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6º COLÓQUIO INTERNACIONAL MARX E ENGELS

Sobre o “teoricismo” de Nicos Poulantzas: considerações teóricas e metodológicas

Adriano Codato
Professor de Ciência Política
na Universidade Federal do Paraná (UFPR)

GT 3 - Marxismo e ciências humanas

I. O autor e sua obra


Quando Nicos Poulantzas desapareceu em 1979, aos 43 anos, contava já com uma
obra importante e impressionante.
No intervalo de apenas uma década, ele havia publicado nada menos do que cinco
livros de teoria política1 e protagonizara, com Ralph Miliband, o célebre debate sobre
como afinal compreender o espólio de Marx/Engels e como explicar, a partir daí, a
política capitalista contemporânea. Convidado, passara a dirigir uma coleção de estudos
empíricos de Sociologia Política (“Politiques”) para a prestigiada Presses Universitaires
de France, cujo primeiro volume seria La crise de l’État, saído em 19762. Em meio a isso
tudo, não só tinha estabelecido uma bateria de noções teóricas que mudaram e
comandaram por um bom tempo a teoria e a terminologia marxista (bloco no poder,
hegemonia de fração, classe detentora, classe reinante, forma de Estado, forma de regime,
efeitos pertinentes, burocratismo burguês etc.), mas contribuíram mesmo para
(re)construí-la em bases inéditas. Bob Jessop julga, possivelmente com razão, que
Poulantzas foi “o mais importante teórico político marxista do pós-guerra”3.

1 Pouvoir politique et classes sociales de l’État capitaliste (1968); Fascisme et dictature (1970); Les classes
sociales dans le capitalisme aujourd’hui (1974); La crise des dictatures (1975); L’Etat, le pouvoir, le socialisme (1978). Uma
relação bem completa dos principais trabalhos de Nicos Poulantzas entre 1961 e 1980 pode ser lida em:
Christine Buci-Glucksmann (dir.), La gauche, le pouvoir, le socialisme: hommage à Nicos Poulantzas. Paris: PUF,
1983, p. 29-33.
2 Para a natureza política do projeto e o sentido polêmico da coleção, ver Nicos Poulantzas, O

Estado, o poder e nós. In: Étienne Balibar et. al., O Estado em discussão. Lisboa: Edições 70, 1981, p. 79-84.
3 Bob Jessop, On the Originality, Legacy, and Actuality of Nicos Poulantzas. Studies in Political

Economy, n. 34, Spring 1991, p. 75.


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Para apoiar essa afirmação registro que ele foi, entre os marxistas, o autor com o
qual e contra o qual mais se escreveu durante os anos setenta e logo depois. O total bruto
de referências a Poulantzas em três bases de dados que reúnem os principais periódicos
de ciências sociais em língua inglesa (Sciences Citation Index, Social Sciences Citation
Index e Arts & Humanities Citation Index) é expressivo. Entre 1968 e 2008 (junho) foram
concedidas 1 797 referências aos seus trabalhos, mais que o dobro de referências a Ralph
Miliband, cifra próxima às citações de E. P. Thompson (2 186) e A. Giddens (2 549). O
campeão foi Michel Foucault com algo perto de 11 mil referências, quase o dobro de
Pierre Bourdieu (5 923). Seria um exagero falar num renascimento do interesse pela
teoria poulantziana hoje. Mas não deixa de ser notável a edição, em maio de 2008, de
uma coletânea anotada dos seus textos principais4.
Três exemplos são suficientes para medir sua capacidade de invenção e
intervenção no panorama intelectual continental: a idéia de ‘cena política’, por oposição a
mundo político, meio político etc. e o acesso imediato ao sentido das ações dos políticos
profissionais que essas locuções tendem a sugerir, em especial na crônica jornalística; a
idéia de ‘periodização política’, contra a disposição e a classificação dos acontecimentos
políticos numa mera cronologia (um fato depois do outro), uma desvirtude da
historiografia tradicional; e a idéia de ‘autonomia relativa do Estado’, um traço
constitutivo de todas as formas de Estado capitalista e não apenas dos regimes “fortes”
como queriam os teóricos do totalitarismo.
Tendo em vista a fraqueza da Ciência Política francesa até os anos 1960-1970
(comparada com a História da Filosofia ou com a História Social), e a dependência estrita
que a carreira mantinha com os estudos de Direito Público e Constitucional, não deixa de
ser notável a ponderação de Jean Leca: mesmo importando mais que exportando, um dos
temas que melhor poderia contar a favor dos politólogos franceses nesse comércio
internacional de idéias era “sobretudo a teoria do Estado”. E, aí, “os trabalhos de Nicos
Poulantzas” exerceriam “uma influência suficientemente forte sobre os departamentos de
Ciência Política anglo-saxões a ponto de dar origem a eruditas refutações”5.
Com efeito, o vocabulário poulantziano tornou-se um trunfo graúdo no torneio
acadêmico contra a Ciência Política “burguesa”, já que fabricava e fornecia idéias,
noções, elementos teóricos e, principalmente, conceitos aplicáveis na análise concreta,
esses últimos uma reivindicação e uma reprovação antiga da politologia não-marxista.
Na realidade, buscava-se com esse novo glossário, e com os pressupostos teóricos
e filosóficos que o afiançavam, certos objetivos bem precisos e que casavam com a
determinação de abrir para o marxismo teórico, ou melhor, para um tipo determinado de
marxismo (o estruturalista), um caminho exclusivo na ciência social reinante e instalá-lo
na primeira posição.

4
James Martin (ed.), The Poulantzas Reader: Marxism, Law and the State, by Nicos Poulantzas.
London; New York: Verso, 2008.
5 Jean Leca, La science politique dans le champ intellectuel français. Revue française de science
politique, vol. 32, n. 4, 1982, p. 655. Seria um exagero falar num renascimento do interesse pela teoria
poulantziana hoje. Mas não deixa de ser notável a edição, em maio de 2008, de uma coletânea anotada dos seus
textos principais: James Martin (ed.), The Poulantzas Reader: Marxism, Law and the State, by Nicos Poulantzas.
London; New York: Verso, 2008.

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Sobre o “teoricismo” de Nicos Poulantzas 3

II. O projeto intelectual


Esse propósito, sem dúvida ambicioso, envolvia superar o velho institucionalismo
jurídico e sua hegemonia inconteste sobre a Ciência Política francesa, introduzindo em
seu lugar o que Poulantzas certa vez chamou de uma “Sociologia Política de esquerda”.
Compreendia também uma série de outros desafios, a saber: denunciar o primarismo das
escolas anglo-saxãs e “a indigência prodigiosa dos resultados das pesquisas concretas
dessa ‘Ciência’ Política”6; confrontar o pluralismo de R. Dahl e de R. Aron e a negação
da idéia de que as classes sociais, não os grupos de interesse, influenciavam as decisões
políticas; discutir o funcionalismo embutido na noção de “cultura política” com a qual G.
Almond e S. Verba trabalhavam para pensar a legitimidade (ou a “aceitação”) das
estruturas políticas capitalistas; contestar a análise sistêmica de David Easton, que havia
condenado e depois banido o conceito de Estado, substituindo-o pelo de “sistema
político”, mais real e mais operacional, supostamente; e, para ficarmos por aqui, retificar
o elitismo de Wright Mills, que havia importado para o pensamento crítico, por
contrabando, a noção ideológica de “elite”7.
A lista de adversários, todavia, não ficaria completa se não registrássemos que
esse projeto intelectual implicava também corrigir o marxismo do seu principal erro
teórico – o historicismo –, do seu principal erro filosófico – o humanismo – e um dos
seus mais notáveis erros políticos: aquele que derivou da linha estrita seguida pela
política do Comintern no Terceiro Período (1928-1935), e que consistia em identificar,
para fins teóricos, retóricos e práticos, o fascismo italiano e a “democracia burguesa”
(duas formas, afinal, do mesmo domínio de classe)8.
Por outro lado, a terminologia poulantziana tornou-se um impedimento
considerável e quase incontornável aos não iniciados na filosofia althusseriana, na
psicanálise lacaniana (que inspirava o modo de “ouvir” de novo os textos de Engels e
Marx) e na antropologia de Lévi-Strauss (fosse para averiguar a proximidade, fosse para
conferir a distância em relação ao estruturalismo). Não menos importante, o
entendimento completo do nosso autor exigia do leitor uma razoável familiaridade com
os infinitos debates políticos no interior do Partido Comunista Francês e do movimento
comunista internacional, nem sempre muito explícitos em seus textos e só perceptíveis
pelo círculo de interessados. Mal comparando, ler Nicos Poulantzas pela primeira vez era
muito parecido com ler Talcott Parsons pela primeira vez. Implicava em abrir mão do
sentido convencional das palavras, aceitar uma série de pressupostos epistemológicos e
ingressar num sistema altamente formalizado e abstrato.

6 Nicos Poulantzas, Note bibliographique sur: Duverger (Maurice), Sociologie de la politique.

Eléments de science politique. Revue française de science politique, vol. 25, n. 2, 1975, p. 339 e 337, respectivamente.
7 Apóio essa enumeração dos adversários acadêmicos de Poulantzas na listagem confeccionada
por Sérgio Braga: “Levantamento bibliográfico dos trabalhos citados por Nicos Poulantzas em sua obra Pouvoir
politique et classes sociales (Maspero, 1968)”. Campinas, datilografado, s./d.
8 Nesse sentido são bastante instrutivas as comparações e as contraposições entre as formulações
de Trotsky, Togliatti, Bukharin, Bordiga, Kamenov, Dimitrov, Zinoviev, Varga, Radek, Zetkin etc. Ver o seu
Fascisme et dictature. La IIIème Internationale face au fascisme. Paris: Maspero, 1970.

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O sentido dessa aproximação está justificado pelo tipo de reserva que seus livros
suscitaram. W. G. Runciman, ao comentar a tradução inglesa de Les classes sociales dans
le capitalisme aujourd’hui recordou e sintetizou a recepção chavão: “Mr. Poulantzas
escreve conforme a tradição continental, onde a generalidade da abstração é muitíssimo
mais estimada que a clareza de expressão”9.
Essa tirada, bastante espirituosa, toca em dois problemas reais – o gênero do
discurso e o nível do discurso – mas comete dois deslizes. Primeiro, mistura a (má)
qualidade da prosa poulantziana com o plano (teórico) onde o autor situa seu trabalho. O
próprio Poulantzas nunca negou que mesmo suas “análises concretas” estavam voltadas
principalmente para a elaboração de conceitos10. O segundo deslize, e esse é meu
argumento principal, é que esse tipo de crítica, muito comum e muito obstinada, erra o
alvo. Há uma questão mais importante aqui e que deriva não do gênero literário ou do
nível abstrato do discurso, mas do tipo de discurso adotado – e não somente por
Poulantzas mas pelo marxismo “continental”.

III. O tipo de discurso


Para além dos problemas estilísticos evidentes (períodos muito longos,
construções elípticas, interpolações constantes, formulações de duplo sentido, definições
pouco claras, distinções em poucas palavras, explicações idem), a confluência nesse
discurso teórico de três modos distintos de conhecimento – o filosófico, amparado na
excelência e ampliado graças à grandiloqüência do comentário de texto (dos textos
clássicos dos clássicos do marxismo, bem entendido); o político-teórico, implicado na
sobreposição espontânea e obrigatória de duas problemáticas: a teoria da teoria marxista
e, derivada dela, a teoria da prática revolucionária; e o científico, exigido para construir
e/ou conquistar os objetos de pesquisa das sociologias não marxistas ou antimarxistas
(e.g., a noção de Estado capitalista) –, contribuiu para congestionar o texto poulantziano
tanto de conceitos teóricos como de declarações categóricas com base em uma série de
tomadas de posição em cada um desses campos.
De fato, a justaposição de problemas de naturezas diversas (o social e o
sociológico; o político e o politológico; o teórico e o ideológico), e a obrigação auto-
imposta de enfrentá-los ao mesmo tempo e no mesmo lugar, produziu, nos poucos
leitores mais empenhados, e depois de passada a perplexidade inicial, aqueles fins que
Poulantzas desejava: “romper”, através da linguagem empregada, “com o discurso
descritivo ordinário” da sociografia dominante11.

9 W. G. Runciman, resenha de Classes in Contemporary Capitalism e de Social Analysis publicada no

Times Litterary Supplement (16 Jan. 1976). Apud Jean-René Tréanton, Réflexions sur Fascisme et dictature. Revue
française de sociologie, vol. 17, n. 3, 1976, p. 533, nota 1.
10 Um exemplo que exprime bem essa modalidade de discurso “onde a generalidade da

abstração” suplanta a realidade empírica: Fascisme et dictature: la Trosième Internationale face au fascisme. Paris:
Maspero, 1970, p. 325-338 (sobre o conceito de Estado fascista).
11 Nicos Poulantzas, The Capitalist State: A Reply to Miliband and Laclau. New Left Review, n. 95,

Jan.-Feb. 1976, p. 68.

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Ocorre que, em boa parte dos casos, a intenção de ruptura gerou apenas o
incômodo e a incompreensão proveniente de duas reprovações padrão, simétricas e
opostas: ou Poulantzas falava demais, ou falava de menos. Um exemplo do primeiro
defeito vinha das cobranças diante das interpretações um tanto arbitrárias acrescentadas
às conhecidas fórmulas de Marx e Engels, deslocadas essas dos seus contextos originais e
embaralhadas a esmo. O exemplo do outro defeito eram as solicitações freqüentes de
evidências concretas que comprovassem seus argumentos diante da carência explícita de
análises empíricas.
Entretanto, a maior dificuldade dos escritos de Poulantzas, assumida mais tarde
por ele como resultado do seu exagerado “teoricismo”, não vinha só da redação
embrulhada, da sintaxe defeituosa ou da influência do “esquema epistemológico”
althusseriano, como ele mesmo mais tarde reconheceu. Mas, penso eu, da fusão do
discurso político com o discurso científico sob a proteção e a garantia do discurso
filosófico.
Por isso, o “formalismo” característico do que chamou de “certa negligência” de
sua parte “em relação a análises concretas”12, um tropeço no início da carreira, não foi
corrigido desembaraçando-se daquele “esquema” por meio das “análises concretas” do
período posterior a Poder político e classes sociais (o trabalho sobre a temporada dos
“totalitarismos” italiano e alemão, ou a discussão da estrutura de classes do capitalismo
contemporâneo, por exemplo)13, exatamente porque esses dois estudos continuavam,
quando não ampliavam, aquela ideologia profissional que consistia em recusar os
protocolos usuais da Sociologia Política e/ou da Ciência Política como uma prática
científica legítima, sem abrir mão do poder e do prestígio intelectual que uma “ciência
marxista da política” poderia conferir. Stuart Hall (embora tire conclusões diferentes das
nossas) anotou que tanto As classes sociais no capitalismo de hoje quanto a Crise das
ditaduras padeciam do mesmíssimo “formalismo” do primeiro livro14.
Apenas duas palavras mais sobre “os problemas de estilo” e o que está de fato em
jogo aqui.
Tal qual Louis Althusser (ou em razão da influência deste), os textos dos
marxistas estruturalistas – Poulantzas aí incluído – possuem uma dicção toda própria,
marcada pelo impulso polêmico, pelo vezo contundente e pelas fórmulas definitivas,
produto dessa “ambição totalizante” autorizada e imposta pelo culto da “grande teoria”15.
Explico.

12 Todas as expressões entre aspas são de Poulantzas. Ver The Capitalist State: A Reply to

Miliband and Laclau, op. cit., p. 66-67; e p. 79.


13 No caso: Fascisme et dictature (de 1970) e Les classes sociales dans le capitalisme aujourd’hui (de 1974).
14 Ver Stuart Hall, Nicos Poulantzas: State, Power, Socialism. New Left Review, n. 119, Jan.-Feb.,
1980, p. 62.
15Para a constatação a respeito do tom que Althusser imprimia a sua escrita, ver Jacques
Rancière, La scène du texte. In: Sylvain Lazarus (dir.), Politique et philosophie dans l’oeuvre de Louis Althusser. Paris:
PUF, 1993. Para as expressões “ambição totalizante” e “grande teoria”, ver Pierre Bourdieu, “Fieldwork in
Philosophy”. In: _____. Coisas ditas. São Paulo: Brasiliense, 2004, p. 32.

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Tanto na filosofia dos filósofos, quanto na (ciência) política de Poulantzas, os


temas, as teses e os conceitos são expostos numa ordem que oculta propositalmente o
caminho para se chegar a eles (a “ordem da pesquisa” dos elementos empíricos). Isso
produz dois defeitos, ambos admitidos por Poulantzas, mas desclassificados também por
ele como fruto da ilusão empirista e do engano “neopositivista” dos críticos16: o mundo
social e os acontecimentos históricos só comparecem em seus escritos como exemplos
para confirmar princípios e conclusões já estabelecidas de antemão; daí a aparência,
falsa segundo o próprio, de um discurso onde conceitos geram conceitos, uma sorte de
partenogênese teórica. Não encontro, porém, uma símile mais adequada para esse tipo de
ciência social.
Isso por que a “ordem de exposição” de um texto em Ciência Social não pode ser
a mesma de um texto em Filosofia, mesmo para o marxismo, que não reconhece divisões
departamentais nem se submete de boa vontade aos ritos escolares. A ausência da
pesquisa (no texto) e da sua “ordem”, isto é, dos seus protocolos – os modelos e os
métodos para selecionar, organizar e interpretar evidências, por exemplo – produz dois
efeitos sobre esse discurso. Torna impossível avaliar a documentação mobilizada, daí o
tom muitas vezes arbitrário das alegações. E, não menos importante, transfere para o
domínio do comentário dos textos canônicos o que deveria ser resultado da explicação
das coisas.
Sua teoria do Estado possui precisamente essas características e é um exemplo
muito ilustrativo da propensão para transitar entre campos distintos, ora em nome da
autoridade dos clássicos do marxismo (Marx, Engels, Lênin e Gramsci), ora em nome da
utilidade dos princípios políticos daí derivados; ora em nome da conformidade
pressuposta das análises teóricas com o mundo social, ora em nome da incapacidade das
teorias rivais (marxistas e não-marxistas) darem conta seja da interpretação mais correta
dos textos clássicos, seja da compreensão mais concreta dos modos de funcionamento da
sociedade capitalista17.

Conclusões
A produção teórica de Nicos Poulantzas e a renovação terminológica que ela
produziu só são compreensíveis quando se têm presente suas divergências com a Ciência
Política “burguesa” e com a Sociologia não-marxista. O fundamental aí é o modo como
ele vê e a maneira como ele se diferencia dos problemas habituais e dos protocolos
convencionais da corrente anglo-saxã, principalmente.
Essa atitude intelectual deu origem a um vocabulário peculiar e a uma linguagem
intrincada. Procurei neste pequeno texto formular um argumento sobre as razões
explícitas e implícitas da proverbial complicação dos seus escritos, insistindo sobre a
influência que os procedimentos e os pressupostos da filosofia marxista impõem à prática

16 Para o “neopositivismo” da crítica endereçada a ele, ver Nicos Poulantzas, The Capitalist State:

A Reply to Miliband and Laclau, op. cit., p. 67.


17 Expus e procurei comprovar este ponto em Adriano Codato, Poulantzas, o Estado e a

Revolução. Crítica Marxista (São Paulo), v. 27, p. 65-85, 2008.

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teórica. A partir de relação, ou mais propriamente, da não relação dessa filosofia com a
ciência social tradicional, e com base naqueles em três critérios que dirigem seu discurso
– a política, a teoria e as lutas políticas no domínio da teoria – insisti que o problema
principal não era o nível do discurso, isto é, onde ele se situa (no domínio da teoria); nem
o gênero ou o estilo arrevesado do discurso e sim seu tipo. No caso, os conceitos são
produzidos através da análise e do comentário dos textos clássicos dos autores clássicos
do marxismo. Conforme essa modalidade de investigação, o trabalho de pesquisa social
fica então reduzido à comprovação da justeza dos supostos e da pertinência desses
conceitos.
Minha idéia é que esse tipo de discurso pode ser explicado em razão de dois
determinantes: a heteronomia dessa teoria política em relação às lutas teóricas e às
dissensões políticas no campo político; e a autonomia dessa teoria em relação à
Sociologia e à Ciência Política como práticas científicas “puras”.
Esse jogo duplo – condição de existência do marxismo, a propósito – é tão ou
mais necessário quanto menos os marxistas podem prescindir, nesse momento de
(re)fundação da doutrina do Estado, dos dividendos decorrentes de dois princípios de
consagração desiguais, mas potencialmente complementares: a autoridade universitária,
disputada contra a ciência social “burguesa” pela imposição da teoria marxista da política
como a única teoria política legítima; e a autoridade política, transmitida pelo partido
teórico e pelo projeto social no qual se está implicado18.
O tipo do discurso então adotado – o filosófico – resulta da (con)fusão entre as
controvérsias doutrinárias dos partidos comunistas europeus, a reflexão teórica dos
intelectuais universitários comprometidos com o socialismo e a problemática política do
materialismo histórico, onde a conseqüência é a subordinação dessa modalidade de
“ciência social” à teoria teórica. Isso abre espaço para conversões ao ou abjurações do
marxismo tratado mais como ideologia acadêmica e menos como ciência social.

  

18 Para a sugestão original dessa idéia, ver Pierre Bourdieu, O discurso de importância. Algumas
reflexões sociológicas sobre o texto “Algumas observações críticas a respeito de Ler O Capital”. In: _____. A
economia das trocas lingüísticas: o que falar quer dizer. São Paulo: Edusp, 1996, p. 168.

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