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José Se você gritasse, Aula de português Tive ouro, tive gado, tive fazendas.

se você gemesse, Hoje sou funcionário público.


E agora, José? se você tocasse A linguagem Itabira é apenas uma fotografia na parede.
A festa acabou, a valsa vienense, na ponta da língua, Mas como dói!
a luz apagou, se você dormisse, tão fácil de falar
o povo sumiu, se você cansasse, e de entender. Poema de sete faces
a noite esfriou, se você morresse...
e agora, José? Mas você não morre, A linguagem Quando nasci, um anjo torto
e agora, você? você é duro, José! na superfície estrelada de letras, desses que vivem na sombra
você que é sem nome, sabe lá o que ela quer dizer? disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
que zomba dos outros, Sozinho no escuro
você que faz versos, qual bicho-do-mato, Professor Carlos Góis, ele é quem sabe, As casas espiam os homens
que ama, protesta? sem teogonia, e vai desmatando que correm atrás de mulheres.
e agora, José? sem parede nua o amazonas de minha ignorância. A tarde talvez fosse azul,
para se encostar, Figuras de gramática, esquipáticas, não houvesse tantos desejos.
Está sem mulher, sem cavalo preto atropelam-me, aturdem-me, seqüestram-me.
está sem discurso, que fuja a galope,
você marcha, José! O bonde passa cheio de pernas:
está sem carinho,
José, para onde? Já esqueci a língua em que comia, pernas brancas pretas amarelas.
já não pode beber, em que pedia para ir lá fora, Para que tanta perna, meu Deus, pergunta
já não pode fumar, em que levava e dava pontapé, [meu coração.
cuspir já não pode, a língua, breve língua entrecortada Porém meus olhos
a noite esfriou, do namoro com a prima. não perguntam nada.
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio, O português são dois; o outro, mistério. O homem atrás do bigode
não veio a utopia é sério, simples e forte.
e tudo acabou Confidência do Itabirano Quase não conversa.
e tudo fugiu Tem poucos, raros amigos
e tudo mofou, Alguns anos vivi em Itabira. o homem atrás dos óculos e do bigode.
e agora, José? Principalmente nasci em Itabira.
Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro. Meu Deus, por que me abandonaste
E agora, José? Noventa por cento de ferro nas calçadas. se sabias que eu não era Deus,
Sua doce palavra, Oitenta por cento de ferro nas almas. se sabias que eu era fraco.
seu instante de febre, E esse alheamento do que na vida é porosidade e
sua gula e jejum, [comunicação. Mundo mundo vasto mundo
sua biblioteca, se eu me chamasse Raimundo
sua lavra de ouro, A vontade de amar, que me paralisa o trabalho, seria uma rima, não seria uma solução.
seu terno de vidro, vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e Mundo mundo vasto mundo,
sua incoerência, [sem horizontes. mais vasto é meu coração.
seu ódio – e agora?
E o hábito de sofrer, que tanto me diverte, Eu não devia te dizer
Com a chave na mão é doce herança itabirana. mas essa lua
quer abrir a porta, mas esse conhaque
não existe porta; De Itabira trouxe prendas diversas que ora te ofereço: botam a gente comovido como o diabo.
quer morrer no mar, esta pedra de ferro, futuro aço do Brasil,
mas o mar secou; este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval; (Todos os poemas desta folha foram
quer ir para Minas, este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas; escritos por Carlos Drummond de Andrade)
Minas não há mais. este orgulho, esta cabeça baixa...
José, e agora?

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