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Fisiologia da Circulação Fetal e Diagnóstico

das Alterações Funcionais do Coração do


Feto

Sandra S. Mattos

Recife, PE

O feto cardiopata necessita de cuidados especiais. O útero materno, na maioria das


vezes, é a sua melhor UTI. Neste, a temperatura ambiente é constante, nutrição
parenteral é administrada com mínimos riscos, não há manuseio reduzindo a incidência
de trauma e infecção, e, principalmente, no tocante ao aparelho cardiovascular, ele é
mantido em circulação extracorpórea, utilizando o mais eficiente e seguro oxigenador
de membranas: a placenta. A compreensão da fisiologia da circulação feto-materno-
placentária é de fundamental importância na avaliação do comportamento das diversas
alterações do sistema cardiovascular na vida intra-uterina.

Fisiologia da circulação fetal


A circulação fetal difere da extra-uterina anatômica e funcionalmente. Ela é
estruturada para suprir as necessidades de um organismo em crescimento rápido num
ambiente de hipóxia relativa. A única conexão entre o feto e o meio externo é a
placenta, que o serve nas funções de "intestinos" (suprimento de nutrientes), "rins"
(retirada dos produtos de degradação) e "pulmões" (trocas gasosas).

Os pulmões fetais estão cheios de líquido, oferecendo alta resistência ao fluxo


sangüíneo. A placenta contém grandes seios venosos, funcionando como uma fístula
arteriovenosa com baixa resistência ao fluxo sangüíneo sistêmico. Enquanto que na
vida extra-uterina os ventrículos trabalham em série, com o débito cardíaco do
ventrículo direito (VD) igualando aquele do esquerdo, no feto, através de
quatro bypasses principais - o foramen oval, o canal arterial, a placenta e o ducto
venoso, os ventrículos trabalham em paralelo. O sangue oxigenado proveniente da
placenta chega ao feto através da veia umbilical. Esse sangue passa principalmente
(45%) através do ducto venoso "bypassando" o fígado fetal 1. O sangue venoso portal
se mistura com este e, conseqüentemente, o sangue da veia cava inferior é menos
saturado do que o sangue da veia umbilical. Ainda assim, com aproximadamente 70%
de saturação de O2, esse sangue é o mais oxigenado de todo o retorno venoso, tendo a
veia cava superior uma saturação de aproximadamente 40% 2. O sangue da cava
inferior representa aproximadamente 70% do volume total do retorno venoso. Este
chega ao átrio direito (AD) e é parcialmente (33%) dirigido para o átrio esquerdo (AE)
através do foramen oval. A energia cinética do fluxo sangüíneo da veia cava inferior é
a principal responsável pela manutenção da perviabilidade do foramen oval no feto, já
que as diferenças nas pressões médias da veia cava, AD e AE são mínimas 3. O
restante do fluxo de retorno da cava inferior mistura-se ao retorno da veia cava
superior e seio coronário e passa para o VD. O sangue que chega ao AE e daí ao
ventrículo esquerdo e a aorta ascendente, artérias coronárias e cérebro é,
conseqüentemente, o mais saturado com aproximadamente 65% em relação a uma
saturação de 55% no VD, que será dirigido através do canal arterial para a parte
inferior do corpo do feto 4. O istmo da aorta recebe apenas 10% do débito cardíaco
total e, pelo seu estreitamento fisiológico, "separa" o fluxo entre a aorta ascendente e
a descendente 2. O baixo fluxo pulmonar fetal é mantido às custas da elevada
resistência vascular pulmonar. Vários fatores estimulam esta vasoconstricção como
acidose, catecolaminas alfa-adrenérgicas e estimulação nervosa simpática, porém não
há dúvidas que a hipóxia é o principal fator determinante da vasoconstricção pulmonar
fetal. Devido à alta resistência ao fluxo sangüíneo pulmonar, apenas uma pequena
quantia (aproximadamente 7% do débito cardíaco combinado) de sangue circula pelos
pulmões, o restante é dirigido, através do canal arterial para a aorta descendente.
Embora o VD (60%) apresente um débito cardíaco superior ao do VE (40%) na vida
intra-uterina, há evidências anatômicas e ecocardiográficas de que o desenvolvimento
destas cavidades são semelhantes durante toda a gestação 5.

A figura 1, adaptada de estudos realizados em fetos de carneiro por Rudolph e col 6, e


Heyman e col 7, mostra esquematicamente a distribuição do volume sangüíneo, os
níveis pressóricos e de saturação de oxigênio fetais. Natabela I, adaptada também de
estudos em fetos de carneiros 8 estão sumarizados freqüência cardíaca, pressão
arterial, gasometria, pH, conteúdo de oxigênio, e, ainda, a distribuição sangüínea para
os órgãos, débito cardíaco, liberação de O2 e resistência vascular fetais.
Diagnóstico das alterações funcionais do coração do feto
Com o conhecimento da fisiologia da circulação fetal, podemos facilmente entender os
diferentes comportamentos das alterações do sistema cardiovascular fetal que nos
levam a subdividir as cardiopatias fetais em ativas e passivas. Incluem-se sob o grupo
de cardiopatias passivas, todas as malformações do sistema cardiovascular fetal que
não provocam repercussão hemodinâmica intra-útero, notadamente as cardiopatias
estruturais, sem regurgitação valvar. Muitas cardiopatias graves, canal-dependentes,
também se incluem neste grupo, por só manifestarem alterações clínicas no período
neonatal, após o fechamento do canal arterial. O outro grupo, ao qual chamamos de
cardiopatias ativas, inclui todas as alterações do sistema cardiovascular fetal que
provocam repercussão hemodinâmica ainda na vida intra-uterina. Neste, incluímos, as
arritmias cardíacas, as cardiopatias estruturais com regurgitação valvar importante
que podem evoluir para insuficiência cardíaca fetal, miocardiopatias e miocardites, e as
alterações funcionais do coração fetal como resposta a condições adversas. Neste
último grupo, destacamos a hidropisia não imune, o crescimento intra-uterino
retardado, o diabetes mellitus e a hipertensão arterial materna, a anemia fetal e o uso
de drogas.

O principal fator de descompensação cardiovascular fetal, comum a todas as situações


acima é a hipóxia. Nesta situação, independente de seu mecanismo etiológico há uma
redistribuição do fluxo sangüíneo fetal, que pode ser resumida como: 1) um aumento
do fluxo cerebral e adrenal; 2) uma diminuição do fluxo sistêmico conseqüente a
aumento da resistência vascular sistêmica (pós-carga); e 3) um aumento na proporção
do sangue venoso umbilical que entra o ducto venoso, com aumento do fluxo para o
lado esquerdo do coração.

Sob o ponto de vista funcional, as principais respostas do sistema cardiovascular fetal


a situações adversas são a dilatação, o aparecimento de efusão pericárdica 9 e a perda
da função contrátil. Cardiomegalia com ou sem derrame pericárdico é um importante
sinal de disfunção cardíaca fetal 10. A presença e severidade de efusão pericárdica é um
dado importante de disfunção cardíaca fetal que também pode ser avaliado com a
ecocardiografia bidimensional.

Do ponto de vista hemodinâmico, alterações da pré-carga ou intrínsecas do miocárdio


ventricular como àquelas observadas em fetos de mães diabéticas podem alterar a
evolução normal do enchimento ventricular, prolongando o período de dominância da
contração atrial até após o nascimento 11. Estes achados podem ser mais evidentes no
lado direito do coração por ser o volume de fluxo transvalvar tricuspídeo maior que o
mitral durante toda a gestação 12.

A utilização criteriosa da ecocardiografia na avaliação do fluxo intra e extracardíaco


fetal pode detectar precocemente estas alterações. Esta abordagem precoce vem
assumindo um importante papel no manuseio de gestações patológicas como as acima
citadas e reitera a importância do trabalho multidisciplinar entre obstetras, fetologistas
e cardiologistas fetais no rastreamento e manuseio das alterações do sistema
cardiovascular fetal.

Referências
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umbilical flow on liver and ductus venosus blood flow in fetal lambs. Am J Physiology
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studying blood flow, cardiac output and organ blood flow. Circ Res 1967; 26: 289.
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3. Anderson D, Faber J, Morton M, Parks C, Pinson C, Thornburg K - Flow through the


foramen ovale in the fetal newborn lamb. J Physiology 1985; 365:19. [ Links ]

4. Elderstone DI, Rudolph AM. Preferential streaming of the ductus venosus blood to
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right and left ventricular growth in the human fetal heart: a pathoanatomic study.
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and fetal blood oxygen delivery. J Development Physiology 1991; 15: 309.
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during gestation. J Am Coll Cardiol 1986; 8: 381. [ Links ]

Detecção de Alterações Funcionais do Coração Fetal no


Primeiro Trimestre da Gestação
Atualização
Os autores tecem considerações sobre a possibilidade da utilização do Doppler a cores do
duto venoso e da
medida da translucência nucal no rastreamento de alterações funcionais do coração fetal no
1º trimestre da gestação. Os dados da revisão da literatura sugerem que a
combinação da medida da translucência nucal (TN) e o
Doppler entre 10 e 14 semanas de gravidez pode ser eficaz
na detecção dessas anormalidades cardíacas, no entanto,
a conclusão é preliminar, necessitando de estudos posteriores para confirmar essa
proposição.
A função e a anatomia cardíacas são quase sempre
impossíveis de serem avaliadas no 1º trimestre da gestação.
Montenegro e cols.
1
propõem o estudo do Doppler do retorno venoso ao coração na tentativa de aferir, de forma
indireta, essa função cardíaca.
Os principais órgãos determinantes da hemodinâmica
fetal são o coração e a placenta. Dois tipos de circulação
unem esses dois órgãos: de um lado a circulação venosa, e
do outro, a arterial. Ambas são passíveis de alterações em
nível placentário, cardíaco, do sistema nervoso central, e
em nível periférico. No entanto, paradoxalmente, na literatura existe uma supervalorização
da avaliação do fluxo arterial. Apenas recentemente a circulação venosa tem sido
explorada. Eik-Nes e cols.
2
e Gill e cols.
3
publicaram, pela
primeira vez, a velocimetria ao Doppler do fluxo sangüíneo
da veia umbilical. Em 1983, Griffin, Cohen-Overbeek e
Campbell
4
estudaram a veia cava inferior. O primeiro estudo do duto venoso em feto humano foi
publicado em 1991
por Kiserud e cols.
5
.
O início dos batimentos cardíacos do embrião ocorre
no fim da 4ª semana após a concepção. O coração, com desenvolvimento iniciado durante a
3ª semana, possui contrações rápidas e irregulares, capazes de impulsionar o
sangue no interior dos vasos. Nessa ocasião, o sistema
circulatório em desenvolvimento permite que ocorra o intercâmbio nutritivo e gasoso,
materno-embrionário, nas
vilosidades coriais. Encontra-se bem demonstrado na literatura que, em fetos normais, a
freqüência cardíaca (FC)
aumenta de 110bpm na 5ª semana de gestação para 170bpm
na 9ª semana. A partir daí ocorre gradualmente uma diminuição que atinge, em média,
150bpm com 13 semanas de
gestação. O aumento inicial da FC coincide com o desenvolvimento morfológico do
coração, e o declínio subseqüente pode ser resultado do amadurecimento funcional
do sistema parassimpático
6
.
Há evidências da possibilidade de se detectar disfunção cardíaca, de forma indireta, através
da avaliação
velocimétrica do fluxo no duto venoso e da medida da
translucência nucal (TN), entre 10 e 14 semanas de gesta-
ção
1
.
Translucência nucal
Os equipamentos de ultra-sonografia de alta resolu-
ção são capazes de detectar uma fina camada translucente
entre a pele e o tecido celular subcutâneo, que recobre a
coluna cervical. Esse espaço hipoecogênico pode ser visto
rotineiramente no fim do 1º e início do 2º trimestre da gravide z . Re c ebe o nome de TN
devido à apa r ênc i a ul t r a -
sonográfica.
Alguns estudos têm demonstrado significante presença do aumento da TN, entre 10 e 14
semanas, em anormalidades cromossômicas
7,8
e cardíacas
9,10
Esses trabalhos assinalam que, se houver treinamento adequado, a utilização deste novo
método de conduta poderia rastrear alterações do coração e dos grandes vasos fetais no 1º
trimestre .
da gravidez. O exame poderia ser feito por via vaginal ou
abdominal, na dependência da posição fetal e da idade
gestacional. Ressalta-se que, quanto maior a TN maior a
possibilidade de defeito cardíaco
9
.
As bases dos mecanismos fisiológicos para explicar
este marcador ultra-sonográfico transitório (TN) ainda não
estão estabelecidas. Alguns eventos que ocorrem nessa
época da prenhez poderiam, eventualmente, esclarecer o
acúmulo transitório de líquido na região da nuca do feto. A
possível causa é atribuída a alterações da drenagem linfática fetal e/ou, particularmente, a
distúrbio hemodinâmico
decorrente da disfunção cardíaca transitória própria da idade gestacional. Revela-se, neste
estágio intra-uterino, um
estreitamento do istmo aórtico, em fetos normais
10
.740
Murta e cols.
Alterações funcionais do coração fetal
Arq Bras Cardiol
volume 72, (nº 6), 1999
Para Hyett e cols.
10
, o istmo aórtico delgado produz
diferencial de pressão entre a aorta ascendente e a descendente, causando um aumento da
perfusão da cabeça e do
pescoço fetal com conseqüente congestão e edema da
nuca, que pode variar de volume, de acordo com a dificuldade de drenagem.
Wladimiroff e cols.
11
demonstraram que, entre 11 e 13
semanas de gravidez, a resistência ao fluxo nas artérias cerebrais é menor que o verificada
na aorta descendente. No
fim do 2º trimestre foi observada pequena diminuição da
resistência nos vasos cerebrais, em contraste com acentuada diminuição na aorta e artérias
umbilicais, não obstante
essas mudanças velocimétricas serem conseqüência das
alterações vasculares placentárias peculiares nessa fase da
gravidez
11
-Com base nos trabalhos mencionados, é prová .
vel que a TN tenha origem em uma adaptação hemodinâ-
mica durante o desenvolvimento cardiovascular, reforçando esse argumento de ser comum
a concomitância de
taquicardia e aumento da TN. Essa taquicardia pode ter origem no retardo do
amadurecimento do sistema parassimpático fetal
6
.
Do exposto depreende-se que algum tipo de alteração
anatômica ou fisiológica do coração fetal ou dos grandes
vasos, entre 10 e 14 semanas, é a principal responsável pelo
edema nucal. O fluxo de sangue teria dificuldade de atravessar o coração; o esforço
cardíaco aumentado, em que pese
transitório, refletiria sobre a pré-carga (circulação venosa
central), sobrecarregando-a, o que talvez justificasse esse
acúmulo de líquido na região cervical e levaria a uma possí-
vel alteração na onda de velocidade do fluxo dos vasos venosos, notadamente no duto
venoso.
Doppler do duto venoso
Os principais vasos de interesse na investigação do
retorno venoso ao coração fetal são a veia cava inferior e
os vasos da vascularização venosa do fígado fetal (veia
umbilical, veias portas, hepáticas e o duto venoso)
12
A.
veia umbilical, quando penetra no abdome, assume posi-
ção mais horizontal e uma direção posterior; a seguir,
direciona-se para a direita, quando conflui com a veia porta esquerda e prossegue como
veia porta direita com divisões, anterior e posterior. Antes de se dirigir para a direita
surge o duto venoso que possui aproximadamente 1/3 do
diâmetro da veia umbilical. O percurso do duto é posterior
e com direção cefálica. Logo ao emergir do fígado, desemboca na veia cava inferior,
imediatamente abaixo do diafragma, sítio onde também desembocam as veias hepáticas
(esquerda, média e direita). Essa região da veia cava
inferior foi denominada de vestíbulo venoso subdiafragmático
13
.
O plano ideal ecográfico para se visibilizar o duto venoso no seu maior comprimento é o
corte longitudinal mé-
dio-sagital do tronco fetal. A sua origem também pode ser
identificada mediante corte transversal (ligeiramente oblí-
quo) da parte superior do abdome fetal. Na origem do duto
venoso, o sangue que vem da veia umbilical muda sua tonalidade, agora mais clara, o que
indica maior velocidade
do fluxo.
O feto possui três derivações anatômicas na sua circulação, com a finalidade de modificar a
direção do sangue
de modo a não ocorrer mistura entre o fluxo oxigenado, proveniente da placenta, e o de
baixa saturação, que retorna ao
coração.
Aproximadamente 50% do sangue oxigenado da veia
umbilical entra no sistema venoso hepato-portal e o restante dirige-se à veia cava inferior
torácica através do duto venoso (1ª derivação). Desta forma, a saturação de hemoglobina é
a mesma no duto venoso e na veia umbilical
12
.
O sangue proveniente da veia cava inferior abdominal, que representa 65 a 70% de retorno
venoso ao cora-
ção, não se mistura com o fluxo bem oxigenado, proveniente do duto venoso, quando se
encontram na veia cava inferior torácica. Tal fato se deve ao aumento da velocidade e
ao maior teor de saturação de oxigênio do sangue proveniente do duto venoso. No átrio
direito (AD), o sangue
ricamente oxigenado, derivado pelo duto venoso, escoa
de forma facilitada pelo forame oval (2ª derivação) para o
átrio esquerdo, juntando-se com a pequena quantidade de
sangue proveniente das veias pulmonares. Assim o sangue bem oxigenado segue para o
ventrículo esquerdo e,
daí, é distribuído tanto para os órgãos nobres (miocárdio e
cérebro), quanto, igualmente, para as extremidades superiores
14
De acordo com Hecher e Campbell .
12
, os dados na
literatura são conflitantes a respeito da existência de um
esfíncter (estrutura muscular isolada) que regularia o fluxo
sangüíneo no duto venoso. No entanto, já foi demonst r ado que o s i s t ema ne rvoso
autônomo inf luenc i a na
regulação desse fluxo
15
.
O restante do fluxo sangüíneo na veia cava inferior
(proveniente do fígado e extremidade inferior) reunido ao da
veia cava superior no AD, segue para o ventrículo direito
(VD) e permeia a artéria pulmonar; contudo, em maior volume, atinge a aorta descendente
através da 3ª derivação da
circulação fetal (duto arterial). O sangue da aorta descendente, com baixo teor de saturação
de oxigênio, tem seu retorno à placenta pelas artérias umbilicais para ser novamente
oxigenado
16
.
O duto venoso é uma das três derivações exclusivas
da circulação fetal que tem a função de conduzir, diretamente, o sangue bem oxigenado da
veia umbilical para o cora-
ção. Mediante a emprego do Doppler a cores, o duto venoso é observado como um vaso
pequeno e estreito, que possui fluxo de alta velocidade, semelhante ao das artérias.
Essa velocidade aumentada do sangue no duto venoso
possibilita atingir o forame oval, sem se mesclar com o fluxo
remanescente no AD, pouco oxigenado
5
.
O estudo velocimétrico no duto venoso foi introduzido por Kiserud e cols. em 1991
5
e em 1992 por Huisman e
cols.
17
, o que permitiu novas aplicações do Doppler naArq Bras Cardiol
volume 72, (nº 6), 1999
Murta e cols.
Alterações funcionais do coração fetal
741
obstetrícia. Esses autores demonstraram, em gravidez normal, um aumento de 2 a 4 vezes
da velocidade do fluxo
sangüíneo ao se introduzir no duto venoso. Desta forma o
sangue neste vaso apresenta-se com cores brilhantes, e
tonalidades tendendo para o claro, o que provoca diferen-
ça de tonalidade em relação ao fluxo da veia umbilical. Particularidade que favorece a
identificação do fluxo no duto
venoso à luz do Doppler a cores. Gennser
18
refere que na
junção da veia umbilical com o duto venoso (região ístmica) existe um pequeno esfíncter
muscular, responsável
pela regulação do fluxo que entra no duto. Esse esfíncter
seria também responsável pela oclusão do duto após o
nascimento
16
.
A figura 1 mostra que a onda de velocidade de fluxo do
duto venoso é unidirecional e bifásica. O 1º pico surge durante a sístole ventricular (S), e o
2º, na diástole ventricular
(D). A incisura que aparece entre dois ciclos representa o
final da diástole e a contração atrial (a).
Montenegro e cols.
19
estudaram a onda de velocidade
do fluxo do duto venoso em gravidezes normais entre 10 e
13 semanas de gestação. Não encontraram nenhuma varia-
ção significativa dos parâmetros analisados (que permaneceram constantes). O valor da
velocidade máxima durante a
sístole foi de 24.8 (+/- 10.0) cm/s, na diástole de 18.8 (+/- 8.4)
cm/s e o tempo de velocidade média (TAV) de 16.5 (+/- 2.0)
cm/s. A média dos valores da velocidade máxima durante a
contração atrial foi de 3.4 (+/- 1.9) cm/s. O índice de pulsatilidade (IP) também permaneceu
constante nesse período
(1.3 +/- 0.2). Os autores concluem que as mudanças nas velocidades dos diversos
componentes da onda velocimé-
trica do duto venoso ocorrem após esse período, como demonstraram Wladimiroff e
Huisman
20
.
Wladimiroff e Huisman
20
avaliaram a velocimetriaDoppler do duto venoso entre 19 e 39 semanas de gestação.
Verificaram que, com o avançar da gestação, ocorre aumento
do TAV, do pico da velocidade máxima sistólica e da diastólica, permanecendo constante a
relação S/D, constatando
que os achados foram devidos ao incremento da quantidade
de sangue circulante, ao aumento da contratilidade, à complacência cardíaca e à redução da
pós-carga. A diminuição da
pós-carga está bem estabelecida devido ao decréscimo fisiológico da resistência vascular
placentária no 2º trimestre
21
.
Consoante às mudanças do padrão de fluxo no duto
venoso, Wladimiroff e Huisman
20
observaram que, durante a atividade fetal, ocorre um aumento de 30% das velocidades
durante a sístole e a diástole, em comparação ao verificado durante o sono fetal. De acordo
com os autores, é
provável que a atividade fetal requeira maior quantidade
de sangue bem oxigenado para o compartimento direito do
coração.
Fig. 1 - Onda de velocidade do fluxo sangüíneo do duto venoso na 11ª semana de gestação
(comprimento cabeça-nádega de 40 mm). Exame realizado por via vaginal.742
Murta e cols.
Alterações funcionais do coração fetal
Arq Bras Cardiol
volume 72, (nº 6), 1999
Van Splunder e cols.
22
estudaram através do Doppler a
veia cava inferior, o duto venoso e a veia umbilical de 262 fetos entre 8 e 20 semanas de
idade gestacional. Na veia umbilical encontraram a pulsação venosa como padrão normal
até 15 semanas; o índice pulsatilidade venoso (IPV) diminuiu linearmente, e o TAV
aumentou com a idade gestacional. No duto venoso, além do aumento da TAV, houve
aumento da velocidade máxima durante a sístole e a diástole, o
mesmo ocorrendo com a veia cava inferior. Ao contrário, em
ambos os vasos houve diminuição do IPV com o evolver da
gravidez. A percentagem de fluxo reverso na veia cava inferior permaneceu constante até
14 semanas, diminuindo consideravelmente, a partir dessa época. Não foi mencionado o
comportamento da velocidade mínima no duto venoso durante a contração atrial. A onda
velocimétrica do duto venoso foi identificada a partir de nove semanas, uma vez que o
desenvolvimento anatômico desse vaso se completa com
oito semanas, enquanto a onda de fluxo da veia cava inferior
pode ser estudada a partir de oito semanas. O aumento do
TAV com a idade gestacional foi observada nos três vasos
estudados, em uma proporção de 2, 3 e 4 vezes, respectivamente, na veia cava inferior, na
veia umbilical e no duto
venoso. Assim, o duto venoso foi o vaso que apresentou
maior aumento da velocidade do fluxo, o que pode confirmar
a existência e desenvolvimento do esfíncter nesse vaso.
Os estudos iniciais
5,17
mostraram, em gravidez normal,
um aumento de 2 a 4 vezes da velocidade do sangue ao se
introduzir no duto venoso. É possível que o aumento da
velocidade se deva à presença do esfíncter, referido anteriormente, entre a veia umbilical e
o duto venoso (região
ístmica), e também ao gradiente de pressão entre a veia umbilical e o AD.
O Doppler venoso mostrou-se de grande utilidade na
avaliação do bem-estar fetal, notadamente no sofrimento
crônico descompensado no 2º e 3º trimestres
23,24
Quando o .
feto se encontra em situação de falência miocárdica, o fluxo
sangüíneo tem dificuldade de atravessar o AD, decorrente
da FC alterada, ou enchimento ventricular prejudicado.
Nessa situação, o Doppler venoso fetal se altera, surge na
veia cava inferior elevação do fluxo reverso durante a contração atrial, que aumenta o seu
percentual acima de 10%.
Na veia umbilical aparece a pulsação venosa por diminuição
da velocidade do fluxo. Nessa circunstância de falência cardíaca, no duto venoso pode não
ser visibilizada a incisura
durante a contração atrial (ausência de fluxo), ou surge o fluxo reverso, semelhante ao
encontrado na veia cava inferior.
Em 1993, Kiserud e cols.
25
investigaram 30 casos de .
fetos portadores de alterações cardíacas por meio da análise
da velocidade do fluxo no duto venoso, sendo que 18 possuíam cardiopatia congênita, e
dois, taquicardia supraventricular. O achado relevante foi a redução da velocidade durante a
contração atrial em 19 casos (inclusive fluxo reverso
em 13). Os autores acreditam que a alteração da velocidade
na contração atrial é um marcador sensível para se detectar
alterações hemodinâmicas fetais, particularmente quando
existe uma malformação cardíaca que envolve a função
ventricular.
Montenegro e cols.
1
estudaram a onda de velocidade
do fluxo do duto venoso e a medida da TN em 65 fetos entre
10 e 13 semanas de idade gestacional. Destes, 17 foram incluídos na casuística por
apresentarem TN >3mm, sendo
que foram detectadas cinco trissomias (quatro casos de
síndrome de Down e um caso de trissomia do 18). Nos 12
restantes, o cariótipo fetal foi normal. Não foi realizado estudo citogenético nos 48 casos
que apresentaram TN menor
que 3mm, porém, ao nascimento, no que concerne ao
fenótipo, os conceptos eram normais. Em relação ao duto
venoso, apenas nos cinco casos portadores de cromossomopatia foi evidenciada alteração
na velocimetria ao Doppler. O único parâmetro velocimétrico que se alterou foi a veloc
idade do f luxo dur ant e a cont r a ç ão a t r i a l , <2cm/ s
(p<0,001). Os autores acreditam que tanto o aumento da TN
quanto a alteração velocimétrica do duto venoso ocorrem
por disfunção do coração, e que a alteração do Doppler venha a diminuir a taxa de falso-
positivo da medida da TN no
rastreamento de cromossomopatias e de cardiopatias, referindo a possibilidade de o
Doppler do duto venoso detectar
alteração precoce do coração fetal.
Matias e cols.
26
relataram alterações do retorno venoso (duto venoso, veia cava inferior e da veia
umbilical) em
três fetos que exibiam aumento da TN entre 12 e 13 semanas
de idade gestacional e anomalias cardíacas e cromossô-
micas reveladas no estudo citogenético do líquido amnió-
tico obtido por amniocentese.
O 1º caso diz respeito a feto com 73mm de comprimento
cabeça-nádega (CCN), que apresentava TN de 4mm, dilata-
ção da bexiga e FC de 165bpm. A Dopplervelocimetria mostrou aumento do fluxo reverso
na veia cava inferior e presen-
ça de fluxo reverso no duto venoso durante a contração
atrial, e também evidenciou pulsação na veia umbilical. O
cariótipo revelou trissomia do 13. Os parâmetros biomé-
tricos, ao estudo anatomopatológico, consistiam em um feto
de 14 semanas, embora a maturação pulmonar fosse compatível com 16/17 semanas,
sugerindo presença de crescimento intra-uterino retardado, tendo entre outras malforma-
ções: lábio leporino; polidactilia; microcólon e moderada
hidronefrose e confirmada a presença de megabexiga. O fí-
gado e o coração apresentaram microcalcificações e lesões
isquêmicas recentes e antigas, compatíveis com infarto do
miocárdio. No coração, essas lesões eram predominantemente subendocárdica e se
localizavam no VD. Não foi detectado anomalia cardíaca de grande porte.
O 2º caso, a TN foi de 5,3mm, detectada com 12 semanas de idade gestacional. O CCN
mediu 46mm, compatível
com 11 semanas. A FC foi de 127bpm. A ultra-sonografia
evidenciou onfalocele e defeito do septo atrioventricular. O
Doppler exibiu pulsação da veia umbilical e fluxo reverso no
duto venoso durante a contração atrial. O estudo citogenético revelou tratar-se de trissomia
de 18. Os achados
anatomopatológicos confirmaram as evidências ultrasonográficas, além de revelar displasia
da valva pulmonar.
O 3º caso em uma gestante de 28 anos (a maior idade
dentre os três casos relatados), o exame ultra-sonográfico
de rotina de 12 semanas mostrou TN de 10mm e defeito com-Arq Bras Cardiol
volume 72, (nº 6), 1999
Murta e cols.
Alterações funcionais do coração fetal
743
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pleto de septo atrioventricular. A FC era de 147bpm. O
Doppler revelou aumento de fluxo reverso na veia cava inferior e ausência de fluxo no duto
venoso durante a contração
atrial. O cariótipo foi compatível com trissomia do 21. O estudo anatomopatológico
confirmou o defeito septal, além de
evidenciar outras alterações menores comuns na síndrome
de Down.
De acordo com Kiserud e cols.
27
, as alterações do fluxo
da veia umbilical, da veia cava inferior e do duto venoso revelam aumento de pressão
ventricular durante a fase diastólica
final e a contração atrial. Hecher e Campbell
12
assinalaram
que a resistência vascular periférica (como o aumento da resistência placentária) tem
grande influência no retorno venoso e no padrão de enchimento do coração direito.
Concernente ao duto venoso, a redução da velocidade
do fluxo sangüíneo nesse vaso durante a contração atrial
está associada a crescimento intra-uterino retardado
27
, malformação cardíaca
25,1,26
e a cromossomopatia
1,26
.
Comentários
A medida da TN é considerada um método de grande
valia no rastreamento de cromossomopatias
7,8
.Alguns autores, a exemplo de Montenegro e cols .
1
, aceitam a teoria de
que o aumento da TN deve-se a uma falha cardíaca precoce. Assim, o método poderá
também ser utilizado no rastreio
destas anormalidades.
É provável que a alteração da velocidade do fluxo durante a contração atrial nos casos de
cromossomopatia referida por Montenegro e cols.
1
revele indiretamente uma falha
precoce do coração fetal (alteração na contração atrial ou na
complacência ventricular), apesar de esses resultados serem preliminares e únicos na
literatura revista.
A combinação de TN com o Doppler do duto venoso
poderá assumir grande utilidade na detecção de defeitos
cardíacos precoces. De acordo com Souka e Nicolaides
28
,a
associação de cardiopatias graves com TN espessada está
em torno de 2%. Esta prevalência é similar ao grupo de portadoras de diabete melito e ao
grupo de mulheres com histó-
ria anterior de filho com cardiopatia. Nesses dois grupos
não se discute a indicação de ecocardiografia fetal. Da mesma forma, haveria uma
indicação formal do estudo do cora-
ção fetal, quando a TN estivesse espessada entre 10 e 14
semanas de idade gestacional. A ecocardiografia seria feito
posteriormente, no 2º trimestre. Nos dias atuais não haveria
meios suficientes, tanto em instalações, quanto em número
de especialistas, para suportar esta nova demanda, uma vez
que existem evidências de que aproximadamente 5% dos
fetos possuem aumento da TN. Há de se supor que a realiza-
ção do Doppler do duto venoso com a medida da TN poderia reduzir esta demanda de
ecocardiografia fetal, quando o
Doppler se mostrasse normal.
Os resultados até o momento não permitem indicar o
método (TN associado ao Doppler do duto venoso) na predição da disfunção cardíaca. Para
que haja justificativa na
busca destas alterações fetais, faz-se necessário um estudo
multicêntrico com amplo protocolo de rastreamento.744
Murta e cols.
Alterações funcionais do coração fetal
Arq Bras Cardiol
volume 72, (nº 6), 1999
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Arq Bras Cardiol


volume 69, (nº 3), 1997
Mattos SS
Fisiologia da circulação fetal
205
Unidade de Cardiologia e Medicina Fetal do Hospital Português - Recife
Correspondência: Sandra S. Mattos - Av. Agamenon Magalhães S/N - 50090-900
- Recife, PE
Sandra S. Mattos
Recife, PE
Fisiologia da Circulação Fetal e Diagnóstico das Alterações
Funcionais do Coração do Feto
O feto cardiopata necessita de cuidados especiais. O
útero materno, na maioria das vezes, é a sua melhor UTI.
Neste, a temperatura ambiente é constante, nutrição parenteral é administrada com mínimos
riscos, não há manuseio
reduzindo a incidência de trauma e infecção, e, principalmente, no tocante ao aparelho
cardiovascular, ele é mantido
em circulação extracorpórea, utilizando o mais eficiente e
seguro oxigenador de membranas: a placenta. A compreensão da fisiologia da circulação
feto-materno-placentária é
de fundamental importância na avaliação do comportamento das diversas alterações do
sistema cardiovascular na
vida intra-uterina.
Fisiologia da circulação fetal
A circulação fetal difere da extra-uterina anatômica e
funcionalmente. Ela é estruturada para suprir as necessidades de um organismo em
crescimento rápido num ambiente
de hipóxia relativa. A única conexão entre o feto e o meio
externo é a placenta, que o serve nas funções de “intestinos” (suprimento de nutrientes),
“rins” (retirada dos produtos de degradação) e “pulmões” (trocas gasosas).
Os pulmões fetais estão cheios de líquido, oferecendo
alta resistência ao fluxo sangüíneo. A placenta contém
grandes seios venosos, funcionando como uma fístula
arteriovenosa com baixa resistência ao fluxo sangüíneo
sistêmico. Enquanto que na vida extra-uterina os ventrí-
culos trabalham em série, com o débito cardíaco do ventrí-
culo direito (VD) igualando aquele do esquerdo, no feto,
através de quatro bypasses principais - o foramen oval, o
canal arterial, a placenta e o ducto venoso, os ventrículos
trabalham em paralelo. O sangue oxigenado proveniente da
placenta chega ao feto através da veia umbilical. Esse sangue passa principalmente (45%)
através do ducto venoso
“bypassando” o fígado fetal
1
O sangue venoso portal se .
mistura com este e, conseqüentemente, o sangue da veia
cava inferior é menos saturado do que o sangue da veia
umbilical. Ainda assim, com aproximadamente 70% de saturação de O2
, esse sangue é o mais oxigenado de todo o retorno venoso, tendo a veia cava superior uma
saturação de
aproximadamente 40%
2
O sangue da cava inferior representa aproximadamente 70% do volume total do retorno .
venoso. Este chega ao átrio direito (AD) e é parcialmente
(33%) dirigido para o átrio esquerdo (AE) através do
foramen oval. A energia cinética do fluxo sangüíneo da veia
cava inferior é a principal responsável pela manutenção da
perviabilidade do foramen oval no feto, já que as diferenças
nas pressões médias da veia cava, AD e AE são mínimas
3
.
O restante do fluxo de retorno da cava inferior mistura-se ao
retorno da veia cava superior e seio coronário e passa para
o VD. O sangue que chega ao AE e daí ao ventrículo esquerdo e a aorta ascendente, artérias
coronárias e cérebro é, conseqüentemente, o mais saturado com aproximadamente 65%
em relação a uma saturação de 55% no VD, que será dirigido
através do canal arterial para a parte inferior do corpo do feto
4
.
O istmo da aorta recebe apenas 10% do débito cardíaco total
e, pelo seu estreitamento fisiológico, “separa” o fluxo entre
a aorta ascendente e a descendente
2
O baixo fluxo pulmonar fetal é mantido às custas da elevada resistência vascular pulmonar.
Vários fatores estimulam esta vasoconstricção como acidose, catecolaminas alfa-
adrenérgicas e .
estimulação nervosa simpática, porém não há dúvidas que a
Fig. 1 - Diagrama da distribuição do volume sangüíneo, níveis pressóricos e de
saturação de oxigênio fetais. Adaptado
6,7

. CIRCULAÇÃO FETAL
Durante a vida fetal a circulação é realizada via Placentária sendo essencial para a oxigenação, a
nutrição fetal e a excreção, sendo apenas um pequeno volume de sangue dirigido aos vasos
pulmonares, pois os pulmões ainda não funcionam.
Durante a gestação o sangue oxigenado da placenta volta ao feto através da veia umbilical
esquerda. Ao atingir o fígado, a maior parte desse sangue é drenada por meio do ducto venoso à
veia cava inferior, indo, assim, rapidamente atingir o átrio direito. Durante contrações uterinas, esse
ducto se fecha e o sangue é obrigado a passar pelos sinusóides hepáticos, dispersando mais o seu
fluxo, de maneira a evitar uma sobrecarga repentina ao coração.
O sangue que penetra no átrio direito pela veia cava inferior não é tão bem oxigenado como o
sangue da veia umbilical, pois a veia cava inferior recebe também o sangue não-oxigenado
proveniente dos mmiis, do abdome e da pelve.No átrio direito chega o sangue trazido pela veia
cava inferior, pela veia cava superior e a coronária. O sangue que passa do átrio direito para o
ventrículo direito sai do coração via tronco pulmonar. Como os pulmões ainda se encontram
colapsados e a luz das arteríolas são muito pequenas e suas paredes muito espessas, o volume
do sangue que este órgão pode conter é muito pequeno. Portanto os pulmões fetais retiram
oxigênio do sangue em vez de provê-lo. Por isso a resistência vascular pulmonar é alta, e o fluxo
sangüíneo pulmonar baixo.
No átrio esquerdo o sangue vindo do átrio direito é misturado relativamente com uma pequena
quantidade de sangue não-oxigenado, advindo dos pulmões pelas veias pulmonares. Essa mistura
sangüínea sai do átrio esquerdo e atinge o ventrículo esquerdo, de onde parte pela aorta
ascendente. O encéfalo e a musculatura cardíaca são supridos de sangue com teor de oxigênio
mais alto. Deste sangue que passa pela aorta ascendente, cerca de 40 a 50% passa para as
artérias umbilicais e retorna à placenta para novas trocas e o restante é distribuído às vísceras e à
parte inferior do corpo do feto.
Fisiologia da circulação fetal
A circulação fetal difere da extra-uterina anatômica e funcionalmente. Ela é
estruturada para suprir as necessidades de um organismo em crescimento rápido num
ambiente de hipóxia relativa. A única conexão entre o feto e o meio externo é a
placenta, que o serve nas funções de "intestinos" (suprimento de nutrientes), "rins"
(retirada dos produtos de degradação) e "pulmões" (trocas gasosas).

Os pulmões fetais estão cheios de líquido, oferecendo alta resistência ao fluxo


sangüíneo. A placenta contém grandes seios venosos, funcionando como uma fístula
arteriovenosa com baixa resistência ao fluxo sangüíneo sistêmico. Enquanto que na
vida extra-uterina os ventrículos trabalham em série, com o débito cardíaco do
ventrículo direito (VD) igualando aquele do esquerdo, no feto, através de
quatro bypasses principais - o foramen oval, o canal arterial, a placenta e o ducto
venoso, os ventrículos trabalham em paralelo. O sangue oxigenado proveniente da
placenta chega ao feto através da veia umbilical. Esse sangue passa principalmente
(45%) através do ducto venoso "bypassando" o fígado fetal 1. O sangue venoso portal
se mistura com este e, conseqüentemente, o sangue da veia cava inferior é menos
saturado do que o sangue da veia umbilical. Ainda assim, com aproximadamente 70%
de saturação de O2, esse sangue é o mais oxigenado de todo o retorno venoso, tendo a
veia cava superior uma saturação de aproximadamente 40% 2. O sangue da cava
inferior representa aproximadamente 70% do volume total do retorno venoso. Este
chega ao átrio direito (AD) e é parcialmente (33%) dirigido para o átrio esquerdo (AE)
através do foramen oval. A energia cinética do fluxo sangüíneo da veia cava inferior é
a principal responsável pela manutenção da perviabilidade do foramen oval no feto, já
que as diferenças nas pressões médias da veia cava, AD e AE são mínimas 3. O
restante do fluxo de retorno da cava inferior mistura-se ao retorno da veia cava
superior e seio coronário e passa para o VD. O sangue que chega ao AE e daí ao
ventrículo esquerdo e a aorta ascendente, artérias coronárias e cérebro é,
conseqüentemente, o mais saturado com aproximadamente 65% em relação a uma
saturação de 55% no VD, que será dirigido através do canal arterial para a parte
inferior do corpo do feto 4. O istmo da aorta recebe apenas 10% do débito cardíaco
total e, pelo seu estreitamento fisiológico, "separa" o fluxo entre a aorta ascendente e
a descendente 2. O baixo fluxo pulmonar fetal é mantido às custas da elevada
resistência vascular pulmonar. Vários fatores estimulam esta vasoconstricção como
acidose, catecolaminas alfa-adrenérgicas e estimulação nervosa simpática, porém não
há dúvidas que a hipóxia é o principal fator determinante da vasoconstricção pulmonar
fetal. Devido à alta resistência ao fluxo sangüíneo pulmonar, apenas uma pequena
quantia (aproximadamente 7% do débito cardíaco combinado) de sangue circula pelos
pulmões, o restante é dirigido, através do canal arterial para a aorta descendente.
Embora o VD (60%) apresente um débito cardíaco superior ao do VE (40%) na vida
intra-uterina, há evidências anatômicas e ecocardiográficas de que o desenvolvimento
destas cavidades são semelhantes durante toda a gestação 5.

A figura 1, adaptada de estudos realizados em fetos de carneiro por Rudolph e col 6, e


Heyman e col 7, mostra esquematicamente a distribuição do volume sangüíneo, os
níveis pressóricos e de saturação de oxigênio fetais. Natabela I, adaptada também de
estudos em fetos de carneiros 8 estão sumarizados freqüência cardíaca, pressão
arterial, gasometria, pH, conteúdo de oxigênio, e, ainda, a distribuição sangüínea para
os órgãos, débito cardíaco, liberação de O2 e resistência vascular fetais.

http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0066-782X1997000900013&script=sci_arttext
http://bases.bireme.br/cgi-bin/wxislind.exe/iah/online/?
IsisScript=iah/iah.xis&src=google&base=LILACS&lang=p&nextAction=lnk&exprSearch=
234344&indexSearch=ID
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0066-
782X1997000900013&script=sci_arttext&tlng=en
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http://bases.bireme.br/cgi-bin/wxislind.exe/iah/online/?
IsisScript=iah/iah.xis&src=google&base=LILACS&lang=p&nextAction=lnk&exprSearch=
319704&indexSearch=ID

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