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A Evolução da Engenharia Química

- Perspectivas e Novos Desafios [1]

Luismar Marques Porto


Departamento de Engenharia Química e Engenharia de Alimentos
Universidade Federal de Santa Catarina
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E-mail: luismar@enq.ufsc.br

Resumo — A sociedade moderna atual herdou mais de um século de


importantes contribuições dadas pela engenharia química, desde que ela foi
reconhecida como profissão por George Davis, em 1887. No Século 21, com a
incorporação da biologia aos fundamentos da engenharia, importantes avanços
deverão ocorrer em novas especializações capazes de encontrar novas
soluções para o manuseio e fabricação de moléculas mais complexas, com
ênfase nas propriedades dos materiais e melhor aproveitamento dos recursos
naturais. São inúmeros os desafios da profissão de engenheiro químico. Os
novos profissionais deverão ter capacidade de trabalho colaborativo, e
empreendedorismo, além de contínua motivação, conhecimentos gerais e
especializados, interdisciplinaridade, grandes habilidades de comunicação, e
capacidade de contínuo aprendizado e realização de seus anseios pessoais.

Palavras-chave: engenharia química, educação, especialidades de


engenharia, interdisciplinaridade

Introdução

Qualquer um que se aventure a fazer previsões corre sempre grande risco.


Especialmente se essas previsões forem de longo prazo: um ano, uma década,
um século. Para um milênio tem-se algumas vantagens. Certamente nenhum
de nós será testemunha do sucesso ou fracasso de nossas previsões de tão
longo prazo. Como engenheiros, no entanto, somos apaixonados por
previsões. Nossas simulações são tentativas analíticas ou numéricas de prever
o comportamento de produtos ou o futuro (quem sabe também o passado) do
processo no qual estamos interessados, talvez para conhecer o tempo de vida
útil de um catalisador, ou por que houve ou poderá haver um derramamento
de petróleo na Baía de Guanabara.
Se vivêssemos no ano 2000 a.C. —sendo bem (in)formados— quem sabe
poderíamos predizer com razoável certeza o que iria acontecer nos próximos
mil anos. Num mundo tão dinâmico quanto o atual, no entanto, qualquer
previsão para os meses seguintes é tão incerta quanto seria prever os
acontecimentos cem anos à frente ao tempo dos faraós. O homem passou mais
de 10 milhões de anos vivendo sem grandes mudanças, mais ou menos da
mesma maneira. Gerações, umas após as outras, transmitiram seu
conhecimento de boca em boca por milhares de anos. Há mil anos atrás
estávamos definindo os contornos de nossa barbárie e mergulhados em grande
miséria e tirania. O homem como agente ativo da história progrediu muito no
último milênio. Se seu comportamento social é ainda por vezes pré-histórico,
com guerras sangrentas ao lado da tão gloriosa civilização ocidental, é
inegável que ele dispõe hoje de recursos jamais imaginados pelas gerações
que nos sucederam. Chegamos ao Século 21 com uma sensação
desconfortável de que seremos incapazes de acompanhar a revolução
promovida pela atual geração de cientistas, líderes políticos, mercados
financeiros, e outros agentes sociais e econômicos. A economia globalizada e
a tecnologia da informação colocam o mundo em uma situação de
instabilidade constante, deixando a nós a única certeza possível: a certeza de
mudanças radicais na forma de nos comunicarmos, de fazer negócios,
gerenciar processos, nos educarmos, e nos relacionarmos. Qual é o papel do
engenheiro neste novo contexto? Quais são as oportunidades que nos
esperam? Quais os novos desafios? O que nos reserva o mercado de trabalho,
e qual será nosso trabalho? A resposta a estas perguntas exige uma profunda
reflexão sobre o caminho que percorremos até aqui, e sobre como devemos
definir nossas metas para nos adequarmos à nova realidade imposta pelos
desafios da sociedade moderna. Tentaremos abordar algumas dessas questões
nas páginas seguintes, com o intuito de estimular o debate e de exercitar nossa
mente. Como acontece com qualquer candidato a futurólogo de começo de
século, no entanto, algumas de nossas previsões podem se confirmar, outras
podem nos desmentir completamente — só o futuro dirá. Não devemos nos
esquecer, todavia, que o futuro somos nós que construímos, com nosso
esforço e dedicação, e —porque não? — também com nossos sonhos.

Um século de engenharia química

As origens da engenharia química moderna estão ligadas aos principais


laboratórios de química alemães. As universidades de Göttingen, Giessen, e
Heidelberg educaram uma geração de químicos que aplicaram ciência básica
fundamental à produção em grande escala de processos de interesse da
química industrial [i] . A abordagem alemã considerava a combinação de
conhecimento de química com engenharia mecânica. Alguns desses químicos
“industriais” migraram para os Estados Unidos, onde participaram da
construção de novos laboratórios e ajudaram a formar futuros “engenheiros
industriais”.
O termo “Engenharia Química” é creditado ao inglês George Davis, um ex-
inspetor de fábrica de álcalis, que em 1887 proferiu um importante conjunto
de palestras, posteriormente publicadas, sobre a operação das instalações
químicas modernas da época. Nestes pouco mais de cem anos, a engenharia
química evoluiu de uma disciplina estritamente aplicada para dar sua
contribuição nas mais avançadas fronteiras da ciência dos últimos anos.

Mas, afinal, o que é um engenheiro químico? Os estudantes da Universidade


de Minnesotta [ii] oferecem-nos as seguintes opções:

(a)    Um engenheiro que fabrica produtos químicos

(b)    Um químico que trabalha em uma fábrica, ou

(c)    Um glorioso encanador?

Esta questão realmente intrigante tem como resposta, como eles ressalvam, a
letra (d) , ou seja, nenhuma das alternativas acima! O termo “engenheiro
químico” pode realmente não ser muito apropriado e deixar em dúvida os
menos esclarecidos e novatos na área. Afinal, então, o que é mesmo um
engenheiro químico? Para respondermos em uma única frase, e com certo
grau de arrogância, poderíamos dizer que o engenheiro químico é uma espécie
de “engenheiro universal”. Por possuir uma sólida formação em matemática,
física, mecânica dos fluidos, transferência de calor e de massa, termodinâmica
e cinética química e, sobretudo, devido à sua forte interação com os processos
oriundos da aplicação da química, está apto a abordar um número mais
diversificado de problemas do que os engenheiros mecânicos, civis e
eletricistas. Estes problemas certamente vão muito além do que a palavra
“químico” sugere no termo “engenheiro químico”. Em suma, o engenheiro
químico é um profissional capaz de abordar e resolver problemas de
engenharia onde aspectos físicos, químicos, e físico-químicos são relevantes
tanto em termos de processo quanto de produto. Muito amplo? Bem, é por
isso que somos “universais”.

Conquistas da engenharia química

Recentemente, o American Institute of Chemical Engineers (AIChE),


compilou uma lista das “10 Maiores Conquistas da Engenharia Química”
deste século. Entre os produtos envolvidos nesta lista, alguns se destacam por
caracterizar o que entendemos como sociedade moderna, e constituem
verdadeiros triunfos da humanidade:

1. Isótopos radioativos
Isótopos não servem apenas para fazer bombas atômicas; sua separação e
desintegração permitem que sejam utilizados amplamente na medicina para
monitorar o funcionamento do organismo, identificar artérias e veias
bloqueadas, identificar mecanismos metabólicos; são ainda utilizados por
arqueólogos para datação de artefatos, entre outras aplicações.

2. Plásticos

Embora a química dos polímeros tenha se desenvolvido muito no Século 19,


foi somente com a contribuição da engenharia química do Século 20 que se
viabilizou a produção em massa e econômica de plásticos. Desde a baquelite
(em 1908) até os plásticos modernos, foi essencial o desenvolvimento de
operações unitárias para a produção de plásticos em larga escala.

3. Artefatos biomédicos

O conceito de operações unitárias foi também decisivo para o sucesso de


órgãos artificiais (rins, corações, etc) e implantes, além do desenvolvimento
de artefatos terapêuticos e de diagnóstico. Conquistas recentes incluem os
“patches” e drogas microencapsuladas para administração controlada de
princípios ativos.

4. Medicamentos

Desde a descoberta da penicilina, em 1929, foi essencial a participação da


engenharia química no aumento do rendimento para a produção em massa de
antibióticos e outros medicamentos a custos relativamente baixos. É
indispensável a participação do engenheiro químico na produção de fármacos
em escala comercial.

5. Fibras sintéticas

A utilização de fibras sintéticas na produção de colchões, travesseiros, meias


de nylon, coletes a prova de balas, e uma infinidade de outros artigos de uso
cotidiano, permitiu a substituição do algodão e da lã, tornando a nossa vida
mais confortável e atraente.

6. Gases puros

A liquefação do ar a 160ºC abaixo de zero permite a separação de seus


componentes. O nitrogênio é utilizado na recuperação de petróleo,
congelamento de alimentos, produção de semicondutores e como gás inerte
em várias reações; o oxigênio é utilizado na fabricação do aço, na soldagem
de metais, e em aparelhos de respiração artificial, entre outras aplicações.

7. Conversores catalíticos
O desenvolvimento de conversores catalíticos automotivos e o aumento da
octanagem da gasolina são dois bons exemplos de como os engenheiros
químicos contribuem para a redução dos problemas ambientais gerados pela
vida moderna. Através de técnicas apropriadas, a redução da poluição é
também alcançada com a substituição de compostos naturais por compostos
sintéticos, através de processamento mais eficiente e tecnologias de
reciclagem.

8. Fertilizantes

A produção de fertilizantes é uma das grandes conquistas da humanidade. A


necessidade de se fixar o nitrogênio do ar e da incorporação do potássio e do
fósforo na composição de produtos adequados ao solo permitiu um aumento
sem precedentes na produção de alimentos, sem o qual o crescimento
populacional humano teria sido freado pela escassez ou insuficiência de
alimentos.

9. Produtos petroquímicos

O desenvolvimento do craqueamento catalítico, que permite a quebra de


compostos oriundos do petróleo em moléculas básicas viabilizou a produção
em larga escala de gasolina, óleo diesel, óleos lubrificantes, borracha e fibras
sintéticas. A tecnologia petroquímica transformou a vida moderna e permitiam
a fabricação a baixo custo de inúmeros bens duráveis e de consumo.

10. Borracha sintética

A produção de borracha sintética, bem como a de combustíveis líquidos,


constituiu-se em um fator de fundamental importância na Segunda Guerra
Mundial. O destino da humanidade poderia ter tido outro desfecho não fosse
pela capacidade de se produzir pneus e outros artefatos de borracha. Nossos
meios de transporte dependem muito das borrachas sintéticas, sejam
automóveis, ônibus ou caminhões, ou mesmo aviões, bicicletas e patins, sem
contar o tênis nosso de cada dia.

Do século da física e da química para o século da biologia

O surpreendente desenvolvimento científico e tecnológico do Século 20 torna


difícil caracterizá-lo e particularizá-lo com respeito a qualquer ramo da
ciência. Não há dúvida, porém, que a física viveu seus momentos de glória
com a consolidação da teoria quântica, da relatividade geral, e com as
perspectivas abertas pelas possibilidades de unificação (eletrocromodinâmica
quântica, teoria das supercordas [iii] , etc.) e abordagens mais holísticas como
as teorias dos sistemas complexos [iv] .
No Século 20 usamos e abusamos do carvão, do petróleo, e de outras fontes
não renováveis de energia. O Século 21 deverá ser o último a assistir a queima
indiscriminada de combustíveis fósseis, talvez à exceção do gás natural. Será
o século das tecnologias limpas. Neste novo início de milênio serão utilizadas
intensamente formas de energia não poluentes como a energia solar (direta,
biomassa, eólica, etc) e o hidrogênio, que já passa a ser cuidadosamente
recuperado nas refinarias de petróleo [v] . Como combustível, o hidrogênio
deve tornar a dependência do petróleo obsoleta; ironicamente, o futuro do
petróleo como combustível é cada vez mais dependente do hidrogênio, na
medida em que se precisa processar matérias primas residuais, mais pesadas.

Nas próximas décadas veremos avanços enormes da biologia, com


importantes reflexos na engenharia. De forma simplificada, pode-se dizer que
o Século 20 foi o da tecnologia (sobretudo da física e da química) e o que o
próximo século deverá ser mais influenciado pelos avanços da genética e da
biotecnologia. Na interface do novo milênio está um fenômeno revolucionário
chamado tecnologia da informação, que permeará todas as atividades
humanas, conectando através de uma grande rede quase tudo que se possa
imaginar, desde computadores até os mais simples equipamentos domésticos e
de uso pessoal. As comunidades virtuais deverão reformular o conceito de
equipes de trabalho e até mesmo de nação, reduzindo a importância das
fronteiras geográficas. A comunidade de engenharia química estará unida por
laços de interesse comum, a exemplo do que já acontece com a “AIChE On-
Line Community” [vi] , que permite o intercâmbio de idéias, acesso a recursos
da rede, oportunidades de trabalho, e planejamento de carreira; ou com a “Ei
Engineering Village” [vii] , um serviço internet projetado para facilitar o
acesso à informação técnica e profissional, e assim atender a qualquer
profissional independentemente de onde ele reside ou trabalha.

Informação nos meios de comunicação

A World Wide Web foi talvez o acontecimento tecnológico mais marcante dos
últimos anos, influenciando literalmente todas as atividades humanas. O
comércio eletrônico (e-commerce) invade todos os ramos tradicionais; o
mercado do e-business, especialmente o business to business (B2B), ficará
cada vez mais importante para as companhias químicas. As vendas de
produtos petroquímicos por canais eletrônicos já ultrapassa a casa dos 10
bilhões de dólares anuais [viii] . O mercado farmacêutico, por exemplo, que
movimenta cerca de 16 bilhões de dólares por ano, já dispõe de e-pharmacies
que diagnosticam via internet e enviam ao cliente a receita encomendada. Por
isso, inclusive, tem sido alvo dos agentes de regulamentação. Com o tempo,
os padrões de comércio deverão se firmar, fortalecendo os negócios online
[ix] . Também o monitoramento e controle de processos que hoje já se faz
pela Web [x] será feito de qualquer parte, inclusive democratizando a
informação, disponibilizando dados sobre níveis de poluição, áreas de risco,
etc.

Informação genômica

No início de 2001, assistimos à divulgação do primeiro “draft” do Projeto


Genoma Humano [xi] , [xii] , um marco na História da Humanidade. O
sequenciamento dos genes das estruturas de DNA (ácido desoxirribonucléico)
está abrindo caminho para o domínio da síntese de novas proteínas, e deverá
permitir a cura de muitas doenças. À informação tradicional juntar-se-á a
informação genômica, que abrirá impensáveis possibilidades para a realização
humana. O domínio do código genético não é apenas uma conquista da
biologia moderna. As inúmeras técnicas analíticas e instrumentais assim como
os vários processos de separação e purificação envolvidos são fruto do
trabalho de químicos analíticos, químicos orgânicos, engenheiros químicos e
profissionais de outras áreas. Os novos processos enzimáticos/metabólicos, de
produção de proteínas, tecidos, órgãos, e medicamentos, são algumas das
áreas onde o engenheiro químico poderá ter papel de grande importância.

As novas tendências e os novos desafios

AS TENDÊNCIAS NA INDÚSTRIA

Em 1995, algumas das entidades mais influentes das áreas de química e


engenharia química dos Estados Unidos [2] , reuniram-se para elaborar um
grande estudo que resultou no influente relatório “Technology Vision 2020:
The U.S. Chemical Industry” [xiii] . Publicado no final de 1996, descreve o
cenário da indústria química americana para os próximos 25 anos e faz
recomendações técnicas e políticas para que os Estados Unidos continuem
liderando o mercado de produtos químicos nas primeiras décadas deste século.
A indústria química americana exportou 367,5 bilhões de dólares em 1995,
cerca de 24% do mercado mundial, avaliado em 1,3 trilhão de dólares. Para
manter essa liderança, o relatório identificou cinco grandes forças que deverão
modelar o século 21 e influenciar os negócios da indústria química:

 O contínuo aumento da globalização dos mercados;


 Demanda da sociedade por maior desempenho ambiental;
 Demanda do mercado financeiro por maior lucratividade e
produtividade sobre o capital investido;
 Maior expectativa dos clientes e consumidores; e
 Mudanças nos requisitos da força de trabalho.
Para orientar seus objetivos, o grupo definiu quatro “disciplinas técnicas”: a
nova ciência e tecnologia da engenharia química, a tecnologia da cadeia de
suprimentos, os sistemas de informação, e manufatura e operação. As
recomendações que deveriam guiar os estrategistas industriais e de governo
estão resumidas abaixo:

  Melhoria nas operações, com foco no melhor gerenciamento da cadeia


de suprimentos (fornecedores, produtores e consumidores);
  Melhoria da eficiência no uso de matérias primas, reutilização de
materiais reciclados, e geração e uso da energia;
  Continuidade no papel de liderança (da indústria americana) no
balanço entre considerações ambientais e econômicas;
  Comprometimento agressivo com o investimento de longo prazo em
pesquisa e desenvolvimento; e
  Equilíbrio entre os setores para os investimentos em tecnologia pela
alavancagem das capacidades do governo, universidades, e indústria
química como um todo, através de esforços colaborativos em áreas bem
definidas de pesquisa e desenvolvimento.

Certamente muitas das recomendações se aplicam a outros países, como no


caso do Brasil. Porém, aqui ressentimo-nos de uma política industrial clara,
falta de metas de médio e longo prazos, comprometimento industrial, e maior
participação do estado.

A FLEXIBILIDADE PROFISSIONAL

Os desafios para o engenheiro químico do Século 21 são muitos: deverá obter


uma formação clássica de engenharia química, que inclui uma fundamentação
importante em áreas da física, química e matemática, ao mesmo tempo em que
expande suas fronteiras para campos interdisciplinares, para o qual deverá
também obter formação básica de biologia e bioquímica em alguns casos.

Um bom exemplo de interdisciplinaridade e necessidade de trabalho em grupo


é a de um novo processo que está sendo desenvolvido em conjunto pela Dow
Chemical (Midland, Michigan) e a Diversa Corp. (San Diego, Califórnia)
[xiv] . Na fabricação de epicloridrina a partir de hidróxido de sódio, cloro e 3-
cloro-propileno, há um subproduto —o tricloropropano (TCP)— que precisa
ser incinerado porque não há nenhum modo econômico de utilizá-lo. O TCP
pode ser convertido a cloridrina pela adição de íons hidróxido em substituição
ao halogênio, mas esta rota produz menos de 50% de cloridrina, além de
propenos clorados. No novo método, uma família de enzimas dehalogenases
alcançam 100% de conversão para cloridrina a 50–65oC. A meia-vida das
enzimas nestas temperaturas, tipicamente de 6 minutos, foi aumentada para 80
horas através de evolução direta, uma técnica de engenharia genética. Um dos
atuais problemas do novo processo é a baixa velocidade de reação, atualmente
da ordem de uma molécula de halogênio substituída por íon hidroxila por
segundo. Pesquisas cinéticas objetivam multiplicar este valor por dez, a curto
prazo. O custo das novas enzimas é baixo (ao redor de R$ 400,00/kg),
comparável ao das proteases utilizadas em detergentes. Este é um exemplo
interessante onde o sucesso do projeto depende da colaboração de engenheiros
químicos e profissionais de outras áreas (química, bioquímica, engenharia
genética, cinética, avaliação econômica, etc.) Esse tipo de processo ganha
importância na medida em que se impõe maior redução nos níveis de emissão
provenientes de incineradores. A agência de proteção ambiental americana –
EPA, pretende reduzir as emissões totais de dioxina e furanos em
incineradores e outras instalações, para 12,2 gramas/ano ao invés dos atuais
40,3 gramas/ano. Individualmente, cada instalação não poderá ultrapassar o
limite de 0,20 nanogramas/m3 seco padrão. Isso exige o contínuo investimento
em ciência e engenharia.

As aptidões do engenheiro químico moderno

O engenheiro moderno tem que ser empreendedor, o que significa que espera-
se que tenha iniciativa, capacidade de liderança e, sobretudo, motivação e
entusiasmo. O perfil do engenheiro moderno ideal inclui uma ampla gama de
aptidões sociais e profissionais que demonstrem capacidade de negociação,
trabalho em grupos interdisciplinares, habilidades para se comunicar bem em
qualquer lugar e através de qualquer meio, sobretudo oral e eletrônico. A
maior disponibilidade de computadores e sistemas automatizados tornará as
instalações mais fáceis de serem operadas e gerenciadas; por outro lado, será
requerida uma compreensão técnica mais avançada dos processos,
especialmente para problemas novos.

Profissão versus carreira

Os estudantes de engenharia química em geral adquirem uma formação muito


variada, e são expostos a elementos básicos de engenharia elétrica, civil,
mecânica, física, matemática e economia. Muitos concordam que eles estão
prontos para quase todo tipo de trabalho técnico, e preparados para o sucesso
em muitas carreiras diferentes. São comuns os casos de cargos executivos de
grandes empresas serem ocupados por engenheiros químicos. Nestes tempos
em que a palavra de ordem é empregabilidade, nada melhor do que apostar em
uma profissão que amplie a chance de se atuar em diferentes áreas e funções.

Operações unitárias & processos unitários;

operações unificadas & múltiplos processos

O conceito de “operação unitária”, desde que proposto no final do Século 19,


por George Davis, ampliou-se para incorporar operações mais sofisticadas.
Inicialmente as operações unitárias foram formuladas sobre bases empíricas.
Em 1915, Arthur D. Little propôs o conceito no Massachusets Institute of
Technology (MIT), afirmando que qualquer processo químico, qualquer que
fosse sua escala de produção, poderia ser reduzido a um conjunto de
operações em série, a que chamou operações unitárias. Tais operações
envolviam: pulverização, tinturaria, torrefação, cristalização, filtração,
evaporação, eletrólise, etc. Vemos, portanto, que essas “operações” muitas
vezes envolvem verdadeiros “processos unitários”, como é o caso da eletrólise
ou tinturaria.

O conceito de operações unitárias evoluiu a partir do maior conhecimento dos


fenômenos de transferência. Assim, operações como absorção, destilação,
extração, etc, têm em comum muitos aspectos, podendo ser tratadas
genericamente como operações de transferência de massa. O reconhecimento
da “unificação” de algumas operações deu-se também com os processos. Em
alguns processos químicos modernos, a idéia de serialização foi substituída
por simultaneidade: surgiram assim os reatores com membranas, a destilação
extrativa/reativa, entre outros, que congregam várias etapas ou vários
processos em um único equipamento.

Deveremos ver um número cada vez maior de processos integrados, onde as


operações e processos “unitários” estarão fundindo-se, aproveitando-se de
maneira mais eficiente os gradientes internos existentes/gerados no processo
como um todo.

Mudando o foco do processo para o produto

Ao longo de sua história, a engenharia química foi devota de métodos e


técnicas que desenvolveram e aprimoraram os processos químicos,
otimizando-os e tornando-os competitivos. Com o crescente desenvolvimento
da ciência dos materiais e das estruturas moleculares, criaram-se pela primeira
vez oportunidades concretas de se projetar produtos para necessidades
específicas. Produtos químicos e da indústria de alimentos tais como sorvetes,
margarinas, pastas de dente, cremes e loções são bons exemplos de produtos
onde a microestrutura tem um papel importante na definição do produto final.
Mais do que uma boa qualidade do produto, queremos agora trabalhar sobre o
desempenho do mesmo, em propriedades que satisfaçam certos critérios a fim
de atender certas características que farão do produto, por sua própria
natureza, um item competitivo no mercado. Como resultado de estudos a nível
atômico e molecular (Nanotecnologia), uma nova classe de materiais deve
emergir para aplicações em tecnologia de sensores (de resposta ultra-rápida),
opto-eletrônicos, fotovoltaicos (fotossíntese artificial), eletrônicos
(tunelamento de um único elétron) e catálise [xv] .
O homem aplica os princípios da engenharia química há milhares de anos.
Muitas atividades humanas antigas tais como fabricação de vinho, pão, sabão,
sem contar as façanhas dos alquimistas, envolvem aplicações de engenharia
química. Como profissão moderna, no entanto, a engenharia química só se
consolidou a partir da Segunda Guerra Mundial, com a sistematização dos
conhecimentos das operações comuns dos diversos processos (as operações
unitárias) e o desenvolvimento adequado e unificado da mecânica dos fluidos,
da transferência de calor e de massa aplicados à engenharia (os fenômenos de
transferência ou fenômenos de transporte).

Dentro da engenharia química “tradicional” deverá haver maior ênfase na


engenharia de produto, sem obviamente se descuidar da engenharia de
processos. Do ponto de vista acadêmico, talvez o grande desafio a ser vencido
seja integrar estes dois aspectos (produto e processo) no corpo das disciplinas
atuais, e aprofundar as inter-relações entre as próprias disciplinas entre si.
Para citar um exemplo, um dos grandes desafios dos pesquisadores da
termodinâmica atual é estender o domínio dos atuais modelos a moléculas
complexas de peso molecular elevado (>100) como polímeros sintéticos,
proteínas, etc.

As “novas” vias da engenharia pós-química

Na maioria dos casos, estas novas vias ou especializações da engenharia


moderna (pós-química, no sentido de mais abrangente do que a engenharia
química) devem ser vistas mais como campos de atuação do que propriamente
profissões emergentes. Ainda sob este aspecto, o título de engenheiro químico
mais soma do que divide quando se trata de buscar novas alternativas de
trabalho ou um novo emprego. Esta visão parece confluente com o
pensamento atual e necessidade de se modernizar a profissão [xvi] .
Profissionais mais específicos tendem também a limitar mais seu campo de
atuação. Mesmo áreas recentemente revisadas, como a engenharia de
bioprocessos, por exemplo [xvii] , precisam ser melhor aprofundadas; do
contrário, correm o risco de tentar condensar demasiadamente o que já se
constitui num conhecimento enciclopédico [xviii] . Outro desses exemplos é
da engenharia de tecidos, que também precisa ser devidamente “dissecada”
para que possa ser dominada.

Algumas dessas áreas de especialização “modernas” compreendem:

Engenharia de alimentos

Em alguns países, como no Brasil, por exemplo, a engenharia de alimentos é


uma especialização com direito à “cidadania” própria. Em outros, como nos
Estados Unidos, em geral faz parte do currículo de engenharia química, como
uma especialização adquirida durante o curso de graduação. O engenheiro de
alimentos enfrenta grandes desafios ao lidar com misturas e moléculas
complexas, além de preocupar-se com aspectos relativos a outras áreas tais
como nutrição e saúde.

Engenharia de materiais (incluindo cerâmica, polímeros, metais, têxteis,


semicondutores)

A engenharia de materiais viabiliza a substituição de materiais tais como


metais, madeira, vidro e fibras naturais por polímeros sintéticos e materiais
compósitos, resultando em produtos mais leves, mais eficientes
energeticamente, de melhor desempenho e durabilidade, e maior flexibilidade
com relação ao design e sua fabricação. Futuros avanços devem advir de uma
maior interdisciplinaridade na ciência e engenharia de materiais, sobretudo na
área da nanotecnologia.

Engenharia de interfaces

A ciência e os fenômenos de superfície, com o devido suporte de engenharia,


serão capazes de definir, controlar e manipular os componentes químicos de
um único sítio de adsorção e a partir das interações atômicas e inter e
intramoleculares básicas. Muitos fenômenos importantes acontecem em
interfaces líquido-líquido, gás-líquido, fluido-sólido, etc, e por serem mal
compreendidos podem se beneficiar dos recentes avanços tecnológicos,
aprimorando os atuais processos ou desenvolvendo novos processos e
produtos.

Engenharia ambiental

A engenharia ambiental encarrega-se não apenas de limpar o que já foi


poluído. O papel do engenheiro de processos como projetista de sistemas mais
eficientes, reaproveitando matérias primas, obtendo maior seletividade,
elimina a poluição e tem impacto imediato sobre o meio ambiente. Futuros
avanços nesta área serão cruciais para o desenvolvimento de tecnologias
limpas que garantam o desenvolvimento sustentado, permitindo que não
comprometam gerações futuras e nossa qualidade de vida.

Engenharia bioquímica/de bioprocessos

Processos bioquímicos são cada vez mais utilizados para a fabricação de


produtos químicos. A futura exploração de biocatalisadores deverá ampliar em
muito as perspectivas da biotecnologia e o papel do engenheiro químico em
processos bioquímicos industriais. O papel da engenharia bioquímica, e mais
amplamente da engenharia de bioprocessos é tão importante para a indústria
moderna que deverá abrir espaço para o ingresso de novas especializações, a
exemplo da engenharia metabólica e da engenharia genômica.
Engenharia biológica/genômica/metabólica (inclui processos celulares,
engenharia enzimática, processos fermentativos)

A engenharia metabólica preocupa-se com a produção de compostos via


manipulação de metabólitos específicos ou caminhos específicos de
transdução de sinais, estratégias para alterar a regulação de vias bioquímicas e
processos celulares, através do uso da tecnologia do DNA recombinante
(engenharia genética). Recentemente, com o grande aumento de organismos
geneticamente sequenciados, e com os avanços da biologia
computacional/bioinformática, o genoma considerado como um todo está
abrindo caminho para o estudo de células in silico e engenharia genômica.
Genericamente, podemos considerarmos esse conjunto de assuntos como
engenharia biológica, que trata também da engenharia de tecidos.

Engenharia química médica/de tecidos

Os conhecimentos de engenharia química podem ser de grande utilidade na


medicina, através, por exemplo, da formulação de modelos matemáticos de
sistemas biológicos, incluindo a fisiologia de órgãos tais como olho, pulmão,
coração, sistema de microcirculação do corpo, e desenvolvimento de materiais
poliméricos biocompatíveis. Esses podem ser utilizados em aparelhos
médicos, pesquisas cinéticas, de transporte e termodinâmica de sistemas vivos
(engenharia química médica ou biológica) e no desenvolvimento de tecidos e
órgãos (engenharia de tecidos).

Engenharia de petróleo e gás natural

A grande abundância de gás natural representa um grande potencial para seu


uso mais intensificado como combustível e como matéria prima. A engenharia
de gás natural deve ampliar suas atividades para o melhor aproveitamento
deste recurso. Embora seja campo de atividade também para outros
engenheiros, cabe ao engenheiro químico o desenvolvimento de processos, a
exemplo do processo SMDS (Shell Oil Co.’s Middle Distillate Synthesis),
para conversão do metano em gasóleo, parafinas e combustíveis líquidos
livres de enxofre e nitrogênio.

Engenharia criogênica

Trata de processos que envolvem baixíssimas temperaturas, e exige um


profundo conhecimento de termodinâmica e ciência dos materiais. Encontra
aplicações em diversas áreas tais como refrigeração, separação de ar (He, N2,
Ar, O2), produção de para-hidrogênio, hélio superfluido, supercondutores, etc.

Além dessas, outras áreas de especialização da engenharia podem se


beneficiar dos conhecimentos do engenheiro químico, que encontra
oportunidades para pesquisa e trabalho em tópicos relacionados à engenharia
eletroquímica, engenharia de alta pressão (supercrítica e outras áreas),
engenharia de segurança de processos e instalações químicas, especialmente
depois dos ataques ocorridos em solo norte-americano, em 11 de setembro de
2001.

Novos processos comerciais serão baseados ainda em processos químicos não


convencionais envolvendo plasma, microondas, e fotoquímica. Sensores de
análise e controle em tempo real deverão exigir a integração de engenheiros,
químicos, físicos e outros profissionais.

AS MUDANÇAS NECESSÁRIAS NO ENSINO

A formação do engenheiro químico não é completa sem que aborde um


conjunto mínimo de disciplinas que envolvem operações unitárias (destilação,
extração, filtração, absorção, adsorção, entre outros), incluindo aí os reatores
(quer eles sejam chamados fermentadores, fornos de cimento, incineradores,
etc), simulação, controle e síntese de processos, economia e projeto, além,
obviamente, de matemática, química e outras disciplinas básicas e aplicadas.
Todavia, no centro do currículo de um bom curso, além de uma respeitável
fundamentação matemática, deve estar uma sólida formação em disciplinas
básicas: Fenômenos de Transferência, Termodinâmica e Cinética. Estas
disciplinas são ainda as que caracterizam a “ciência da engenharia química”, e
formam o núcleo de aprendizado sobre o qual se constrói a profissão. Quanto
ao futuro, essas disciplinas “clássicas” deverão adequar-se aos novos desafios
impostos pelo avanço da ciência e da tecnologia.

Fenômenos de Transferência

Os fenômenos de transferência (ou de transporte), que incluem a mecânica dos


fluidos, a transferência de calor e a transferência de massa (não
necessariamente ensinados/estudados nesta ordem), ao serem sistematizados
contribuíram enormemente para o desenvolvimento da ciência da engenharia
química. O livro-texto “Transport Phenomena” de Bird, Stewart e Lightfoot
(mais conhecido no Brasil como Bird e lá fora como BSL), reconhecendo a
unificação dos conceitos de transporte de momentum, calor e massa,
representou um marco importante no desenvolvimento da engenharia química
nos anos 50 e 60. Modernamente, a utilização intensiva da dinâmica de fluidos
computacional (Computacional Fluid Dynamics – CFD) tem realizado
avanços importantes nos conceitos de mistura e segregação de estruturas
fluidas. O grande desafio é integrar a abordagem molecular à descrição
macroscópica dos fenômenos à qual estamos acostumados, envolvendo
processos dinâmicos com reações químicas complexas acopladas.
Termodinâmica

Para que a termodinâmica possa dar seu apoio a uma engenharia mais
orientada para o produto, ela precisa integrar-se a outras áreas, em particular à
transferência de massa. Isto não significa, todavia, que novas teorias tenham
que ser inventadas. Com criatividade, imaginação e coragem, velhas teorias
podem ser utilizadas com sucesso na descrição de novos problemas. Prausnitz
[xix] cita alguns exemplos interessantes, entre eles o projeto de um sistema de
administração de hormônios esteróides usando a teoria da solução regular de
Hildebrand de 1930 em conjunto com a teoria de Flory–Huggins para
soluções poliméricas, e a conhecida lei de difusão de Fick, permitindo assim a
avaliação da espessura necessária para que um polímero específico atenda ao
fluxo desejado de um determinado esteróide.

Cinética

A cinética (química e bioquímica), baseia-se fundamentalmente em teorias


semi-empíricas. Tentativas de se prever a priori a velocidade de reações
químicas, a partir de informações provenientes unicamente dos reagentes,
catalisadores e condições de operação, falham consideravelmente. Há que se
trabalhar muito para tornar a cinética mais científica e menos “artística”,
apostando-se na modelagem dinâmica molecular e técnicas ab initio.

Novas técnicas químicas tais como a química combinatorial, que é uma


ferramenta que permite a síntese de uma grande quantidade de compostos a
partir de blocos de construção, analisando todas as possíveis combinações
definidas por uma dada seqüência de reações, são de importância fundamental
para a competitividade da indústria, especialmente a farmacêutica.

Profusão de cursos e material online

A revolução promovida pela World Wide Web tem reflexos diretos na


educação do engenheiro. É possível encontrar inúmeras opções de cursos à
distância (online) em diversas áreas como, por exemplo, os cursos oferecidos
pelo AIChE em programas de educação continuada
(www.aiche.org/education). No Brasil, cabe destacar o pioneirismo da Escola
Piloto de Engenharia Química, mantida pelo Programa de Engenharia
Química da COPPE/UFRJ (www.peq.coppe.ufrj.br/piloto/). Futuras versões
promoverão interação à alta velocidade e com suporte de ferramentas de
realidade virtual, como já acontece em centros avançados.

O espaço do(a) engenheiro(a) químico(a)

O engenheiro químico ocupa posições de trabalho em vários ramos da


economia: fábricas em geral, indústrias farmacêutica, de saúde, de segurança e
ambiental, projeto e construção, papel e celulose, processamento de alimentos,
produtos petroquímicos, produtos de química fina, polímeros, biotecnologia,
entre outras. Além disso, profissionais de engenharia química são
freqüentemente solicitados em outros ramos da atividade humana, e ocupam
cargos em áreas como educação, direito, editoração, finanças, medicina, e
muitas outras onde se requer treinamento técnico especializado.

Embora a engenharia química seja uma profissão que tenha atraído um


número bastante elevado de mulheres (nos Estados Unidos elas são
atualmente cerca de 33%) em comparação com alguns outros ramos da
engenharia, ainda é muito pequeno o número de mulheres que chega ao topo
das grandes empresas e mesmo no quadro docente das universidades mais
tradicionais. Com certeza deve haver uma boa correlação com o número de
mulheres ocupando cargos importantes de uma maneira geral, mas isso pode
ser também devido ao fato de que as mulheres têm sido pouco agressivas nas
carreiras que exigem mais as aptidões da engenharia, em carreiras industriais,
preferindo em muitos casos os laboratórios de análise, controle de qualidade e
de pesquisa. Esse perfil deve mudar significativamente com a ampliação do
papel da engenharia química nos estudos e trabalhos interdisciplinares que
exigem a participação e competência da engenharia química. Boa notícia,
portanto, para as mulheres, com a maior relevância de áreas como engenharia
ambiental, engenharia metabólica, engenharia genômica, engenharia
biológica, engenharia química médica, etc.

A carreira de engenharia química é sólida, e bastante promissora. Nos Estados


Unidos, os salários iniciais anuais médios (engenheiro químico recém-
formado), de acordo com o National Association of Colleges and Employers
(NACE), em pesquisa realizada entre setembro de 1998 e abril de 1999, são:

Graduação (bacharel) US$ 47.705,00


Mestrado US$ 53.059,00
Doutorado US$ 67.223,00

No Brasil, os salários são bem inferiores, mas há que se levar em conta


questões regionais, custo vida, pagamento de pensões e outros benefícios
diretos e indiretos.

As perspectivas para as próximas gerações

O início de um novo milênio constitui-se em excelente oportunidade para


refletirmos sobre nossas conquistas, limitações e desejos. Muitas são as
perspectivas que se abrem à nossa frente e a humanidade, por sua natureza,
sonha com o avanço da ciência e da tecnologia.
Acredita-se que o conhecimento do código genético, o sequenciamento de
DNA de microorganismos e plantas de interesse industrial, permitirá novos
caminhos metabólicos, otimizados e eficientes para produção em larga escala
de inúmeros novos compostos; pelo menos em tese, o controle do
metabolismo (e envelhecimento) celular permitirá que se estenda a vida por
muitos anos; deveremos finalmente desvendar alguns dos segredos da mente
humana e dos mecanismos de memória, ampliando nossa capacidade para
evitar e curar doenças mentais, e mecanismos controlados pelo sistema
nervoso; a ciência espacial permitirá a conquista de novas fronteiras (planetas
e satélites do sistema solar). O homem sairá ainda mais de seu ambiente
cotidiano para ampliar seus objetos de estudo rumo ao mundo do muito
grande e do muito pequeno. A diferença de escala dos problemas forçará ao
desenvolvimento de novas teorias e/ou adaptação das teorias existentes.

Novas técnicas propiciam boas oportunidades para se revisar processos, antes


considerados inviáveis. Na medida em que se pode ampliar econômica e
tecnicamente o intervalo das variáveis de processo, novas tecnologias podem
substituir com sucesso processos convencionais, produzindo mais, com maior
economia e com menor poluição. O abaixamento do custo da alta pressão, por
exemplo, pode viabilizar novos processos com base na aplicação de fluidos
supercríticos. A combustão do carvão, segundo estudos do National Institute
of Materials and Chemical Research, do Japão, pode ser realizada em um
reator alimentado com carvão e oxigênio e a combustão (oxidação) é realizada
em água supercrítica a 600ºC e 30 MPa, gerando apenas CO2 e mais nenhuma
poluição. A Thermal Conversion Corp. (Kent, Washington) trabalha
atualmente no desenvolvimento de um processo de reforma de gás natural
com ICP (Induction-Coupled Plasma) juntamente com a Rentech (Denver,
Colorado), combinando a reforma com o clássico processo Fischer-Tropsch
para a produção de combustíveis líquidos em áreas remotas ricas em gás
natural. [xx]

Os desafios da engenharia do futuro talvez dependam de nossa capacidade


para entender e imitar melhor a natureza, de forma a nos permitir a fabricação
de materiais “inteligentes”, com características funcionais tais como: 3

   materiais que se contraem como um músculo;


   materiais cuja viscosidade muda quando introduzidos em um campo
eletromagnético;
   sistemas que se auto-regeneram (tais como ossos e pele);
   materiais que mudam de cor (devido à mudança de alguma condição
físico-química do meio ambiente);
   materiais que podem processar sinais (a exemplo do tecido nervoso).

Para atingir esses propósitos, certamente serão de grande valia os atuais


desenvolvimentos que se vêm fazendo nas novas áreas da ciência, entre eles a
biologia computacional, a química combinatorial, a informática química e, e a
teoria da informação na biologia.

Para “profetizar”, enumeramos abaixo o plano de fundo que deverá orientar a


a engenharia química “tradicional” deste novo século.

Tópicos da Agenda do Século 21:

A água deverá ser o produto mais nobre deste século, com


custos cada vez maiores.
O hidrogênio, produzido a partir da água e energia solar barata,
deverá ser um combustível de ampla aplicação e ainda mais
importante como matéria prima.
O metano (CH4) e o gás carbônico (CO2) deverão ser
importantes fontes primárias de carbono.

Considerações finais

As grandes conquistas de um século de engenharia química contribuíram


enormemente para moldar e caracterizar a sociedade moderna do Século 20.
Profissionais e empresas devem estar preparados para enfrentar as mudanças
de cenário provocadas pelos novos desafios do início do novo século: o
processo de globalização deve continuar aumentando a passos largos; novos
projetos têm que considerar as teses do desenvolvimento sustentado,
considerando a preservação dos recursos naturais e do meio ambiente; os
agentes e departamentos financeiros das empresas continuarão a explorar o
aumento da lucratividade e da produtividade; o fácil acesso à informação e a
maior consciência geral aumentarão a expectativa dos clientes e
consumidores; finalmente, serão exigidos novos requisitos para o engenheiro.
A profissão de engenheiro químico continuará usufruindo das boas
oportunidades geradas nas grandes companhias, mas poderá tornar-se também
uma profissão liberal, onde o engenheiro químico poderá ter o seu próprio
negócio, talvez produzindo em microreatores produtos altamente
especializados, ou prestando serviços online para indústrias e outras empresas,
avaliando processos, simulando, otimizando, supervisionando, gerenciando ou
mesmo projetando novos produtos.

Dos novos profissionais será exigido capacidade de trabalho colaborativo, e


empreendedorismo. Os novos profissionais liberais e os que seguirão carreira
em empresas devem considerar ainda os seguintes aspectos:
Requisitos profissionais:

·  Motivação para o trabalho;

·  Necessidade simultânea de conhecimentos gerais e especialização;

·  Integração em grupos interdisciplinares.

Requisitos pessoais:

· Inter-relações pessoais, comunicação eficiente (oral, eletrônica;


idiomas/culturas estrangeiras);

· Educação continuada e desenvolvimento da capacidade de aprendizagem;

· Capacidade de gerenciamento de tempo e vida pessoal.

Haverá espaço para inúmeras novas especializações. Tecnologias a serem


exploradas incluem:

· sistemas de reação e separação, incluindo plasma, microondas, fotoquímica,


sonoquímica, bioquímica, supercrítica, criogenia, extração e destilação com
reação, reatores de membranas;

·  softwares para processos e ferramentas de medição em tempo real e


simulação 3-D de sistemas dinâmicos reativos.

Novos conceitos devem flexibilizar a fabricação e o gerenciamento de


processos; o desenvolvimento de materiais de mais alto desempenho poderá
incluir materiais “inteligentes”, que encontrarão aplicação em novos produtos
e novos processos, ajudando a resolver velhos problemas.

Especial atenção deve dada a aspectos relacionados à segurança, à saúde, e à


utilização de tecnologias limpas, valorizando matérias primas e reciclando
produtos. A água limpa e muito pura tornar-se-á ainda mais preciosa. A
captação de forma mais econômica e eficiente de energia solar deverá
viabilizar a obtenção de hidrogênio por eletrólise para fins industriais e como
fonte alternativa de energia limpa. O metano e o gás carbônico deverão tornar-
se no futuro as principais fontes de carbono.

Bibliografia Citada
[1]
Trabalho apresentado na Palestra de Abertura do X CONEEQ, Congresso
Nacional de Estudantes de Engenharia Química (atualizado), realizado em
Florianópolis, SC, de 30/01 a 06/02/2000.
[2]
American Chemical Society (ACS), American Institute of Chemical
Engineers (AIChE), Chemical Manufacturers Association (CMA), Council for
Chemical Research (CCR), Synthetic Organic Chemical Manufacturers
Association (SOCMA)

[i] Chen, V. History of Chemical Engineering,


http://www.ceic.unsw.edu.au/chemeng/whatisce.htm, 14/01/2000.

[ii] University of Minnesota AIChE Student Chapter, The History of


Chemical Engineering,
http://www.cems.umn.edu/~aiche_ug/history/h_intro.html

[iii] Kaku, Michio, Hyperspace, Anchor Book, New York, 1994.

[iv] Lewin, Roger, Complexidade. A vida no limite do caos. Rocco, Rio de


Janeiro, 1994.

[v] Ondrey, Gerald; D’Aquino, Rita. The hydrogen chase. Chemical


Engineering, October 1999, p. 30.

[vi] AIChE On-Line Community,


http://www.aiche.org/membership/community.htm

[vii] Ei Engineering Village, http://www.ei.org

[viii] E-commerce in the CPI… Still loading. Chemical Engineering, July


1999, p. 26.

[ix] Clinton Intervention Boosts Online Pharmacies.


http://chemweb.com/alchem/2000/ecommerce/ec_000114_clinton.html

[x] Porto, L. M.; Ogeda, R. H. A Tecnologia Internet no monitoramento e


controle de processos à distância. II Congresso de Engenharia de Processos do
Mercosul, ENPROMER’99, 30 Agosto a 02 de Setembro de 1999,
Florianópolis, SC.
[xi] International Human Genome Consortium Consortium (IHG). Initial
sequencing and analysis of the human genome. Nature, 409 (15 February
2001), p. 860-921.

[xii] Venter, J. C. et al. The sequence of the human genome. Science, 291 (16
February 2001), p. 1304-1351.

[xiii] Technology Vision 2020: The U.S. chemical industry.

http://www.ccrhq.org/vision/, 13/02/2002.

[xiv] Enzymes convert a waste stream into a useful product. Chementator.


Chemical Engineering, September 1999.

[xv] Kleintjens, L. A. L. Thermodynamics of organic materials, a challenge


for the coming decades. Fluid Phase Equilibria, vol. 158–160 (1999), p. 113–
121.

[xvi] Zakon, A. A expansão da engenharia química no terceiro milênio. VI


Encontro de Educação em Engenharia, Petrópolis, RJ, 23/11 a 01/12/2000.

[xvii] Shuler, M. L.; Kargi, F., Bioprocess Engineering, Prentice-Hall


International Series in the Physical and Chemical Engineering Sciences,
Englewood Cliffs, NJ, 2nd Edition, 2002.

[xviii] Villadsen, J. Book Review, "Bioprocess engineering"; Michael L.


Shuler and Fikret Kargi; Prentice-Hall, Englewood Cliffs, NJ, 2nd Edition,
2002, In Press, Available online 16 January 2002.

[xix] Prausnitz, J.M. Thermodynamics and the other chemical engineering


sciences: old models for new chemical products and processes. Fluid Phase
Equilibria, vol. 158–160 (1999), p. 95–111.

[xx] TCC Technology, http://www.thermalconversion.com/technology.htm,


17/01/2000.
http://labvirtual.eq.uc.pt/siteJoomla/index.php?
option=com_content&task=view&id=113&Itemid=2

Perspectivas da Engenharia
 Química no Brasil
 

José L. Magnani
(EPUSP)

Dados da ABIQUIM (Associação Brasileira das Indústrias Químicas)


mostram que no período de 1990/1998 as importações, de produtos químicos
industriais, aumentaram em 17,2% enquanto que as exportações aumentaram
em 9,7%. Um outro dado significativo é a redução do valor agregado a
indústria química brasileira de US$ 45 bilhões para US$ 40 bilhões de 1997
para 1998. No contexto da chamada "globalização" (e globalização eu acho
que é a palavra na hora em que tivermos que caracterizar o desafio) a indústria
química brasileira preferiu do ponto de vista econômico e estratégico a
descontinuação da produção de uma série de especialidades – produtos
obtidos e comercializados em pequenas ou médias quantidades, de alto valor
agregado, ao contrário das commodities, produzidas e comercializadas em
grandes quantidades (milhares de toneladas) e de baixo valor agregado.

Isso porque a produção e a inserção no mercado de especialidades químicas


têm custo elevado. E o custo elevado se chama inteligência. Inteligência de
equipes de técnicos, de pesquisadores, de vendedores técnicos, de atendimento
ao cliente. A descontinuação dessa produção de especialidades pode ser feita -
e em grande parte o foi - transformando a capacidade industrial instalada em
especialidades químicas para commodities. A especialidade química requer
um alto custo de inteligência para chegar até o mercado. Na hora em que
descontinuo a minha produção de uma especialidade química e uso a minha
capacidade instalada para a produção de commodities eu posso eliminar todo o
custo da equipe de especialistas, de técnicos, de profissionais altamente
qualificados. Reduzo esse custo e reduzo o meu valor agregado. Esse aumento
na produção de commodities pode assim ser exportada.

 
Exporto, portanto, commodities e importo especialidades. As commodities têm
valor muito inferior ao das especialidades que importo e aí há uma violenta
redução no número de empregos especialmente nas camadas de maior
especialização - os profissionais da química. Esse é o modelo, isso que
estamos vivendo é a nossa inserção atual na globalização, ou seja, a nossa
empresa química instalada no Brasil é a grande química global. É essa a
inserção que desejamos ou temos outra possibilidade de inserção? Qual é essa
outra possibilidade?

Essa possibilidade, em parte e timidamente exploramos. Por exemplo: o Brasil


produz o álcool mais barato do mundo com tecnologia estritamente brasileira.
O Brasil é um exportador de papel, que também é uma indústria química; um
exportador bem sucedido e o pioneiro no mundo em tecnologia de papel de
fibra curta. Por que? Porque o Brasil produz bem o eucalipto que dá uma
polpa de fibra curta. Esses dois exemplos mostram uma possibilidade enorme
que temos de atuar dentro das peculiaridades brasileiras, ou seja, as condições
climáticas, condições culturais, condições quaisquer que sejam que no Brasil
são diferentes do resto do mundo dito global; podem permitir um esforço
exportador com competitividade de preço altamente marcada e eventualmente
até de qualidade. Devemos buscar e explorar as nossas vocações.

Por outro lado temos importações na ordem de dezenas de bilhões de dólares


para o Brasil. A essas importações ainda cabe a pergunta que sempre foi feita:
o nosso processo de substituição de importações está completo? Ainda existe
espaço para ele ou não? Parte desta importação não pode ser substituída por
motivos técnicos. Um exemplo: o Brasil não é auto-suficiente em fosfato e o
importa. Mas a maior parte da importação se refere a produtos de alto
conteúdo tecnológico de alto valor agregado e, portanto, cabe a substituição.
Ou seja, o processo de substituição de importação não está esgotado de forma
alguma.

Outro ponto de igual importância: o próprio desenvolvimento de produtos que


tenham a "cara de Brasil" e o que tem essa cara? Se eu monto uma
petroquímica, eu monto uma indústria de polímeros e fabrico copinhos
descartáveis de café; quando fiz isso importei: matéria prima = petróleo,
tecnologia da petroquímica, tecnologia do plástico, tecnologia de propaganda
e marketing do copinho, necessidade de uso dos copinhos (pois até então
tomava-se café na xícara que era lavada com detergente ou sabão).

 
Temos a possibilidade de criar, desenvolver, assumir e explorar os nichos
culturais que temos. Por exemplo: um BigAcarajé no lugar do BigMac! Por
que não? Existe química nisso? É claro! Se eu tiver um acarajé congelado eu
terei que usar algum antioxidante para preservar a qualidade dos óleos e
gorduras presentes! Por que não assumir nossa identidade e, em lugar de
descontinuar aquilo que está nosso cotidiano, que está na nossa cultura e que
estabelece o nosso nicho, substituir por um sabor pasteurizado internacional
cuja principal virtude é satisfazer nossa crescente xenofilia?

De repente "nada do que é nacional presta", coisa de Terceiro Mundo. Mesmo


que se queira fazer coisa de Primeiro Mundo eu vou ser Terceiro Mundo
sempre, porque sou um imitador. Todo país que hoje ostenta bandeirinha de
Primeiro Mundo mantém sua cara, suas características e se impôs. Se impôs
de alguma forma! A Itália, que se impõe na Europa, jamais adotou o padrão
do vinho francês como paradigma. O vinho italiano tem personalidade italiana
e é exportado, da mesma forma como o vinho francês o é.

Hoje, para o consumo interno, temos a possibilidade de desenvolver uma


química que seja nossa. Por que isso não é feito? Como o conhecimento foi
administrado na implantação da grande química que está aí, essa que como
vimos e descontinua especialidades e aumenta a produção de commodities?
Que exporta e importa, com o aumento de importação maior que o incremento
exportador! Toda essa grande indústria foi feita dentro de modelos totalmente
importados, com tecnologia importada. Toda a implantação da petroquímica
brasileira e da química inorgânica também foi feita dentro desse modelo.

Dentro desse modelo a grande química dispunha de quadros técnicos


numerosos, qualificados e competentes, de pessoal de alto gabarito seja em
economia, em finanças e, consequentemente, em estudo de viabilidade
econômica, seja em competência técnica em química, capaz de determinar a
viabilidade técnica das unidades produtivas de nossa química. Então as
equipes eram perfeitamente divididas e a confluência entre quem determinava
a viabilidade técnica e quem determinava a viabilidade econômica só
convergia na alta direção da empresa. Essas empresas por um lado
desmobilizaram a sua competência técnica, por outro lado desmobilizaram a
sua competência econômica, nos esforços de redução de custos, ao abandonar
parte das especialidades e usar a capacidade instalada para as commodities. Na
ausência de um Estado regulamentador de implantações, que limitava a
importação através de Cacex e a concorrência interna através de CDI -
Conselho de Desenvolvimento Industrial, essas empresas não mais têm o seu
nicho de mercado perfeitamente protegido pelo Estado. E não mais tem as
suas equipes capazes de demonstrar a viabilidade técnica por um braço
operativo e econômica por outro braço operativo.

Todo esse modelo de implantação de indústria levava a um alto custo na folha


de pagamentos. Mas esse alto custo de mão-de-obra não é o alto custo da
mão-de-obra de fábrica, porque embora o Brasil tenha unidades em escala
menor que as internacionais, os salários aqui praticados também são menores
que os internacionais. Então quando comparamos o custo de mão-de-obra
produtiva brasileiro, americano ou europeu, o custo brasileiro de mão-de-obra
direta, de mão-de-obra de fábrica é absolutamente similar ao americano e é
muito inferior ao custo alemão. A Alemanha é importante porque ela é um
país exportador dessas especialidades químicas tão caras que importamos cada
vez mais.

O alto custo da mão-de-obra brasileira se caracteriza como o alto custo do


"overhead"; é o escritório que fica na Av. Paulista, na Faria Lima. É o que
causa o descompasso do custo da mão-de-obra na grande indústria química
brasileira. Esse modelo tal como está amarrado leva a uma possibilidade de
superação através de um outro modelo de química. Um modelo de química a
ser implantado por pequena empresa de empreendedor cujo custo de
"overhead" é muito pequeno e que é capaz de ter um custo de mão-de-obra de
fábrica igual ao de qualquer outra grande ou internacional. E que seja capaz,
portanto, de agregar toda a necessidade de conhecimento técnico e
econômico; que seja capaz de distinguir, de ver nichos de mercado e que tenha
o discernimento - nem sempre fácil - de saber se uma idéia (se um nicho) é
uma oportunidade saudável técnica e economicamente ou se é um "sonho"
que só dá prejuízo. E é muito difícil distinguir entre essas duas coisas.

De novo, citando um exemplo, a indústria quimica que investe muito em


pesquisa e desenvolvimento - desenvolveu uma metodologia de "descartar
projetos inviáveis". A cada 200 projetos de pesquisas iniciados, em média
apenas um chega ao mercado. Apenas um resulta em alguma coisa que chega
ao mercado! E a metodologia consagrada procura avaliar a oportunidade a
cada ciclo de estudo. É a história de cebola: vou arrancando casca por casca; e
a cada casca maior de conhecimento que arranquei, que transformei o
desconhecido em conhecimento, eu reavalio economicamente a oportunidade.
O cerne da metodologia consiste em descartar o projeto inviável o mais cedo
possível; antes que acabe custando mais que o necessário. Daí que com o
mesmo orçamento, no lugar de 200 novos produtos eu vou pesquisar 400. E se
eu pesquisar 400 no lugar de 200 colocarei 2 no mercado no lugar de um só.
Em média!

Tenho que ter um profissional de química que seja capaz - portanto - de


agregar qualificações, competências em: química, engenharia, avaliação
econômica e de oportunidades. E mais do que isso, tenho que ter um
profissional de química que saiba circular e saiba, por exemplo, ir na Finep
(Financiadora de Estudos e Projetos) buscar dinheiro. Num país como o
Brasil, que com todo o potencial existente e todo esse perfil de indústria
química, a Finep por vezes não tem tomadores de dinheiro para estudos e
projetos. Porque não existe iniciativa que vá lá e tome o dinheiro - dinheiro
esse disponível, em condições especiais, justamente para estimular a
implantação do novo! Mesmo assim faltam tomadores para esse dinheiro para
fazer estudos visando conferir uma oportunidade. De certa forma o mesmo por
vezes ocorre com o BNDES, que pode proporcionar vasto crédito desde que
se demonstre a saúde econômica do empreendimento.

Os profissionais de química brasileiros são reconhecidamente competentes em


técnica. E desconhecem as demais competências. Os profissionais de química
brasileiros têm uma excelente formação para ser empregado do modelo de
implantação da química que foi bem sucedida nas décadas de 70 e 80, dentro
do modelo CDI, Cacex e CIP. Na hora da exaustão desse modelo, com as
equipes da viabilidade técnica separada da equipe da viabilidade econômica,
os nossos cursos são recalcitrantes em se modernizar, em colocar no currículo
alguma coisa substantiva em avaliação econômica.

Não conheço nenhum curso (e se eu estiver enganado, por favor me informe,


pois neste caso eu adoraria ser desmentido) de química ou de engenharia
química que tenha a disciplina de Marketing em seu currículo. Pelo contrário,
falou em marketing o químico se arrepia e fala: "meu Deus! eu vou ter que ser
vendedor!", desprezando um campo de trabalho do químico dos mais
sofisticados que é a engenharia de vendas, a tecnologia de vendas, a
tecnologia de aplicação de produtos. A capacidade de identificar necessidade
e suprir essa necessidade que está sendo identificada.

 
Estou falando do conhecimento e de uma necessidade para que essa química,
para que esse desafio da próxima década possa ser conferido, realizado e
implantado. É a articulação do conhecimento; ele não pode mais ser articulado
por equipes numerosas que convergem o conhecimento numa alta direção da
empresa. O profissional da química pode aprender aritmética econômica e
pode aprender conceito de marketing; dificilmente o economista vai aprender
química com a profundidade que os nossos recém-formados têm. É mais fácil
fazer o caminho inverso; agregar esse conhecimento nos nossos profissionais
da química.

Essa confluência na pessoa e não na alta direção de uma estrutura caríssima


pode abrir um instrumental para que esses nichos, essas oportunidades sejam
abertas.

Vamos falar do conhecimento, o conhecimento necessário à implantação de


nova tecnologia. De certa forma 90% deste conhecimento é em química e
engenharia clássica, tradicional, que se encontra em qualquer biblioteca; 5%
pode ser complementado no laboratório; e 5% geralmente se erra até dar certo.
Contudo, a geração de conhecimento pode ser feita em duas vertentes básicas.

O conhecimento pode ser gerado como conhecimento aplicado, como


conhecimento que falta para a gente fechar um pacote tecnológico, por
exemplo, o conhecimento necessário para fabricar papel de fibra curta de alta
qualidade. O Brasil sabia fazer papel de fibra longa, plantar eucalipto e mil
coisas. A tecnologia para fazer papel resistente, de fibra curta era um
acréscimo. Então, esse conhecimento adicional, incremental para viabilizar
como idéia uma oportunidade, leva à "pesquisa aplicada". É desenvolvimento
de conhecimento, geração de conhecimento aplicado.

A outra vertente, o conhecimento de erudição, é absolutamente necessária


para que um país aprenda e se exercite na geração de conhecimento. Porém, o
Brasil tem alto nível nisso mas não pode se restringir - de novo e ainda
especialmente na próxima década - a geração do conhecimento de erudição.
Conhecimento não aplicado é necessário sempre, mas não pode ser restrito a
ele. Vejam o percurso que o conhecimento de erudição desenvolvido e gerado
faz: o pesquisador no Brasil, através de verbas brasileiras, desenvolve uma
pesquisa e publica num periódico internacional. Esse conhecimento passa a
fazer parte do acervo global de conhecimento, o qual é apropriado e
viabilizado em torno da produção, de agregação de valor, de dinheiro,
economia, conforto, de bens de consumo e de progresso na humanidade, nas
matrizes das mega-empresas, das multinacionais e empresas globais, cuja
matriz não existe no Brasil. Posteriormente esse mesmo conhecimento migra
da matriz que é no Hemisfério Norte (Europa, EUA e eventualmente o Japão)
para o Brasil, para a sua filial. Daí que, na melhor das hipóteses, o
conhecimento gerado no Brasil, de pesquisa de erudição, irá gerar riqueza no
Brasil através da filial, passando primeiro pelo editorial do Primeiro Mundo,
segundo pela matriz da empresa lá e em terceiro na filial aqui. As empresas, a
grande química globalizada e instalada no Brasil raramente conversa com as
universidades e centros de pesquisas brasileiros. Fazem isso somente através
do Hemisfério Norte.

Há uma necessidade de superação para subir do patamar da pesquisa de


erudição para a pesquisa aplicada. É necessário romper todos os obstáculos
recíprocos que existem entre empresa e centro gerador de conhecimento. Isso
pode ser feito por ex-alunos das mesmas instituições que geram
conhecimento, porque conhecem o cacoete, porque sabem o nome, porque
sabem a quem procurar. Mas de novo, esse ex-aluno necessariamente tem que
ter o perfil do empreendedor. Quantos? Não sei! Quantos dos nossos químicos
e engenheiros hoje serão empregados na indústria tradicional? 10%? 5%? Dos
90% ou 95% que não terão acesso ao emprego na grande química, quanto se
pode ter de empreendedor? Metade deles já formam um contigente de número
suficiente para que esses desafios sejam contemplados, realizados e
transformados em oportunidades.

Vamos portanto investir nos mecanismos facilitadores do acesso do


profissional ao centro do conhecimento. Como, onde, quando é tema para
nossas próximas discussões.

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