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Capitulo Andlises interfrasticas e gramaticas de texto ~-~Na sua fase inicial, que vai, aproximadamente, desde a segunda metade da década de 60 até meados da década de 70, a Lingiistica Textual teve por preocupacdo bésice, primeiramente, 0 estudo dos mecanismos interésticos que fo parte do sistema gramatical da lingua, cujouso garanti- tia a duas ou meis seqiiéncias 0 estatuto de texto. Entre os, fenémenos a serem explicados, contavam-se a correferén- cia, a pronominalizagao, a selegao do artigo (definido/inde- finido), a ordem das palavras, a relacdo temalt6pico ~ remal comentario, a concotdancia dos tempos verbais, as elagSes, entre enunciados nao ligedos por conectores explictos, di- ‘vetsos fenémenos de ordem prosédica, entre outros. Os e3- tudos seguiam orientagdes bastante heterogéneas, de cunho ora estruturalista ou gerativista, ora funcionalisa, O texto era entéo concebido como uma “frase comple- xa", “signo lingiifstico primério” (Hartmann, 1968), “cadeia de pronominalizagdes ininterruptas” (Harweg, 1968), “se- giiéncia coerente de enunciacos” (Isenberg, 1971), “cadeia de pressuposigies” (Bellert, 1970). No estudo das relagdes que se estabelecem entre enun- ciados, deu-se primazia &s relagbes referenciais, particular- mente a correferéncia, considerada um dos prindpais fatores a coesio textual. E 0 caso, por exemplo, cle Harweg (1968), panel. segundo 0 qual so 08 pronomes que vdo constituir ura seqiléncia de frases em texto. O termo pronome é aqui toma- do numa acepgéo bem ampla, ou sea, toda e qualquer ex- pressdo lingiistica que retoma, na qualidade de substituers, outra expresso lingiifstica correferencial (Gubstituendion), O texto é resultado, portanto, de um “miitiplo referencia- mento”, dafa definigdo de texto como uma sucesso de uni- dades lingisticas constitufda mediante uma concalenagio pronominal ininterrupta Assim, nesse momento, o estudo das relacées referer ciais limitava-se, em geral, aos processos correferenciass (Gnaféricos e cataférices), operantes entre dois ou mais ele- ‘mentos textuelis ~a que Fielliday & Hasan (1976) chamavam de pressuponente e pressuposto. Pouco se mencionavam, ainda, os fenémenos remissivos nao correferenciais, as ané- foras associativas ¢ indiretas, a déixis textual e outros que hoje constituem alguns dos principais objetos de estudo da Lingtifstica Textual. Contudo, autores alemdes, como Isen- berg (1968) e Vater (1979), jf faziam referéncia as anéforas de tipo associativo, em exemplos como: (@) Onter houve um casamento, A noive usava um longo ves- tido branco. Gsenberg, 1968) (@)Pedro me molhou todo. A dua me escoria pelo corpo abaixo. (Isenberg, 1968) @ Era um belo povoado. A igri ficava numa colina, Vater, 1979) Pouco se levava em conta, também, a possibilidade de. retomada anaférica de porgdes textuais de maior ou mencr extensdo, como acontece com muita freqiléncia quando do uso de demonstrativos, geralmente neutros (isto, isso, aquir Jo, 0), conforme os exemplos: (@Naquele dia, ele recebeu umn (legrama, comunictndo-the volta danoiva, que se achava no exterior, Isso renovou Theo énimo abatdo. (5) Apés a longa discussio que teve com a mulher, Jorge sai de casa para espaiecer. Ao volta, encontrou-a caida nd 4s partel cho do banheiro, ao lado de um vidro de sedativos. Devia ‘@-loadivinhado, néo era a primeira vez que isto-acontecia! ‘Como, na construgdo de um texto, movimento de re- troagio, de retomada, é necessariamente acompanhado de ‘outro, o de progressao, muitos autores debrugaram-se sobre 08 tipos de relagdes (encadeamentos) que se estabelecerm entre enunciados, especialmente quando nio assinaladas Por conectores, bem como a atticulagao tema-rema (na pers- pectiva da Escola Funcionalista de Praga), a selegio dos ar- ligos em enunciados contiguos e assim por diante, Nao é de admizar, portanto, que as pesquisas se concentrassem prloritariamente no estudo dos recursos de coesdo textual (@ propriedade de cohere, hang together), a qual, para eles, de certa forma, englobava o da coeréncia, nesse momento en- tendida como mera propriedade ou caracteristica do texto. As graméticas de texto Ainda nessa primeira fase da Lingtistica Textual, a par- tir da idéia de que 0 texto seria simpiesmente a unidade lingiifstica mais alta, superior & sentensa, surgiu, particular- mente (mas ndo 86) entre os lingiiistas de formagio gerati- vista, a preocupagao de construir graméticas textuais, por analogia com as graméticas da frase. Isto 6, tratava-se de des- crever categorias e regras de combinagéo da entidade T (texto) em L (determinada lingua). As tarefas bésicas de ura gramética do texto seriam as seguintes: a) vetificar 0 que faz. com que um texto seja um texto, ou seja, determinar seus principios de constituigo, 6s fatores responsdveis pela sua coeréncia, as condi- ges em que se manifesta a textualidade; b) levantar critérios para a delimitacao de textos, jé que a completude é uma de suas caracteristicas essenciais; renciar as varias espécies de textos. panels Passou-se a postular a existéncia de uma competéncia textual A semelhanca da competéncia lingistica chomskya- na, visto que todo falante de uma lingua tem a capacidade de distinguir um texto coerente de uin aglomerado incoe- rente de enunciados, competéncia que é também especifi- camente lingiiistice, em sentido amplo: qualquer falante & ca- paz de parafrasear, de resumir um texto, de perceber se est completo ou incompleto, ce atribuir-Ihe um titulo, ou de produzir um texto a partir de um titulo dado. ‘Abandonava-se, assim, o método ascendente ~ da fra- se para © texto, Ea partir da unidade hieratquicamente mais alta ~0 texto ~ que se pretende chegar, por meio da segmen- taco, Bs unidades menores, para, entdo, classificé-las. Con- tudo, tem-se claro que a segmentacio ¢ a classificacéo s6 poderio ser realizadas, desde que nio se perca a funcéo tex- tual dos elementos individuais, tendo em vista que 0 texto io pode ser definido simplesmente como uma sequéncia de cadeias significativas. O texto é considerado o signo lin- giistico primério, atribuindo-se aos seus componentes © estatuto de signos parciais (Hartmann, 1968). Dentro desta perspectiva, portanto, 0 texto, visto como a unidade lingifstica hierarquicamente mais elevada, cons~ titui uma entidade do sistema Lingiiistco, cujas estruturas possiveis em cada lingua devem ser determinadas pelas re- sgyas de uma gramitica textual. Exemplos destas gramaticas sio as postuladas por Weinrich (1964, 1971, 1976), Pet6fi (4973) e van Dijk (1972). Harald Weinrich, estruturalista, teve sempre em mira a construcio de uma gramatica textual. Bm seus trabalhos pre~ coniza a construcdo de uma macrossintaxe do discurso, com ‘base no tratamento textual de categorias gramaticais como, por exemplo, 0s artigos, os tempos verbais, certos advérbios, ‘0s quais dedicou grande parte de seus estudos (1964, 1969, 1976). Postula como método heurfstico o da “partitura tex- tual", que consiste em unir a anélise por tipo de palavras e a esteutura sintética do texto num s6 modelo, como se se tratasse de "uma partiture musical a duas vozes”, Como es- 6+ ponet truturalista, define 0 texto como uma seqiiéncia linear de lexemas e morfemas que se condicionam reciprocamente € que, também reciprocamente, constituem 0 contexto. Isto 6,0 texto é uma “estrutura determinativa’, onde tudo esté necessatiamenteinterligado. Assim sendo, para ele, toda lin- gilifstica é necessariamente lingtifstica de texto. Em 1982, apés longos anos de pesquisa, veio a luz sua Gramética textual de lingua francesa (Textgrammatik der fran- sisischen Sprache), e, em 1993, a Grametica textual da lingua calemid (Textgrammatik der Deutschen Sprache), nas quais 0 au- tor concretiza a idéia acalentada havia tantos anos de ela- borar graméticas textuais. Cabe lembrar que seus estudos sobre 0s tempos verbais tiveram grande aceitagao e so, até hoje, de grande valia para a compreensao co funcionamen- to dostextos (cf, Koch, 1984, 1989, 1992) O modelo de Janos Pet consta de uma base textual, que consiste em uma representagéo seméntica indetermi- nada com respeito as manifestagGes lineares do texto, as quais so determinadas pela parte transformacional. Segundo ele, este modelo torna possivel: a) a andlise de textos, isto é, a atribuigdo a uma manifestacio linear, de todas as bases, textuals possiveis; b) a sintese de textos, ou sea, a geracto de todas as bases textuais possfveis;c) a comparagao de textos. De suma relevancia no modelo 6 0 léxico, com suas repre- sentages semanticas intensionais. Para Fet6fi, contudo, a gramética textual deveria cons- tituir apenas um dos componentes de sua teoria do texto, que previa também um componente contextual, formado por um subcomponente seméntico-extensional, responsd- vel pela interpretacdo semdntice, e um subcomponente prag- smitico, relativo as questdes de produsa/recepcéo de textos. Essa teoria, desenvolvida a partir de 1973 ¢ a que denomina TeSWeST (TextstrukturWelistrukut), ou seja, da Estrutura do Texto/Bstrutura do Mundo, esté centrada na relacdo en- tte a estrutura de um texto e as interpretagdes extensionais, (em termos de mundos posstveis) do mundo (ou complexo de mundos) que textualizada em um texto, patel ‘Teun van Dijk (1972), que, tendo sido um dos pion ros da Lingifstice Textual, tem uma trajetdria extremamen- te tica dentro dos estudos do texto/discurso, conforme ve- semos mais adiante, dedicou-se, também, nesse perfoda, & construgdo de graméticas textuais, levantando a favor des- tas os argumentos seguintes: L.Cabe a teoria lingtifstica em geral ¢ as graméticas textuais em particular dar conta da estrutura lingtifsti- cade enunciados completos, isto 6, também de enun- ciados constituidos de seqiiéncias de frases. 2, Exister propriedades gramaticais além do limite das sentengas, por exemplo, as relagdes sernénticas en- tre elas. 3. Oestudo do texto/discurso permite chegar a genera lizagSes sobre as propriedades de periodos compes- tose de seqiiéncias de frases. 4. Certas propriedades lingiiisticas fazem parte de uni- dades supra-sentenciais, como, por exemplo, frag- mentos de texto, parégrafos, sequiéncias, bem como ‘a macroestrutura textual 5. Orelacionamento entre gramitica e pragmatica pr supe uma descrigdo grammatical tanto de seqiiéncias de frases, como de propriedades do discurso como uum todo, para dar conta de fenémenos como a tela~ fo entre atos de fala e macroatos de fala. 7.Uma gramética textual fornece uma base tnais ade quada para um relacionamento mais sistemiético cain Outras teotias que se ocupam do-diseurso, como a estilistica, a retérica, a poética, entre outras. 8, Uma gramética de texto oferece melhor base lingtifs- tica pare a elaboragao de modelos cognitivos do desen- volvimento, produsio e compreensio da linguagem. 7.Uma gramética textual fornece melhor base para estudo do texto e da conversasgo em contextos so- ciais interacionais e institucionais, bem como para o estudo dos tipos de discurso usos da linguagem entre culturas. Seu modelo de gramitica textual teristicas principais: presenta tes carac- 1L insere-se no quadro te6rico gerativo; 2.utlliza em grande escala o instrumental teérico metodolégico da légica formal; 3. busca integrar a gramética do enunciado na gramd- tica do texto, sustentando, porém, que no basta es- tender a gramética da frase ("extended S-grammar”), como faziam muitos autores da época, mas que uma sgramética textual tem por tarefa principal especificer as estruturas profundas a que denomina macroes- truturas textuais, Pata ele, & a macroestrutura profunda que explicita a coeréncia do texto, sua estrutura temético-semntica global Trata-se da estrutura subjacente abstrata ou “forma logica” do texto, que define a significacZo do texto como um todo. Jé a microestrutura é a estrutura superticial do texto, consti- tulda por um n-tuplo ordenado de frases subseqiientes. Uma, gramatica textual gerativa seria, portanto, um algoritmo que gera infinitas estruturas textuais profundas. A perspectiva seméntica ‘Além de van Dijk, Pet6fi e quase todos os estudiosos que se dedicacam a construgéo de graméticas textuais ~ as quais no poderia faltar um componente semantico, repre- sentado, em geral, nas graméticas por eles propostas, pelas ‘macroestruturas profundas -, tarnbém outros estudiosos da época deram as sues pesquisas uma orientagdo seméntica, como foi o caso de Dressler 1970 (1972), Brinker (1973), Rie- ser (1973, 1978) e Viehweger (1976, 1977), entre outros. ‘Assim, sdo diversos os autores que tratam de fenémenos semvnticos, como as cadeias isot6picas, as relacbes semén- ticas entre enunciados de texto nao ligados por conectores, etc, e/ou definem o texto como seqiiéncia coerente de enun- pareie9 ciados (Isenberg, 1970), cadeia de pressuposigdes (Bellert, 1970}. Todavia, a coeréncia de que falam, embora comece & diferenciar-se da coesdo, é ainda apenas e coeréincia sinta co-seméntica. Charolles (1978), por exemlo, aptesenta qua- tro condigdes ou macrorregras de coeréncia textual, a saber: ‘Lerepeticao — para que um texto possa ser considerado coerente, ele deve contes, em seu desenvolvimento linear, elementos de recorréncia estita; 2. progressdo - para ser coerente, deve haver no texto ‘uma contribuigdo seméntica permanentemente reno- vada, pelo continuo acréscimo de novos contetidos; 3. ndo-contradigdo ~ para que um tentoseja coerente, & preciso que, no seu desenvolvimento, ndo se introdu- za nenhum elemento semantico que contradiga um contetido posto ou pressuposto par uma ocorréncia anterior, ou dedutivel dela por infer8ncia; 4.relagdo-— um texto seré coerente se todos 0s seus enun- ciados ~ e 05 fatos que denotam no mundo rele re- presentado - estiverem, de alguma forma, relaciona- dos entre si Posteriormente, Charolles (1979) prope 0 acréscimo da metarcegra de mactoestrutura, tomada de empréstimo a van Dijk. Dressler (1970, 1972), por sua vez, considera arbitrério estabelecer limites rigidos entre sintaxe e seméntica e pos- tula que a seméntica é que deve constituiro ponto de parti- da. A semantica do texto cabe explicar a representacéo da estrutura do significado de um texto ou de um segmento deste, particularmente as relagSes de sentido que vao além do significado das frases tomadas isoladamente. Em seu modelo de geragio de textes, dedica atencéo especial ao tema do texto, que, segundo ele, esté em rela- ¢20 com o significado global ~ a base T'seméntica -, me- Giante um desenvolvimento temético e uma coeséo semanti- ca, Essa base, conforme 0 autor, contém elementos do campo NOs parted nominal - papéis (roles) e personagens da ago (dramatis, persortae) ~, para cuja descrigdo recorre aos casos seménticos profundos, tal como formulados por Fillmore (1968), bem ‘como elementos do campo verbal, como modo, tempo € aspecto, retomando, para tanto, a distingo feita por Wein- righ entre “mundo comentado” e “mundo narrado” (cf Koch, 1984, 1989, 1992) ‘Também Brinker (1973), Rieser (1973, 1978) e Viehwe- ger (1976, 1977) postulavam que na superficie textual apenas poderia ser encontrada'parte do sentido de um texto, mas nunca a totalidade de suas informagdes seménticas, jé que para isto é indispensivel reportar-se & sua estrutura seman- tica de base; ou seja, que as estruturas de superficie consti- ‘tuem formas de atualizacSo derivadas de estruturas seman- ticas, profundas. Baseados nessa convicgao, esses autores afirmain qui 08 articuladores de natureza sintética funcio- nam apenas como marcas suplementares, facultativas, que atuam como facltadoras da compreensio para o interlocutor. ‘Em suas andlises recorrem ora 2 l6gica formal, ora & gramé- tica de valéncias ou & seméntica de predicados. porte Capitulo2 Avirada pragmatica Nio tardou, porém, que os lingilistas de texto sentis- sem a necessidade de ir além da abordagem sintético-se- méntica, visto ser o texto a unidade basica de comunicagéo! interagZo humana, A principio timidamente, mas logo a se- {guir com maior vigor, a adocdo da perspectiva pragmética vai-se impondo e conquistando proeminéncia nas pesqui- sas sobre 0 texto: surgem as teorias de base comunicativa, ‘nas quais ora apenas se procurava integrar sisteraticamente fatores contextuais na descricio dos textos (senberg, 197 Dresslet, 1974, Pet, 1972, 1973), ora a pragmética era to- ‘mada como ponto de partida e de chegada para tal descricdo (Motsch, 1975; Gilich & Raible, 1977; Schmidt, 1978). Des- te modo, Heinemann & Viehweger (1991), ao fazerem uma retrospectiva da Lingifstica Textual, distinguem entre mo- delos contextuais e modelos comunicativos, mencionando, centre estes tiltimos, aqueles baseados na Teoria dos Atos de Fala e os que tomam por pressuposto a Teoria da Atividade Verbal. Comum a estes modelos é a busca de conextes de- terminadas por regras, entre textos e seu contexto comuni- cativo-situacional, mas tendo sempre o texto como ponto de partida dessa representacao. Com isso, a pesquisa em Lingiistica Textual ganha uma nova dimensdo: jé nao se trata de pesquisar a lingua como pane le 13 sistema auténomo, mas sim o seu fincionamento nos pro- cessos comunicativos de uma sociedade concreta. Passam a interessar os “textos-em-fungdes” (Schmidt, 1973; Gilich & Raible, 1977). Isto é os textos deixam de ser vistos como produtos acabados, que devem ser analisados sintética ou semanticamente, passando a ser considerados elementos constitutivos de uma atividade complexa, como instrumen- tos de realizacdo de intengdes comunicativas e sociais do falante (Heinemann, 1982). Assim, na metade da década de 70, passa a ser desen- volvido um modelo de base que compreendia a lingua como uma forma especifica de comunicagao social, da atividade verbal humana, interconectada com outras atividades (nio- lingiisticas) do sez humaro. Os impulsos decisivos para esta nova orientacdo vieram da Psicologia da Linguagem cialmente de Psicologia da Atividade de origem soviética, ¢ da Filosofia da Linguagem, em particular da Filosofia da Lin- guagem Ordindria da Escola de Oxford, que desenvolveu a ‘Teoria dos Atos de Fala. Caberia, entdo, & Lingiifstica Tex- tual a tarefa de provar que os pressupostos e o instrumental metodotégico dessas teorias eram transferiveis a0 estudo dos textos e de sua producdo/recepeao, ou seja, que se po- deria atribuir também aos textos a qualidade de formas de agdo verbal, ‘Tal problemética foi tematizada por numerosos autores, entre 08 quais Wunderlich (1976), Schmidt (1973), Motsch (1983), Motsch & Pasch (1987), van Dijk (1980). ‘Wunderlich, autor que pertence também & primeira ge- ragdo de lingiistas alemaes preocupados com estudos tex- tuais, foi um dos principais responsaveis pela incorporacéo da pragmética as pesquisas sobre o texto, tendo tratado, em suas obras, de ura série de questées de ordem enunciativa, entre elas a déixs, patticularmente a déixis espacial, os atos de fala ea interagio face-a-face cle modo geral (cE, por exem- plo, Wunderlich, 1970, 1976, 1985). Foi um dos autores mais referendados na érea, em especial na década de 70. Como adepto da Teoria da Atividade Verbal, Wunderlich (1978) escreve: 14 pated O objetivo da teoria da runs das ag6es, planos de ago eestégios das. tem selacéo com tracos comuns dos sisternas de normas, o- hecimentos e valores. A andlise do conceito de atividade (0 que é atividaderacio) esté estretamente ligada & andlise do conhecimento social sobre as agBes ou atividades (0 que se considera uma agic). A teoria da atvidede é, poranto, em par- te uma disciplina de orientacio des cincias socials, em parte, também, floséfica e de metodologia da Ciencia. A relagdo com a linglistca esté em que o fuindamento pragmético da teoria da inguagem deve enlacar-se com a teora da atividede eque, porsua vez, a andlise inglistica pode contribu deal- ‘guma forma para o desenvolvimento da aividede,(p. 20) ‘Também né interior dessa perspectiva, Isenberg (1976) apresenta um método que permite descrever a geracdo, ir terpretayao e andlise de textos, desde a estrutura pré-lingtif tica da intengo comunicativa até a sua manifestagao su- perficial. Ressalta a importéncia do aspecto pragmético como determinante do sintatico e do seméntico: o plano geral do texto determina as fungOes comunicativas que nele vo apa- recer e estas, por sua vez, determinam as estruturas super ficiais, A relagéo existente entre os elementos do texto deve-se 2 intengio do falante, ao plano textual previamente estabe~ lecido, que se manifesta por meio de instrugées 20 interlo- ctor para que realize operacdes cognitivas destinadas a com- preender o texto em sua integridade, isto é, 0 seu contetido €.0 seu plano global; ou seja,o ouvinte néo se limita a“en- tender” o texto, no sentido de “captar” apenas 0 seu conteti- do referencial, mas necessite, isto sim, reconstruir os pro- pésitos comunicativos que tinha o falante ao estruturé-lo, isto 6 descobrir o “para qué” do texto, Schmidt (1978), que propde uma teoria sociologica- mente ampliada da comunicagao lingistica, define o texto ‘como todo componente verbalimente enunciado de um ato de comunicacéo pertinente a um “jogo de atuagéo comuni- cativa”, caracterizado pot uma orientagdo temética e cum- prindo uma fungao comunicative identificével, isto é reali- partet0 15 zando um potencial ilocutério determinado. £ somente na medida em que 0 locutor realiza intencionalmente uma fungo ilocutéria (sociocomunicativa) identificével por par- te dos parceiros envolvidos na comunicagdo que o conjunto de eruunciados lingiifsticos vem a constituir um processo tex- tual coerente, de funcfonamento sociocomunicativo eficaz e normalizado, conforme as regras constitutivas (uma ma- nifestacdo da textualidade), Para ele, a textualidade é 0 modo de toda e qualquer comunicacio transmitida por sinais, in- lusive os ingiisticos. Nos casos em que o texto é composto por vatios con- juntos de enunciados que tealizam potenciais ilocutérios Gistintos, de tal forma que sua associacéo hierarquica d8 ori- gem a um sistema coerente, isto é, a0 conjunto global que se aplica ¢ termo texto (cf. 0 conceito de macroato de fala, de van Difk, 1980). © autor defende a posigo de que, na medida em que cabe a uma teoria de texto abordar a produgao e recepei0, de textos que funcionam comunicativamente, ela teré de ser forcosamente pregmatica, pois, de outra forma, néo teria con- digdes de existiz. A esta teoria cabe, especificamente, a in- -vestigacdo dos meios e cas regras implicadas na producao e recepcdo ce textos-em-fungio; e 0 encaminhamento de um projeto para um modelo de comunicacdo lingiiistica, que se apresentaria como sistema coordenado de hipéteses ielati- vvas ao “jogo de atuacao comunicativa’ e suas potencialida- des estruturais (Schmit, 1973). Também filiado & teoria da atividade verbal, Schmidt (1973) afirma: 7 Alinguager .. jf ndo & considerada primariamente um sistema de signos, denotativo, mas um sistema de atividades ou de operagdes, cuja estrutura consiste em realizar, com a ajuda ce um niimero aberto de variéveis e um repertrio fe- ‘chado de regras, determinadas operagbes ordenadas, a fm de conseguir dado objetivo, que € informagio, comunicagio, estabelecimento de contato, automanifestagio, expressdo (performagao da atividade (p. 9). 16+ parted Motsch (1986) defende a hipstese de que, se os objeti- ‘vos da ago podem sex atingidos com a ajuda da enuncia- so de expresses verbais, entéo é necessario que se possam relacionar as acbes a propriedades do texto, ou seja, que elas possam ser representadas nos enunciados do texto. Para tanto, é decisivo o pressuposto de que deveria ser possivel reconstruir, a partir de e (enunciado), a intengéo int, do fa- lante. Segundo o autor, serviriam de pistas, em primeiro lu- gat, os modos verbais, mas também os verbos, advérbios e artfculas modais. Ocontexto de uso de tais indicadores depende, basica- mente, de fatores da situacéo: “Uma situagao comunicativa deverd ser tanto mais explicitamente expressa por meios ver- bais, quanto mais ambigua ela for e quanto mais controlada deva ser a reacio do interlocutor” (p. 262) Motsch & Pasch (1987} conceber, também, o texto ‘como uma seqiiéncia hierarquicamente organizada de ati- vidades realizacas pelos interlocutores. Segundo eles, os com ponentes da atividade lingiistica podem ser reunidos na férmula: Al+ int, cond, cons) em que e representa a enunciagio, int, a intenggo do enun- ciador de atingir determinado objetivo, cond. as condigées para que este seja alcancaci, e cons, as conseqiiéncias resul- tantes do atingimento do objetivo. Ou seja, a enunciagio é sempre movida por uma intengdo de atingir determinado objetivo ilocucional. Para que este seja aleancado, faz-se ne- cessério assegurar ao enunciatario as condigdes necessérias para que reconheca a intencéo e teelize o objetivo visado. aca tanto, o enunciador realiza atividades lingiifstico-cog- nitivas com o intuito de garantir a compreensao e estimu- lar, facilitar ow causar a aceitacdo. Da parte do enunciatério, preciso que ele compreenda o objetivo fundamental do enuunciador, o que depende da formulacio adequada da enun- ciagéo, para que se decida a aceitar (ou no) colaborar na realizacio de seu objetivo e mostrar a reacdo desejada poree 017. Heinemann & Viehweger (1991), em sua Introdugo & lingittca do texto, asseveram que os pressupostos gerais que regem esta perspectiva podem ser assim resumidos: 1. Usar uma lingua significa realizar ag6es. A aco ver- bal constitui uma atividade social, efetuada por indi- viduos sociais, com o fim de realizar tarefas comuni- cativas, ligadas com a troca de representacdes, metas e interesses. Ela é parte de processos mais amplos de gio, pelos quais & determinada. 2. A acdo verbal é sempre orientada para os parceitos da comunicagio, portanto é também agio social, de- terminada por regras sociais, 3. A ago verbal realiza-se na forma de produgao e re- cepgio de textos. Os textos séo, portanto, resultantes de ages verbais/complexos de agdes verbaisfestru- turasilocucionais, que esto intimamente ligadas com a estrutura proposicional dos enunciados. 4.A ago verbal consciente e fnalisticamente orientada origina-se de um planolestratégia de acéo. Para reali- zar seu objetivo, o falante utiliza-se da possibilidade de operar escolhas entre os diversos meios verbais dis- pontveis, A partir da mneta final a ser atingida,o falante estabelece objetivos parciais, bem como suas respecti- vvas acées parciais, Estabelece-se, pois, uma hierarquia entre os atos de fala de um texto, dos mais gerals aos mais particulates. Ao interlocutor cabe, no momento da compreensio, reconstruir essa hierarquia, 5. Os textos deixar de ser examinados como estrutu- ras acabadas (produtos), mas passam a ser conside- rados no processo de sua constituicdo, verbalizacio e tratamento pelos parceitos da comunicagao. Cabe registrar aqui que van Dijk, especialmente no ini- cio da década de 80, é um dos grandes responséveis pela “virada pragmétice”. Em sua obra Studies in the Pragmatics of Discourse (1981), escreve: 18+ patel co planejamento pragmétco de um discursolconversagio re quer a atualizagio mental de un conceito de ato de fala glo- bal. com respeito a esse macroato de fala que ele constroio propésito da interagéo: que X quer saber ou fazer algo. Se dissermos de maneira bastante vaga, embera familiar nas cin cias socials, que @ aco humana é finalisticamente orientada, estaremos signficando que seqiiéncias de agbes, que (..) $80 realizades sob 0 conttole efetivo de uma macrointengio ou plano, encaixado numa macrofinalidade, para um o mais aios globais, Enquanto tal macroproposigao é a representa fo das.conseqiiéncias-desejadas de uma acio (..), a ma~ crointensfo ou plano €a representacio conceitual do estedo final isto &, do resultado da mactoagéo. Sern um macropro: pésito e uma mactointencéo, serfamos incapazes de decidir qual ato de fala concreto podria propiciar um estado api tir do qual oresultado pretendido ea meta intencionads po- ~~deriam set alcangados, Na obra em tela, bem como em trabalhos posteriores, van Dijk estuda o que denomina “relagbes funcionais no iscurso”, isto é, as telagdes entre enunciados a que geral- mente se tém denominado pragméticas ou discursivo-at- gumentativas. E ele, ainda, um dos pioneiros da introdugZo de questdes de ordem cognitiva no estudo da produgao, da compreenséo e do funcionamento dos textos. autor passa a postular, ao lado da macroestrutura seméntice do texto, responsével pela sua coeréncia seman- tica, uma macroestrutura pragmstica, responsdvel pela coe- réncia pragmética, Trata-se de um maeroato de fala, a0 qual se subordinariam, hierarquicamente, todos os atos de fala realizados por subpartes ou enunciados do texto, sendo um construto fundamental para 0 seu processamento, Para ele, a compreensZo de um texto obedece a regras de interpreta~ gio pragmética, de modo que a coeréncia nao se estabelece sem se levar em conta a interagéo, bem como as crengas, os esejos, as preferéncias, as normas e os valores dos interlo- cutores. Com todos esses desenvolvimentos, o conceito de coe- réncia passa a incorporar, a0 lado dos fatores sintético-se- pare +19 ménticos, uma série de fatores de ordem pragmética e con- textual, Eesse o momento em que Charolles (1983) opera uma guinada importante no seu conceito de coeréncia textual, pascando a consideré-la um “principio de interpretabilidade do discurso", 0 que o leva a postular que nao exister seqiién- cias de enunciados incoerentes em si, visto que, numa inte- ago, é sempre possivel construir um contexto em que uma seqiiéncia aparentemente incoerente passe a fazer sentido. Prepara-se, assim, o momento seguinte, em que es obras de Beaugrande & Dressler e de van Dijk véo desempenhar papel de vital importancia. 20 parte Capitulo3 A virada cogniti Na década de 80, delineia-se uma nova orientagdo nos estudos do texto, a partir da tomada de consciéncia de que todo fazer (aco) é necessariamente acompanhado de pro- cessos de ordem cognitiva, de que quem age precisa dispor de modelos mentais de operagées e tipos de operasdes. Com a ténica nas operagdes de ordem cognitiva, o texto passa a ser considerado resultado de processos mentais: é a abor- dagem procedural, segundo a qual os parceiros da comuni- cago possuer saberes acurmulados quanto aos diversos ti- [pos de atividades da vida social, tm conhecimentos repre- sentados na meméria que necessitarn ser ativados para que sua atividade seja coroada de sucesso. Assim, eles jé trazem ara a situagéo comunicativa determinadas expectativas e ativam dados conhecimentos e experiéncias quando da mo- tivagao e do estabelecimento de metas, em todas as fases reparatérias da construgdo textual, nao apenas na tent va de traduzir seu projeto em signos verbais (comparando entre si diversas possibilidades de concretizacio dos objeti- vos e selecionando aquelas que, na sua opinido, sfo as mais, adequadas), mas certamente também por ocasiao da dade da compreensio de textos. Desse ponto de vista, conforme Beaugrande & Dressler (1981) ~ cuja obra, como jé enfatizamos, constitui um dos parte #21 atcos iniciais desse perfodo ~, 0 texto 6 originado por uma multiplicidade de operagées cognitivas interligadas, “am documento de procediimentos de decislo, selecio e combi nagio” (p. 37), de modo que caberia & Tingiifstica Texteal desenvolver modelos procedureis de descri¢do textual, ca- pazes de dar conta dos processos cognitivos que permitern a integragio dos diversos sistemas de conhecimento dos parceiros da comunicacio, na descrigdo e na descoberta de procedimentos para sua atualizacio e tratamento no qua- dro das motivagies e estratégias da producdo e compreen- so de textos, Heinemann & Viehweger (1991) postulam que, para 0 processamento textual, concorrem quatro grandes sistemas de conhecimento: 0 lingiistico, o enciclopédico, o intera~ ional eo referente a modelos textuais globais. © conhecimento linglifstico compreende os conheci- ‘mentos gramatica e lexical, sendo, assim, o responsavel pela articulagéo som-sentido, E ele que responde, por exemplo, pela organizacéo do material lingiistico na supertice textual, pelo uso dos meios coesivos que a lingua nos pée & disposi- fo para efetuar a remissdo ou a seqiienciacdo textual, pela selegao lexical adequada ao tema e/ou aos modelos cogniti- vos ativados. © conhecimento enciclopédico, semantico ou conhe- cimento de mundo é aquele que se encontra armazenado na meméria de cada individu, quer se trate de conheci- mento do tipo declarativo, constituido por proposi¢des @ respeito dos fatos do mundo (“© Brasil é uma repiiblica fe- derativa; a gua é incolor, insfpida e inodora”), quer do tipo episédico, constituido por “modelos cognitivos” sociocultu- salmente determinados e adquiridos através da experiénci Adimite-se, portanto, a existéncia de modelos cogni vos, que sio originérios ora da Inteligéncia Artifical, ora da Psicologia da Cognicio e recebern, na literatura, denomina- Bes diversas, como frames (Minsky, 1975), scripts (Schank & Abelson, 197), cenérios (Sanford & Gard, 1985), esquemas (Rumelhart, 1980), modelos mentais Gohnson-Laird, 1983), 22+ pared modelos episédicos ou de situagio (van Dijk, 1988, 1989) etc. caracterizados como estruturas complexas de conhecimen- tos, que representam as experiéncias que vivenciamos em. sociedade e que servem de base aos processos conceituais. Sio freqiientemente representados em forma de redes, nas, quais as unidades conceituais so concebidas como vari veis ou slots, que denotam caracteristicas estereotipicas que, durante os processos de compreensio, sao preenchi- das com valores concretos (filler). Desta forma, os modelos constituer conjuntos de co- rhecimentos socioculturalmente determinados e vivencial- mente adquiridos, que contém tanto conhecimentos sobre cenas, situagdes @ eventos, como conhecimentos procedu- sais sobre como-dgir em situagdes particulares e realizar ati- vidades.espetificas. Sao, inicialmente, particulares (4 que resultar das experiéncias do dia-a-dia), determinados e5- pacio-temporalmente e, por isso, estocados na meméria epi- s6dica, Ap6s uma série de experigneias do mesmo tipo, tals, modelos vao-se tornando generalizados, com abstragdo das, circunstancias particulares espectticas (van Dijk, 1989) e, quando similares aos dos demais membtos de un grupo, pas- sam a fazer parte da memétia enciclopédica ou seméntica Assim, segundo van Dijk por ocasiao do processamen- to da informago, selecionam-se os modelos com a ajuda dos quais 0 atual estado de coisas pode ser interpretado. As unidades néo explicitas no texto sao inferidas do respective modelo, Na falta de informacéo explicita em contrétio, ut liza-se como preenchedor (llr) a informacio estereotipica (standard), com base em tais modelos, por exemplo, que se le- vantam hipéteses, a partir de uma manchete ou titulo; que se criam expectativas sobre o(s) campo(s) lexical(es) a ser(em) explorado(s) no texto; que se produzem as inferéncias que permitem suprir as lacunas ou incompletudes encontrades na superficie textual O conhecimento sociointeracional, por seu turno, 6 0 conhecimento sobre as agdes verbais, isto é, scbre as for- pare +28 mas de interagio através da linguagem. Engloba os conhe- cimentos do tipo ilocucional, comunicacional, metacorm- nicativo e superestratural Bo conhecimento ilocucional que permite reconhecer 08 objetivos ou propésitos que um falante, em dada situa- sfo de interecio, pretence atingir. Trata-se de conhecimentos sobre tipos de objetivos (ou tipos de aos de fala), que costumarn ser verbalizades por meio de enunciagées caracteristicas, embora seja também freqiiente a sua realizacéo por viasin- dliretas, 0 que exige dos interlocutores o conhecimento ne- cessério para a captagéo do objetivo ilocucional. © conhecimento comunicacional é aquele que diz r: peito, por exemplo, a normas comunicativas gerais, como as méximas descritas por Grice (1975); A quantidade de in- formacdo necesséria numa situacio conereta para que 0 ppatceiro seja capaz de reconstruir 0 objetivo do produtordo texto; & selegdo da variante linglistica adequada a cada situa- ‘20 de interacio e & adequagio dos tipos de texto as situacées ‘comunicativas CO conhecimento metacomunicativo permite 26 produ- tor do texto evitar perturbagSes previsiveis na comunicacéo ‘ou sanar (on-line ou a posterior?) conilitos efetivamente ocor- ridos por meio da introducao no texto de sinais de articula- ‘0 ou apoios textuais, e pela realizacdo de atividades espe- cificas de formulacio textual, com pardfrases, repetigées, corresbes, glosas etc. Trata-se do conthecimento sobre 05 vé ros tipos de agdes lingiisticas que, de certa forma, permi- tem ao locutor assegurar a compreensio do texto e conse- guira aceitacdo, pelo parceiro, dos objetives com que é pro- duzido, monitorando com elas 0 fluxo verbal (cf. Motsch & Pasch, 1987). O conhecimento sobre estruturas ou modelos texts globais ¢ aquele que permite aos falantes reconhecer texios como exemplares de determinado género ou tipo. Envolve, também, conhecimentos sobre as macrocategorias ou uni- dades globais que distinguem os vazios tipos de textos, so- bre a sua ordenagao ou seqitenciagéo (superestruturas tex- 26+ patel tuais), bem como sobre a conexdo entre objetivos, bases tex- tuais e estruturas textuais globais. Segundo Heinemann & Viehweger (1991), seriam ainda precérias, na época da pu- blicagdo de sua obre, as respostas a questio de saber quais, comhecimentos especiticos estariam af inclufdos. Contudo, parece possivel aponter algumas aproximagées, por exem- plo, com os modelos cognitivos contextuais, de van Dijk (1994/1997), 08 “tipos de atividades", sugeridos por Levin- son (1979) ¢ outros, que, evidentemente, vaciam conforme a perspectiva dos diversos estudiosos. Parece-me, contudo, que a aproximagdo mais produtiva poderia ser feita com a nogio de género, que hoje volta a ocupar posicio central nos estudos sobre texto/discurso, Heinemann & Viehweger (1991) salientam, como vi- mos, que a cada urn desses sistemas de conhecimento cor- responde um conhecimento especifico sobre como colocé-lo em prética, ou seja, um conhecimento de tipo procedural, {sto é, dos procedimentos ou rotinas por meio dos quais es- ses sisternas de conhecimento sao ativados quando do pro- cessamento textual, Este conhecimento funcionaria como uma espécie de “sistema de controle” dos demais sistemas, no sentido de adapté-los ou adequé-los as necessidades dos {nterlocutores no momento da interagio. ‘Tal conhecimento engloba, entre outros, o saber sobre as praticas peculiares a0 meio sociocultural em que vivern 0s interactantes, bem como 0 dominio das estratégias de interacio, como preservagao das faces, representacao posi- tiva do self, polidez, negociasao, atribuigao de causas a mal- entendidos ou fracassos na comunicaggo, entre outras, Con- cretiza-se através de estratégias de processamento textual. O processamento textual é, portanto, estratégico. As es- tratégias de processamento textual implicam a mobilizacéo online dos diversos sistemas de conhecimento. Para efeito de exposicdo, tais estratégias podem ser divididas em cog- nitivas, sociointeracionais e textualizadoras. ‘Van Dijk & Kintsch (1983) defendem que 0 processa- ‘mento cognitivo de um texto consiste de diferentes estraté- parts] 25 gias processus, entendendo-se estratégia como “uma ins- trugio global para cada escolha a ser feita no curso da ago” (p.65). Tais estratégias consistem em hipéteses operacionals eficazes sobre a estrutura e 0 significado de um fragmento de texto ou de um texto inteiro. Falar em processamento es- tratégico significa dizer que os usustios da lingua realizar simultaneamente em varios niveis pasos interpretativos fnalisticamente orientados, efetivos, eficientes, flexives, ten- tativos e extremamente répidos; fazem pequenos cortes no material entrante (incoming), podendo utilizar somente in- formacio ainda incompleta para chegar a uma (hipétese de) interpretacdo. Em outras palavras, a informacio é proces- sada on-line ‘Assim, o processamento estratégico depende ndo sé de caracteristicas textuais, como também de caracteristicas dos usudrios da lingua, tals como seus objetivos, conviegées e conhecimento de mundo, quer se trate de conhecimento de tipo episédico, quer do conhecimento mais geral ¢ abs- trato, representado na meméria seméntica ou enciclopédi- ca, Isto é, as estratégias cognitivas slo estratégias de uso do conhecimento. Eo que Dascal (1982) denomina Psicoprag- matica, E esse uso, em cada situagao, depende dos objeti- vvos do usuario, da quantidade de conhecimento disponivel 2 partir do texto e do contexto, bem como de suas crengas, opinises e atitudes, o que permite, no momento da com- preensio, reconstruir ndo somente o sentido intencionado pelo produtor do texto, mas também outros sentidos, néo previstos ou mesmo no desejados pelo produtor. Van Dijk & Kintsch (1983) citam, como principais estratégias de pro- cessamento cognitivo, as estratégias proposicionais, as de coeréncia local, as macroestratégias e as estratégias esque- maéticas ou superestruturais, além das estlfstices, retérias, no-verbais e conversacionais. Pode-se dizer que as estratégias cognitivas, em sentido restrito, so aquelas que consistem na execugao de algum * céleulo mental” por parte dos interlocutores. Exemplo pro- totipico so as inferéncias, que, como jé foi dito, permitem 26 pare gerar informacdo seméntica nova, a partir daquela dada, em certo contexto. Sendo a informacio dos diversos niveis apenas em parte explicitada no texto, ficando a maior parte implicita, as inferéncias constituem estratégias cognitivas por meio das quais 0 ouvinte ou leitor, partindo da infor- magfo veiculada pelo texto e levando em conta 0 contexto (em sentido amplo), constr6i novas representacdes mentais e/ou estabelece uma ponte entre segmentos textuais, ou entre informagao explicite e informagao nao explicitada no texto, Afirmam Beaugrande & Dressler (1981) que a infe- renciagéo ocorre a cada vez que se mobilizs conhecimento préprio para construir um mundo textual. ‘Todo e qualquer processo de compreensio pressupée atividades do ouvintefleitor, de modo que se caracteriza como tum proceso ativo e continuo de consirucio ~ e nao apenas de reconstrudo -, no qual as unidades de sentido ativadas, a partir do texto, se conectam a elementos suplementares de conhecimento extrafdos de um modelo global também ativado em sua meméria. Por ocasifo da produzo, 0 locutor jf prevé essas inferéncias, na medida em que deixa implici- tas certas partes do texto, pressupondo que tais lacunas ve~ nham a ser preenchidas sem dificuldades pelo interlocutor com base em seus conhecimentos prévios. Por esta razo, dependendo desses conhecimentos ¢ do context, diferen- tes interlocutores poderdo constnuirinterpretagdes diferentes do mesmo texto. Os textos s6 se tornam coerentes para 0 leitor/ouvinte por meio de inferenciacéo. Estratégias interacionais sfo estratégias sociocultural- mente determinadas que visam a estabelecer, manter e le- var a bom termo urna interagdo verbal, Entre elas, podem se mencionar, além daquelas relacionadas & realizagio dos diversos tipos de atos de fala, as estratégias de preservacéo das faces (facework) elou de representagao positive do self que envolvern o uso das formas de atenuagio, bem como as estratégias de polider, de negociacao, de atribuigéo de cau- sas aos mal-entendidos, entre outras. panel 27 A estratégia de preservagio das faces manifesta-se lin- giisticamente através de atos preparatérios, eufernismos, rodeios, mudangas de tépico e dos marcadores de etenua- ado em geral.O grau de polider€ socalmente detenminado em geral com base nos papéis sociais desempenhados pe- los participants, na necessidade de resguardar a propria face ou a do parceito, ou, ainda, condicionado por normas culturais Como se sabe, conflitos, mal-entendidos, situagdes que desencadeiam incompreensio miitua sao inevitéveis no in- tercdmbio lingistico. Para restabelecer o consenso (commo- nality), toma-se preciso, ento, que as dificuldades sejam devidamente identificadas e atribufdas a possiveis causas, subjacentes ao conflito. Como conseqiiéncia da atribuigo (adequada ou inadequada) de causas as dificuldades, os acor- os subjacentes necessitam set, muitas vezes, modificados, ‘ou ento novos acortios devem ser estabelecidos para pre- venir futuros problemas do mesmo tipo. Além disso, toda in- teragio envolve a negociacéo de uma definigao da propria situagdo ¢ das normas que a governam. Na verdade, todos, (0s aspectos da situacdo relativos aos participantes estio s jeltos & negociagao, Pode-se, assim, falar de uma construgéo social da realidade, jé que, sendo a realidade social e cons- titufda no proceso continuo de interpretacdo e interagao, cs seus varios aspectos podem ser considerados e (re)nego- ciados de forma expicita ou implicit. : As estratégias interacionais visam, pois, a levai'a-bom termo um "jogo de linguagem’”. As estratégias textuais, por seu tumno ~ que obviamente nao deixam de ser também in- teracionais e cognitivas em sentido lato ~, dizem respeito as escolhas textuais que os interlocutores realizam, desemnpe- nhando diferentes fungSes e tendo em vista a produgio de determinados sentidos. Delas falaremos em outro capitulo. Com a virada cognitiva, a Lingtistica Textual entra em ‘uma nova fase, que vai levar a uma nova concepgéo de tex- to, © que possibilitaré importantes desenvolvimentos pos- teriores. 28+ pare! A obra de Beaugrande & Dressler (1981), como ja en fatizamos, constitul também um dos marcos dessa mudan- ga de rumo. Nela, os autores procuram conceituar 0 que seja extualidade, definida, ento, como "o que faz com que um fexto seja um texto”, com base no exame do que deno- minim critérios de textualidade, O préximo capitulo serd de- dicaco ao exame de cada um desses critécios ou principies, ‘como prefere chama-los Beaugrancie em trabalhos mais re~ centes (cf, por exemplo, Beaugrande, 1997), acrescides de outros que vém sendo postulados pelos estudiosos da drea e que preferimos denominar principios de consirugdo textual do sentido, A perspectiva sociocognitive-interacionista Néo tardou que a separagao entre exterioridade e inte- toridade presente nas ciéncias cognitivas cléssicas se visse questionada, principalmente pela separacdo que opera en- fendmenos mentais e socias. As cigncias cognitivas cléssicas vém trabathando com ‘uma diferenca bem nitida e estangue entre os processos, ccognitivos que acontecem dentro da mente dos individuos @ 05 processos que acontecem fora dela. Para 0 cognitivis- no interessa explicar como os conhecimentos que um indi viduo possui estdo estruturados em sua mente e como eles so acionados para resolver problemas postos pelo ambien- te, Oambiente seria, assim, apenas um meio a ser analisado e representado internamente, ou seja, uma fonte de infor- -magées para a mente individual, Desta maneira, a cultura e a vida social seriam parte des- te ambiente e exigiriam a representacio, na meméta, de co- nhecimentos especificamente culturais. Entender a relagio entre cognigao e cultura seria, portanto, entender que ¢o- nhecimentos os individuos devem ter para agir adequada- mente dentro da sua cultura. Segundo essa visio, a cultura € um conjunto de dados a serem apreendidos, um conjunto de nogées e procedimentos a serem armazenados indivi- patei-29 dualmente. # facil ver que, partindo desse ponto de vista, a cultura é subsidiéria e dependente do conjunto de mentes que a compdem, ou seje, um fendmeno em geral passivo, sobre o qual as mentes atuam. “Acconcepgio de mente desvinculada do corpo, caracte- sistica do cognitivismo cléssico, que predominou por muito tempo nas ciéncias cognitivas e, por decorréncia, na lin- glistica, comeca a cair como um todo quando varias érees das ciéncias, como a neurobiologia, a antropologia e tam- bbém a propria lingiistca dedicam-se a investigar com mais vigor esta relacio e constatam que muitos dos nossos pro- .ces50s cognitivos tém por base mesma a percepgio e capa cidade de atuacZo fisica no mundo. Uma visdo que incor- pore aspectos sociais, culturais e interacionais & compreenso do processamento cognitivo baseia-se no fato de que exis- tem muitos processos cognitivos que acontecem na socie- dade e no exclusivamente nos individuos. Essa visio, efe- tivamente, tem se mostrado necessérie para explicar tanto fendmenos cognitivos quanto culturais, Mente e corpo nfo sfo duas entidades estanques, Mui~ tos autores vém defendendo a posigdo de que a mente é um fendmeno essencialmente corporificado (embodied), que 08 aspectos motores e perceptuais e as formas de raciocinio abstrato séo todos de natureza semelhante ¢ profunda- mente inter-relacionados. Para autores como Varela, Thomp~ son e Rosch (1992), nossa cognigdo € o resultado das nos- sas agdes e das nossas capacidacies sensério-motoras. Estes autores enfatizam a enagéo, ou sea, emergéncia e desen- volvimento dos conceitos nas atividades nas quais 0s orga~ riismos se engajam, como a forma pela qual eles fazem sen- tido do mundo que 0s rodeia. Portanto, tais operagdes nao se dio apenas na cabega dos individuos, mas sfo 0 resultado da interagio de varias ‘agBes conjuntas por eles praticadas. As rotinas computacio- nais que acontecem socialmente sdo muito comuns e en- vvolvern virias tarefas digrids (pensemos, por exemplo, na ne- lade de computar conjuntamente quando se trata de 20+ parte! tarefas como preparar Gom alguém uma receita culinéria, ‘ou o que acontece num restaurante para que 0 prato possa chegar & mesa dos fregueses). Essas tarefas constituem ro- tinas desenvolvidas culturalmente e organizam as atividades mentais internas dos individuos, que adotam estratégias para dar conta das tarefes de acordo com as demandas 50- cialmente impostas (cf. Koch & Lima, 2004, no prelo). Isto quer dizer que muito da cogni¢éo acontece fora das mentes e no somente dentto delas: a cognicio & um fenémeno situado, Oi 8a, nfo € simples tragar 0 ponto exa- to em que a cognicao esté dentro ou fora das mentes, pois 0 que existe a é uma inter-relagdo complexa, Voltar-se exch sivamente para dentro da mente & procura da explicagao para os comportamentos inteligentes e para as estrat ‘de construgio do conhecimento pocie levara sérios equivoces. Desta forma, na base da atividade linggistica estd a in- teracdo e 0 compartilhar de conhecimentos e de atengfo: 08 eventos lingiisticos nao so @ reunifo de varios atos indivi- duais e independentes, Sao, ao contrério, uma atividede que se faz.com os outros, conjuntamente, No dizer de Clark (1996), a lingua é um tipo de aco conjunta. Sfo, pois, agdes conjuntas aquelas que envolvem a coor- denacio de mais de um ifdividuo pare sua tealizagdo, por exemplo, dois pianistas executando um dueto ao piano, um casal dangando, duas pessoas remando uma canoa. Ainda outros exemplos so criancas brincando de roda, miisicos de um conjunto tocando juntos. Uma ago conjunta se di- ferencia de acGes individuais nao meramente pelo néimero de pessoas envalvidas, mas pela qualidade da ago, pois rela a presenca de vérios individuos e a coordenaséo entre eles 6 essencial para que # acio se desenvolva, Dentro. desta perspective, as agGes verbais so acées conjuntas, j& que usar a linguagem é sempre engajar-se em alguma aco em que ela é0 proprio lugar onde a aco acon- tece, necessariamente em coordenagao com 0s outros. Esses ages néo sao simples realizagSes auténomas de sujeitos i- vies e iguais. Séo acdes que se desenrolam em contextos panteT©31 socizis, com finalidades sociais e com papéis dstribufdos so- cialmente. Os rituais, os géneros eas formas verbais dispont- veis ndo sdo em nada neutros quanto a este contexto social ehistérico (cf. Koch & Lima, 2004, no prelo) "As abordagens interacionistas consideram a linguagem uma ago compartilhada que percorre um duplo percurso na relagio sujetofrealidade e exerce dupla fungdo em relago 20 desenvolvimento cognitivo: intercognitivo (sujeitolmun- do) e intracognitivo (Linguagem e outcos processos cogniti- ‘vos). Cognicéo, aqui, define-se como um conjunto de varias formas de conhecimento, néo totalizado por linguagern, mas de sua responsabilidade: os processos cognitivos, de- pendentes, como linguagem, da significagio, nao so toma- dos como comportamentos previsiveis ou aprioristicamente concebidos, & margem das rotinas signiticativas da vide em. sociedade. O tipo de relagdo que se estabelece entre lin- guagem © cognigéo é estreto, interno, de miitua constituti- vidade, na medida em que supSe que nao hé possibilidades integrais de pensamento ou dominios cognitivos fora da linguagem, nem possibilidades de linguagem fora de pro- cess0s interativos humanes. A linguagem & tida como o prin- cipal mediador da interacdo entre as referéncias do mundo biolégico e as referéncias do mundo sociocultural (cf. Mo- rato, 2001), Dentro desta concepgio, amplia-se, mais uma vez, a nogdo de contexto, io cara & Lingiistica Textual. Se, inicial- mente, quando das anilises transfrésticas, 0 contexto-era, visto apenas como co-texto (segmentos textuais preceden- tes e subseqiientes ao fendmeno em estudo), tendo, quando da introdugao da pragmétice, pasado a.abranger primeira mente a situagao cormunicativa e, posteriormente, 0 entor- no s6cio-hist6rico-cultural, representado na meméria por meio de modelos cognitivos, ele passa a constituir agora a propria interacio e seus sujeitos: 0 contexto constréi-se, em ‘grande parte, na propria interagzo. Portanto, na concepgfo interacional (dial6gica) da lin gua, na qual os sujeitos sao vistos como atores/construtores 92+ parte sociais, 0 texto passa a ser considerado o préprio lugar da interago eos interlocutotes, sujeitos ativos que — dialogi- camente ~ nele se constroem e por ele s4o construidos. A. produgio de linguagem constitui atividade interativa alta- mente complexa de produgio de sentidos, que se realiza, evidentemente, com base fos elementos linglisticos pre- sentes na superficie textual e na sua forma de oxganizacio, mas que requer néo apenas a mobilizacgo de um vasto con junto de saberes (enciclopédia), mas a sua reconstrugdo ~e a dos préprios sujeitos ~no momento da interacao verbal. Em conseqiiéncia do grande interesse pela dimenséo sociointeracional da linguagem e processos afeitos a ela, surge (ou ressurge) uma série de questées pertinentes para a “agenda de estudos da linguagem”, entre as quais as di- versas formas de progresséo textual (referenciacdo, progres- sio referencial, formas de articulacdo textual, progressao temitia, progressio t6pica), a déixis textual, o processame to sociocognitivo do texto, os géneros, inclusive da midia eletrénica, questdes ligadas ao hipertexto, a intertextuali- dade, entre vérias outras. Serio estes, portanto, os temas dos préximos capitulos. parte] 33

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