valorização enquanto consumo e,
portanto, como forma de enriquecimento, seja as inúmeras formas de destruição
do meio ambiente.

Nesses contextos, cabe indagar qual é o papel do conhecimento e da


universidade na formação dos jovens.

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2. Sociedade da informação e do conhecimento e mediação do
professor na universidade

Qual a possibilidade de a universidade trabalhar o conhecimento? A universidade,


de maneiras que variam em sua história, desde muito tempo trabalha o
conhecimento. A velha polêmica sobre se ela forma ou informa e a sua reiterada
incapacidade diante das mídias tecnológicas na difusão de informações são temas
recorrentes em vários fóruns. A discussão se acentua no presente com a terceira
revolução industrial, em que os meios de comunicação, com sua velocidade de
veicular a informação, deixam mais explícita a inoperância das instituições
escolares e dos professores. No entanto, se entendemos que conhecer não se
reduz a se informar, que não basta expor-se aos meios de informação para
adquiri-las, senão que é preciso operar com as informações para, com base nelas,
chegar ao conhecimento, então nos parece que a universidade (e os professores)
têm um grande trabalho a realizar, que é proceder à mediação entre a sociedade
da informação e os alunos, a fim de possibilitar que, pelo exercício da reflexão,
adquiram a sabedoria necessária à permanente construção do humano (cf.
Pimenta, 1998).

A universidade, enquanto instituição educativa, configura-se como um serviço


público de educação que se efetiva pela docência e investigação, tendo por
finalidades: a criação, o desenvolvimento, a transmissão e a crítica da ciência, da
técnica e da cultura; a preparação para o exercício de atividades profissionais que
exijam a aplicação de conhecimentos e métodos científicos e para a criação
artística; o apoio científico e técnico ao desenvolvimento cultural, social e
econômico das sociedades.

O ensino na universidade caracteriza-se como um processo de busca e de


construção científica e crítica de conhecimentos. As transformações da sociedade
contemporânea consolidam o entendimento do ensino como fenômeno
multifacetado, apontando a necessidade de disseminação e internalização de
saberes e modos de ação (conhecimentos, conceitos, habilidades, procedimentos,
crenças, atitudes). Assim, a tarefa de ensinar na universidade supõe as seguintes
disposições:

a) pressupor o domínio de um conjunto de conhecimentos, métodos e técnicas


científicas que devem ser ensinados criticamente (isto é, em seus nexos com a
produção social e histórica da sociedade); a condução a uma progressiva
autonomia do aluno na busca de conhecimentos; o desenvolvimento da
capacidade de reflexão; a habilidade de usar documentação; o domínio científico e
profissional do campo específico;

b) considerar o processo de ensinar e aprender como atividade integrada à


investigação;

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c) propor a substituição do ensino que se limita a transmissão de conteúdos
teóricos por um ensino que constitua um processo de investigação do
conhecimento;

d) integrar a atividade de investigação à atividade de ensinar do professor, o que


supõe trabalho em equipe;

e) buscar criar e recriar situações de aprendizagem;

f) valorizar a avaliação diagnóstica e compreensiva da atividade mais do que a


avaliação como controle;

g) procurar conhecer o universo cognitivo e cultural dos alunos e, com base nisso,
desenvolver processos de ensino e aprendizagem interativos e participativos.

Essas características do ensinar requerem, além de preparação nas áreas dos


conhecimentos específicos e pedagógicos, opções éticas, compromissos com os
resultados do ensino, sensibilidade e sabedoria dos professores.

3. Da identidade docente no ensino superior

Os pesquisadores dos vários campos do conhecimento (historiadores, químicos,


filósofos, biólogos, cientistas políticos, físicos, matemáticos, artistas, etc.) e os
profissionais das várias áreas (médicos, dentistas, engenheiros, advogados,
economistas, etc.) adentram o campo da docência no ensino superior como
decorrência natural dessas suas atividades e por razões e interesses variados. Se
trazem consigo imensa bagagem de conhecimentos nas suas respectivas áreas
de pesquisa e de atuação profissional, na maioria das vezes nunca se
questionaram sobre o que significa ser professor. Do mesmo modo, as instituições
que os recebem já dão por suposto que o são, desobrigando-se, pois, de contribuir
para torná-los. Assim, sua passagem para a docência ocorre “naturalmente”;
dormem profissionais e pesquisadores e acordam professores! Não sem traumas
nem sem, muitas vezes, ocasionar danos aos processos de ensino e aos seus
resultados. Não se trata, em absoluto, de culpabilizar os professores pelas
mazelas do ensino, mas de reconhecer e valorizar a importância da profissão
docente no ensino superior. E nesse sentido que apresentamos, com base em
nossas experiências, propostas de como as instituições universitárias podem
possibilitar processos de construção da identidade dos docentes no ensino
superior.

3.1. Identidade profissional e sala de aula

A construção da identidade com base numa profissão inicia-se no processo de


efetivar a formação na área. Assim, os anos passados na universidade já
funcionam como preparação e iniciação ao processo identitário e de
profissionalização dos profissionais das diferentes áreas. Quando passam a atuar

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como professores no ensino superior, no entanto, fazem-no sem qualquer
processo formativo e mesmo sem que tenham escolhido ser professor.

Se é oriundo da área da educação ou licenciatura, teve oportunidade de discutir


elementos teóricos e práticos relativos à questão do ensino e da aprendizagem,
ainda que direcionado a outra faixa etária de alunos, com objetivos de formação
diferenciados da formação profissional universitária. Todavia, como ocorre na
maioria dos casos, sendo de outro quadro profissional, trará consigo um
desempenho desarticulado das funções e objetivos da educação superior.

Atualmente, dos alunos que cursam pós-graduação (mestrado ou doutorado) com


bolsa da Capes exige-se a participação em atividades pedagógicas, cursando
disciplinas nessa área ou realizando um estágio de monitoria, o que configura uma
formação inicial. Essa iniciativa põe em discussão a importância da preparação
necessária ao profissional para o exercício da docência, de forma que se evite
deixá-lo à própria sorte, improvisando ações que seu bom senso lhe diz serem
necessárias, mas nem sempre se configuram como ações educativas.

Para os profissionais oriundos das demais áreas, a construção identitária se dá ao


longo da trajetória, iniciada nos estudos formais na graduação e sistematizada nos
momentos subseqüentes de aprofundamento (especialização, mestrado,
doutorado, etc.). Na graduação, são definidos os objetivos, o conceito de
profissional e profissão, os conteúdos específicos, o ideal a ser construído, os
objetivos sociais, a regulamentação profissional, o código de ética, o
reconhecimento social e a participação em entidades de classe. Esses
componentes são direcionados para uma profissão que, na maior parte das vezes,
não é a docência.

Por via de regra, para além de um título, o profissional é capaz de atuar de forma
competente e autônoma em determinada área. Nas profissões em geral, a
autonomia se revela pela “capacidade profissional em conceber e implementar
novas alternativas, diante da crise e dos problemas da sociedade” (Cavallet,
1999). Essa capacidade é construída por meio de novos cursos e das vivências
profissionais, ao longo de sua carreira. No entanto, em se tratando do professor
universitário que atua em áreas específicas e tem outra carreira, a profissão
docente passa a ser também sua carreira, embora muitas vezes as instituições de
ensino superior e o próprio profissional professor não atentem para isso. Essa
desconsideração acerca da profissão docente pode levar à não-construção dessa
capacidade de conceber e implementar novas alternativas diante da realidade do
ensino, que nos desafia com seu movimento, suas crises e seus problemas.

Os elementos constitutivos da profissão docente – a saber: formação acadêmica,


conceitos, conteúdos específicos, ideal, objetivos, regulamentação, código de
ética – têm características próprias que constituiriam a formação inicial, se ela
ocorresse. Como ela não ocorre, esses aspectos devem ser considerados nos
processos de profissionalização continuada.

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É preciso destacar que, embora o professor ingresse na universidade pelo cargo
da docência, ou seja, primeira e essencialmente para atuar como professor, nos
seus momentos de aprofundamento no mestrado e doutorado, são poucas as
oportunidades que tem para se aperfeiçoar nesse aspecto. Como já dissemos
inicialmente, o professor ingressa em departamentos que atuam em cursos
aprovados, com disciplinas já estabelecidas: recebe ementas prontas, planeja
individual e solitariamente e é nessa condição que deve responsabilizar-se pela
docência que exerce. Os resultados a que chega não são objeto de estudo ou
análise nem individual nem no curso ou departamento, a não ser que deles
advenham situações negativas, reclamações de alunos, alto índice de retenção,
etc. Não recebe qualquer orientação quanto a processos de planejamento,
metodológicos ou avaliatórios nem sequer necessita realizar relatórios – momento
em que poderia refletir sobre a própria ação, como acontece normalmente nos
processos de pesquisa. Desconsidera-se, até, que os determinantes dos
elementos-chave dos processos de pesquisa (sujeitos envolvidos, tempo,
conhecimento como objeto e conteúdos, resultados e método) não são os
mesmos necessários à ação de ensinar. Assim, o professor fica entregue à própria
sorte. Nesse contexto, não é de estranhar a permanência de uma relação entre
professor, aluno e conhecimento na sala de aula de modo secularmente superado,
tradicional, jesuítico, cientificamente ultrapassado.

Iniciativas institucionais para o desenvolvimento profissional, individual e coletivo


de seus docentes têm apresentado possibilidades de reversão desse quadro.

3.2. Profissionalização continuada e construção da identidade profissional

Constatada e reconhecida a importância do desenvolvimento profissional da


profissão docente para os professores que atuam na universidade, vários
caminhos vêm sendo experimentados nas últimas décadas. Inicialmente, houve a
inclusão de uma disciplina, nos cursos de pós-graduação, sobre a metodologia do
ensino superior. Embora, em geral, resumida a uma duração de 60 horas em
média e nem sempre desenvolvida por profissionais que dominam os saberes
necessários à docência, essa iniciativa tem sido, para muitos docentes
universitários, a única oportunidade de uma reflexão sistemática sobre a sala de
aula, o papel docente, o ensinar e o aprender, o planejamento, a organização dos
conteúdos curriculares, a metodologia, as técnicas de ensino, o processo
avaliatório, o curso e a realidade social onde atuam.

Estudos mais recentes, em âmbito nacional e internacional, mostram que ações


mais efetivas para a formação docente ocorrem em processos de
profissionalização continuada que contemplam diversos elementos, entrelaçando
os vários saberes da docência: os saberes da experiência, os saberes do
conhecimento e os saberes pedagógicos, na busca da construção da identidade
profissional, vista como processo de construção do profissional contextualizado e
historicamente situado (cf. Pimenta, 1996).

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No caso brasileiro, também há experiências pontuais de profissionalização
continuada para docentes do ensino superior. São experiências diferenciadas,
pois decorrem de compromisso das instituições e do coletivo de seus docentes e
se realizam pela identificação, estudo e encaminhamento das necessidades da
instituição e dos sujeitos envolvidos, os professores e alunos.

Os processos de profissionalização continuada que resultados significativos têm


apresentado se caracterizam por alguns procedimentos e aspectos, a seguir
expostos.

A docência universitária é profissão que tem por natureza constituir um processo


mediador entre sujeitos essencialmente diferentes, professor e alunos, no
confronto e na conquista do conhecimento. Para desenvolvê-la, é fundamental
iniciar pelo conhecimento da realidade institucional, procedendo a um diagnóstico
dos problemas presentes na realidade em questão, os quais serão considerados
como ponto de partida da discussão coletiva da proposta a ser posta em ação.
Realizado pelo coletivo, o diagnóstico para o levantamento dos problemas da
realidade já constitui uma ação formativa, além de objetivar a primazia das
questões centrais a serem trabalhadas. A realidade institucional, por sua vez,
constitui o ponto de chegada, pois todo o processo formativo tem por objetivo a
elaboração de propostas e encaminhamentos para a superação dos problemas
identificados.

Outro aspecto a ser considerado é a abrangência. Uma proposta coletiva e


institucional, assumida pelo coletivo docente, tem maiores possibilidades de
produzir mudanças significativas do que ações individuais ou individualizadas,
embora acreditemos que em educação, como na vida, cada gota conta.

Por ser processual, não se pode desconsiderar a questão do tempo. Um processo


de preparação pedagógica deve estabelecer objetivos, etapas, encaminhamentos,
ao longo de um tempo preestabelecido, em relação aos problemas diagnosticados
e transformados em metas. Não se trata de um resultado informativo, a ser
resolvido numa palestra de algumas horas. Assim como é impossível capacitar um
profissional de qualquer área numa palestra, o mesmo ocorre na preparação da
docência, embora se possam obter, em encontro ou palestras, aspectos, análises
e informações significativas para a formação dos sujeitos na direção das
alterações necessárias.

As condições concretas de efetivação das mudanças devem ser buscadas e


produzidas. Uma vez percebidas, discutidas e processadas as alterações
necessárias, os docentes que se dispuserem a assumi-las devem contar com o
apoio institucional apropriado.

É necessário estudar e propor encaminhamentos necessários ao envolvimento, à


construção e à sistematização do coletivo que se pretenda atender. Embora
estejamos advogando uma abrangência coletiva ao trabalho, é preciso destacar
que a adesão deve ser voluntária, pois não se faz mudança por decreto.

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A definição dos elementos da teoria didática, fundamentais e essenciais a uma
construção da relação entre professor, aluno e conhecimento na educação
superior, estará diretamente ligada ao levantamento das necessidades do grupo
em questão, podendo variar de equipe para equipe de trabalho. A vivência desses
elementos já ocorre nas salas de aula, e a análise dos dados dessa realidade
constituirá o confronto da teoria com a prática. É preciso considerar, como
princípio norteador, que o profissional que atua como docente já possui uma
experiência de sala de aula, em vários anos como aluno, para além do tempo que
atua como professor. Por isso, como sujeito de seu processo, sua voz é essencial
na definição da caminhada a ser construída.

É importante destacar a contribuição dos alunos ao processo de desenvolvimento


profissional de seus professores, pois nos fazem ouvir sua voz em instrumentos
de avaliação institucional. Por mais questionáveis que sejam os elementos
oferecidos, servem de referência para análise da instituição e da ação docente da
perspectiva do alunado.

Sistematizando, nos processos de profissionalização continuada e de construção


da identidade do docente do ensino superior, destacam-se aspectos relativos:

a) Aos sujeitos presentes no universo da docência:

• o professor como pessoa e a pessoa do professor como profissional;

• o aluno como sujeito do processo cognitivo;

• processos cognitivos compartilhados entre os diferentes sujeitos;

b) Aos determinantes do processo educativo:

• projeto político-pedagógico institucional e sua inserção no contexto social;

• projeto de curso e os dados da realidade institucional;

• teoria didática praticada e a desejada na sala de aula;

• a responsabilidade com a atuação técnica e social do profissional no


mercado de trabalho;

c) À ação do docente na universidade:

• a construção coletiva interdisciplinar;

• a definição de conteúdos e os enfoques metodológicos;

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• o acompanhamento do processo mediante a avaliação.

Esses aspectos configuram um quadro teórico complexo, considerando a


característica essencialmente reflexiva da profissão docente e dos processos de
profissionalização continuada.

Segundo Nóvoa (1992), na construção da identidade docente, três processos são


essenciais: o desenvolvimento pessoal, que se refere aos processos de produção
da vida do professor; o desenvolvimento profissional, que se refere aos aspectos
da profissionalização docente; e o desenvolvimento institucional, que se refere aos
investimentos da instituição para a consecução de seus objetivos educacionais.
Os processos de profissionalização continuada bem-sucedidos se assentam
nesse tríplice investimento.

Pode-se começar pelos professores. Tomando como referência os problemas


levantados e considerando que “o professor é uma pessoa; e uma parte
importante da pessoa é o professor” (Nias Jeniffer, in Nóvoa, 1992, p. 15), pode-se
optar por iniciar o trabalho pela discussão das formas de os professores atuarem
em sala de aula, utilizando para isso suas próprias descrições e registros. Com
base nelas, pode-se proceder a um confronto dos aspectos registrados com a
historicidade da universidade brasileira e a identificação que os docentes realizam,
individual e coletivamente, quanto à organização curricular e quanto à sua prática
em sala de aula. Essa base de historicidade é auxiliar na inter-relação dos três
aspectos – desenvolvimento pessoal, profissional e institucional –, pontos de
partida e de chegada das ações propostas, visando à reconstrução da identidade
docente, tanto num processo individual quanto coletivo, uma vez que se considera
que a identidade “não é um processo imutável nem externo que possa ser
adquirido. E um processo de construção do sujeito historicamente situado”
(Pimenta, 1999, p. 164).

Na construção da identidade do docente busca-se reelaborar os saberes


inicialmente tomados como verdades, em confronto com as descrições das
práticas cotidianas, que se tornam auxiliares nesse processo e em relação à teoria
didática. Esse método de descrever as práticas cotidianas configura um processo
essencialmente reflexivo. Refletir coletivamente sobre o que se faz é pôr-se na
roda, é deixar-se conhecer, é expor-se – o que fazemos com muita dificuldade,
uma vez que, como docentes do ensino superior, estamos acostumados a
processos de planejamento, execução e avaliação das atividades de forma
individual, individualista e solitária. Superar essa forma de atuação é processual:
na vivência, o grupo vai criando vínculos e se posicionando. Haverá aqueles que
prontamente aderem às atividades e outros que, em seu ritmo, vão se soltando e
se expondo, a si mesmos e aos grupos de trabalho.

Esse processo de reconstrução da experiência possibilita várias formas de


interação nas quais sujeitos e situação são mutuamente modificados, como
participantes do processo de gerar conhecimento. Também possibilita

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conhecimento mútuo e vinculação entre os pares e entre o coletivo e a instituição,
condições essenciais em um processo de construção identitária em
profissionalização continuada, que exige intencionalidade, envolvimento,
disponibilidade para mudança, espaço institucional, coragem, flexibilidade mental
para enfrentamento de alterações previsíveis e imprevisíveis...

Na construção da identidade da profissão docente, é essencial considerar a


importância da criatividade na solução de cada nova situação vivenciada. É por
essa exigência de criação na resolução das questões da prática que uma lógica
de previsibilidade positivista não é suficiente na ação docente. Contreras (1997)
alerta para essa complexidade das práticas profissionais, como o caso da
docência, que enfrenta situações incertas, conflitos, efeitos ambíguos que, por
essa natureza, não se resolvem com as transposições de regras de decisão e
modelos. São essas características da profissão docente – a imprevisibilidade, a
singularidade, a incerteza, a novidade, o dilema, o conflito e a instabilidade – que
nos levam a um necessário enfrentamento da racionalidade técnica,
principalmente por parte de professores que, tendo se formado em diferentes
áreas em que predomina essa racionalidade, podem estar utilizando-a como
modelo básico de sua ação docente, sem considerar as características da
docência.

É necessário refletir sobre o que deve ser mantido e alterado, sendo, portanto,
fundamental a clareza dos fins e valores. As raízes, crenças, hábitos e formas de
ação podem significar resistências às práticas transformadoras. Daí a importância
da clareza e compreensão do eu-professor existente em cada um de nós. Por
isso, esse aspecto tem sido abordado nos processos de profissionalização não só
da área de educação, mas também em diversas áreas.

Com as narrações, comunicamos as representações mentais das ações


realizadas, verbalizando os esquemas da prática, enquanto resumo
esquematizado e não como cópia exata da atividade. Esses esquemas permitem
uma representação ordenada do que é a prática de ensino e a educação e
configuram, moldados em crenças, a “teoria subjetiva” adotada. Daí o destaque
dado à força das narrações, tanto escritas quanto orais, que, como manifestações
do pensamento, permitem representar, examinar, reelaborar, comunicar e projetar
a ação. Uma vez elaborados, podem adquirir independência da prática e
configurar abstrações, relacionar-se com outros esquemas, agrupando em torno
deles crenças múltiplas. Ao estruturar os esquemas, conferimos uma ordem ao
caótico fluir da vida. O caminho entre a representação ou esquema e a primeira
teorização generalizadora está traçado, e, dessa forma, começa a ser nutrido o
campo da teoria, subjetivamente assumida (cf. Sacristán, 1999).

Na construção do processo identitário do professor, na mescla dinâmica que


caracteriza como cada um se vê, se sente e se diz professor, três elementos são
destacados: adesão, ação e autoconsciência. A adesão, porque ser professor
implica aderir a princípios, valores, adotar um projeto e investir na potencialidade
dos jovens. A ação, porque a escolha das maneiras de agir deriva do foro pessoal

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e profissional. A autoconsciência, porque tudo se decide no processo de reflexão
do professor sobre sua ação. Assim, a construção do processo identitário “é uma
dimensão decisiva da profissão docente, na medida em que a mudança e a
inovação pedagógica estão intimamente dependentes deste pensamento
reflexivo” (Nóvoa, 1992, p. 16).

Tanto a adesão quanto a ação e a autoconsciência são construídas


processualmente. Daí a importância dos processos de profissionalização na
construção inicial e na reconstrução de uma identidade docente no ensino
superior. Nesse processo, é necessário dar voz ao professor, presenciar a
subjetividade e a singularidade como elementos distintos, possibilitar a interação
dos diferentes sujeitos no processo, ouvir as dúvidas, os pares, lidar com os
confrontos, estabelecer o diálogo de cada um consigo mesmo e entre os sujeitos
do processo educativo, analisar o contexto social, compreender determinantes da
historicidade, dar espaço para as surpresas, os sustos, as constatações.

O processo de profissionalização assim configurado possibilita a busca de pistas e


indícios individuais e coletivos, num posicionamento investigativo, que pode ir
envolvendo o coletivo e ir se “alastrando” nas instituições. Para isso, as condições
concretas de trabalho são essenciais: além dos elementos citados anteriormente,
o vínculo dos docentes com as instituições, traduzido em emprego remunerado,
deve assegurar as condições de trabalho necessárias ao envolvimento, ao
planejamento, à reflexão e à avaliação do processo.

4. Profissão de professor: condições de trabalho no ensino


superior

Para situarmos as questões específicas da docência no ensino superior enquanto


profissão, utilizaremos os dados da pesquisa de Guimarães (2001) sobre os
saberes docentes e identidade profissional, na qual aborda a questão com base
na instigante indagação: de qual profissionalização podemos falar? A profissão
docente, diz o autor, apresenta algumas marcas históricas: desvalorização e
proletarização do professor, exercício eminentemente feminino, com caráter
“sagrado”, que vem do berço e não pode ser negado a ninguém. Essas marcas
“constituem e contribuem para manter a identidade da profissão docente como um
‘que-fazer’ de baixa aspiração profissional, a ser desenvolvida por pessoas
generosas que, portanto, mesmo que ‘reconhecidamente’ merecedoras,
contentam-se com pouco (baixos salários, condições de trabalho modestas...)”.
Além desse contexto adverso, “a profissionalização do professor se torna ainda
mais complexa frente à falta de um sistema e tradição na formação de
professores, ao contingente de professores que atuam sem formação, à ausência
de uma cultura profissional entre o professorado, à distância entre as várias faixas
de remuneração, especialmente entre o ensino fundamental e o superior” (2001, p.
36). Somem-se a esse quadro político-social as dificuldades relativas à
especificidade da profissão docente.

13
Diante dessas dificuldades, a “referência à profissão tem, neste texto, o sentido de
contrapor a atividade docente ao amadorismo, contribuindo para extraí-la do
âmbito da atividade provisória, complementar, cujo acesso independe de
formação adequada. Nesse sentido, ‘profissão’ de professor está mais próximo de
um conceito que aponta para uma atividade humana necessária, sustentada por
bases teórico-práticas e éticas, do que o pleito da constituição de um segmento
profissional, nos termos que conhecemos”. O que significa, “para além da defesa
da necessidade de um delineamento diferente para a profissão docente e,
portanto, da construção de um processo diferenciado de profissionalização,
também o reconhecimento da complexidade, dificuldades e a perspectiva de longo
prazo desta empreitada” (2001, p. 38).

Assim, tornar o professor “profissional” requer necessariamente maior


qualificação. Ao que parece, nos diz o autor, “enquanto agirmos em nossos cursos
de formação e em nossas instituições escolares, contentando-nos com baixos
níveis de profissionalidade (traduzido em qualificação mínima, descompromisso
com a atualização, mesmice da profissão, pacto com a autodesqualificação) e de
profissionalismo (traduzido em aceitação pacífica do insucesso escolar, má
qualidade das experiências de aprendizagem dos alunos, rotina, desencanto), a
profissionalização vai ser uma retórica necessária somente para quem a faz,
porque, efetivamente, como está, estará bom” (Guimarães, 2001, p. 38). Ou seja,
nada precisa ser alterado, porque é “natural” que não se necessite formar e
profissionalizar professores, uma vez que eles já nascem sabendo...

Contrariando essa perspectiva, é preciso reconhecer na profissão docente sua


especificidade epistemológica diferente da de outras profissões: plena de saberes
próprios, construídos também em situação, e sua dimensão ética, “que resgata a
utopia e a ideologia que se manifestam na intencionalidade” (Cunha, 1999, p.
145), “Nesse sentido (...) a constituição da profissão docente precisa centrar-se no
que efetivamente pode constituí-la na sua singularidade e não apenas na
comparação com outras profissões” (Guimarães, 2001, p. 37).
Como se encontra o estatuto de profissionalização dos docentes no ensino
superior? Comecemos por examinar suas condições de trabalho.

a) Condições de trabalho no ensino superior

Os contextos e as condições de trabalho dos professores nas instituições de


ensino superior são muito diferentes quanto às formas de ingresso, aos vínculos, à
jornada de trabalho e aos compromissos dela derivados. Essas condições
interferem na construção da identidade do docente.

No tocante às condições de trabalho, é certo que são bem diferentes nas diversas
instituições. No caso das instituições públicas, verifica-se que o ingresso se dá
sempre por concurso, mesmo para a contratação do professor substituto, cujo
número tem aumentado em decorrência da contenção de despesas a que vêm
sendo submetidas. No concurso para efetivos, o professor passa por um período

14
de “estágio probatório”, ao final do qual sua efetivação será confirmada ou não
mediante um processo de avaliação, realizada por seus pares nos departamentos.

Nas instituições particulares, o ingresso se dá por concurso ou por convite e o


contrato pauta-se pela função da docência, mesmo que o interesse institucional
incida sobre a experiência de pesquisa do candidato. No entanto, uma vez
atuante, quais as condições oferecidas para a melhoria de seu desempenho como
docente? Nem sequer existe uma organização institucional ou espaço para
elucidar dúvidas ou repensar com alguma supervisão as ações efetivadas em sala
de aula. Nesse contexto, ensinar restringe-se ao tempo de sala de aula, e, por sua
vez, as responsabilidades institucionais com o docente limitam-se às da
contratação trabalhista.

Conforme a legislação em vigor, a carga de trabalho na instituição pode ser de


vínculo integral, parcial e horista. Sobre essa questão, observe a seguir os dados
fornecidos pelo INEP (1998): do total geral dos docentes, 44,37% estão atuando
em tempo integral nas instituições de ensino superior (IES), sejam elas
universidades ou não, embora a maior incidência esteja nas universidades
públicas (35,14%). Nas particulares, atuando em tempo integral, estão apenas
5,31% do total nacional dos docentes.

Os professores de tempo integral nas instituições de ensino superior que não se


enquadram na categoria de universidade totalizam, respectivamente, 1,92% nas
públicas e 2% nas particulares: percentual numérico bastante reduzido em relação
ao total geral dos docentes (165.122). A exigência da LDB é que representem um
terço do total institucional.

O tempo integral normalmente solicita do docente as três funções características


da universidade: ensino, pesquisa e extensão. Pode-se facilmente constatar que,
nessas condições de trabalho, o tempo integral torna mais viável a efetivação das
três funções. Estas devem estar integradas aos fins propostos no projeto político-
pedagógico institucional, do qual o ensino é parte fundamental; porém, não há
garantia legal de processos de profissionalização continuada da docência, embora
seja possível supor que estejam, nesse contexto, as melhores oportunidades de
profissionalização continuada do docente.

O docente de tempo parcial representa, percentualmente, minoria tanto nas


universidades (8,01% nas públicas e 6,76% nas particulares) quanto nas não-
universidades (1,46% nas públicas e 5,72% nas particulares).

Já o grupo de horistas fica distribuído de forma oposta ao grupo de tempo integral:


há um predomínio numérico daquele nas instituições particulares, sejam
universidades (com 14,9%) ou não (com 14,6% nas particulares), ocorrendo
visível concentração dessa relação trabalhista. Situando esses dois grupos em
relação ao total de professores horista (55.624), eles representam
respectivamente 44,24% (universidades) e 43,35% (não-universidades). Conclui-
se que uma grande maioria dos professores horistas (que somam 33,68% do total

15
geral) é contratada para executar ações em períodos específicos, ou seja,
determinado número de horas/aula, sem tempo remunerado para preparação de
aulas, por exemplo.

Ainda ocorre a contratação por blocos de aulas, reunidas em períodos específicos


dos cursos, ficando o professor vinculado à instituição apenas por aquele período
e não havendo compromisso institucional nem direitos trabalhistas outros senão
os contratuais temporários. Há igualmente a ocorrência de cooperativas docentes,
vinculando o professor universitário a uma prestação de serviço temporário. Todos
esses elementos refletem uma direção que vem sendo nacionalmente dada à
universidade, transformando-a em organização administrativa baseada na
racionalidade técnica, contrária à dimensão social característica dessa instituição.

Assim, nessas situações, desvincula-se a docência da necessária articulação a


um projeto educacional regido por projeto pedagógico institucional, e a instituição,
por sua vez, desobriga-se de processos de profissionalização continuada.

Nesses casos, o papel docente centra-se na hora/aula, pois é esse o tempo para o
qual é pago. Como o valor obtido por esse trabalho costuma ser insuficiente para
a sobrevivência, o professor obriga-se a ampliar os turnos e trabalhar em mais de
uma instituição para obter uma renda mensal básica, ficando todo o seu tempo
disponível utilizado para deslocamento e sala de aula.

Reforça-se, nessas circunstâncias, a visão do senso comum de que ensinar se


restringe a passar um tempo numa sala de aula dizendo o conteúdo a um grupo
de alunos, que deve ser mantido disciplinadamente ouvindo. Retira-se da
instituição e do próprio profissional – que acaba por não se sentir ligado a nenhum
projeto educacional e/ou estimulado a refletir como docente – a responsabilidade
de decisões colegiadas e de crescimento profissional das equipes docentes.

Ao participar legalmente de um colegiado, o docente das IES teria maior suporte


institucional para sua profissionalização continuada. O trabalho individualizado e
solitário, a que é habitualmente submetido em nossa cultura institucional, fica
dessa forma mais próximo a uma “venda de horas/trabalho”, acentuando a
possibilidade do aumento do magistério superior como atividade de
complementação salarial ou bico, como é vulgarmente chamado, com o respectivo
aumento numérico do profissional “dador de aulas”, absolutamente o oposto do
que é hoje necessário.

Como o atual Estado avaliador iniciou o controle do que ocorre em sala de aula
por dados externos a ela (índices de titulação do corpo docente com respeito a
mestrado e doutorado, provão, etc.), vem ocorrendo entre os professores das IES
uma busca mais freqüente por cursos de especialização ou programas de
mestrado e doutorado. Assim, por contradição, assistimos no cenário nacional a
uma corrida pelo aprimoramento docente, resultando, em sua maioria, em busca
dos próprios professores, que se vêem na contingência de perda do emprego, se
não obtiverem a diplomação hoje exigida.

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Esse aprimoramento geralmente é buscado na própria área de atuação. As
preocupações com o fazer docente se restringem à disciplina denominada, em
regra, Metodologia de Ensino Superior, que vem sendo implementada nos cursos
e programas de pós-graduação com uma carga horária média de 60 horas. Ainda
assim, apesar dos limites que decorrem dessa situação, é preciso destacar a
possibilidade, muitas vezes única na carreira do professor, para uma reflexão mais
sistemática sobre sua profissionalização como docente.

Paralelamente a essa situação em que as condições de trabalho não viabilizam


avanços na profissionalização, há outras IES, particulares ou públicas, que
priorizam em seus projetos institucionais a profissionalização continuada do
docente, investindo e custeando também a hora do estudo, da reflexão e da
organização dos processos decisórios relativos aos seus cursos. Em outras
instituições, eventos esporádicos vêm sendo efetivados, funcionando como
momentos, ainda que esparsos, de reflexão, ou situações contínuas,
programadas, diferenciadas e inovadoras, que apontam saídas possíveis e
necessárias para a construção de condições de trabalho que incluam, em sua
rotina, a profissionalização como um objetivo e responsabilidade também das
instituições.

b) Profissão de professor e condições de trabalho

Para melhor compreensão desse quadro das condições de trabalho no ensino


superior, é necessário breve análise sobre as novas configurações do trabalho e
da empregabilidade na sociedade da globalização.

Com respeito ao tema das novas configurações do trabalho, o não-emprego é


uma das características da sociedade globalizada das informações. Nesta o
trabalho autônomo descarta as conquistas trabalhistas, que são dispendiosas para
os empregadores, incluindo o Estado. Para conseguir trabalho e sobreviver, o
trabalhador desempregado necessita buscar, por sua conta, requalificações. E aí
se pode compreender a imensa valorização hoje conferida aos programas de
formação contínua, transformando a educação em um grande mercado. No que se
refere aos professores, por exemplo, nos anos 80, na América Latina, seus já
baixos salários foram corroídos por uma inflação galopante, levando-os ao
multiemprego ou ao abandono da profissão. A conseqüência, principalmente no
caso das séries iniciais, foi um aumento de professores não diplomados, leigos,
com precária estabilidade e em precárias condições para ensinar. Os programas
econômicos adotados para conter a inflação, por sua vez, aumentaram os
problemas sociais, produzindo maior pobreza e trazendo para a escola e seus
professores novas demandas de atendimento, o que gerou o investimento, por
parte do Estado, de grandes recursos em programas de formação contínua na
educação básica nas redes de ensino municipais e estaduais, cujos resultados se
perdem por não terem continuidade e não se configurarem como uma política de
formação articulada à formação inicial e ao desenvolvimento das escolas. Nesse
quadro, “são ilusórias as propostas de baratear a formação (...) em licenciaturas

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rápidas ou curtas, que são apenas um verniz que dá títulos; a educação superior
(nas universidades, acrescento) deve ser requisito para formar professores”
(Sandoval, 1996, p. 10-11).

No caso dos professores de educação superior, as oportunidades de emprego


vêm aumentando, com a expansão das instituições particulares de ensino, em
todo o território nacional. A esse aumento numérico da empregabilidade não estão
associados processos de profissionalização, nem inicial nem continuada, para os
docentes universitários, pois as exigências para a docência, nesse nível, se
encontram associadas apenas à formação na área específica. Além disso,
considerando que, muitas vezes, a atividade docente é assumida como mais uma
atividade para a obtenção de renda, e não como profissão de escolha, os próprios
docentes não valorizam uma formação profissional.

No entanto, no que concerne aos professores, o trabalho ainda se realiza, em sua


maioria, sob a forma de emprego, apesar de já se anunciarem novas formas,
como o trabalho autônomo e terceirizado (há escolas que contratam os serviços
de professores de Educação Física, por exemplo, em academias). Há ainda
outras, como a monitoria, que, em algumas universidades, tende a ser realizada
em substituição ao trabalho do professor, alterando a identidade dele com respeito
aos saberes necessários e ao significado destes na formação dos alunos, à
medida que se confere ao monitor um papel de auxiliar técnico.

Diferentemente do que vem ocorrendo no Brasil, nos países que adentraram um


processo de democratização social e política, nos anos 80, saindo de longos
períodos de ditadura, como Espanha e Portugal, identifica-se o reconhecimento
das instituições educativas e dos professores como protagonistas fundamentais
nesse processo. Tal reconhecimento levou esses países a realizar significativas
alterações nos seus sistemas de ensino, elevando a formação dos professores da
escola básica para o nível superior (fenômeno que ainda se encontra em
processo), investindo na formação inicial e contínua e no desenvolvimento das
instituições escolares, elevando o estatuto de profissionalização dos professores e
incluindo a reestruturação do quadro de carreira, das condições de trabalho e dos
salários. Mais recentemente, a partir dos anos 90, a pauta de discussões incluiu a
questão da docência (e dos docentes) do ensino superior. Nesses países, os
temas acima referidos ganharam espaço nas universidades e nas pesquisas,
colaborando para a proposição das políticas educacionais e de formação de
professores, o que ocorreu também nos sindicatos, às vezes em colaboração com
as universidades e com os sistemas públicos. A profissão de professor entrou,
então, em pauta.

A bibliografia produzida nesses países foi amplamente difundida no Brasil, a partir


dos anos 90, especialmente com a obra de divulgação, coordenada por António
Nóvoa, Os professores e sua formação, 1992. Esse livro contempla textos de
autores de países como Portugal, Espanha, Estados Unidos, França e Inglaterra,
o que evidencia a rápida apropriação e expansão dessa perspectiva conceitual.
Também nesses países, especialmente na Espanha, se produzirá, nas

18
universidades, importante crítica às teorias de Schön e de Stenhouse, o que pode
ser analisado nas obras de Gimeno Sacristán (1992a/b; 1994; 1999), Pérez-
Gómez (1991; 1992; 1995) e Domingo Contreras (1997), entre outros. A
centralidade dos professores traduziu-se na valorização do seu pensar, do seu
sentir, de suas crenças e de seus valores como aspectos importantes para
compreender o seu fazer, não apenas de sala de aula, pois os professores não se
limitam a executar currículos, mas também os elaboram, os definem, os
reinterpretam. Daí a prioridade da realização de pesquisas para compreender o
exercício da docência, os processos de construção da identidade docente, de sua
profissionalidade, o desenvolvimento da profissionalização, as condições em que
trabalham, de status e de liderança.

Do ponto de vista conceitual, as questões levantadas em torno da perspectiva


hermenêutica ou reflexiva, investindo na valorização e no desenvolvimento dos
saberes dos professores e na consideração deles como sujeitos e intelectuais,
capazes de produzir conhecimento, de participar de decisões, da gestão da escola
e dos sistemas, trazem expectativas para a reinvenção da escola democrática.

Essa perspectiva configura-se em oposição aos enfoques da profissão docente na


perspectiva tradicional ou prático-artesanal e na perspectiva técnica ou
academicista, conforme Pérez-Gómez, 1995.

A tese que defendemos é a de que a apropriação generalizada da perspectiva da


reflexão nas reformas educacionais dos governos neoliberais transforma o
conceito de professor reflexivo em mero termo, expressão de uma moda, à
medida que o despe de sua potencial dimensão político-epistemológica, que se
traduziria em medidas para a efetiva elevação do estatuto da profissionalidade
docente e para a melhoria das condições escolares, à semelhança do que ocorreu
em outros países. No caso, a democratização social e política de países como
Espanha e Portugal, que não apenas transformaram as condições de formação
dos professores, mas transformaram significativamente suas condições de
exercício profissional com jornada e salários compatíveis a um exercício crítico e
reflexivo e de pesquisa, contribuindo para a elevação do estatuto da
profissionalidade docente. Essa questão ficou “esquecida” nas políticas do
governo brasileiro nos anos 90.

Investir na docência universitária e na defesa desse espaço como o local de


formação dos professores em geral configura um movimento de valorização da
educação de qualidade para todos.

Ao lado dessa valorização dos professores, no entanto, assiste-se a uma tentativa


de deterioração da profissão docente mediante a política de competências, que
simplifica os processos formativos à medida que define essa profissão como
amplo conjunto de habilidades técnicas a serem adquiridas.

Breve referência sobre as características do modelo das competências e suas


origens permitirá que melhor se situe a profissão docente na universidade.

19
c) Dos saberes às competências: reduzindo a docência a técnicas

Sob a ameaça de perda simbólica ou mesmo real do emprego em virtude do


desprestígio social de seu trabalho e ante as novas demandas apresentadas pela
sociedade contemporânea à escola e a eles próprios, os professores são instados
a uma busca constante de cursos de formação contínua, muitas vezes à sua
custa. Nessas políticas, os professores também adquiriram centralidade, o que se
constata pelo refinamento dos mecanismos de controle sobre suas atividades,
amplamente preestabelecidas em inúmeras competências, conceito esse que está
substituindo o de saberes e conhecimentos (no caso da educação) e o de
qualificação (no caso do trabalho). Não se trata de mera questão conceitual. Essa
substituição acarreta ônus para os professores, uma vez que os expropria de sua
condição de sujeito do seu conhecimento, como se pode perceber na citação a
seguir:

Na França, até o início dos anos 80, a área de recursos humanos utilizava-se da
noção de qualificação (...) a temática da qualificação construiu-se e desenvolveu-
se em universos sociais com organizações aparentemente estáveis, onde as
pessoas adquiriam os saberes que lhes permitiam assumir postos de trabalho
estáveis. Aos poucos, com as recentes mudanças ocorridas no setor produtivo,
esta situação se alterou, originando uma distância entre o conjunto de saberes
que o trabalhador detém e o conjunto de disposições necessárias para manter um
posto de trabalho (...) A noção de competência emerge nesse contexto (Silva,
1999, p. 94, sobre Dugué, 1996).

Nesse sentido, o discurso das competências poderia estar anunciando um novo


(neo) tecnicismo, entendido como aperfeiçoamento do positivismo
(controle/avaliação) e, portanto, do capitalismo. “O capital está exigindo, para sua
reprodução, novas qualificações do trabalhador” (Silva, 1999, p. 87). O termo
“competência”, polissêmico, aberto a várias interpretações, fluido, é mais
adequado do que o de “saberes” e “qualificação” para uma desvalorização
profissional dos trabalhadores em geral e dos professores. Falar em
competências, no lugar de saberes profissionais, desloca a identidade do
trabalhador para o seu local de trabalho, ficando ele vulnerável à avaliação e
controle de suas competências, definidas pelo “posto de trabalho”. Se suas
competências não se ajustam ao esperado, o trabalhador facilmente poderá ser
descartado. Será assim que podemos identificar um professor? Não estariam os
professores, nessa lógica, sendo preparados para a execução de suas tarefas
conforme as necessidades definidas por modelos externos à universidade? Onde
estaria o reconhecimento de que os professores não se limitam a executar
currículos, senão que os elaboram, os definem e os reinterpretam com base no
que pensam, crêem, valorizam, conforme as conclusões das pesquisas? (Cf.
Hargreaves, 1996.) Onde ficaria a autonomia universitária no desempenho de sua
tarefa básica que é o permanente exercício do conhecimento produzido e de sua
apropriação histórico-social? Professores (e alunos) competentes para quê?

20
Por outro lado, o termo “competência” também significa teoria e prática para fazer
algo, conhecimento em situação – o que é necessário para qualquer trabalhador
(e também para o professor). Mas ter competência é diferente de ter
conhecimento e informação sobre o trabalho, sobre o que se faz. Conhecer
implica visão de totalidade, consciência ampla das raízes, dos desdobramentos e
implicações do que se faz, para além da situação; consciência das origens, dos
porquês e das finalidades. Portanto, competência pode significar ação imediata,
refinamento do individual e ausência do político, diferentemente da valorização
dos conhecimentos em situação, mediante o qual o professor constrói
conhecimento. O que só é possível se, partindo de conhecimentos e saberes
anteriores, tomar as práticas (as suas e as das instituições) coletivamente
consideradas e contextualizadas como objeto de análise, problematizando-as em
confronto com o que se sabe sobre elas e em confronto com os resultados sociais
que delas se esperam. Os saberes são mais amplos, permitem que se critiquem,
avaliem e superem as competências.

Assim, concordamos com Silva (1999), quando indaga: “Será a escola (e os


cursos de formação de professores, acrescentamos) responsável pelo
desenvolvimento de competências, ou será ela responsável pela formação básica
do indivíduo, que terá pela frente o desafio de tornar-se competente, ao longo de
sua vida, somando à educação obtida na escola sua experiência de vida e de
trabalho?” (Silva, 1999, p. 101).

A lógica das competências deposita no trabalhador a responsabilidade de


permanentemente adquirir novas competências, por intermédio de inúmeros e
diversos cursos. Esse movimento está configurando ampla oferta de cursos de
formação contínua, em virtude das exigências do mercado. No que se refere à
formação inicial, as políticas que adotam o modelo das competências estão
fomentando um apressamento na formação dos professores, com carga horária
reduzida e currículos que privilegiam as disciplinas de instrumentação técnica.
Nessa mesma direção, observam-se medidas explícitas e implícitas que
desqualificam as universidades para realizar essa formação e até as pesquisas
sobre formação de professores que elas têm realizado em escolas públicas, o que,
aliado à falta de incentivos a essas pesquisas, gera significativo conhecimento
sobre as necessidades para as políticas de formação e de desenvolvimento
profissional dos professores, das instituições e dos sistemas de ensino.

No contexto dessas políticas, importa menos a democratização, o acesso ao


conhecimento e a apropriação dos instrumentos necessários para um
desenvolvimento intelectual e humano da totalidade das crianças e dos jovens e
mais a efetivação da expansão quantitativa da escolaridade, mesmo que seus
resultados sejam de uma qualidade empobrecida. Ou por isso mesmo. E, quando
esses resultados são questionados pela sociedade, responsabilizam-se os
professores, esquecendo que eles são também produto de uma formação
desqualificada historicamente, em regra, por meio de um ensino superior,
quantitativamente ampliado nos anos 70, em universidades-empresas.

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Quais as conseqüências das mudanças na empregabilidade para a organização e
o funcionamento das instituições educativas?

Há alguns anos nos debatíamos com a questão da divisão do trabalho no interior


da escola, apontando as graves conseqüências que o trabalho fragmentado com
os conhecimentos trazia à qualidade da escolarização. A crítica a esse modelo é a
de que o ensino por fragmentos das áreas do saber dificulta, e por vezes
inviabiliza, pensar a relação conhecimento – sociedade e a contribuição que os
saberes disciplinares podem oferecer às problemáticas humanas e sociais. O
projeto coletivo e interdisciplinar indica possibilidade de superação dessa
fragmentação. Ora, terceirizar os professores e despojá-los de suas
especializações nas áreas do conhecimento torna impossível o projeto de escola
coletivamente construído, mediante a reflexão sobre os problemas da educação
escolar. É nessa reflexão conjunta que se confere o significado às áreas de
conhecimento.

Por esse breve panorama da sociedade neoliberal, é possível perceber que a


centralidade nos professores – instaurada pelas demandas de democratização
nas sociedades que haviam saído de períodos de ditadura e buscavam a
implantação de um modelo da social democracia que propiciasse maior e mais
efetiva justiça e eqüidade social, econômica, política, cultural, na qual a
escolarização (e os professores) teria contribuição fundamental – também se faz
presente, com outra direção de sentido. Nas propostas do governo brasileiro para
a formação de professores, percebe-se a incorporação dos discursos e a
apropriação de certos conceitos que, na maioria das vezes, permanecem como
retórica. É o caso, por exemplo, do conceito de professor reflexivo, que suporia
significativa alteração nas condições de trabalho dos professores nas escolas,
com tempo e estabilidade, ao menos, para que a reflexão e a pesquisa da prática
viessem a se realizar.

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