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A Segunda Guerra Mundial está em curso.

Alemanha e Japão avançam em seu


ímpeto anexionista e, neste momento, não é possível vislumbrar uma força capaz de
detê-los. No horizonte desta ânsia expansionista vislumbra-se a América do Sul,
especialmente o Brasil, setor estratégico para uma possível contra-ofensiva dos
adversários das potências do Eixo, em virtude de sua proximidade com o norte da
África, e ao mesmo tempo uma cabeça de ponte privilegiada para um assalto ao sul dos
Estados Unidos. Nesse sentido, angariar a adesão do maior país do subcontinente sul-
americano é fundamental para a estratégia militar germânica e vital para as forças
armadas norte-americanas garantirem a segurança de seu flanco meridional, bem como
para o apoio das unidades do exército inglês em sua luta contra o Afrika Corps alemão.

Este é o recorte espaço-temporal e o pano de fundo do livro O Imperialismo


Sedutor: a americanização do Brasil na época da Segunda Guerra, de Antonio Pedro
Tota. O historiador paulista investiga este momento histórico para procurar responder a
duas questões: “o que significou exatamente a americanização da sociedade brasileira?
É possível determinar um momento inicial desse processo?”. Para dar conta desta
empreitada, o autor desenvolve seu trabalho em cinco partes: uma introdução que situa
o leitor no ambiente de disputa entre, basicamente, Estados Unidos e Alemanha, uma
seção que narra a criação e desenvolvimento do The Office of the Coordinator of Inter-
American Affairs, capitaneado pelo magnata Nelson Aldrich Rockefeller, a terceira
parte, que trata da iniciativa norte-americana para divulgar, nos Estados Unidos, a
produção cultural brasileira; a quarta seção, em que percorre os caminhos do cinema e
da radiodifusão, e, finalmente, a conclusão, em que o autor reflete sobre a reelaboração
do processo desencadeado a partir das ações do governo Roosevelt.

Para Antonio Pedro Tota, o processo de americanização do Brasil deve ser


considerado como uma via de mão dupla, como um processo de interação em que os
agentes modificam e são modificados.

A tese central do autor é que a americanização do Brasil deu-se por meio de uma
atuação ideológica, em que a cultura teria relevância fundamental para o êxito do
projeto, mas que este plano não se deu de forma avassaladora e inconteste. Não houve
uma assimilação passiva do paradigma norte-americano; ao contrário, ocorreu uma
releitura das peças e projetos culturais norte-americanos, adequando-se e reconstruindo-

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se as propostas, naquilo que o autor considera, parafraseando o modernismo, um
“antropofagismo cultural”.

Em O Imperialismo Sedutor, Tota afirma que, naquele momento histórico, o


que estava em jogo em primeiro lugar era a sobrevivência da hegemonia norte-
americana. Como dito na introdução deste relatório, não eram apenas os norte-
americanos que se interessavam pelo continente sul-americano em geral e pelo Brasil
em particular.

Para o autor do livro em análise, o modelo germânico era de difícil ressonância


no Brasil, em virtude de nossa realidade histórico-cultural. Além disso, a prepotência
dos representantes alemães fazia-se sentir, ao contrário dos norte-americanos, que
dedicavam esforços para mudar a maneira como eram enxergados na América Latina. A
“Política da Boa Vizinhança”, imaginada inicialmente na gestão de Hoover, mas
implantada efetivamente com Franklin Roosevelt é uma excelente indicação dessa
disposição.

Ao enfatizar a criação, bem como a crescente importância e autonomia do The


Office of the Coordinator of Inter-American Affairs (OCIAA), Tota apresenta uma
interessante argumentação favorável à sua tese. Este escritório propunha uma atuação
junto aos países sul-americanos levando em consideração suas características próprias,
aproveitando – ainda que de forma estratégica e não ideológica – de intelectuais que não
comungavam das maravilhas propostas pelo american way of life. Ao mesmo tempo,
houve um esforço para mudar a maneira pela qual os latino-americanos eram
enxergados pelos norte-americanos. Esta via de mão dupla, como já foi dito, marcará o
resultado final do processo de americanização brasileiro.

Ainda que a intenção original fosse a completa aceitação do paradigma


americano, as reações ou, utilizando as palavras do autor, a “resistência cultural” frente
a completa assimilação é notada em diversas passagens do livro, sendo a talvez mais
exemplar a negativa das tropas da FEB em entoar o “Deus Salve a América” quando da
visita do General Mark Clark ao acampamento de Tarquínia, na Itália.

O debate sobre a americanização do Brasil envolve historiadores e intelectuais


de diversos matizes. Para Antonio Pedro Tota, as análises sobre o tema são objeto de
acaloradas discussões e dividem-se basicamente em autores favoráveis e contra o

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processo posto em curso a partir da conflagração da Segunda Guerra. Mas é importante
ressaltar que a obra em questão lembra-nos que a discussão sobre qual modelo é mais
adequado ao país não nasce nesse momento. Muito antes, ainda no período imperial, e,
principalmente no período da Primeira Guerra Mundial, já se discutia a questão sob o
ponto de vista americanófilo ou germanófilo.

Mas, a principal questão está na discussão suscitada a partir de meados da


década de vinte. Assim, de um lado, temos a vertente que sustenta a tese do efeito
destruidor de nossa cultura, braço do imperialismo ianque que se orientava
exclusivamente em virtude das forças de mercado. A partir do arcabouço teórico
marxista, estes autores, na visão do historiador da PUC, relacionam a dependência
cultural ao interesse econômico, algo que deve ser feito com muito cuidado, em virtude
de algumas observações que serão feitas mais adiante.

Antonio Tota cita Para Ler o Pato Donald, de Ariel Dorfman e Armand
Mattelart, como exemplo da corrente acima, obra em que os personagens de Disney são
apontados como inoculadores “da avareza, do individualismo e do materialismo
consumista norte-americano” (p. 11). Na mesma linha, embora em outro suporte
midiático, José Ramos Tinhorão - apontado em O Imperialismo Sedutor como “um dos
mais ferrenhos críticos da americanização da música popular brasileira” – nota, citando
o exemplo de Dick Farney, que está em curso um processo de alienação da mentalidade
brasileira. Alheamento que visava o completo domínio, uma nova “colonização” do
país.

Por outro lado, Antonio Tota apresenta os intelectuais que adotam o raciocínio
segundo o qual a americanização do Brasil nos traria benefícios, uma vez que o
exemplo norte-americano agiria como uma força exemplar, “capaz de tirar-nos de uma
possível letargia cultural e econômica, trazendo um ar modernizante para a sociedade
brasileira” (p. 11). Como exemplo desta postura, o autor cita Monteiro Lobato, o
escritor que acreditava que o modelo paradigmático dos Estados Unidos da América
poderia elevar o Brasil ao mesmo estágio de desenvolvimento e progresso do poderoso
vizinho do norte. “Estas duas formas de entender a presença americana podem ser
consideradas como os ‘apocalípticos e integrados”, expressões criadas por Umberto
Eco.

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Adotando uma postura mais flexível, o historiador de São Paulo descreve a
sensação percebida por Carlos Drumond de Andrade e Sérgio Buarque de Holanda, que,
atentos aos clamores acerca do imperialismo destruindo a cultura nacional, ao travar
contato com representantes estado-unidenses, não encontram justificativa para uma
atitude extremamente alarmista frente ao contato com a cultura norte-americana.

Antonio Pedro Tota dirige uma crítica muito bem sustentada aos intelectuais
marxistas, que vêem no processo de americanização brasileiro uma aceitação passiva da
assimilação cultural, salientando que este evento reveste-se de aspectos muito mais
complexos. Além disso, alerta para o perigo da fetichização dos meios de comunicação,
na medida em que não devemos esquecer o campo da dominação econômica, que ocorre
concomitantemente aos esforços de propaganda e divulgação da cultura norte-
americana. Outra observação que considero importante é acerca da contradição entre a
americanização, que em princípio pressupõe um estado liberal e a tendência ideológica
do governo Vargas.

O autor de O Imperialismo Sedutor faz uso de uma extensa documentação


primária, principalmente as gravações de rádio produzidas à época tanto por produtores
norte-americanos como por brasileiros. Sustenta sua pesquisa ainda em outras fontes
primárias, como jornais e revistas, além de documentos oficiais dos governos, cartas e,
em menor grau, de história oral. Destaca-se, no meu entendimento, o acervo sonoro do
Arquivo Nacional do Rio de Janeiro e o do Rockefeller Archive Center (RAC), Nova
Iorque, dada a importância do rádio na estratégia de divulgação do americanismo.

Além destas fontes primárias, Antonio Tota apóia-se em bibliografia sobre a


época e obras de autores como Monteiro Lobato, que, considerando o assunto, deve ser
tomado como fonte para o estudo do período.

O Imperialismo Sedutor é um livro importante para aqueles que pretendem


entender o processo de preponderância norte-americana na sociedade brasileira, com
ecos que podem ser ouvidos até os dias de hoje.

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