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Faculdade de Direito
Belo Horizonte
2010
Universidade Federal de Minas Gerais
Faculdade de Direito
Belo Horizonte
2010
O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira
1
CHALHOUB, S.; PEREIRA, L. A. M. “Apresentação”, p. 7.
O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO p. 01.
LOURENÇO TRIGO DE LOUREIRO p. 03.
1. Trigo de Loureiro e a obra de Mello Freire p. 03.
2. Pressupostos básicos p. 04.
2.1. O Direito Natural p. 05.
2.2. A capacidade civil p. 07.
3. Os escravos enquanto pessoas p. 07.
4. O Direito Romano p. 09.
5. Os cidadãos brasileiros p. 10.
6. O escravo ante o Direito Civil p. 10.
7. Os escravos e as coisas p. 12.
8. Conclusões p. 14.
ANTONIO JOAQUIM RIBAS p. 16.
1. A produção bibliográfica de Ribas p. 16.
2. Escravo-pessoa p. 17.
2.1. Direito Natural e Direito Positivo p. 17.
2.2. Capacidade p. 18.
2.3. Domínio e poder p. 20.
3. Escravo-coisa? p. 20.
4. A Lei do Ventre Livre p. 22.
5. Conclusões p. 23.
AGOSTINHO MARQUES PERDIGÃO MALHEIRO p. 24.
1. A relevância jurídica e política da obra de Malheiro p. 24.
2. O escravo ante o Direito Civil p. 26.
3. A reaquisição da liberdade p. 29.
4. Conclusões p. 31.
CANDIDO MENDES DE ALMEIDA p. 33.
1. A importância da obra do autor na difusão do Direito Civil p. 33.
2. Considerações preliminares p. 34.
3. Os serviços do escravo p. 35.
4. A religião e a liberdade como ato de graça p. 38.
5. Conclusões p. 39.
CONSIDERAÇÕES FINAIS p. 40.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS p. 45.
1. Fontes primárias p. 45.
2. Fontes secundárias p. 47.
O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira
INTRODUÇÃO
2
Entre outras, THOMPSON, E. P. Senhores e caçadores.
3
Por exemplo, GENOVESE, E. D. A terra prometida.
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O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira
Ora, não parece tão óbvio que a condição jurídica dos escravos no Brasil
oitocentista fosse de coisa, ou seja, de meros objetos nas relações sociais e,
especificamente, nas relações jurídicas. O intenso debate historiográfico sobre a
questão aponta que o estatuto jurídico dos escravos no ordenamento jurídico
brasileiro do século XIX era bem mais complexo do que a simples redução conceitual
6
dos cativos à categoria de coisa. Assim, um estudo aprofundado e sistemático sobre o
estatuto jurídico dos escravos no século XIX torna-se de central importância, pois
representaria uma considerável contribuição às novas pesquisas que procuram fazer
um contraponto à “teoria do escravo-coisa”.
A bibliografia historiográfica e jurídica é nebulosa a respeito do estatuto
jurídico ocupado pelos negros. Há correntes que buscam provar que os escravos eram
coisa, enquanto outras afirmam que eram pessoa. Contudo, não houve qualquer
esforço sistemático de investigar o tema nos limites disciplinares da História do
Direito. Desse modo, a presente pesquisa busca preencher uma lacuna, contribuindo,
assim, para um melhor entendimento sobre a ordem jurídica imperial.
O presente trabalho, ao se basear em consultas a fontes primárias do período,
busca se desvencilhar do modo como é feita tradicionalmente a História do Direito no
Brasil. Mais do que elencar leis e juristas importantes sem maior cuidado com as
fontes consultadas, procura-se compreender o fenômeno jurídico enquanto reflexo das
relações sociais de uma época.
A presente pesquisa visa, portanto, contribuir para os estudos da escravidão,
por meio da análise da obra de civilistas brasileiros de grande destaque no século XIX.
Assim, investigo se os jurisconsultos do Brasil Império consideravam os negros cativos
como coisa, pessoa, ambos ou, ainda, se eram silentes a esse respeito. Optei por
analisar somente a doutrina jurídica, deixando de lado, por ora, a legislação e a
jurisprudência.
4
Aqui, o autor inseriu uma nota de rodapé, na qual fez referência à obra A escravidão no Brasil,
do jurista Agostinho Marques Perdigão MALHEIRO.
5
CARDOSO, F. H. Capitalismo e escravidão no Brasil meridional, p. 161.
6
Ver CHALHOUB, S. Visões da liberdade; LARA, S. H. Campos da violência e PAIVA, E. F.
Escravidão e universo cultural na colônia.
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O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira
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Os títulos das obras analisadas neste trabalho, bem como as citações delas extraídas, tiveram
sua ortografia adaptada às normas vigentes.
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Os cursos jurídicos criados em Olinda e São Paulo foram inicialmente regidos pelos Estatutos
do Visconde da Cachoeira, os quais determinavam que as aulas deveriam ser ministradas com o
auxílio de compêndios. Assim, grande parte das aulas eram dedicadas à leitura e à explicação
do compêndio adotado. Sobre a previsão do uso de compêndios nas academias jurídicas do
Império, ver ROBERTO, G. B. S. O direito civil nas academias jurídicas do império, pp. 69-71,
166.
9
ROBERTO, G. B. S. O direito civil nas academias jurídicas do império, pp. 167-168.
10
LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo I.
11
ROBERTO, G. B. S. O direito civil nas academias jurídicas do império, p. 168.
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O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira
2. PRESSUPOSTOS BÁSICOS
12
LOUREIRO, L. T. de. Instituições de direito civil brasileiro. 2ª ed. Tomo I.
13
LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 3ª ed. Tomo I.
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O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira
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ALBUQUERQUE, P. A. M. Elementos de direito natural privado, pp. 2-3, 5-6, 9-10, 19-20, 24.
15
ALBUQUERQUE, P. A. M. Elementos de direito natural privado, pp. 18-19, 27-28, 45-47.
16
ALBUQUERQUE, P. A. M. Elementos de direito natural privado, p. 27.
17
ALBUQUERQUE, P. A. M. Elementos de direito natural privado, pp. 28-30.
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O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira
É esta uma verdade jurídica [é condição da ocupação que o objeto seja coisa,
e não pessoa], que, por sua evidência imediata, parece que se não devera
referir em um compêndio da ciência filosófica do direito; mas que entre
nações cultas foi questionada e combatida. Mas qual será a tese jurídica, que
se tenha conservado incólume de impugnação? Qual a injustiça, que se não
possa defender com razões de utilidade, ou por motivos políticos? Assim deve
acontecer, sempre que o direito for pesado na balança da utilidade ou da
política. Mas, atendendo-se unicamente ao direito, não pode o homem, sendo
pessoa, ser objeto de aquisição para outro homem, nem ser nivelado com as
19
coisas, destinadas naturalmente aos nossos usos.
18
ALBUQUERQUE, P. A. M. Elementos de direito natural privado, p. 30.
19
ALBUQUERQUE, P. A. M. Elementos de direito natural privado, p. 42.
20
ALBUQUERQUE, P. A. M. Elementos de direito natural privado, p. 124.
21
LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 3ª ed. Tomo I, p. 10.
22
LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo I, p. 13; 2ª ed. Tomo I,
pp. 17-18; 3ª ed. Tomo I, p. 47.
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O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira
Para LOUREIRO, possui capacidade civil plena (aptidão para exercer direitos e
obrigações civis) aquele que goza de todas as qualidades pessoais do homem livre e
23
cidadão. Nesse sentido, o autor mencionou, ao longo de sua obra, três situações
diversas nas quais podem se encontrar as pessoas. Primeiramente, há os possuidores
da capacidade civil plena, ou seja, os homens livres e cidadãos. Também existem
aqueles que não são dotados de capacidade civil plena, mas possuem a expectativa de
adquiri-la. Destes, são exemplos os menores. A terceira categoria é composta por
aqueles que não possuem capacidade civil plena e tampouco têm qualquer expectativa
de vir a adquiri-la. São estes os escravos. Ao longo da análise, referir-me-ei a essas
categorias como, respectivamente, capazes, incapazes e não capazes.
Tem-se, já nestes pressupostos, uma primeira caracterização da condição
jurídica do escravo: era pessoa, portador de direitos naturais e sem qualquer
expectativa de aquisição da capacidade civil. As minúcias desta condição peculiar são
consideradas adiante.
23
LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 3ª ed. Tomo I, p. 14.
24
LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 3ª ed. Tomo I, pp. 29-30.
25
LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 2ª ed. Tomo I, p. 2; 3ª ed. Tomo I, p.
30.
26
MELLO FREIRE afirmou que o Direito Português não fazia qualquer diferenciação entre os
vocábulos pessoa e homem. MELLO FREIRE, P. J. “Livro II – Do direito das pessoas”. v. 163, p.
10. LOUREIRO, ao longo de toda sua obra, usou ambas as palavras indiscriminadamente.
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O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira
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toda faculdade ou poder jurídico que nascem da qualidade de homem , conceituação
28
extraída da obra de MELLO FREIRE.
Nesse sentido, existe nítida diferenciação entre personalidade e estado, pois
um homem, na sociedade civil, poderia ser considerado de acordo com os diversos
29
estados que possui. Os três principais estados do homem são: liberdade, cidade e
30
família.
Assim, conquanto LOUREIRO tenha afirmado, na segunda e na terceira edições,
que todo homem é capaz de direitos e, portanto, que todo homem pode ser
considerado pessoa, a distinção entre estados criava uma desigualdade fundamental
entre os homens: na sociedade civil, os direitos dos homens variavam de acordo com
a posição e o estado que ocupavam, uma vez que o estado civil era diferente do
31
estado natural. Neste, os homens seriam iguais em direitos, enquanto naquele, não.
Logo, a personalidade se divide conforme os estados, em personalidade civil e
personalidade natural.
A escravidão consiste na ausência dos estados de liberdade, cidade e
32
família. Na primeira edição, baseando-se em MELLO FREIRE, LOUREIRO afirmou que o
estado do homem é natural ou civil, sendo este dividido em estado de liberdade,
33
cidade e família. A mudança de estados civis sob a comum personalidade natural é
exemplificada abaixo:
27
LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo I, p. 2.
28
MELLO FREIRE, P. J. “Livro II – Do direito das pessoas”. v. 163, p. 10.
29
LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 3ª ed. Tomo I, pp. 30-31.
30
MELLO FREIRE, P. J. “Livro II – Do direito das pessoas”. v. 163, p. 10. LOUREIRO, L. T.
Instituições de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo I, p. 2; 3ª ed. Tomo I, p. 31.
31
LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 2ª ed. Tomo I, pp. 2-3; 3ª ed. Tomo I,
pp. 31-32.
32
Nesse sentido, a mudança de estado de uma pessoa pode acarretar a perda de certos
direitos. LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo I, p. 103. MELLO
FREIRE, P. J. “Livro II – Do direito das pessoas”. v. 164, pp. 124-125.
33
MELLO FREIRE, P. J. “Livro II – Do direito das pessoas”. v. 164, p. 139. LOUREIRO, L. T.
Instituições de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo I, p. 110.
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O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira
irrita-se, ou perde toda sua força; porquanto cai no caso em que não podia
34
começar (…).
4. O DIREITO ROMANO
Por direito romano os escravos não eram pessoas, mas coisas; porquanto
não eram capazes de direitos, e eram equiparados aos animais domésticos…
38
As nossas leis porém suavizaram muito a sua condição.
34
LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo I, p. 180; 2ª ed. Tomo I,
p. 244; 3ª ed. Tomo II, p. 26. MELLO FREIRE, no parágrafo correspondente de sua obra, também
tratou a escravidão como um estado. MELLO FREIRE, P. J. “Livro III – Do direito das coisas”. v.
165, pp. 121-122.
35
MELLO FREIRE, P. J. “Livro II – Do direito das pessoas”. v. 163, p. 10. LOUREIRO, L. T.
Instituições de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo I, p. 2; 2ª ed. Tomo I, pp. 2-3; 3ª ed. Tomo
I, pp. 31-32.
36
LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 2ª ed. Tomo I, pp. 3-4; 3ª ed. Tomo I,
p. 33.
37
LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 2ª ed. Tomo I, p. 5; 3ª ed. Tomo I, p.
35.
38
LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 2ª ed. Tomo I, p. 5; 3ª ed. Tomo I, p.
35.
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O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira
consideramos, não como coisas, mas como pessoas, ainda que privadas do
39
direito de liberdade, cidade, e família.
5. OS CIDADÃOS BRASILEIROS
Os direitos civis são aqueles, que requerem autoridade do direito civil, e que
competem a todos os cidadãos, que reúnem as qualidades exigidas pelo
41
mesmo direito civil para o bom exercício deles.
39
LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo I, pp. 15-16. O trecho foi
ligeiramente modificado nas edições posteriores: 2ª ed. Tomo I, pp. 20-21; 3ª ed. Tomo I, pp.
50-51.
40
LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo I, pp. 10-12; 2ª ed. Tomo
I, pp. 13-14, 16; 3ª ed. Tomo I, pp. 43-44, 46.
41
LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo I, p. 12; 2ª ed. Tomo I, p.
16; 3ª ed. Tomo I, p. 46.
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O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira
42
direitos civis dependia, ainda, da capacidade, do juízo e do discernimento e, aos
escravos, faltava a capacidade.
43
Na segunda e na terceira edições, ao tratar das pessoas intestáveis ,
LOUREIRO diferenciou novamente a capacidade natural da capacidade civil. Os escravos
44
foram classificados como intestáveis por falta de capacidade civil. Contudo, ainda
que civilmente não capazes, eram dotados de capacidade natural, o que os habilitava
para o exercício de outros direitos, que não os civis, na ordem jurídica.
A diferenciação entre direitos civis e direitos do homem, ou direitos naturais,
aparece ainda uma vez ao afirmar o autor que a perda daqueles, não acarreta a perda
45
destes. Sobre a perda dos direitos civis, LOUREIRO acrescentou, na primeira edição,
46
que a Constituição admitia a pena de morte civil, ou escravidão da pena , por meio
da qual o cidadão era privado de todos os direitos civis e políticos e considerado como
47
estranho à comunidade política brasileira. Sendo a redução à escravidão uma
espécie de morte civil, corrobora-se o entendimento segundo o qual o escravo é não
capaz, ou seja, é pessoa não dotada de qualquer tipo de direito civil e, também, sem
qualquer expectativa de adquiri-los enquanto sujeita ao domínio de outrem.
Há, ainda, diversos exemplos de que o retorno à escravidão, depois de ter
havido a manumissão, acarreta a perda de direitos civis. Dentre eles podemos
mencionar a perda do pátrio poder quando o escravo, depois de manumitido, é
48
novamente reduzido à escravidão e a designação de tutor ao menor quando o pai
42
LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 2ª ed. Tomo I, pp. 158-159; 3ª ed.
Tomo I, pp. 193-194.
43
Entende-se por intestável aquele que está proibido de testar.
44
LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 2ª ed. Tomo I, pp. 204-206; 3ª ed.
Tomo II, pp. 28-30. Na primeira edição, as pessoas proibidas de testar o são por falta de
capacidade intelectual, física ou civil. Os escravos são elencados na terceira categoria: não
podem testar por falta de capacidade civil. LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil
brasileiro. 1ª ed. Tomo I, pp. 158-159. MELO FREIRE, por sua vez, afirma que não há que se falar
em escravos intestáveis, uma vez que a escravidão foi abolida de Portugal. Contudo, tal
afirmativa se encontra no parágrafo referente aos intestáveis por falta de capacidade civil.
MELLO FREIRE, P. J. “Livro III – Do direito das coisas”. v. 165, pp. 93-94.
45
LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo I, p. 13; 2ª ed. Tomo I,
pp. 17-18; 3ª ed. Tomo I, pp. 47-48.
46
MELLO FREIRE afirma que escravidão da pena significa reduzir os prisioneiros à escravidão.
MELLO FREIRE, P. J. “Livro II – Do direito das pessoas”. v. 164, pp. 34-35.
47
LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo I, p. 13.
48
LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo I, pp. 39-40; 2ª ed. Tomo
I, pp. 56-57; 3ª ed. Tomo I, pp. 88-89.
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O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira
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liberto perde a alforria . Também o usufruto se perde pela revogação da alforria por
50
ingratidão.
Pode-se, ainda, destacar o fato de que os escravos não podiam ser tutores,
visto que a tutoria era um múnus público, que requeria da pessoa a quem era
cometido o livre gozo e exercício de todos os direitos civis. O escravo a quem o
testador libertou na disposição de última vontade pode ser nomeado tutor, desde que
possua as demais qualidades necessárias para o bom desempenho da tutoria, o que,
51
para o autor, raramente se acharia em algum dos nossos escravos.
Outro ponto interessante é que o escravo não podia ser testemunha, salvo se
fosse tido, geralmente, por livre, o que demonstra que a idéia de liberdade estava
52
intimamente ligada à de capacidade civil.
7. OS ESCRAVOS E AS COISAS
Para nós as coisas são aqui tudo aquilo que aumenta os nossos bens e
55
patrimônio (…).
49
LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 2ª ed. Tomo I, p. 127; 3ª ed. Tomo I,
p. 160.
50
LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo II, p. 98.
51
MELLO FREIRE, P. J. “Livro II – Do direito das pessoas”. v. 164, pp. 115-116. LOUREIRO, L.
T. Instituições de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo I, pp. 95-96; 2ª ed. Tomo I, pp. 128-129;
3ª ed. Tomo I, pp. 161-162.
52
MELLO FREIRE, P. J. “Livro III – Do direito das coisas”. v. 165, p. 87. LOUREIRO, L. T.
Instituições de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo I, pp. 152-153; 2ª ed. Tomo I, pp. 211-212;
3ª ed. Tomo II, pp. 33-34.
53
LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 3ª ed. Tomo I, p. 198. Na edição
anterior, não estava presente a palavra “exclusivos”: 2ª ed. Tomo I, p. 164.
54
LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo I, p. 117.
55
MELLO FREIRE, P. J. “Livro III – Do direito das coisas”. v. 165, p. 39.
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O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira
…se foi legada uma escrava com seus filhos, ou um escravo ordinário com os
seus vicários, isto é, com os escravos, que lhe estão sujeitos, e morre a
escrava, ou o escravo ordinário, os filhos da escrava, e os escravos vicários,
56
LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 2ª ed. Tomo I, pp. 165-166; 3ª ed.
Tomo I, pp. 199-200.
57
MALHEIRO, A. M. P. A escravidão no Brasil: ensaio histórico, jurídico, social, p. 74.
58
LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 2ª ed. Tomo I, p. 169; 3ª ed. Tomo I,
p. 203.
59
LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 3ª ed. Tomo I, p. 205.
60
LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 2ª ed. Tomo I, pp. 176-177; 3ª ed.
Tomo I, pp. 210-211.
61
LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo I, pp. 131-132; 2ª ed.
Tomo I, pp. 191-192; 3ª ed. Tomo I, pp. 233-234.
62
LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo I, p. 133; 2ª ed. Tomo I,
pp. 194-195; 3ª ed. Tomo I, pp. 236-237.
63
LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 2ª ed. Tomo II, pp. 194-195; 3ª ed.
Tomo II, pp. 216-219.
64
Nos parágrafos correspondentes da obra de MELO FREIRE, não há menção aos escravos e
quando o há, é para afirmar que o instituto não mais se aplica em razão da abolição da
escravidão em Portugal. MELLO FREIRE, P. J. “Livro III – Do direito das coisas”. v. 165, pp. 60-
61, 63.
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O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira
cedem em proveito dos legatários (…), porque os filhos não são naturalmente
acessões da mãe, nem os escravos vicários acessões dos ordinários.
Pelo contrário, se foi legado um escravo com seu pecúlio, ou uma fazenda
rural com os seus instrumentos; nem o pecúlio, nem os instrumentos são
devidos, porque são coisas acessórias, cuja condição é extinguirem-se, se se
65
extingue a coisa principal.
8. CONCLUSÕES
Escravo é pessoa que, por estar sujeita a outrem, não é dotada de capacidade civil e é
tratada como coisa em situações específicas.
65
LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 2ª ed. Tomo II, pp. 43-44; 3ª ed.
Tomo II, p.65. No texto correspondente na primeira edição, outro exemplo dado de coisa
acessória que não é devida com a extinção da coisa principal é a fazenda rural com seus
instrumentos e utensílios. LOUREIRO, L. T. Instituições de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo II,
pp. 25-26. Os trechos mencionados são extremamente parecidos com o parágrafo
correspondente da obra de MELLO FREIRE. MELLO FREIRE, P. J. “Livro III – Do direito das coisas”.
v. 165, pp. 148-150.
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O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira
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O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira
Antonio Joaquim RIBAS publicou dois livros de Direito Civil: Curso de direito
civil brasileiro e Da posse e das ações possessórias segundo o direito pátrio
comparado com o direito romano e canônico. Também elaborou diversos pareceres
sobre temas como direito das sucessões, casamento e sobre os projetos de Código
66
Civil apresentados por Augusto Teixeira de FREITAS e Joaquim Felício dos SANTOS.
A primeira edição do Curso de direito civil brasileiro veio a lume em 1865.
Contudo, a obra foi concluída bem antes, pois foi adotada como compêndio na
Faculdade de Direito de São Paulo em 1862. Sua principal característica é a
prevalência de temas da teoria geral do Direito Civil. Também destaca-se a forte
influência que o autor recebeu da tradição jurídica germânica, principalmente de
67
Friedrich Carl von SAVIGNY.
Da posse e das ações possessórias segundo o direito pátrio comparado com o
direito romano e canônico, impresso em 1883, reúne artigos que RIBAS havia
68
publicado, desde 1875, no periódico O Direito.
Neste capítulo, optei por analisar apenas o Curso de direito civil brasileiro, por
ser a obra fundamental do autor. Ademais, por ter sido adotada como compêndio na
Faculdade de Direito de São Paulo, tal obra foi de fundamental importância para a
formação de grande parte dos juristas brasileiros. Serão utilizadas a primeira edição,
de 1865, e a segunda edição, de 1880. A terceira edição, de 1905, e a quarta edição,
de 1915, não foram consultadas por terem sido publicadas após a morte do autor, em
1890.
66
ROBERTO, G. B. S. O direito civil nas academias jurídicas do império, pp. 314-321.
67
ROBERTO, G. B. S. O direito civil nas academias jurídicas do império, pp. 314-318.
STRENGER, I. Da dogmática jurídica, pp. 127-159.
68
ROBERTO, G. B. S. O direito civil nas academias jurídicas do império, pp. 318-319.
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O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira
2. ESCRAVO-PESSOA
69
RIBAS, A. J. Curso de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo II, p. 1; 2ª ed. Tomo II, pp. 18-19.
70
RIBAS, A. J. Curso de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo II, p. 6; 2ª ed. Tomo II, p. 25.
71
A liberdade é um conceito fundamental em toda a obra de RIBAS. Para o autor, ela é a
essência do homem; sendo o direito à liberdade circunscrito pela lei. RIBAS, A. J. Curso de
direito civil brasileiro. 2ª ed. Tomo II, p. 5.
72
RIBAS, A. J. Curso de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo II, p. 2; 2ª ed. Tomo II, p. 19.
73
RIBAS, A. J. Curso de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo II, p. 6; 2ª ed. Tomo II, p. 25.
74
RIBAS, A. J. Curso de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo II, p. 8; 2ª ed. Tomo II, p. 28.
75
RIBAS, A. J. Curso de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo I, p. 50; 2ª ed. Tomo I, pp. 52-53.
76
RIBAS, A. J. Curso de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo II, pp. 25-26; 2ª ed. Tomo II, pp.
46-48.
17
O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira
2.2. Capacidade
77
RIBAS, A. J. Curso de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo II, p. 5; 2ª ed. Tomo II, p. 22.
78
RIBAS, A. J. Curso de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo II, pp. 8-9; 2ª ed. Tomo II, p. 28.
79
RIBAS, A. J. Curso de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo II, p. 108; 2ª ed. Tomo II, p. 134.
18
O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira
80
RIBAS, A. J. Curso de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo II, pp. 25-27; 2ª ed. Tomo II, pp.
46-49.
81
RIBAS, A. J. Curso de direito civil brasileiro. 2ª ed. Tomo II, pp. 344-345.
82
RIBAS, A. J. Curso de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo II, pp. 148-149; 2ª ed. Tomo II, pp.
179-180.
83
RIBAS, A. J. Curso de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo II, p. 149; 2ª ed. Tomo II, p. 180.
19
O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira
3. ESCRAVO-COISA?
84
RIBAS, A. J. Curso de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo II, p. 29; 2ª ed. Tomo II, pp. 50-
51.
85
RIBAS, A. J. Curso de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo II, pp. 29-30; 2ª ed. Tomo II, p.
51.
86
RIBAS, A. J. Curso de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo II, pp. 30-31; 2ª ed. Tomo II, p.
52.
87
RIBAS, A. J. Curso de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo II, p. 31; 2ª ed. Tomo II, p. 52-53.
20
O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira
pessoalidade que lhes fora conferida pelo direito racional. A lei não podia sujeitar, de
maneira absoluta, o cativo ao império do senhor, vez que aquele era homem e não
mera coisa. Contudo, em um dado momento da obra, o autor se contradisse:
88
RIBAS, A. J. Curso de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo II, p. 377; 2ª ed. Tomo I, p. 327.
89
RIBAS, A. J. Curso de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo II, p. 206; 2ª ed. Tomo II, p. 242.
90
Neste ponto, RIBAS afirmou que, tendo em vista a dignidade humana, as escravas não eram
destinadas a dar crias, e sim a servirem. O autor afirmou, ainda, que os jurisconsultos
brasileiros não classificavam os filhos das escravas como frutos, mesmo que sobre eles
recaíssem o domínio dos senhores das mães. RIBAS, A. J. Curso de direito civil brasileiro. 1ª ed.
Tomo II, pp. 209-212; 2ª ed. Tomo II, pp. 245-247.
91
RIBAS, A. J. Curso de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo II, p. 285. Na segunda edição, o
autor modificou seu posicionamento e afirmou que os escravos abandonados por seus senhores
eram declarados livres pela Lei nº 2.040 de 28 de setembro de 1871 (Lei do Ventre Livre).
RIBAS, A. J. Curso de direito civil brasileiro. 2ª ed. Tomo II, pp. 326-327.
92
RIBAS, A. J. Curso de direito civil brasileiro. 2ª ed. Tomo II, p. 349.
21
O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira
93
RIBAS, A. J. Curso de direito civil brasileiro. 2ª ed. Tomo II, p. 53.
94
Sobre a luta dos escravos por direitos, ver CHALHOUB, S. Visões da liberdade e GRINBERG,
K. Liberata, a lei da ambigüidade.
95
RIBAS, A. J. Curso de direito civil brasileiro. 2ª ed. Tomo II, pp. 49-50.
96
RIBAS, A. J. Curso de direito civil brasileiro. 2ª ed. Tomo II, p. 50.
22
O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira
5. CONCLUSÕES
Escravo era pessoa natural, que teve sua pessoalidade reduzida pelo direito positivo,
vez que não gozava de capacidade civil absoluta, mas tampouco estava sujeito ao
império absoluto do senhor como estavam as coisas.
97
RIBAS, A. J. Curso de direito civil brasileiro. 1ª ed. Tomo II, pp. 28-29.
23
O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira
98
AGOSTINHO MARQUES PERDIGÃO MALHEIRO
98
Este capítulo toma como base DIAS PAES, M. A. “Perdigão Malheiro e a escravidão no Brasil”.
99
PENA, E. S. Pajens da casa imperial, p. 255.
100
Sobre os debates travados no âmbito do IAB e que envolviam questões relacionadas ao
elemento servil, ver PENA, E. S. Pajens da casa imperial.
101
Este discurso encontra-se transcrito em MALHEIRO, A. M. P. A escravidão no Brasil. v. 2, pp.
257-265.
102
Sobre a atuação de MALHEIRO nos debates parlamentares em torno da Lei de 1871, ver PENA,
E. S. Pajens da casa imperial, pp. 253-359.
24
O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira
103
Para maiores informações biográficas, ver CARNEIRO, E. “Perdigão Malheiro”; GILENO, C. H.
Perdigão Malheiro e as crises do sistema escravocrata e do Império e PENA, E. S. Pajens da
casa imperial.
104
Sobre o fato de MALHEIRO ter votado contrariamente ao projeto de 1871, apesar dos pontos
de contato entre o mesmo e sua obra, ver PENA, E. S. Pajens da casa imperial, pp. 253-359.
105
Pode-se citar como exemplos CARDOSO, F. H. Capitalismo e escravidão no Brasil meridional
e IANNI, O. As metamorfoses do escravo.
106
Exemplos desses novos historiadores são CHALHOUB, S. Visões da liberdade e PENA, E. S.
Pajens da casa imperial.
25
O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira
107
Índice cronológico dos fatos mais notáveis da história do Brasil desde seu descobrimento em
1500 até 1849 (1850), Manual do Procurador dos Feitos (1859-1870), Comentário à Lei sobre
sucessão dos filhos naturais (1857), Reforma hipotecária (1865), Manual do Código Penal
(1883) e Consultas sobre várias questões de Direito (1884).
108
MALHEIRO, A. M. P. A escravidão no Brasil. v. 1, p. 69.
26
O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira
somente em razão de uma ficção legal. Tais argumentos já são encontrados em seu
discurso proferido no IAB no ano de 1863:
109
MALHEIRO, A. M. P. A escravidão no Brasil. v. 2, p. 261.
110
Em algumas passagens de sua obra, MALHEIRO afirmou que há no escravo uma pessoa, ao
invés de considerá-lo como sendo ente dotado de pessoalidade. Supõe-se, portanto, que o autor
concebia a pessoa como composta de um suporte (hipóstase) ao qual era infundida sua
natureza humana. Sobre as origens históricas do conceito de pessoa, ver STANCIOLI, B.
Renúncia ao exercício de direitos da personalidade ou como alguém se torna o que quiser.
111
MALHEIRO, A. M. P. A escravidão no Brasil. v. 1, pp. 58-59.
112
MALHEIRO, A. M. P. A escravidão no Brasil. v. 2, pp. 261-262.
113
MALHEIRO, A. M. P. A escravidão no Brasil. v. 1, p. 59.
27
O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira
114
MALHEIRO, A. M. P. A escravidão no Brasil. v. 1, p. 59.
115
MALHEIRO, A. M. P. A escravidão no Brasil. v. 1, pp. 69-70.
116
Artigo 191 da Lei nº 556 de 25 de junho de 1850:
28
O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira
chegado a ser degradado a tal ponto a se equiparar aos animais irracionais, estes sim
objetos de comércio.
… ora, as escravas não são destinadas para dar filhos, e só para trabalhar. É
uma razão de dignidade humana, pela qual repugna igualar a mulher,
119
embora escrava, a uma jumenta ou outro animal semelhante.
3. A REAQUISIÇÃO DA LIBERDADE
117
MALHEIRO, A. M. P. A escravidão no Brasil. v. 1, p. 74.
118
MALHEIRO, A. M. P. A escravidão no Brasil. v. 1, pp. 67-69.
119
MALHEIRO, A. M. P. A escravidão no Brasil. v. 1, p. 80.
29
O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira
Assim, o escravo não adquiriria a liberdade por meio da alforria, pois, pela
sua natureza humana, sempre a teria conservado. Ele teria sido vítima do arbítrio da
lei positiva e teria tido, por esse meio, sua liberdade suspensa, conservando-a, porém,
em estado de latência. A manumissão foi vista, portanto, como a reintegração do
121
cativo ao gozo de sua liberdade e capacidade civil.
120
MALHEIRO, A. M. P. A escravidão no Brasil. v. 1, p. 101.
121
MALHEIRO, A. M. P. A escravidão no Brasil. v. 1, pp. 117-121.
122
MALHEIRO, A. M. P. A escravidão no Brasil. v. 2, p. 262.
123
MALHEIRO, A. M. P. A escravidão no Brasil. v. 1, pp. 117-121.
124
Statuliber era o escravo que tinha sua alforria concedida mediante o cumprimento de uma
condição. Sobre a sua posição no ordenamento jurídico, ver MALHEIRO, A. M. P. A escravidão
no Brasil. v. 1, pp. 114-121.
125
MALHEIRO, A. M. P. A escravidão no Brasil. v. 1, pp. 117-121.
30
O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira
4. CONCLUSÕES
126
MALHEIRO, A. M. P. A escravidão no Brasil. v. 1, p. 141.
31
O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira
32
O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira
127
Samuel Rodrigues BARBOSA, em artigo intitulado “Complexidade e meios
textuais de difusão e seleção do Direito Civil Brasileiro pré-codificação”, afirma que o
Direito Civil Brasileiro anterior ao Código de 1916 pode ser considerado complexo por
diversas razões. Dentre elas, o autor destaca: os inúmeros atos legislativos existentes
não formavam um sistema; o Direito Civil era mediado por praxistas; havia a
128
possibilidade de remissão ao direito codificado e legislado de outros países.
Neste contexto, os livros escritos por juristas constituíam importante meio de
difusão do Direito Civil. Dentre as diversas obras que circularam no meio jurídico
brasileiro, o autor destaca as de Candido Mendes de ALMEIDA e as de Augusto Teixeira
de FREITAS. Os comentários de ALMEIDA não devem ser apenas tomados como mais
uma edição das Ordenações: ante a complexidade do Direito Civil oitocentista, eram,
ao lado do Auxiliar jurídico, importantes respostas à atuação dos juristas no foro. As
abundantes notas de rodapé do autor, além de remeterem a diversos atos legislativos,
também expunham o posicionamento de diversos doutrinadores, discorriam sobre a
história de determinados institutos jurídicos, davam notícia de jurisprudência sobre os
129
mais diversos temas e indicavam como cada dispositivo seria melhor interpretado.
127
BARBOSA, S. R. “Complexidade e meios textuais de difusão e seleção do Direito Civil
Brasileiro pré-codificação”, p. 365.
128
Sobre a história da codificação, ver ROBERTO, G. B. S. Introdução à história do direito
privado e da codificação. Sobre as dificuldades que os jurisconsultos brasileiros encontraram na
elaboração de um Código Civil, ver GRINBERG, K. Código Civil e cidadania.
129
BARBOSA, S. R. “Complexidade e meios textuais de difusão e seleção do Direito Civil
Brasileiro pré-codificação”, pp. 365-369.
33
O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira
Ora, uma vez que os comentários de ALMEIDA ao Código Filipino podem ser
considerados importante meio de difusão do Direito Civil Brasileiro oitocentista, o
posicionamento acerca do estatuto jurídico dos escravos, aí esboçado, teria alcançado
um considerável número de juristas da época. Ademais, o autor ocupou diversos
cargos políticos, inclusive o de senador, o que teria contribuído fortemente para a
relevância que suas concepções acerca do elemento servil no foro.
Assim, para identificar a construção do estatuto jurídico dos escravos na obra
de ALMEIDA, valho-me da décima quarta edição do Código Filipino ou ordenações e leis
do Reino de Portugal: recompiladas por mandado d’El Rei D. Filipe I, segundo a
primeira, de 1603, e a nona, de Coimbra de 1821 – adicionada com diversas notas
filológicas, históricas e exegéticas, em que se indicam as diferenças entre aquelas
edições e a vicentina de 1747, a origem, desenvolvimento e extinção de cada
instituição, sobretudo as disposições hoje em desuso e revogadas; acompanhando
cada parágrafo sua fonte, conforme os trabalhos de Monsenhor Joaquim José Ferreira
Gordo e dos Desembargadores Gabriel Pereira de Castro e João Pedro Ribeiro; e em
aditamento a cada livro a respectiva legislação brasileira concernente às matérias
codificdas em cada um, sendo de quotidiana consulta, além da bibliografia dos
jurisconsultos que têm escrito sobre as mesmas ordenações desde 1603 até o
presente. Analisei apenas o livro quarto, no qual se encontram as disposições de
Direito Civil.
Neste capítulo, analisarei também o discurso proferido por ALMEIDA na 90ª
Sessão do Senado, em 26 de setembro de 1871, sob a presidência do Senhor
Visconde de Abaeté, que versava sobre o estado servil.
Também consultei o Auxiliar jurídico: apêndice às Ordenações Filipinas.
Contudo, nesta obra, o autor não discorre sobre o estatuto jurídico dos escravos.
2. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
130
BARBOSA, S. R. “Complexidade e meios textuais de difusão e seleção do Direito Civil
Brasileiro pré-codificação”, p. 369.
34
O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira
Ora, senhores, ninguém estava mais ligado à Igreja do que Cândido Mendes,
não porque daí lhe pudessem vir arranjos, proveitos e vantagens, mas
porque nenhum brasileiro até então e mesmo até hoje reuniu tão
perfeitamente e em tão alta escala estas duas qualidades – a de um grande
132
doutor sem capelo e a de um profundo teólogo sem batina.
3. OS SERVIÇOS DO ESCRAVO
133
No título LXXXI, do livro quarto do Código Filipino , ALMEIDA é contundente
ao afirmar:
não são os escravos entre nós olhados como coisas, como era entre os
134
Romanos.
Ora, uma vez que não eram coisas e tampouco foram classificados, ao longo
da obra, em outra categoria, pode-se inferir que, para ALMEIDA, os escravos eram
pessoas, ainda que não gozassem dos mesmos direitos que as pessoas livres.
131
RODRIGUES, J. H. “Introdução”, pp. 17-54.
132
SÁ VIANA, M. A. S. “Elogio histórico de Cândido Mendes de Almeida”, p. 524.
133
Neste capítulo, todas as referências ao Código Filipino remetem ao livro quarto.
134
ALMEIDA, C. M. Código Filipino ou ordenações e leis do Reino de Portugal. Livro IV, p. 909.
35
O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira
Nos comentários ao título IV, ALMEIDA aponta que, para FREITAS, os escravos
poderiam ser vendidos com cláusula de não serem libertados. Porém, o jurisconsulto
não concorda com este posicionamento por considerar a referida cláusula imoral, vez
que contrária às instituições religiosas e políticas da sociedade brasileira, bem como
135
ao § 10 da Lei de 18 de agosto de 1769 (Lei da Boa Razão). Isto porque o senhor
135
Dispõe o § 10 da Lei de 18 de agosto de 1769:
36
O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira
não era dono do corpo do escravo, mas apenas dos seus serviços. O objeto de compra
136
e venda não era o homem, mas o seu trabalho. Assim, o escravo seria pessoa e não
coisa, esta sim objeto de compra e venda.
136
ALMEIDA, C. M. Código Filipino ou ordenações e leis do Reino de Portugal. Livro IV, p. 781.
137
ALMEIDA, C. M. “O estado servil”, p. 292.
138
ALMEIDA, C. M. Código Filipino ou ordenações e leis do Reino de Portugal. Livro IV, pp. 779.
139
ALMEIDA, C. M. Código Filipino ou ordenações e leis do Reino de Portugal. Livro IV, pp. 798-
800.
140
ALMEIDA, C. M. Código Filipino ou ordenações e leis do Reino de Portugal. Livro IV, p. 842.
141
ALMEIDA, C. M. Código Filipino ou ordenações e leis do Reino de Portugal. Livro IV, p. 850.
142
ALMEIDA, C. M. Código Filipino ou ordenações e leis do Reino de Portugal. Livro IV, p. 908.
37
O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira
143
ALMEIDA, C. M. Código Filipino ou ordenações e leis do Reino de Portugal. Livro IV, pp. 910-
911.
144
ALMEIDA, C. M. Código Filipino ou ordenações e leis do Reino de Portugal. Livro IV, pp. 790,
859, 870.
145
CHALHOUB, S. Visões da liberdade, pp. 131-143.
38
O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira
5. CONCLUSÕES
Escravo é pessoa, vez que o senhor não é dono do seu corpo, mas apenas de seus
serviços.
146
ALMEIDA, C. M. “O estado servil”, p. 282.
147
ALMEIDA, C. M. “O estado servil”, p. 286.
39
O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira
CONSIDERAÇÕES FINAIS
148
CHALHOUB, S. Cidade febril, p. 9.
149
CHALHOUB, S e PEREIRA, L. A. M. “Apresentação”, p. 7.
150
Para THOMPSON, o estudo dos fenômenos históricos deve ser pautado pela análise das ações
humanas dentro de contextos históricos específicos. Ver THOMPSON, E. P. A formação da classe
operária inglesa e Costumes em comum.
151
CHALHOUB, S; PEREIRA, L. A. M. “Apresentação”, pp. 7-9.
152
CHALHOUB, S; PEREIRA, L. A. M. “Apresentação”, p. 9.
40
O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira
153
HESPANHA, A. M. Cultura jurídica européia, pp. 32-33.
154
Sobre direito e escravidão ver AZEVEDO, E. “O direito dos escravos”, Orfeu de carapinha e
“Para além dos tribunais”; CHALHOUB, S. Visões da liberdade; GRINBERG, K. Liberata, a lei da
ambigüidade, O fiador dos brasileiros e “Reescravização, direitos e justiças no Brasil do século
XIX”; MAMIGONIAN, B. G. “O direito de ser africano livre”; MATTOS, H. M. Escravidão e
cidadania no Brasil monárquico; MENDONÇA, J. M. N. Entre a mão e os anéis; PENA, E. S.
Pajens da casa imperial e “Burlas à lei e revolta escrava no tráfico interno do Brasil meridional,
século XIX”; SILVA, C. M. Processos-crime.
41
O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira
Longe dos olhares atentos do feitor, era mais fácil ao escravo ter margem de
manobra para agir em prol de sua liberdade e autonomia. Tal situação não teria
escapado às vistas dos juristas oitocentistas, que estavam largamente concentrados
nos núcleos urbanos, principalmente em razão das funções que exerciam na
administração pública.
A atuação dos escravos no meio social, principalmente nos núcleos urbanos,
negava peremptoriamente sua condição de coisa. Eram pessoas, que agiam dentro de
155
A coartação era um direito costumeiro que possibilitava ao escravo, durante um período de
tempo acordado entre ele e seu senhor, formar um pecúlio para saldar sua dívida e conquistar a
liberdade. Sobre o tema, ver PAIVA, E. F Escravos e libertos nas Minas Gerais do século XVIII.
156
Ver ALGRANTI, L. M. O feitor ausente; KARASCH, M. C. A vida dos escravos no Rio de
Janeiro.
157
PAIVA, E. F. Escravos e libertos nas Minas Gerais do século XVIII, p. 79.
42
O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira
uma considerável margem de autonomia. Ante tal situação, não havia como os
juristas negarem a pessoalidade do escravo e simplesmente reduzi-los à categoria
teórica de coisa. A civilística do século XIX não poderia negar aos cativos o estatuto
jurídico de pessoas, vez que eles eram sujeitos dotados de experiências e tradições
históricas particulares.
A tentativa de interpretar a lei e adequa-la à realidade social está presente
em todas as obras analisadas. Ao longo de sua leitura, pude constatar que a
legislação, principalmente a portuguesa, tendia a considerar os cativos como coisas,
como meros bens semoventes. Contudo, ao interpretar as leis civis, os juristas
acabavam tendo que promover sua melhor adequação à realidade social e acabavam
por amenizar esta condição dos cativos. Negavam-lhes decididamente a condição de
bens. A legislação era reinterpretada para melhor adequação a uma realidade fática na
qual aos escravos não era negada a pessoalidade.
Ademais, aos juristas era possível reconhecer nos cativos a condição de
pessoa, mesmo que isto fosse contrário aos interesses senhoriais. De acordo com José
Murilo de CARVALHO, o Estado Imperial foi marcado por uma dialética da ambigüidade:
era mantido pelas rendas geradas pelos proprietários de terras e de escravos, mas
funcionava por meio de uma burocracia que não era necessariamente composta por
pessoas ligadas aos interesses agrários; o que teria permitido certa liberdade de ação
158
à elite política. Assim, os juristas poderiam defender certas idéias que iriam de
encontro aos desígnios dos proprietários de escravos, dentre elas a afirmação de que
os cativos eram pessoas e não coisas.
Conclui-se, portanto, que a luta empreendida pelos escravos com vistas a
amenizar as agruras sofridas na escravidão também teve reflexos na civilística
brasileira do século XIX. Os juristas não poderiam negar aos cativos um estatuto
jurídico que era, a todo tempo, por eles afirmado pelas suas experiências originais.
Conforme afirmado no início deste capítulo, o que desenvolvi aqui é um
esboço. Muito trabalho ainda deve ser feito no âmbito das pesquisas em História do
Direito com o fim de melhor elucidar quais eram os significados atribuídos ao
ordenamento jurídico pelos diversos agentes históricos e como eles atuavam na sua
construção.
Muito ainda está por fazer. Mas fica a recomendação: a História do Direito
deve ser pautada por pressupostos materialistas de análise. Não é mais possível
considerar os juristas e suas obras como entes transcendentes, que não sofrem
qualquer condicionamento do contexto social no qual estão inseridos. Assim, termino
158
CARVALHO, J. M. A construção da ordem /Teatro de sombras. pp. 229-236.
43
O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira
com mais uma lição de CHALHOUB e PEREIRA, que, espero, fique martelando na cabeça
dos historiadores do direito:
159
A cada autor e obra o “seu tempo” e o “seu país”.
159
CHALHOUB, S; PEREIRA, L. A. M. “Apresentação”, p. 9.
44
O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. FONTES PRIMÁRIAS
ALMEIDA, Cândido Mendes de. “O estado servil”. In: BASTOS, Aurélio Wander (org.).
Senador Cândido Mendes: pronunciamentos parlamentares (1871-1873). 2 v.
Brasília: Senado Federal, 1982, pp. 274-305.
LOUREIRO, Lourenço Trigo de. Instituições de Direito Civil Brasileiro, extrahidas das
Instituições de Direito Civil Lusitano do exímio jurisconsulto portuguez
Paschoal José de Mello Freire, na parte compatível com as instituições da
nossa cidade, e augmentadas nos lugares competentes com a substância das
45
O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira
MELLO FREIRE, Pascoal José de. “Livro II – Do Direito das Pessoas”. Instituições de
Direito Civil Português. Tradução: Miguel Pinto de Meneses. Lisboa:
Procuradoria Geral da República, 1967. (Boletim do Ministério da Justiça,
volumes 163 e 164), pp. 6-123; pp. 17-147.
RIBAS, Antonio Joaquim. Curso de direito civil brasileiro: parte geral. 1ª edição. 2
Tomos. Rio de Janeiro: Tipografia Universal de Laemmert, 1865.
46
O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira
2. FONTES SECUNDÁRIAS
ALGRANTI, Leila Mezan. O feitor ausente: estudo sobre a escravidão urbana no Rio de
Janeiro (1808-1822). Petrópolis: Vozes, 1988
CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e epidemias na corte imperial. São Paulo:
Companhia das Letras, 1996.
KARASCH, Mary. C. A vida dos escravos no Rio de Janeiro (1808-1850). São Paulo:
Companhia das Letras, 2000.
48
O Estatuto Jurídico dos Escravos na Civilística Brasileira
MENDONÇA, Joseli Maria Nunes. Entre a mão e os anéis: a lei dos sexagenários e os
caminhos da abolição no Brasil. 2ª edição. Campinas: Editora da UNICAMP,
2008.
PAIVA, Eduardo França. Escravos e libertos nas Minas Gerais do século XVIII:
estratégias de resistência através dos testamentos. 2ª edição. São Paulo:
Annablume, 1995.
RODRIGUES, José Honório. “Introdução”. In: BASTOS, Aurélio Wander (org.). Senador
Cândido Mendes: pronunciamentos parlamentares (1871-1873). 2 v. Brasília:
Senado Federal, 1982, pp. 17-54.
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