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FERNANDO JOSÉ CORREIA

O RPG COMO INCENTIVADOR DA LEITURA

Londrina
2007
FERNANDO JOSÉ CORREIA

O RPG COMO INCENTIVADOR DA LEITURA

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado ao Departamento de Ciência da
Informação como parte integrante do curso
de Graduação em Biblioteconomia da
Universidade Estadual de Londrina para a
obtenção do titulo de bacharel.

Orientadora: Sueli Bortolin

Londrina
2007
FERNANDO JOSÉ CORREIA

O RPG COMO INCENTIVADOR DA LEITURA

COMISSÃO EXAMINADORA

Sueli Bortolin

Ana Esmeralda Carelli

Oswaldo F. de Almeida Júnior

Londrina, 22 de Novembro de 2007


Do! Or do not.
There is no try.

Master Yoda
(Star Wars: Episode V - The empire strikes back)
AGRADECIMENTOS

À todos os jogadores e amigos que gentilmente cederam sua


imagem, seu tempo e sua paciência para que este trabalho fosse concluído com
êxito.
Às Revistarias Batbanca, Odisséia e K2 Mangá Shop por
cordialmente permitir que os incomodássemos com nossa presença.
Aos amigos e aventureiros Paulo Noboru Shimamura, Daniel Garcia
de Andrade, Victor Savignon, Rogério Francisco de Menezes Ferreira, Flávia
Angélica Andrease e a João Paulo Pigari Benvindo que em muito contribuíram neste
trabalho, fazendo com que o pesquisador nunca perdesse o foco e sempre olhasse
o RPG com outros olhos.
Aos participantes do evento D&D Day que cederam
entusiasticamente sua imagem.
À brilhante orientação de Sueli Bortolin, que fez com que meu
desânimo se revertesse em trabalho com seus intermináveis rabiscos e sugestões.
Aos membros da Brotherhood of the Black Hand, que fizeram o favor
de não tocar neste trabalho (http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=5965673).
À minha mãe Sirlei de Fátima Ferraz e meu irmão Dyone Felipe
Correia, pelo apoio nestes anos de graduação, bem como a todos os outros
membros de minha família.
E finalmente e hipótese alguma em menor importância, Caroline
Junko Fujihara, que me deu todo o suporte emocional e alento nas horas de
desespero e desânimo.
À todos, o meu muito obrigado.
CORREIA, Fernando José. O RPG como incentivador da leitura. 2007. 62f.
Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Biblioteconomia) – Universidade
Estadual de Londrina, Londrina.

RESUMO

Este trabalho tem o intuito de investigar os Jogos de Interpretação ou RPG (Role


Playing Game) como incentivador da leitura de múltiplos suportes: textual, imagético,
cinematográfico, pictográfico; e avaliar se tais leituras são feitas pelos jogadores de
Londrina, no Paraná. A cidade conta com 250 jogadores, número obtido com os
organizadores do evento RPG Londrina em 2003, sendo que, a maioria se dedica ao
sistema Storyteller, devido à sua liberdade e dinâmica. Verificou-se que eles se
utilizam, em grande maioria, das histórias em quadrinhos e filmes para a criação de
aventuras e também para enriquecer suas interpretações. Como instrumentos de
coleta de dados foram utilizados o questionário além da observação participativa de
seções de jogos de forma a subsidiar as respostas dadas pelos jogadores além de
confirmá-las. As fontes de informação relacionadas pelos jogadores como fonte de
inspiração para interpretação de personagens e criação de aventuras foram
relacionadas mídias diversas, em destaque, o cinema e os quadrinhos, seguidos
pelos livros; além de formas alternativas, como a observação do cotidiano e de
outros jogadores. A crescente utilização da Internet em detrimento das bibliotecas foi
outro fato constatado.

Palavras Chave: Role Playing Game; RPG; Jogos de Interpretação; Leitura; Jogos
Eletrônicos.
CORREIA, Fernando José. O RPG como incentivador da leitura. 2007. 62f.
Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Biblioteconomia) – Universidade
Estadual de Londrina, Londrina.

ABSTRACT

This study aims to investigate the Interpretation Games or RPG (Role Playing Game)
as a reading encourager in several ways such as: textual, image reading,
cinematographic, pictographic; and evaluate if these readings are done by the
players from Londrina, in Paraná state. The city has 250 players, number obtained
from the organizers of the event RPG Londrina in 2003, and most of them use the
Storyteller system because it gives them more freedom and turns the game into a
more dynamic experience. It was noticed that they use, most of the times, comic
books stories or movies to create their adventures and to enhance interpretation. A
questionnaire was used as data collecting instrument, as well as participative
observation of game sessions, aiming to subside the answers given by the players
and also confirming them. The information sources mentioned by the players as an
inspiration source for character interpretation and creation of adventures were
various, highlighting the cinema and comic books, followed by books, besides
alternative means, as the observation of the daily life as well as the observation of
other players. The widespread in Internet using despite of the libraries was another
fact noticed.

Keywords: Role Playing Game; RPG; Interpretation Games; Reading; Electronic


Games.
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Acervo da Batbanca .............................................................................14


Figura 2 – Tela de Ragnarok, um dos mais famosos MMORPGs. (cada “boneco”
na tela representa um usuário online)..................................................21
Figura 3 – Evento: D&D Day, na Revistaria Odisséia (3 de nov. de 2007) ...........24
Figura 4 – Cena de ação, o mestre (em pé) descreve a cena, enquanto o jogador
(esquerda) brande sua espada, declarando ação de ataque...............26
Figura 5 – Dados multifacetados (20, 12, 10, 8, 6 e 4 faces) ................................27
Figura 6 – Parte do acervo da K2 Mangá Point, loja especializada em material
nipônico (mangás e animês) mas com espaço para RPG
e cardgames ........................................................................................39
Figura 7 – Garage Kits de fãs de Anime e Mangá ................................................42
Figura 8 – Aventura de D&D 3a edição utilizando tabuleiro e miniaturas ..............43
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................10

2 PROBLEMA ...........................................................................................................12

3 JUSTIFICATIVA .....................................................................................................13

4 OBJETIVOS ...........................................................................................................17
4.1 OBJETIVO GERAL....................................................................................................17
4.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ........................................................................................17

5 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA .............................................................................18


5.1 DEFINIÇÃO DO RPG ...............................................................................................18
5.2 HISTÓRIA DO RPG .................................................................................................18
5.2.1 O RPG no Brasil ...............................................................................................22
5.2.2 O RPG em Londrina .........................................................................................23
5.3 A PRÁTICA DO RPG................................................................................................25
5.4 A NECESSIDADE DA COMUNICAÇÃO .........................................................................28
5.5 DEFINIÇÕES DE LEITURA .........................................................................................28
5.5.1 O RPG e o mediador da leitura e da informação ..............................................30
5.6 O BIBLIOTECÁRIO E O RPG .....................................................................................31

6 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS...............................................................33
6.1 UNIVERSO E MEIOS DE PESQUISA ............................................................................33
6.2 SUJEITOS DE PESQUISA ..........................................................................................33

7 ANÁLISE DE RESULTADOS ................................................................................34


7.1 QUESTIONÁRIO ......................................................................................................34
7.2 OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE ...................................................................................38

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................41


REFERÊNCIAS .........................................................................................................44

APÊNDICES .............................................................................................................46
Apêndice 1 ................................................................................................................47

ANEXOS ...................................................................................................................50
Anexo 1 – Planilha de GURPS ..................................................................................51
Anexo 2 – Planilha de AD&D.....................................................................................53
Anexo 3 – Planilha de Mago: a ascensão .................................................................55
Anexo 4 – Planilha de Leis da Noite (live action) ......................................................57

GLOSSÁRIO .............................................................................................................59
10

1 INTRODUÇÃO

A cada dia o Brasil tem dado maior importância ao incentivo à leitura


do cidadão, mas essa leitura é direcionada à decodificação do texto, não à sua
compreensão como um todo, de seu contexto e entrelinhas.
Começam a despontar investimentos privados e públicos, além de
campanhas e ONGs que trabalham com a temática da disseminação da leitura para
a população, entre elas: Alfabetização Solidária e o Adote um Aluno.
A leitura por si só, garante sustento, moradia, emprego, uma vez que
se faz necessária para que seja possível a interação com outras pessoas e
desenvolvimento de atividades remuneradas, entre outros benefícios; mas não traz,
imediatamente a abrangência e o conhecimento necessários para o
desenvolvimento pessoal, o que se faz com uma verdadeira leitura, aquela em que
nos apropriamos das idéias do texto, que busca uma compreensão não só das
palavras, mas também de seu significado e contexto, ou seja, do texto como um
todo.
Os índices de analfabetismo em nosso país diminuem a cada ano,
no entanto um outro analfabetismo passa despercebido pelos educadores em geral,
e tem seus índices significativos, como aponta o IBGE em sua última pesquisa. Os
números mostram em 2002 um índice de 26% no Brasil e 19,7% no sul do país, os
analfabetos funcionais, apesar de saberem decodificar o sistema alfanumérico não
conseguem compreender o que lêem, é praticamente autômato, decodificam os
textos, captando apenas a idéia principal, e ignorando as informações contidas na
mensagem, como o contexto, o estilo, o autor, o que muitas vezes agrega sentidos
até mesmo opostos à idéia principal do texto.
Como uma ferramenta que não só incentiva a leitura pura e simples,
a decodifica, como também dá suporte para que se obtenha a leitura completa de
um texto, suas entrelinhas, e todo o contexto deste, apresento-lhes o RPG (Role
Playing Game).
A cada dia mais educadores descobrem a importância do RPG em
sala de aula, seu caráter lúdico o deixa flexível para ser usado pelas diferentes
disciplinas escolares. Seu uso pode ser observado em várias instituições espalhadas
pelo Brasil e pelo mundo, muitas ONGs o defendem e o estudam como didática
11

alternativa, usando, geralmente os trabalhos de Alfeu Marcatto e seu livro: “Saindo


do Quadro”.
Apesar do público alvo principal do RPG ser os jovens dos 15 aos 26
anos, o seu legado é inestimável, pessoas que começam a ler por causa do jogo
adquirem o gosto pela leitura, pois aprendem o quão prazeroso é aventurar-se por
outros mundos e lugares por intermédio da leitura; uma vez que ela não é imposta.
O jogador começa a se interessar pelos livros, pois estes se tornam uma das
principais fontes de informação para a fantasia e para a imaginação. E num segundo
momento a maioria começa a relacionar outros tipos de mídia para seu crescimento,
entre elas: o cinema, TV e quadrinhos, fontes ricas e abundantes para os que
procuram aventura e prazer “enlatados” e rápidos.
Neste trabalho avaliamos o RPG como importante fonte na formação
dos leitores/jogadores de grupos da cidade de Londrina no Paraná, divididos em três
classes de jogadores de acordo com seus sistemas mais comuns de jogo: AD&D
(Advanced Dungeons & Dragons), GURPS (Generic Universal Role Playing System)
e Storyteller. Estes sistemas foram escolhidos por serem os mais populares entre os
jogadores.
Seis grupos foram contatados para a pesquisa, mas apenas três
grupos completos responderam os questionários.
12

2 PROBLEMA

Os problemas que tomamos como ponto de partida para o início


deste trabalho foram:

1 – falta de informação sobre o RPG, que gera uma série de


preconceitos;
2 – sacralização do livro. Tido como único suporte de leitura aceito
pela sociedade em geral;
3 – difícil aceitação de outros meios de disseminação da cultura que
extrapolam os modelos tradicionais (teatro, cinema, livro, ópera
etc);

Numa sociedade quase que exclusivamente cristã, tudo o que tende


a ter uma certa referência a questões místicas ou medievais trazem uma certa
desconfiança aos pais e educadores. Os títulos de sistemas de RPG atualmente
cotados como mais populares são os Storyteller (Vampiro, Mago, Lobisomem) e
Dungeons & Dragons (D&D, que inspirou o seriado de desenho animado Dungeons
& Dragons, no Brasil chamado de Caverna do Dragão).
Há inúmeros exemplos bem sucedidos no Brasil e no mundo com
relação à aplicação do RPG como ferramenta educacional, no entanto há escassez
de textos sobre esta ferramenta sendo usada como incentivadora da leitura e escrita
no Brasil.
Na sociedade, em geral, não se tem real noção de como esse jogo é
aplicado e quais os seus benefícios. Começa-se a estudar o RPG com
embasamento educacional, graças a seu caráter lúdico, mas são poucas as pessoas
que estudam o jogo com o intuito de traçar um perfil dos leitores e o que lêem, por
que lêem? quanto lêem? O que produzem com o conhecimento adquirido? Essas
são questões para as quais procuraremos resposta neste trabalho.
13

3 JUSTIFICATIVA

Dos jogos citados, o classificado como “adulto” é Storyteller. Ele,


entre outras coisas, trata de questões psicológicas, de como o homem vê os mitos
do vampiro, do mago e do lobisomem e o que eles representam no inconsciente
coletivo, essa análise não é explicitada nos livros, ela só é descoberta com uma
observação mais próxima dos títulos e da história dos jogos.
Além disso, traz esses conceitos para o mundo real, com um incrível
convencimento do leitor/jogador, o que deixa os desavisados um tanto confusos e
muitas vezes levados a crer que aquilo possa ser real, quando na verdade não o é;
isso é explicitado logo nas primeiras páginas dos livros com o aviso
“desaconselhável para menores [...]”. Muitas vezes a idade indicada pelos livros é de
18, outras vezes de 21 anos, devido ao perigo de causar essa confusão entre o real
e a fantasia.
Já o D&D enfoca a Idade Média como tema, logo, todas as lendas,
histórias e mitos que envolvem este período. O sistema em si pode tratar o medieval
pela ótica da fantasia, em que é possível ter mundos/cenários com dragões, orcs,
ogros etc., como no aclamado mundo do “Senhor dos Anéis” do lingüista inglês J. R.
R. Tolkien (John Ronald Reuel Tolkien), enquanto em outros, o cenário é uma
versão fiel à histórica, com todos os problemas e ideais da sociedade da época, bem
como sua organização.
A ambientação medieval não traz grandes dificuldades de uso em
seu histórico, talvez por tratar do medieval, os conceitos abordados são muito
distanciados da realidade, o gosto pela leitura de títulos mais fantasiosos se destaca
nos jogadores desse sistema, enquanto que em Storyteller, os livros são mais
pesados, muitas vezes até obscuros e psicologicamente avançados demais para os
jogadores.
A leitura é importante para o ser humano em todas as fases de sua
vida, desde sempre é necessário termos noção de tudo o que ocorre em nossa volta,
isso faz com que possamos interagir com o mundo de forma fácil e cada vez melhor.
Os livros nos dão esta noção sim, mas às vezes não são suficientes para descrever
de forma objetiva os temas propostos.
Outras mídias como cinema e TV podem esclarecer tais
impossibilidades de forma simples e fácil, afinal a leitura da imagem em movimento
14

muitas vezes não necessita de explicações. Cabe aqui o clichê “uma imagem vale
mais do que mil palavras” e sabendo que um segundo de filme pode variar até 60
quadros (imagens) por segundo assim temos mais do que 60.000 palavras por
segundo passando em uma tela de cinema frente aos nossos olhos e nem nos
damos conta disso.
Outros suportes de leitura comumente usados pelos jovens são os
quadrinhos e mangás (revista em quadrinhos japonesa), estas formas de leitura
muitas vezes são desconsideradas e rechaçadas pelos educadores e pais, mas
muitos deles trazem informações culturais e literárias ricas, como no caso de
Hellblazer e Preacher que tratam de questões ligadas a religiosidade, ou como
Sandman, que trabalha com a fantasia, mitos, deuses, inconsciente coletivo e
psique.

Figura 1 – Acervo da Batbanca1

1
Na primeira estante os títulos de RPG do estabelecimento, o restante são outras fontes de
informação ao RPGista, quadrinhos, livros, DVDs, etc.
15

Um exemplo clássico de preconceito que é abominado e tido como


uma total falta de respeito com os quadrinhos foi o fato de Neil Gaiman, um autor de
histórias em quadrinhos, considerado um dos ícones do gênero, ter ganho o prêmio
no Fantasy World Award2, e que a partir de então o prêmio exclui a participação de
histórias em quadrinhos.
Os quadrinhos também são defendidos por um teórico muito
importante na Biblioteconomia, Waldomiro Vergueiro, ele atualmente é coordenador
do Núcleo de Pesquisas de Histórias em Quadrinhos da Escola de Comunicação e
Artes da Universidade de São Paulo.
Ele considera os quadrinhos como uma forma de arte, que além de
retratar o cotidiano e os ideais não só de um grupo, mas muitas vezes de uma
nação. Em entrevista ao Rio Mídia afirma:

Vivemos num grande contexto globalizado, num grande sistema de


comunicação interligado. Neste cenário, as histórias em quadrinhos
veiculam modelos e padrões de comportamento que já são
transmitidos pelas outras mídias, em todo o mundo. Tudo acaba se
repetindo. No Brasil, o quadrinho reflete, de uma forma geral, a
realidade urbana dos jovens das grandes cidades do país. Jovens
que são influenciados pela cultura pop, pela televisão e pelos meios
eletrônicos. Uma realidade que, na verdade, não é tão diferente
daquela que vivem os jovens de outros países. O que há de diferente
em nossas histórias são algumas características e especificidades
que dizem respeito a nossa cultura local, expressa, por exemplo, nos
relacionamentos de amizade e de amor e na apresentação e
definição dos grupos sociais (VERGUEIRO, 2007).

Hoje, considerando o grande volume de informação que possuímos,


percebemos o quanto é importante termos uma sociedade de indivíduos que lêem
mais e tornem-se culturalmente melhorados. Não é necessário discursar páginas e
páginas sobre a importância da leitura e da cultura, esses fatos estão ligados ao dia-
a-dia da maior parte da população mundial.

[...] em um processo educativo, o aluno dever ser incentivado a


participar, buscar o conhecimento e a tirar conclusões baseado nos
fatos que observa, ou seja, o aluno tem que construir seus
conhecimentos, em vez de adquiri-los prontos, como acontece
geralmente no ensino tradicional (MACHADO, 2007).
2
Um conjunto de prêmios anuais, internacionais, existente desde 1975 e concedido a escritores e
artistas que tenham apresentado proeminentes realizações no campo da fantasia.
16

Partindo dos parâmetros de Marcatto (1996), temos uma nova forma


de aprender. Na verdade uma velha forma, já que estes preceitos eram utilizados na
academia da Antigüidade, em que o método consistia no discurso e no debate, ou
seja, se explanava um tema baseado nos conhecimentos prévios de cada pessoa
envolvida. Assim, era possível analisar o fato de vários ângulos e de modos
diferentes.
Temos um modelo bem parecido com esse na tradição dos mitos e
lendas espalhados pelo mundo, desde tempos imemoriais, as histórias eram
passadas oralmente, e delas, muitas vezes se retirava os conceitos de vida,
necessários para a formação de um indivíduo melhor.
Nos jogos de RPG é resgatado o prazer por contar histórias, um
tanto diferente dos métodos clássicos, em que as histórias eram da responsabilidade
dos avós e pais, e passaram depois para filmes de cinema e televisão, agora essa
magia voltou ao gosto popular, por intermédio do RPG.
Na concepção piagetiana, segundo Faria (1995), os jogos consistem
numa assimilação funcional, num exercício das ações individuais já aprendidas,
gerando, ainda, um sentimento de prazer pela ação lúdica em si e pelo domínio
sobre as ações. Portanto, os jogos podem ter dupla função: consolidar os
conhecimentos adquiridos e dar prazer ou equilíbrio emocional.
A contribuição do RPG para a sociedade é procurar unir o útil ao
agradável, já que para adolescentes em formação, ou adultos em busca de
conhecimento e lazer, certo estímulo é necessário.
A atividade lúdica trata isso com maestria, faz com que os indivíduos
aprendam, sem perceber, valores e regras sociais, e nesse caso específico, o prazer
da leitura e o aprendizado para acessar fontes de informação, às vezes até
desconhecida.
17

4 OBJETIVOS

4.1 OBJETIVO GERAL

Estudar se o RPG ajuda no estímulo à leitura, se ele serve para que


o jogador consulte e leia outras fontes de informação além dos livros de regras,
usando o jogo como ferramenta de disseminação; além disso, verificar se os
jogadores se tornam produtores de textos e outras formas de manifestação cultural.

4.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

 Caracterizar o jogador de RPG londrinense, bem como sua


origem escolar;
 Identificar os tipos e mídias de leituras utilizados pelos jogadores
de RPG em Londrina;
 Arrolar as mídias diversas em que os jogadores buscam
informações para o jogo;
 Sondar a opinião dos jogadores sobre o que é ler;
 Verificar quais são os principais interesses culturais e literários
dos jogadores londrinenses;
 Levantar as produções culturais realizadas por estes indivíduos,
caso existam.
18

5 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

5.1 DEFINIÇÃO DO RPG

RPG é a sigla do termo inglês Role Playing Game, que em livre


tradução significa “Jogo de Interpretação”.
Apesar de atualmente existir mais de uma forma de se jogar o RPG,
aqui será abordado o chamado “RPG de mesa”, que consiste em contar uma história
de uma forma mais lúdica e interativa, uma vez que os jogadores podem interferir a
qualquer momento por meio de seus personagens; podendo fazer qualquer coisa
desde que não fujam dos parâmetros do que é considerado “normal” no ambiente
proposto.
Para a visualização das ações, não se dispõem de nenhum artefato
senão a própria mente e a descrição oral delas. Para a construção imaginária do
cenário, algumas vezes são utilizadas miniaturas, mapas, ilustrações; além de
materiais de áudio (para inserir uma trilha sonora, por exemplo), e audiovisuais para
uma visualização mais próxima do ambiente, muitas vezes influenciado por terceiros,
como no caso de filmes que proporcionam referenciais para as ações e formas de
“ver” determinada cena de jogo.

5.2 HISTÓRIA DO RPG

A maioria dos livros de RPG começa com uma pequena introdução


contando a história do jogo e suas propostas, podem ser encontrados em sites de
livrarias especializadas como a Devir3 e outros grupos como grupo Ludus Culturalis4
que trazem uma retrospectiva mais detalhada de como surgiu este gênero de jogo.
Ele surgiu por volta de 1974, nos Estados Unidos; um grupo de
amigos costumava jogar wargames, (jogos de guerra), muito parecidos com o nosso

3
www.devir.com.br
4
www.ludusculturalis.com.br
19

“War” vendido em lojas de brinquedos de todo o país. Numa sessão de jogo em


especial, foi plantada a semente para a criação de uma das mais interativas formas
de se contar histórias.
Segundo as fontes encontradas, entre elas o site da Livraria Devir e
Pavão (2000), são tidos como os precursores do jogo um grupo de rapazes que
jogavam wargames5 há anos, entre eles Gary Gygax e Dave Arneson. Como o
inverno em algumas partes da América do Norte costuma ser bem rigoroso, a
diversão preferida deles nessa época era ficar em casa jogando. Um dia resolveram
adaptar o jogo, que tratava da 2a Guerra Mundial, para um tema mais fantástico,
então, influenciados pela trilogia de livros: “O Senhor dos Anéis”. Assim levaram
suas guerras para o ambiente mítico da Terramédia6.
Montaram miniaturas representando os vários povos envolvidos na
batalha e também seus castelos, fortes e florestas, dando ao jogo um ar mais
realista. Após algumas sessões, um dos jogadores havia perdido uma batalha e
quando foi declarada a vitória por seu oponente notou que uma das miniaturas de
seu exército havia caído debaixo de uma estrutura, sendo assim, não estava
participando da batalha e, como não tomou parte da luta não havia morrido.
Uma discussão se seguiu após isso e acabaram chegando ao
consenso de que realmente ele não havia perdido totalmente a batalha, pois um dos
seus sobrevivera e não era prisioneiro, resolveu então que atacaria o exército do
oponente se infiltrando pelo castelo e derrubando o líder.
Aquilo nunca havia sido tentado, apenas grandes exércitos eram
comandados pelos jogadores, um soldado atacar um complexo militar inimigo seria
suicídio, e por isso, julgaram, muito mais divertido. Resolveram então re-adaptar o
jogo para criar este tipo de missão. Assim, surge o primeiro RPG da história.
Mais tarde com a evolução das regras foram criados outros tipos de
personagens: magos, bárbaros, clérigos, entre outros; e também outras raças; como
os elfos, anões e halflings (chamados de hobbits por Tolkien), além de uma
infinidade de criaturas que habitariam este novo mundo, monstros, dragões,
entidades, espíritos elementais e deuses.
Algum tempo depois resolveram publicar este trabalho que se tornou
“febre” entre os amigos da escola e da vizinhança e em 1974 era publicado pela

5
Jogos de guerra: no Brasil temos o War da empresa Grow como representante deste tipo de jogo.
6
Mundo em que se passa a história de “O Senhor dos Anéis”.
20

TSR o RPG Dungeons & Dragons, sob autoria de Gary Gygax e Dave Arneson, e
que hoje se encontra na versão 3.5.
Após a criação do D&D outros sistemas começaram a surgir,
GURPS (Generic Universal Role Playing System) da Steve Jackson Games e
Shadowrun da FASA, entre outros de menor relevância. Nesta época o Dungeons &
Dragons ainda era o mais jogado, o que mudou com a invenção do Storyteller criado
por Mark Rain-Hägen e editado pela White Wolf em 1991 e que disputa até hoje o
mercado acirradamente com o D&D.
Na década de 1980 também despontaram os primeiros
computadores pessoais, e com eles os primeiros jogos eletrônicos com maior
interatividade, tais máquinas possibilitavam ao usuário não só controlar um carro
com um joystick, mas também inserir novos dados no jogo por meio de teclado ou
mais tarde com o mouse.
Isso fez com que o RPG também fosse incorporado por essa nova
tecnologia. Era possível, por exemplo, inserir uma resposta a uma pergunta proposta
pelo jogo, se a mesma estivesse correta, avançava-se mais um passo na aventura.
Na década de 1990 a tecnologia dos PCs7 e dos videogames
evoluíram, com isso a qualidade dos jogos também melhorou, de simples perguntas
e respostas, passou à visualização do mundo, com gráficos em 3D e outras técnicas,
mas a interatividade era restrita ao que fora programado no jogo, o que mudaria com
a criação e popularização da Internet.
A Internet revolucionou o modo como interagimos com o mundo, as
distâncias diminuíram mudando também o RPG e fazendo com que amigos que se
apresentam em um local físico para jogar, possam ser também transportados para
dentro da rede. E nesse espaço virtual, se encontrar e jogar, mesmo sendo de um
modo um pouco diferente. Apesar de o jogo continuar com o mesmo nome, foram
adicionadas mais três letras, criando a sigla MMORPG (Massive Multiplayer Online
Role Playing Game).

7
Personal Computers: nome criado pela IBM como marca para seus computadores pessoais, mas
que hoje designa computadores de mesa (desktops).
21

Fonte: www.levelupgames.com

Figura 2 – Tela de Ragnarok, um dos mais famosos MMORPGs (cada “boneco” na


tela representa um usuário online).

A estrutura que antes era mestre e jogadores passa a ser, servidor e


jogadores. O jogo é programado pelo administrador do sistema, que faz o papel do
mestre, indicando aventuras e missões aos jogadores, que por sua vez podem
resolver os “problemas” do mundo sozinhos, em grupos ou em clãs. Uma das
diferenças básicas do RPG online, é que há milhares de jogadores em um mesmo
mundo ao mesmo tempo, o que era impossível no RPG de mesa, e que possibilita
um jogo sem tumultos e confusões com 3 a 12 jogadores.
Apesar da atração visual dos jogos eletrônicos, o jogo “de papel” ou
“de mesa”, não perdeu seu valor, e ainda é amplamente comercializado em todo o
mundo, pois nem todos os desejos do jogador podem ser traduzidos em bytes e
polígonos.
22

5.2.1 O RPG no Brasil

O RPG chegou ao Brasil na década de 80, por meio de jovens que


faziam intercâmbio nos Estados Unidos, e mais tarde foi reconhecido pelas editoras
nacionais como uma fonte rentável de entretenimento sendo em 1989 traduzido pela
Grow. O único jogo disponível na época era Dungeons & Dragons, criado pela norte-
americana TSR, e comercializado aqui em uma caixa contendo os manuais básicos,
os dados multifacetados8 e alguns personagens prontos para o jogo e que também
eram utilizados como referência para a criação de novos, esta no entanto era a
primeira versão.
Anos depois, chegava a versão mais popular; e completa, com
relação a regras, suplementos e ambientação. Advanced Dungeons & Dragons,
editado pela Editora Abril Jovem, era composto basicamente de três livros: Livro do
Mestre, Livro do Jogador e Livro de Monstros. Como esta versão era razoavelmente
cara para o público brasileiro, foi lançada uma versão menor, First Quest. Onde
havia uma aventura pronta e alguns personagens, bem como fichas de alguns
monstros, os dados em acrílico e miniaturas dos personagens, o suficiente para se
ter noção de como o jogo funcionava, e com isso atrair o jogador a comprar a versão
completa.
Com o passar dos anos, mais e mais títulos foram criados, e como a
tradução e publicação deste material demorava a acontecer, os jogadores
começaram a importá-lo por intermédio de livrarias especializadas.
Dessa forma, segundo Pavão (2000, p.76) temos três gerações de
jogadores:

1a geração – são jogadores com maior poder aquisitivo, trouxeram o


D&D para o Brasil após intercâmbio nos Estados Unidos, ou por meio
de sua importação, é uma geração de leitores de textos, pois as
referências para a criação do D&D parte de livros como “O Senhor
dos Anéis”.

8
Os dados utilizados neste sistema são seis: 4, 6, 8, 10, 12 e 20 faces.
23

2a geração – esta geração possui um poder aquisitivo menor, seu


jogo é o GURPS, primeiro RPG lançado em português. O domínio do
inglês não é mais um item extremamente necessário para a utilização
dos livros, sendo um sistema genérico pode ser adaptado para
diversos cenários, sendo assim, não se prende mais aos livros como
fonte de inspiração das aventuras, os itens mais lidos são quadrinhos
e filmes.

3a geração – é a geração atual, como característica deste grupo,


temos uma visão do RPGista hoje, pouco ligado a livros, estes
tendem a se basear em filmes e no visual de bandas de rock, já que
esta proposta “dark” é também englobada pelo jogo9, o sistema é
focado mais no Role Playing do que no Game, ou seja, mais
interpretação e menos regras, o que acabou por deixá-lo mais
receptivo para novos jogadores. Neste período é possível ter uma
inclusão maior de adeptos (inclusive mulheres, excluídas até então
das mesas de jogo).

Esta mesma convenção também se aplicada ao RPGista londrinense,


uma vez que em conversas informais com a maioria deles é possível verificar as
diferentes gerações e até mesmo qual identificação eles tem sobre si mesmos e
sobre os outros.

5.2.2 O RPG em Londrina

A história do RPG em Londrina se inicia com grupos isolados que,


de alguma forma, têm contato com o jogo, mais tarde, quando ocorre uma
disseminação maior a respeito do assunto, criam-se grupos mais organizados e

9
O sistema Storyteller também chamado de World of Darkness (mundo das trevas).
24

também revistarias começam a comercializar este tipo de material, como é o caso da


Batbanca, que vende este tipo de material desde 1992.
Acreditamos que Londrina possui hoje cerca de 250 jogadores10,
mas esse dado não é muito preciso, pois há muitos grupos isolados.

Figura 3 – Evento: D&D Day, na Revistaria Odisséia (3 de novembro de 2007)11.

A cidade abriga duas revistarias especializadas em RPG, a


Batbanca, fundada em 1992 e a Odisséia aberta desde 2002, embora não seja difícil
encontrar livros e suplementos para o jogo em qualquer livraria.

10
Este número foi fornecido pela comissão organizadora do último evento oficial na cidade, o “RPG
Londrina” realizado em 2003 pela revistaria Odisséia, sendo que a maioria dos participantes eram
iniciantes.
11
Os mestres são facilmente identificáveis nesta foto, são os únicos que estão levantados, que é
devido á natureza do seu ofício.
25

5.3 A PRÁTICA DO RPG

O RPG é basicamente a interação entre os jogadores e o mestre,


que também é chamado de narrador, pois ele conta a história em que os jogadores
estão inseridos, relatando as conseqüências de seus atos e os efeitos que causaram
(ou que futuramente possam causar) no ambiente de jogo, bem como as reações
geradas a partir deste ato.
Após a criação do ambiente e da história por parte do mestre, os
jogadores planejam e montam os seus personagens. Para isso dispõem de uma
ficha com os atributos do mesmo, sejam físicos ou mentais, e também suas
habilidades e aparência, e imaginam como o personagem deveria ser, agir e pensar,
desde que isto esteja de acordo com o mundo proposto pelo mestre.
Diferente do que se pode pensar, o mestre não tem como planejar
tudo o que vai acontecer no jogo, ele cria situações para a confrontação dos
jogadores. O resultado deste embate depende das atitudes de cada um dos
envolvidos, sendo assim é impossível fazer um roteiro do que acontecerá a cada
cena da história.
Existem dois tipos de personagens no jogo: os interpretados pelos
jogadores, ou players, e os interpretados pelo mestre, ou NPCs (non-player
characters). Enquanto os jogadores interpretam apenas os seus próprios
personagens e suas ações, o mestre interpreta todas as outras criaturas contidas no
cenário. Ele é como um deus que controla todas as probabilidades e o destino em si,
mas não pode interferir diretamente nas ações dos players, pois existe o livre-
arbítrio, cada personagem é dono de suas ações.
26

Figura 4 – Cena de ação, o mestre (em pé) descreve a cena, enquanto o jogador
(esquerda) brande sua espada, declarando ação de ataque.

O mestre também atua como um árbitro das ações do jogo, ele


controla quem primeiro tem ação, e quem atuará depois. Em muitos casos isso é
feito utilizando o fator sorte, rola-se um dado e quem tirar o maior ou menor número,
dependendo da regra, começa a ação.
O momento em que cada personagem tem para fazer suas ações é
chamado de “rodada”. Cada rodada tem a duração dentro do jogo de poucos
segundos, isso no caso de uma rodada de combate, ou até de anos, no caso de
outros tipos de ação. Por exemplo: se um personagem (ou um grupo) faz uma
viagem do Brasil para a China de navio, e esta durar dois anos, esse tempo correrá
de forma instantânea fora do jogo, para os jogadores, e de forma natural para os
personagens, que sofrem todos os efeitos do tempo e da viagem.
Os dados multifacetados são usados em jogo, para determinar
sucesso ou falha, em suma, o fator sorte; se um jogador que interpreta um caçador
27

experiente tenta atirar contra uma gazela correndo em uma savana, ele deve
verificar em sua ficha qual a sua habilidade em atirar, essa habilidade é medida em
números, esses números serão utilizados como parâmetro para o sucesso ou falha
da ação, rola-se os dados, se o número obtido for satisfatório de acordo com a
habilidade do personagem ele então tem sucesso na ação, caso contrário há uma
falha.

Figura 5 – Dados multifacetados (20, 12, 10, 8, 6 e 4 faces)

Existem fatores externos ao personagem que podem elevar ou


diminuir o sucesso de uma ação, ainda no exemplo do caçador: se a gazela estiver
parada seria mais fácil acertá-la do que se estivesse correndo. Isto também é
traduzido em números, no caso de haver algo que facilite a ação, o player ganha um
bônus para realizar a ação, por exemplo, se ele necessitasse rolar um dado de seis
faces e obtivesse um número superior a cinco para acertar um tiro à longa distância,
esta ação seria facilitada se ele pudesse dispor de uma scope12 acoplada à sua
arma reduzindo a probabilidade de acerto, alterando o número a ser obtido (por
exemplo, para três ou mais), o inverso se daria se ele tentasse a mesma ação
usando uma pistola 380 à longa distância. Este tipo de arma não é ideal para esta
ação ele teria um redutor (ou penalidade) ao desenvolver a ação e o número
desejado para um sucesso poderia subir de cinco para seis, ou seja, muito mais
difícil de se conseguir.

12
Luneta utilizada para visualizar alvos à distância, geralmente acoplados a armas de longo alcance
para aumentar a precisão do tiro.
28

5.4 A NECESSIDADE DA COMUNICAÇÃO

O existir do homem só é possível por meio da comunicação. Ela


permeia toda a vida cotidiana, desde o nascimento ela influencia o modo de viver do
indivíduo, pois a criança percebe que, pelos sons e atitudes pode obter as coisas
que deseja além de poder exprimir o que sente em cada situação.
O homem encontra-se em constante interação com o seu meio e,
para isso, ele se utiliza da comunicação. Ela envolve fenômenos, como elementos
sociais que ocorrem entre as pessoas e dentro de cada uma delas, em contextos
interpessoais, grupais, organizacionais e de massa.
A comunicação interpessoal ocorre no contexto da interação face a
face. Entre os aspectos envolvidos nesse processo estão as tentativas de
compreender o outro comunicador e de se fazer compreendido. Incluem-se ainda
percepções pessoais, a possibilidade de conflitos e de persuasão entre
comunicadores, que podem ser intensificados ou reduzidos pela comunicação.

não existe apenas um agente emissor e um receptor, mas uma troca


entre as pessoas, tornando um sistema de interação e reação, ou
seja, um processo recíproco, que provoca, a curto ou longo prazo,
mudanças na forma de sentir, pensar e atuar dos envolvidos (SILVA,
2005, p.2).

Ainda de acordo com Silva (2005, p.18) a comunicação existe no


momento em que se estabelece uma relação, pois se entende por relação todo o
processo de entendimento entre duas pessoas com conhecimentos familiares ou
parecidos, entre outros, e tais conhecimentos podem ser facilmente agregados ao
indivíduo por meio da leitura.

5.5 DEFINIÇÕES DE LEITURA

A idéia da palavra leitura nos desperta geralmente a noção de que o


que vai ser lido está escrito em palavras, “o ato de ler é usualmente relacionado com
29

a escrita, e o leitor visto como decodificador da letra” (MARTINS, 1990, p. 11). Mas
“isto não é verdade”, lemos o mundo a nossa volta a todo o momento, lemos sinais
de trânsito, o clima, os sintomas de uma doença, uma obra de arte, uma peça, um
filme entre outras coisas, além da palavra escrita propriamente dita.
A aprendizagem da leitura começa logo nos primeiros momentos da
vida:

Desde os nossos primeiros contatos com o mundo, percebemos o


calor e o aconchego de um berço diferentemente das mesmas
sensações provocadas pelos braços carinhosos que nos enlaçam
[...]. Começamos assim a compreender, a dar sentido ao que e a
quem nos cerca. Esses também são os primeiros passos para
aprender a ler (MARTINS, 1990, p.10).

Ainda de acordo com Martins, a leitura pode ser feita de três formas:

 sensorial: quando apenas registramos o que está escrito (isto se


aplica a qualquer suporte de texto);

 emocional: quando entra em jogo o envolvimento do leitor com o


“texto” lido;

 racional: quando o que vai ser lido ganha um status elevado à


condição de arte, de coisa séria, quase científica.

Martins ainda defende que:

a leitura racional acrescenta à sensorial e à emocional o fato de


estabelecer uma ponte entre o leitor e o conhecimento, a reflexão, a
reordenação do mundo objetivo, possibilitando-lhe, no ato de ler, dar
sentido ao texto e questionar tanto a própria individualidade como o
universo das relações sociais. E ela não é importante por ser
racional, mas por aquilo que o seu processo permite, alargando os
horizontes de expectativa do leitor e ampliando as possibilidades de
leitura do texto e da própria realidade social (1990, p.66).
30

No RPG vemos que essas três formas de leitura se misturam, sendo


que o jogador “enxerga” o texto (ou a situação), que caracteriza a forma sensorial;
esta leitura desperta sentimentos, pois o leitor não só está construindo o texto, mas
ele, de certa forma, é o texto, e o que é lido tem importância fundamental para o
desenvolvimento do jogo e sua conclusão.

5.5.1 O RPG e o mediador da leitura e da informação

Em uma mesa de RPG, existem pessoas com diferentes vivências,


às vezes culturas e idades também diversas, sendo assim os seus personagens são
influenciados por essas vivências e experiências extra-jogo, isso contribui para o
crescimento intelectual de todos que participam do jogo.
Em uma ambientação ou descrição de ações dentro do jogo é
possível sempre ouvir frases como: “igual aquele filme”, “assim como ele fez naquele
livro”, “sabe aquela música?”, “na parede tem um quadro assim”. Esse tipo de
adendo faz com que desperte nos jogadores, ou no mestre, a vontade de querer
saber mais para que possa interpretar ou visualizar melhor a imagem ou a ação a
ser descrita oralmente. Isso não apenas no RPG, é comum o emprego de outras
fontes como auxiliares para a explicação de algo, principalmente em uma sala de
aula onde o professor se utiliza de aparatos para fazer com que sua explanação se
torne mais inteligível.
Conceitos de física, química e outras ciências são empregados
também com freqüência. Na maioria das mesas de RPG é convencionado que o que
você sabe, o seu personagem também sabe. Com exceção somente se este
conhecimento acabe por cair em discordância com o mundo criado, por exemplo, um
cavaleiro medieval não conseguiria projetar um motor a combustão, no entanto
saberia os princípios de se selar um cavalo.
Outra contribuição do jogo para a formação de novos leitores e o
incentivo a leitores pouco assíduos, é tirar deles a “preguiça mental” e a falta de
motivação apontada por Ezequiel Theodoro da Silva em seu livro “Leitura na escola
e na biblioteca” de 1986.
31

O RPG faz com que o indivíduo leia quase sem perceber, pois faz
isso para superar desafios propostos por um ambiente dinâmico e fantástico, a
vontade de ser um herói ou de fazer com que a história não acabe.

5.6 O BIBLIOTECÁRIO E O RPG

Ao buscar em bases de dados e acervos de bibliotecas do Brasil e


até internacionais, notamos uma escassez de trabalhos que mostram como o RPG
pode ajudar em uma unidade de informação, ou como o uso deste jogo por um
profissional bibliotecário colabora no incentivo à leitura ou escrita.
O Manifesto da UNESCO sobre Bibliotecas Públicas traz em seu
texto os seguintes itens, que consideramos o cerne do RPG:

As missões da biblioteca pública relacionadas com a informação, a


alfabetização, a educação e a cultura são as seguintes:

[...] – estimular a imaginação e criatividade das crianças e dos


jovens. [...].
– apoiar a tradição oral [...] (UNESCO, 1998, p.3).

Já em 1986, 8 anos antes de ser redigido este Manifesto, Faria


(1995) indicava que a freqüência com que os cidadãos utilizavam a biblioteca caia
cada vez mais, talvez porque nesta época estava se propagando o uso da TV e do
rádio com maior intensidade. Neste período também tinha-se o livro como o principal
produto da biblioteca, o que não mudou muito desde então, pois não é raro
encontrarmos audiotecas, videotecas, pinacotecas e outras “tecas”, desvinculadas
totalmente do sistema de bibliotecas, seja no meio acadêmico ou nas demais redes
de bibliotecas públicas espalhadas pelo Brasil.
Um outro problema que enfrentamos nas bibliotecas brasileiras é a
falta de leitura dos profissionais, uma vez que a grande maioria não lê, não tem
como indicar para os usuários informações pertinentes as áreas que não sejam as
mais procuradas e/ou consultadas. Mas essa é uma discussão para ser feita em
outro momento.
32

Conseqüentemente questionamos se é possível implementar um


jogo como o RPG em uma unidade de informação cujos bibliotecários não têm
noção nenhuma do que é o jogo, ou mesmo dos assuntos relacionados a ele, e
ainda, como se utilizar desta ferramenta multitextual, se temos na prática apenas
uma “biblíon téké13”, com pessoas tidas como guardiãs do conhecimento e da
informação, que não conhecem o acervo tão bem como deveriam.
Se isto continuar acontecendo, teremos cada vez mais a Internet, a
TV e o cinema empurrando o que quiserem aos nossos usuários, e estes as terão
como únicas fontes de informação. Afinal os bibliotecários, em sua grande maioria,
não sabem mostrar o que possuem em seus acervos, se prendem a eles de forma
desesperadora, em busca da construção do conhecimento, tornando-se “geeks14”.

13
Do grego: biblíon: livro e téké: caixa, depósito.
14
Sinônimo de NERD, nomes dados aos aficionados por ficção científica e afins (Jornada nas
Estrelas, Star Wars, Matrix, quadrinhos, etc.), geek soa mais como aficionados em tecnologias e
internet.
33

6 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

6.1 UNIVERSO E MEIOS DE PESQUISA

Nessa pesquisa utilizamos o questionário como forma de coleta de


dados, na execução de observação participante para melhor entendimento do jogo,
além das fotografias dos locais para documentação dos suportes utilizados para
leitura.
A observação nos trouxe informações sobre a realidade dos sujeitos
em seus próprios contextos e o questionário identificou esses indivíduos e seus
hábitos de busca, coleta de informação e demais dados específicos.
Fotos dos locais de jogo, evidenciaram o RPGista e os locais
repletos de livros, filmes, revistas, material sonoro, entre muitas outras
representações artísticas como esculturas, pinturas, maquetes, em sua maioria
realizadas pelos próprios jogadores, com o objetivo de uma melhor visualização dos
ambientes construídos mentalmente durante as sessões de jogo.

6.2 SUJEITOS DE PESQUISA

Os sujeitos desta pesquisa foram seis mesas de RPG, sendo duas


de Storyteller, outras duas de AD&D e mais duas de GURPS, para comparar os
sistemas e os tipos de leitura que cada grupo opta ao longo do desenvolvimento do
jogo.
Os sistemas escolhidos foram os mais populares e conhecidos pelos
jogadores e outros pesquisadores, e apresentavam distinções fundamentais entre
elas, Storyteller trabalha com o período atual, mas fantástica, e privilegia a
interpretação; AD&D é um sistema medieval, épico, privilegia a aventura e o
heroísmo, como todo conto épico. Já GURPS é um sistema genérico e que engloba
diversos gêneros de ambientação e cenário.
Foram contatadas 29 pessoas, de ambos os sexos, de idades
variadas, tendo também formações distintas, apenas 16 responderam ao
questionário (Apêndice 1) estas foram separadas de acordo com o sistema de jogo
que se identificavam quando abordadas pelo pesquisador.
34

7 ANÁLISE DE RESULTADOS

Após a aplicação do questionário podemos confirmar alguns fatos


afirmados pela literatura disponível e outros completamente opostos.

7.1 QUESTIONÁRIO

Um dos itens avaliados no questionário foi a população de jogadores


de RPG de Londrina, que segundo as respostas, é jovem, caracteriza-se em maioria
dos 21 aos 30 anos, e de gênero quase exclusivamente masculino, com exceção de
uma pessoa apenas do gênero feminino.
A idade dos jogadores em comparação com outros trabalhos, como
o de Pavão (2000) e Rodrigues (2004), feitos em São Paulo, mostra que a faixa
etária e gênero dos participantes do jogo não se alterou tanto nos últimos anos, o
jogador continua sendo jovem, com formação escolar acima do ensino médio ou
cursando ensino superior.
Sobre a pluralidade de culturas que falávamos anteriormente,
podemos ter uma nítida noção deste fato com as respostas dos mesmos em relação
a sua formação educacional; dentro dos grupos temos acadêmicos de diversas
áreas: Serviço Social, Filosofia, Direito, Administração de Empresas, Física,
Engenharia Elétrica, Letras, Design Gráfico e História. Os graduados são dos cursos
de: Computação, Psicologia, Direito e Direito/Filosofia15, sendo a maioria de
instituições públicas.
Para tornar um pouco mais interessante estes dados apresentaremos
os grupos, tal qual são na realidade, uma vez que os questionários foram
identificados de acordo com o grupo que este pesquisador abordou. Alguns
pertencem a mais de um grupo, sendo assim, estes serão identificados em negrito.

Grupo de AD&D

Estudantes
- Física (mestre)
- Administração

15
Este jogador cursou duas faculdades.
35

Graduados
- Direito e filosofia (dupla formação)
- Direito
- Computação
- Ensino médio

Grupo de Storyteller: módulo Mago: a ascensão

Estudantes
- Física (mestre)
- Filosofia
- História
- Serviço Social
- Letras
- Direito

Grupo de GURPS, suplemento Space:

Estudantes
- Não informou (mestre)
- Letras
- Física e Engenharia Elétrica
- Física

Graduados
- Psicologia

Outro dado interessante com relação à escolaridade foi a ocorrência


de cinco dos respondentes terem tido completa formação em instituições públicas,
diferente do que imaginávamos quando começamos este estudo; o que pressupõe
uma renda menor e, sendo assim, uma quebra no estigma de que seria um jogo
para classe média/alta, que é uma das características da primeira geração de
jogadores.
Os indivíduos apontaram que foram apresentados ao jogo, em sua
maioria, por amigos, em conversas informais e nas anotações da observação
participativa, os mesmos relataram fatos como: “[...] eu via os caras jogando e
achava coisa de doido, meu amigo passava a noite fazendo isso, daí um dia fui com
ele, montei um personagem bobinho e tô jogando com ele há dois anos, apaixonei.”
Até meados dos anos 2000 tinha-se o AD&D como sistema mais
popular entre os jogadores, no entanto este quadro mudou, Storyteller aparece como
favorito dos respondentes, entre as alegações de preferência pelo sistema, em
linhas gerais, foram destacados a sua liberdade e dinamismo.
36

O sistema Storyteller conta com um sistema de regras simples e


dinâmico, prima-se pela interpretação, não pela sorte, os dados em muitos casos
são raramente usados, ou dispensados, como no caso de um live action16.
Em anexo trazemos exemplos das planilhas para melhor
visualização, a primeira mostra a ficha de GURPS (Anexo A), considerado por
muitos jogadores como um sistema complexo, mas também completo e realista, os
cálculos de peso, carga, dano, precisão de ataque etc. são feitos com freqüência.
Diferente do AD&D este sistema permite que se ataque membros do corpo de um
oponente, por exemplo, danos a partes do corpo nem sempre são letais ao
personagem, tal complexidade é compensada, só são utilizados neste sistema
dados de seis faces.
A seguir a ficha de AD&D17, (Anexo B) também considerada
complexa, nela são necessários cálculos para cada ação de ataque, defesa contra
magia, além de trabalhar com porcentagens para inúmeras ações, estas são obtidas
com a rolagem de um dado de 10 faces da seguinte forma: o dado é arremessado
duas vezes, uma para a dezena e outra para a unidade, muitas destas regras são
ignoradas por mestres que preferem dar uma maior liberdade ao jogador.
Outro fator que complica o AD&D é o fato de utilizar dados de 20, 12,
10, 8, 6 e 4 faces, os dados de 20 faces são utilizados geralmente para testes de
atributos (força, inteligência, sabedoria, carisma, constituição e destreza), é também
utilizado em jogadas de ataque e testes de resistência. O freqüente uso deste dado
deu ao sistema o apelido de D20 System18.
A ficha de Storyteller (Anexo C), aqui representada pelo suplemento
Mago: a ascensão, é considerada simples, pois trabalha com uma disposição visual
dos pontos de atributos, já que ao invés de anotar números em campos, o jogador
preenche as bolinhas (também chamada de catotos) referentes a cada habilidade.
Para as ações é utilizado o sistema de paradas de dados, em que o jogador soma
os “catotos” de um atributo, com os pontos da habilidade a ser testada e o mestre
determina uma dificuldade de acordo com a ação a ser realizada, por exemplo: para
16
Live action: do inglês ação ao vivo, quando os participantes do jogo se caracterizam e encenam o
jogo, são seções separadas, ou seja, não ocorrem ao mesmo tempo que o RPG jogado “em mesa”,
são eventos que reúnem os praticantes deste estilo ocasionalmente; possui regras e até planilha
diferenciada.
17
O jogo AD&D não é mais editado, foi substituído pelo D&D (Dungeons & Dragons) que já está na
quarta edição, o AD&D corresponde à 2ª edição deste, mas devido a problemas de direitos autorais, e
uma completa revisão das regras, subtraíram o Advanced do titulo.
18
D é a abreviatura para dado, sendo assim, D20 é a abreviatura de dado de 20 faces.
37

uma maratona, o jogador deve somar seu atributo “vigor” à sua habilidade “esportes”
este resultado é a quantidade de dados que o jogador irá rolar; a dificuldade, dada
pelo mestre, pode variar de 5 (fácil) a 10 (difícil), sendo este o número que o player
terá que obter para realizar a ação com êxito, a quantidade de sucessos obtidos nos
dados, somada, dará a perfeição com que o ato foi realizado.
A ficha para live action (Anexo D) é uma adaptação da ficha comum,
ela é impressa em folha única e com a metade inversa para que se possa dobrar, e
tornar-se mais portátil, o sistema de definição de sorte é o “jan-ken-po”19, que não
necessita uma superfície para a rolagem dos dados, o que também é uma
adaptação para tornar o jogo possível em locais diferentes, sendo o jogo dinâmico e
não estático, ou seja, os personagens andam, saem do lugar, não há um palco. Ele
pode ser jogado em qualquer espaço.
A popularidade do sistema Storyteller se confirma também quando
questionados sobre a habilitação dos mesmos para conduzir uma aventura
(mestrar), 6 indivíduos responderam que mestram. Seis ocorrências do sistema
Storyteller foram contadas, sendo assim, todos narram o referido sistema e um
outro, estando empatados os sistemas GURPS, D&D e AD&D com duas ocorrências
cada.
A inspiração para jogar RPG, nos grupos estudados, quase foram
equiparadas entre cinema (15 ocorrências), quadrinhos e livros (14 ocorrências).
Em conversa com os mesmos, constatamos que quando
responderam cinema, nem sempre se referiam à mídia do cinema, mas também
transmissões de filmes pela televisão e aqueles no formato de DVD. Os mesmos
não aparentaram fazer distinção do cinema (a sala escura onde filmes são
projetados) e das produções em si.
Na resposta ao item outros, os jogadores relataram ainda outras
fontes de inspiração interessantes:

- Cotidiano;
- De minha imaginação deturpada;
- Conversas de bar;
- Dia-a-dia;
- Atuação de outros players;
- Outros jogadores e dia a dia.

19
No Brasil conhecido como “pedra, papel e tesoura”
38

Tendo em vista estas respostas, afirmamos que os jogadores têm


uma propensão à leitura de mundo como aporte para as sessões de jogo, dizemos
isto verificando que os mesmos buscam inspiração no cotidiano (também dito dia-a-
dia), para melhor interpretar seus personagens e/ou conduzir e criar aventuras.
Um dado preocupante aparece na questão que se refere ao “como”
os questionados obtém o material que usam para o jogo. Empatados em 12
ocorrências temos a Internet como uma dessas fontes e os amigos. Bibliotecas
aparecem com apenas 3 ocorrências e acervo pessoal 8.
Este fato constata um “temor” dos profissionais das áreas de Ciência
da Informação. Que esse usuário está mudando sua mídia de pesquisa, deixando o
livro e partindo para algo mais imediato do ponto de vista de busca e recuperação
mais ágeis.
Mas, a nossa sugestão para o futuro da Biblioteconomia, é não no
sentido de apenas criar métodos para atrair esses usuários de volta aos meios
tradicionais, mas também encontrar formas de entrar neste espaço novo que os
usuários estão buscando sua informação, adentrar nestes meios e orientá-los,
mostrando novos caminhos e apontando novas formas de enxergar a realidade
informacional.
Quanto à produção de textos, 4 dos 6 mestres participantes redigem
as aventuras antes ou depois de jogadas e 4 jogadores informaram ter produzido
algo relacionado ao jogo recentemente, no caso: sites (3), contos (3) e artigos (2).
Detectamos ainda que 50% dos jogadores mantêm um diário das aventuras jogadas.
Questionados sobre o que é ler, os RPGistas, responderam
basicamente o mesmo, a maioria lê para adquirir conhecimento e informações,
poucos o fazem por lazer, apenas 2 ocorrências que utilizam a leitura para ambos;
os casos: construção do conhecimento e entretenimento.

7.2 OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE

Durante o processo de coleta dos dados, foram observadas as


mesas de AD&D e Storyteller, mas não houve a possibilidade de acompanhar
seções de jogo do sistema GURPS.
39

A observação foi utilizada como apoio ao questionário, de certa forma


serviu para verificar se as respostas eram condizentes ou não. Ela foi realizada
durante três seções de jogo de cada sistema.
Notamos uma completa conformidade com as respostas,
principalmente com relação à fonte de inspiração para as aventuras. É comum ouvir
os jogadores citarem frases de filmes, trechos de livros, ações de determinado
personagem em determinada série de TV ou filme, além de personagens de
quadrinhos (tanto de quadrinhos americanos como quadrinhos japoneses).
É evidente também uma invasão cultural grande do Oriente no
cotidiano dos jovens, camisetas, nomes de personagens e citações a diversas
animações nipônicas estão presentes durante todas as seções de jogo dos sistemas
observados, a saber, as animações identificáveis: Naruto, Uchuu Senkan Yamato
(no Brasil com o nome Patrulha Estelar), Pokémon, Dragon Ball, Akira, Samurai X,
entre muitos outros.

Figura 6 – Parte do acervo da K2 Mangá Point, loja especializada em material


nipônico (mangás e animês) mas com espaço para RPG e cardgames
40

Também percebemos que durante as seções de jogo não é comum


ver jogadores escrevendo as aventuras, os que mantêm diários escrevem-nos após
as seções em suas casas, mas pontos importantes e tópicos para sua redação são
anotados quando se faz necessário.
O mestre observado era o mesmo nas duas mesas, ele sempre trazia
consigo algumas anotações e textos, além dos livros básicos do jogo e alguns
suplementos. Este também fazia anotações pontuais e não redigia nada muito longo.
Na fala e comentários dos participantes do jogo, ficou evidente uma
boa freqüência em atividades culturais, tais como cinema e teatro além de um dos
participantes da mesa de AD&D ter assistido uma apresentação do Festival de
Dança de Londrina
Não ficou evidente a utilização da biblioteca nas ações de preparo
para o jogo ou até mesmo em atividades cotidianas. Quando levantada a questão
ambos os grupos relataram que preferem a Internet, era mais fácil de achar o que se
quer e muito mais prático do que se deslocar a lugares que nem sempre dispõe de
materiais atualizados, muito menos em termos de lançamentos literários e outras
mídias. Um dos jogadores até citou que certa vez tentou achar algo na videoteca da
UEL mas não obteve êxito.
Vale ressaltar que devido ao fato do pesquisador ser um jogador de
RPG há mais de 10 anos, podemos inferir que tenha se “cegado” para certos
acontecimentos dentro do jogo, fazendo com que muitos dados possam passar
despercebidos, porém um esforço de imparcialidade e neutralidade foi feito, mesmo
sabendo que tal neutralidade na poderia ser alcançada completamente.
41

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após analisados os dados coletados em campo e a literatura


disponível concluímos que o RPG em Londrina realmente contribui para o incentivo
à leitura, mas de forma indireta.
A comunidade RPGista da cidade é composta em sua maioria por
membros da terceira geração de jogadores, isto é evidente quando observamos a
quantidade de jogadores que relatam a preferência pelo sistema Storyteller, e como
afirma Pavão (2000), a inclusão das mulheres neste segmento.
Os jogadores londrinenses buscam informações acerca de outras
culturas e mídias que extrapolam os limites do jogo, assistem filmes e consultam
diversas produções com o intuito de enriquecer suas interpretações, seja como
mestre ou como jogador.
A amizade é a grande motivadora, tanto do jogo quanto do tipo de
leitura consultada pelos jovens. A leitura está, grande parte do tempo, relacionada
com quadrinhos e material “fantástico”, e estes servem para que os players possam
ter um “leque” de opções quando inseridos no jogo. Ações de heróis de quadrinhos
são reproduzidos na maioria das seções de jogo.
Apesar de não termos consultado nenhum jogador nesta pesquisa
que tenha produções culturais não literárias, como escultura, pintura, desenho, entre
outros; é de conhecimento deste pesquisador diversas produções relacionadas a
outros suportes. Um exemplo que destacamos na Figura 07, que ilustra a produção
de fãs de animê e mangá na revistaria K2, especializada neste tipo de material. São
esculturas feitas em resina, chamadas Garage Kits20.

20
Do inglês: kit de garagem – feitos por escultores amadores e fãs de certa produção pop, são muito
relacionados a fãs de animê e mangá, mas podem ser de entusiastas de outros gêneros de cultura
popular.
42

Figura 7 – Garage Kits de fãs de animê e mangá da K2 Mangá Point

Antigamente eram comuns miniaturas de chumbo que eram vendidas


sem pintura; feita posteriormente pelo comprador, mas sendo o chumbo um material
tóxico seu comércio foi suprimido, atualmente há pessoas que produzem suas
próprias miniaturas de chumbo artesanalmente.
43

Na atualidade o RPG começou a reviver os wargames com o D&D 3a


edição, que trouxe de volta a miniatura para as batalhas, tornando as ações mais
visualizáveis e criando um outro gênero, chamado de: Jogo de miniaturas.

Figura 8 – Aventura de D&D 3a edição utilizando tabuleiro e miniaturas.

A figura acima (figura 08) mostra como se mesclam o jogo de


miniaturas e o RPG tradicional, onde além de declaradas as movimentações, elas
também podem ser observadas no tabuleiro.
Findamos aqui um trabalho que visa engrandecer não só a visão dos
bibliotecários sobre o jogo, mas também de todos aqueles que com ele tiverem
contato, desmistificando o jogo e abrindo novos caminhos para a leitura no Brasil e
quiçá no mundo.
44

REFERÊNCIAS

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em: 21 maio 2007.

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Theodoro da Silva. O bibliotecário e a análise dos problemas de Leitura Porto
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BRANDÃO, Carlos R. O que é educação. 3 ed. São Paulo: Brasiliense, 1987.

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SILVA, Ezequiel Theodoro da Silva. O bibliotecário e análise dos problemas de
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Abril, 1995.

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SEMINARIO INTERNACIONAL DE BIBLIOTECAS ESCOLARES: INTEGRANDO EL
CENTRO DE RECURSOS PARA EL APRENDIZAJE AL CURRICULAR. Ministério
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45

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Disponível em: <www.rpg.com.br>: Acesso em: 24 mar. 2004.

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MARTINS, Maria Helena. O que é leitura. São Paulo: Brasiliense, 1990.

MIOSSI, Adriano Madaleno. Role playing games: incentivo à leitura em bibliotecas


públicas. 2002. 87 f. TCC (Graduação em Biblioteconomia) - Faculdade de Filosofia
e Ciências, Universidade Estadual Paulista, Marília.

OLIVEIRA, Sandra Ramalho. Imagem também se lê. São Paulo: Ed. Rosari, 2006.

PAVÃO, Andréa. A aventura da leitura e escrita entre os mestres de Role


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VERGUEIRO, Waldomiro. Entrevista concedida a Rio Mídia. Disponível em:


<http://www.multirio.rj.gov.br/portal/riomidia/rm_entrevista_conteudo.asp?idioma=1&i
dMenu=&label=&v_nome_area=Entrevistas&v_id_conteudo=64847> Acesso em: 11
out. 2007.
46

APÊNDICES
47

APÊNDICE 1
48
Questionário

Sou aluno de Biblioteconomia da UEL e estou desenvolvendo o meu Trabalho de Conclusão de Curso
(TCC) cujo tema é: O RPG como incentivador da leitura.
Agradeço a sua colaboração no sentido de responder este questionário.

Fernando José Correia

1 Idade: 10 a 15
16 a 20
21 a 30
31 a 50
mais que 50

2 Gênero: masculino  feminino

3 Escolaridade:  ensino básico incompleto  ensino básico completo


 ensino médio incompleto  ensino médio completo
 ensino superior incompleto  ensino superior completo
Curso:__________________________________

3.1 Sua formação vem de:


Ensino básico  Instituição pública  Instituição privada
Ensino médio  Instituição pública  Instituição privada
Ensino superior  Instituição pública  Instituição privada

4 Como conheceu o RPG?


Feira, evento Internet Faculdade
Amigos Jornal, revista Outro______________________
TV Colégio  básico  médio _____________________________

5 Que sistema prefere?


 Storyteller  GURPS
 AD&D  3D&T
 D&D (3a/3.5)  Porquê?_____________________________________________________

6 Mestra algum sistema?


 Sim (assinale apenas os mais freqüentes)  Não
 Storyteller  AD&D  3D&T
 D&D (3a/3.5)  GURPS  Outro________________________________

7 Onde busca inspiração para interpretar e/ou mestrar RPG? (esta questão admite múltiplas respostas)
 TV Quadrinhos
 Cinema  Teatro
 Livros  Outro________________________________________________________
49
8 Tem acesso a esse material por meio de:
 Bibliotecas  Amigos
 Acervo pessoal  Outro_______________________
 Internet

9 Redige as aventuras antes ou depois de jogadas? (No caso do mestre)


 Sim  Não

10 Possui alguma publicação ou produção artística recente relacionada com o RPG?


 Sim  Não
 Fanzine  Artigos  Escultura
 Blog  Contos  Direção/produção de teatro/cinema
 Site  Pintura  Outros________________________________________________

11 Mantém um diário das aventuras jogadas?


 Sim Não

12 Para você, ler é:

________________________________________________________________________________

________________________________________________________________________________

________________________________________________________________________________

________________________________________________________________________________

________________________________________________________________________________
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ANEXOS
51

ANEXO A
Planilha de GURPS
52
53

ANEXO B
Planilha de AD&D
54
55

ANEXO C
Planilha de Mago: a ascensão
56
57

ANEXO D
Planilha de Leis da Noite (live action)
58
59

GLOSSÁRIO
60

GLOSSÁRIO

Animê – Desenho animado de origem japonesa. Ex.: Dragon Ball, Pokémon, etc.

Anões – Diferente da vida real, onde o nanismo é uma característica genética rara,
nos livros de Tolkien, existe uma raça inteira com características peculiares
chamados de Anões, estes também possuem estatura diminuta, mas uma estrutura
óssea e muscular mais resistente do que os humanos. A história dos anões é
baseada na mitologia nórdica. Tal raça possui um desentendimento com a raça dos
Elfos, outra raça existente apenas em universos de fantasia.

Aventura – cada história criada pelo narrador/mestre tem o nome de aventura, um


conjunto de aventuras usando o mesmo sistema, o mesmo mundo e os mesmos
personagens é chamada de campanha.

Bushidou – código de conduta do samurai.

Campanha – uma seqüência ou conjunto de aventuras ligadas por alguma


característica em comum (geralmente personagens).

Cardgames – em tradução livre: jogos de cartas. São jogos de estratégia,


complexos em sua maioria, e que basicamente são duelos entre os jogadores. A
marca mais conhecida de tais jogos é Magic: the gathering, que possui uma versão
online outro mais recente mas de notória presença entre os jovens de todas as
idades é Pokémon.

Cenário – pano de fundo para as histórias, é o ambiente em que se desenvolvem as


histórias narradas.

Dados multifacetados – para se jogar RPG se utilizam dados com várias faces, são
encontrados dados com: 4, 6, 8, 10, 12 e 20 faces. Alguns sistemas se utilizam
apenas de um ou mais, outros como o D&D de todos eles.
61

Dungeons & Dragons – primeiro sistema de RPG do mundo, seu cenário é a Era
Medieval, mas sob o olhar da fantasia e não da realidade, embora possa ser
adaptada para uma maior realidade.

Elfos – o povo dos Elfos, é considerado muito belo, muito semelhantes aos
humanos, porém com uma beleza inconfundível e podem ser facilmente
reconhecidos pois possuem orelhas pontudas, são característicos de cenários
medievais, como D&D, e remontam a mitologias européias; o fato destes serem
inseridos no RPG se deve basicamente a Tolkien, e seus livros “O Senhor dos
Anéis”.

Grupo – designa uma equipe de aventureiros dentro e fora do jogo, ou seja, um


grupo de jogadores, ou um grupo de personagens.

GURPS – Generic Universal Roleplay System, sistema de RPG.

Halflings – os Halflings são um povo do mundo de fantasia de Dungeons &


Dragons, de estatura diminuta mas ágeis e astutos, geralmente são espiões, ladrões
e outros tipos de aventureiros que necessitem da astúcia e habilidades de
ocultamento que esta raça proporciona.

Hobbits – habitantes da Terramédia criada por Tolkien, são a base para a criação
dos halflings de D&D, são considerados um povo pacato que nunca abandona o
lugar onde vivem, O Condado. Bon vivants por natureza, são ligados ás coisas
simples da vida, á erva de tabaco, cerveja e boa comida.

Jogador – quem interpreta os personagens dentro das histórias criadas pelo mestre.

Mangá – nome que utilizado para designar revistas em quadrinhos originárias do


Japão.

Mestre – também chamado de narrador, o mestre tem a função de criar as histórias


nas quais os jogadores irão interpretar seus personagens. O mestre atua como
62

deus, juiz e júri em uma história, ele sabe tudo a respeito do mundo em questão e do
sistema, bem como a vida e o que pensa cada personagem. Pode-se dizer que ele é
onipresente e onisciente.

Mundo – é a união de vários cenários de uma mesma época, é mais comum o uso
de mundos em RPGs de fantasia medieval, uma vez que em títulos de cenário
contemporâneo (Vampiro, por exemplo), o mundo é o mesmo em que vivemos,
apenas com poucas adaptações.

NPC – non-player character: em livre tradução, personagem não jogador. Este termo
é utilizado para designar os personagens controlados pelo mestre, ou seja, qualquer
personagem que não é interpretado pelos jogadores.

Orc, ogro – monstros comuns em histórias medievais de fantasia e também nos


contos populares da Europa.

Personagem – cada jogador tem seu personagem, o papel do jogador é interpretar


seu personagem baseado nos conhecimentos que tem sobre si mesmo sobre o
sistema utilizado, sobre o mundo e outros fatores.

RPG (Role Playing Game) – jogo de interpretação, jogo composto por mestre e
jogadores, onde o mestre é responsável por criar uma história em que os jogadores
irão inserir seus personagens e interpretá-los de acordo com o cenário e o sistema.
Criado na década de 70 nos Estados Unidos.

Samurai – guerreiro medieval japonês.

Sistema – é o conjunto de regras utilizado em cada tipo de jogo, dois sistemas se


destacam atualmente Vampiro e D&D, há sistemas nacionais como o 3D&T, que
diferente dos sistemas citados anteriormente, é mais simples e também genérico.

Storyteller – sistema popular de RPG realista tem como principais títulos: Vampiro:
a máscara, Lobisomem: o apocalipse e Mago: a ascensão.

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