You are on page 1of 1

Março de 2011

Bi blioGi
Duas datas, dois poemas

Dia do Pai – 19 de Março Dia Mundial da Poesia – 21 de Março

Liberdade
Pai, a Minha Sombra és Tu
O poema é
a cadeira está vazia, um corpo ausente
A liberdade
não aquece a madeira que lhe dá forma
Um poema não se programa
e não ouço o recado que me quiseste dar Porém a disciplina
nem a tua voz forte que grita meninos — Sílaba por sílaba —
na hora de acordar O acompanha
ouço o teu abraço, no corredor em gaia
Sílaba por sílaba
e os olhos molhados pela inusitada despedida
O poema emerge
— Como se os deuses o dessem
o sol foge
O fazemos
mas o crepúsculo desenha a sombra que
tenho colada aos pés Sophia de Mello Breyner Andresen
ou o espelho, coberto com a tua face
Sobre um Poema
pai, digo-te
Um poema cresce inseguramente
a minha sombra és tu
na confusão da carne,

Jorge Reis-Sá sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,


talvez como sangue
ou sombra de sangue pelos canais do ser.

Dia do Pai Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência


ou os bagos de uva de onde nascem
as raízes minúsculas do sol.
É um dia iluminado Fora, os corpos genuínos e inalteráveis
pela ternura de quem ama do nosso amor,
os rios, a grande paz exterior das coisas,
em cada filho o futuro
as folhas dormindo o silêncio,
como se fosse uma chama as sementes à beira do vento,
- a hora teatral da posse.
que nada pode apagar,
E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.
seja o vento, seja a chuva,
E já nenhum poder destrói o poema.
seja a tormenta do mar.
Insustentável, único,
É um dia carinhoso invade as órbitas, a face amorfa das paredes,
com uma história para contar a miséria dos minutos,
a força sustida das coisas,
que só acaba à noite
a redonda e livre harmonia do mundo.
quando nos vamos deitar,
- Em baixo o instrumento perplexo ignora
ao colo do nosso pai
a espinha do mistério.
com uma canção de embalar. - E o poema faz-se contra o tempo e a carne.

José Jorge Letria Herberto Helder

You might also like