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LEI 12.015/09
1.1 Do Estupro.
1.1.1 Jurisprudência.
Estupro e atentado violento ao pudor: continuidade delitiva - 1
A 1ª Turma concedeu, de ofício, habeas corpus para incumbir ao juízo da execução a tarefa de
enquadrar o caso ao cenário jurídico trazido pela Lei 12.015/2009, devendo, para tanto, proceder à nova
dosimetria da pena fixada e afastar o concurso material entre os ilícitos contra a dignidade sexual,
aplicando a regra da continuidade (CP, art. 71, parágrafo único: “Nos crimes dolosos, contra vítimas
diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a
culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as
circunstâncias, aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o
triplo, observadas as regras do parágrafo único do art. 70 e do art. 75 deste Código”). Na situação dos
autos, pleiteava-se a exclusão da causa de aumento de pena prevista no art. 9º da Lei 8.072/90 (Lei dos
Crimes Hediondos) a condenado pela prática dos crimes de estupro e atentado violento ao pudor contra
menores de 14 anos. A impetração argumentava que: a) a aplicação da referida causa especial de aumento
com a presunção de violência decorrente da menoridade das vítimas, sem a ocorrência do resultado lesão
corporal grave ou morte, implicaria bis in idem, porquanto a violência já teria incidido na espécie como
elementar do crime; e b) o art. 9º daquela norma estaria implicitamente revogado após o advento da Lei
12.015/2009.
HC 103404/SP, rel. Min. Dias Toffoli, 14.12.2010. (HC-103404)
O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO - (Relator): Trata-se de habeas corpus impetrado pela PROCURADORIA-GERAL
DO ESTADO DE SÃO PAULO em favor de **, contra decisão proferida no RE nº 718.121 do Superior Tribunal de Justiça.
O paciente foi condenado pelos delitos previstos nos artigos 213 e 214, na forma do art. 69, todos do Código Penal, à pena de
12 (doze) anos de reclusão, em regime integral fechado (fl. 40).
Houve apelação da defesa, e o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo reconheceu a continuidade delitiva, reduzindo a
pena para sete anos de reclusão em regime inicial fechado (fl. 47).
Dessa decisão recorreu o Ministério Público, e o STJ deu-lhe provimento ao recurso para repelir a continuidade delitiva entre
os crimes de estupro e atentado violento ao pudor e restabelecer o regime integralmente fechado para o cumprimento da pena, em
decisão monocrática assim ementada:
“RECURSO ESPECIAL. PENAL. CRIMES HEDIONDOS. PROGRESSÃO DE REGIME. IMPOSSIBILIDADE. ART.
2º, § 1º, LEI 8.072/90. INAPLICABILIDADE DA LEI 9.455/97. SÚMULA 698 DO STF. ESTUPRO E ATENTADO
VIOLENTO AO PUDOR. APLICAÇÃO DO ART. 71 DO CP. IMPOSSIBILIDADE. DELITOS DE ESPÉCIES DISTINTAS.
PRECEDENTES. RECURSO PROVIDO” (fl. 48).
Alega, a defesa, a existência de duplo constrangimento ilegal, diante do não-reconhecimento da continuidade entre os delitos
e da vedação à progressão de regime.
Requer seja restabelecida a decisão do Tribunal de Justiça, reconhecendo-se a continuidade delitiva e o cumprimento da pena
em regime inicialmente fechado.
Concedi parcialmente a liminar, para reconhecer o direito à progressão de regime (fls. 55-56).
A Procuradoria-Geral da República opinou pela concessão parcial do writ, apenas para afastar o óbice à progressão de regime
(fls. 84-90).
É o relatório.
VOTO
O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO - (Relator): 1. O Plenário desta Corte, no julgamento do HC nº 86.238 (Rel.
p/ac. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, j. 18/06/2009) assentou, contra meu voto, que se não admite reconhecimento de crime
continuado entre os delitos de estupro e de atentado violento ao pudor, ainda que presentes os requisitos conceptuais que se devem
extrair do art. 71 do Código Penal (cf. ainda HC nº 89.770, Rel. Min. EROS GRAU, DJ 06/11/2006; HC nº 83.453, Rel. Min.
CARLOS VELLOSO, DJ 24/10/2003; HC nº 75.451, Rel. Min. NERI DA SILVEIRA, DJ 02/06/2000; HC nº 74.630, Rel. Min.
ILMAR GALVÃO, DJ 07/03/1997; HC nº 70.334, Rel. Min. SYDNEY SANCHES, DJ 27/05/1994; RE nº 111.083, Rel. Min.
ALDIR PASSARINHO, DJ 15/04/1987; RE nº 103.161, Rel. Min. OSCAR CORRÊA, DJ 21/09/1984).
Entendo, contudo, que o debate adquiriu nova relevância com o advento da Lei nº 12.015/2009, que, entre outras alterações
no Título VI do Código Penal, lhe unificou as redações dos antigos arts. 213 e 214 em um tipo único, verbis:
“Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou
permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso.
Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.”
Conquanto mantenha o nomen juris, a redação do novo tipo penal “descreve e estabelece uma única ação ou conduta do
sujeito ativo, ainda que mediante uma pluralidade de movimentos. Há somente a conduta do agente de constranger alguém,
mediante violência ou grave ameaça”. Ademais, “é de vital importância observar que o constrangimento é dirigido a que a vítima
pratique ou deixe que com ela se pratique atos libidinosos, sejam eles de qualquer espécie, seja através de conjunção carnal, seja
através de coito anal, seja através de felação etc., já que tais modalidades nada mais são do que espécies do gênero ato libidinoso,
e, tanto isso é verdade, que o tipo penal em questão é explícito ao mencionar conjunção carnal ou outro ato libidinoso, a
confirmar, pois, tal afirmação”.
Como se vê, a alteração legislativa repercute decisivamente no debate. Ora, se o impedimento para reconhecer a continuidade
delitiva entre o estupro e o atentado violento ao pudor residia tão-somente no fato de não serem crimes da mesma espécie,
entendidos, pela ilustrada maioria, como fatos descritos pelo mesmo tipo penal, tal óbice foi removido pela edição da nova lei.
Pode-se extrair, daí, que o novo tipo penal vai além da mera junção dos tipos anteriores, na medida em que integra todas as
espécies de atos libidinosos praticados num mesmo contexto fático, sob mesmas circunstâncias e contra a mesma vítima. Isso
significa que a nova lei torna possível o reconhecimento da continuidade delitiva entre os antigos delitos de estupro e atentado
violento ao pudor, quando praticados nas mesmas circunstâncias, sem prejuízo do entendimento da Corte de reduzir
conceitualmente a figura à identidade de espécie dos crimes.
Nesse sentido, entende MATHEUS SILVEIRA PUPO, em recentíssimo artigo:
“[A]glutinando aqueles dois crimes em um único dispositivo, certamente se terá como repercussão prática a
mudança no entendimento quase pacífico no âmbito dos Tribunais Superiores, não reconhecendo a existência de crime
continuado entre o antigo estupro e o atentado violento ao pudor, afora as hipóteses de praeludia coiti, sob o argumento de
que não seriam crimes da mesma espécie, ainda que praticados nas mesmas condições de tempo, lugar e maneira de
execução.
Afinal, doravante, o óbice intransponível apontado por esta corrente – tratar-se de crimes antevistos em tipos
diferentes – deixou de existir, pois as duas condutas, antes autônomas, estão agora tratadas na mesma figura penal.
Por ser assim, quando perpetrados nas mesmas condições de locus, tempus e modus operandi, nos termos do artigo
71 do Código Penal, deverá ser reconhecida a existência de crime continuado, quanto às condutas que antes recebiam o
nomen iuris de estupro e de atentado violento ao pudor, hoje contempladas no artigo 213, caput, da Lei Penal.”
2. Está claro, pois, que a Lei nº 12.015/09 constitui lei penal mais benéfica, donde aplicar-se retroativamente, nos termos do
art. 5º, XL, da Constituição Federal, e art. 2º, parágrafo único, do Código Penal.
E, como visto, é incontroverso que os fatos imputados ao ora paciente foram cometidos nas mesmas circunstâncias de
tempo, modo e local e contra a mesma vítima, razão por que, aliás, a continuidade já havia sido reconhecida pelo Tribunal local.
Afastada, pois, a base legal da decisão ora impugnada, deve restabelecida a decisão do Tribunal de Justiça.
3. Quanto ao regime de cumprimento de pena também lhe assiste razão ao paciente.
Como já asseverei em sede liminar, o Plenário, no julgamento do HC nº 82.959 (Rel. Min. MARCO AURÉLIO, DJ
01/09/2006), declarou “a inconstitucionalidade do § 1o do artigo 2o da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990”, o que afasta, para
efeito de progressão de regime, o obstáculo representado por essa norma tida por inválida.
E, como os fatos ocorreram antes da entrada em vigor da Lei nº 11.464/07, incide a regra do art. 112 da Lei de Execução
Penal (HC nº 91.631, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, DJ 09.11.2007; HC nº 92.410, Rel. Min. MENEZES DIREITO, DJ
01.02.2008; HC nº 89.699, Rel. Min. CEZAR PELUSO, DJ 09/05/2008), sem prejuízo da apreciação, pelo magistrado competente,
nos termos do art. 66, inc. III, alínea b, da LEP, dos demais requisitos de admissibilidade de progressão de regime prisional.
4. Diante do exposto, concedo a ordem para restabelecer o acórdão proferido pelo Tribunal local, que fixou a pena do
paciente em 7 (sete) anos de reclusão, em regime inicialmente fechado.
Quinta Turma
CONTINUIDADE DELITIVA. ESTUPRO. ATENTADO VIOLENTO.
PUDOR.
Trata-se, entre outras questões, de saber se, com o advento da Lei n.
12.015/2009, há continuidade delitiva entre os atos previstos antes
separadamente nos tipos de estupro (art. 213 do CP) e atentado violento ao
pudor (art. 214 do mesmo codex), agora reunidos em uma única figura típica
(arts. 213 e 217-A daquele código). Assim, entendeu o Min. Relator que
primeiramente se deveria distinguir a natureza do novo tipo legal, se ele seria
um tipo misto alternativo ou um tipo misto cumulativo. Asseverou que, na
espécie, estaria caracterizado um tipo misto cumulativo quanto aos atos de
penetração, ou seja, dois tipos legais estão contidos em uma única descrição
típica. Logo, constranger alguém à conjunção carnal não será o mesmo que
constranger à prática de outro ato libidinoso de penetração (sexo oral ou anal,
por exemplo). Seria inadmissível reconhecer a fungibilidade (característica dos
tipos mistos alternativos) entre diversas formas de penetração. A fungibilidade
poderá ocorrer entre os demais atos libidinosos que não a penetração, a
depender do caso concreto. Afirmou ainda que, conforme a nova redação do
tipo, o agente poderá praticar a conjunção carnal ou outros atos libidinosos.
Dessa forma, se praticar, por mais de uma vez, cópula vaginal, a depender do
preenchimento dos requisitos do art. 71 ou do art. 71, parágrafo único, do CP,
poderá, eventualmente, configurar-se continuidade. Ou então, se constranger
vítima a mais de uma penetração (por exemplo, sexo anal duas vezes), de igual
modo, poderá ser beneficiado com a pena do crime continuado. Contudo, se
pratica uma penetração vaginal e outra anal, nesse caso, jamais será possível a
caracterização de continuidade, assim como sucedia com o regramento
anterior. É que a execução de uma forma nunca será similar à de outra, são
condutas distintas. Com esse entendimento, a Turma, ao prosseguir o
julgamento, por maioria, afastou a possibilidade de continuidade delitiva entre
o delito de estupro em relação ao atentado violento ao pudor. HC 104.724-MS,
Rel. originário Min. Jorge Mussi, Rel. para acórdão Min. Felix Fischer,
julgado em 22/6/2010.
Informativo nº 0434
Período: 10 a 14 de maio de 2010.
Sexta Turma
ATENTADO. PUDOR. MENORES. CONTINUIDADE DELITIVA.
O paciente atraiu uma adolescente de 13 anos ao interior de seu
estabelecimento comercial, como o objetivo de praticar atentado violento ao
pudor contra ela. Para tanto, utilizou-se do seguinte expediente: seu
empregado beijou a vítima, e o paciente, simulando fúria, disse à vítima que
sua loja possuía circuito interno de televisão e que, caso não fizesse tudo o que
lhe fosse determinado, enviaria o filme, com a cena gravada, a seus pais. Com
esse mesmo ardil, tempos depois, constrangeu uma adolescente de 16 anos à
mesma prática. Então, condenado às penas do crime dos arts. 214, c/c o 224,
“a”, e 226, I, do CP (em suas antigas redações) e, de novo, às do art. 214 do
CP (também na redação primeva), buscou, mediante habeas corpus, o
reconhecimento da continuidade delitiva (art. 71 desse mesmo codex), além do
afastamento da pecha de hediondez atribuída aos crimes. Contudo, embora
haja semelhança no modus operandi, os delitos foram praticados contra
diferentes vítimas, em dias diversos, de maneira autônoma e isolada, sem a
comprovação de qualquer liame que vinculasse ambas as empreitadas
criminosas. Dessarte, não há falar em unidade de desígnios e,
consequentemente, em crime continuado, assemelhando-se a hipótese à
habitualidade criminosa. Anote-se, também, que o habeas corpus, tal como
acolhido pela jurisprudência do STJ, não se mostra adequado à verificação da
existência de crime continuado, que requer exame detalhado de provas sobre
circunstâncias de tempo, lugar e modo de execução dos crimes cometidos,
além da análise de requisitos subjetivos. Quanto ao tema da hediondez, a
Turma, a partir do julgamento do HC 88.664-GO, passou a afastá-la nos
crimes de estupro ou atentado violento ao pudor cometidos mediante violência
presumida. Assim, o precedente não se aplica ao crime praticado contra a
vítima de 16 anos, porque cometido na forma simples. Entretanto, também não
se afasta a hediondez do delito praticado contra a de 13 anos, pois houve
violência moral consistente na grave ameaça à vítima. Com esse
entendimento, a Turma, ao prosseguir o julgamento, por maioria, negou
provimento ao recurso. O voto vencido dava parcial provimento ao recurso
para reduzir a pena do crime praticado contra a vítima de 16 anos, ao
classificar os fatos como atentado ao pudor mediante fraude (antiga redação do
art. 216 do CP). Precedentes citados do STF: HC 96.790-SC, DJe 24/4/2009;
do STJ: REsp 799.013-MG, DJ 28/9/2009; HC 94.901-SP, DJe 5/5/2008; HC
44.389-SP, DJ 13/3/2006, e HC 88.664-GO, DJe 8/9/2009. RHC 22.800-SP, Rel.
Min. Og Fernandes, julgado em 11/5/2010 (ver Informativo n. 400).
Informativo nº 0422
Período: 8 a 12 de fevereiro de 2010.
Sexta Turma
ESTUPRO. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. LEI N. 12.015/2009.
Trata-se de habeas corpus no qual se pleiteia, em suma, o reconhecimento de
crime continuado entre as condutas de estupro e atentado violento ao pudor,
com o consequente redimensionamento das penas. Registrou-se, inicialmente,
que, antes das inovações trazidas pela Lei n. 12.015/2009, havia fértil
discussão acerca da possibilidade de reconhecer a existência de crime
continuado entre os delitos de estupro e atentado violento ao pudor, quando o
ato libidinoso constituísse preparação à prática do delito de estupro, por
caracterizar o chamado prelúdio do coito (praeludia coiti), ou de determinar se
tal situação configuraria concurso material sob o fundamento de que seriam
crimes do mesmo gênero, mas não da mesma espécie. A Turma concedeu a
ordem ao fundamento de que, com a inovação do Código Penal introduzida
pela Lei n. 12.015/2009 no título referente aos hoje denominados “crimes
contra a dignidade sexual”, especificamente em relação à redação conferida ao
art. 213 do referido diploma legal, tal discussão perdeu o sentido. Assim,
diante dessa constatação, a Turma assentou que, caso o agente pratique estupro
e atentado violento ao pudor no mesmo contexto e contra a mesma vítima,
esse fato constitui um crime único, em virtude de que a figura do atentado
violento ao pudor não mais constitui um tipo penal autônomo, ao revés, a
prática de outro ato libidinoso diverso da conjunção carnal também constitui
estupro. Observou-se que houve ampliação do sujeito passivo do mencionado
crime, haja vista que a redação anterior do dispositivo legal aludia
expressamente a mulher e, atualmente, com a redação dada pela referida lei,
fala-se em alguém. Ressaltou-se ainda que, não obstante o fato de a Lei n.
12.015/2009 ter propiciado, em alguns pontos, o recrudescimento de penas e
criação de novos tipos penais, o fato é que, com relação a ponto específico
relativo ao art. 213 do CP, está-se diante de norma penal mais benéfica
(novatio legis in mellius). Assim, sua aplicação, em consonância com o
princípio constitucional da retroatividade da lei penal mais favorável, há de
alcançar os delitos cometidos antes da Lei n. 12.015/2009, e, via de
consequência, o apenamento referente ao atentado violento ao pudor não há de
subsistir. Todavia, registrou-se também que a prática de outro ato libidinoso
não restará impune, mesmo que praticado nas mesmas circunstâncias e contra
a mesma pessoa, uma vez que caberá ao julgador distinguir, quando da análise
das circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do CP para fixação da pena-
base, uma situação da outra, punindo mais severamente aquele que pratique
mais de uma ação integrante do tipo, pois haverá maior reprovabilidade da
conduta (juízo da culpabilidade) quando o agente constranger a vítima à
conjugação carnal e, também, ao coito anal ou qualquer outro ato reputado
libidinoso. Por fim, determinou-se que a nova dosimetria da pena há de ser
feita pelo juiz da execução penal, visto que houve o trânsito em julgado da
condenação, a teor do que dispõe o art. 66 da Lei n. 7.210/1984. HC 144.870-DF,
Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 9/2/2010.
Informativo nº 0400
Período: 22 a 26 de junho de 2009.
Sexta Turma
ESTUPRO. VIOLÊNCIA PRESUMIDA.
O ora paciente foi condenado, em primeiro grau, à pena de 8 anos e 7 meses
de reclusão pela prática de estupro contra menor de 14 anos de idade. O TJ
deu provimento à apelação da defesa, reduzindo a pena a 6 anos e 9 meses de
reclusão a ser cumprida integralmente no regime fechado, considerado o
caráter de hediondez desse delito, ainda que na forma de violência presumida.
No HC, alega-se não existirem elementos de convicção para condenação do
paciente e ainda se sustenta, subsidiariamente, falta de fundamentação à
exasperação da pena acima do mínimo legal; assim, pede-se sua absolvição.
Para o Min. Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ-SP), um
aspecto que merece destaque prende-se a que, para boa interpretação da lei, é
necessário levar em consideração todo o arcabouço normativo, todo o
ordenamento jurídico do País. A interpretação da lei não prescinde do
conhecimento de todos os ramos do Direito. Mas uma visão abrangente desse
arcabouço facilita, e muito, o entendimento, bem como sua interpretação. Em
tal linha de raciocínio, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) precisa
ser analisado para enfrentar essa questão, qual seja, a de se saber se o estupro e
o atentado violento ao pudor por violência presumida se qualificam como
crimes e, mais, como crimes hediondos. Conforme o art. 2º daquele Estatuto, o
menor é considerado adolescente dos 12 aos 18 anos de idade, podendo até
sofrer medidas socioeducativas. Assim, se o menor, a partir de 12 anos, pode
sofrer tais medidas por ser considerado pelo legislador capaz de discernir a
ilicitude de um ato infracional, tido como delituoso, não se concebe, nos dias
atuais, quando os meios de comunicação em massa adentram todos os locais,
em especial os lares, com matérias alusivas ao sexo, que o menor de 12 a 14
anos não tenha capacidade de consentir validamente um ato sexual. Desse
modo, nesse caso, o CP, ao presumir a violência por não dispor a vítima menor
de 14 anos de vontade válida, está equiparando-a a uma pessoa portadora de
alienação mental, o que não é razoável, isso em pleno século XXI.
Efetivamente, não se pode admitir, no ordenamento jurídico, uma contradição
tão manifesta, qual seja, a de punir o adolescente de 12 anos de idade por ato
infracional, e aí válida sua vontade, e considerá-lo incapaz tal como um
alienado mental, quando pratique ato libidinoso ou conjunção carnal.
Ademais, não se entende hediondas essas modalidades de crime em que milita
contra o sujeito ativo presunção de violência. Isso porque a Lei de Crimes
Hediondos não contempla tais modalidades, ali se encontra, como crimes
sexuais hediondos, tão-só o estupro e o atentado violento ao pudor, nas formas
qualificadas. A presunção de violência está prevista apenas no art. 224, a, do
CP, e a ela a referida lei não faz a mínima referência. E, sem previsão legal,
obviamente não existe fato típico, proibida a analogia contra o réu. Com esses
argumentos, entre outros, a Turma, ao prosseguir o julgamento, por maioria,
concedeu a ordem para desconstituir a decisão que condenou o paciente como
incurso nas penas do art. 213 do CP, absolvendo-o sob o fundamento de que
os fatos a ele imputados não configuram, na espécie, crime de estupro com
violência presumida. O Min. Og Fernandes, o relator originário, ficou vencido
em parte por entender, de acordo com julgado da Terceira Seção do STJ, o
reconhecimento da violência presumida no caso, presunção essa tida por
absoluta, só concedendo a ordem para efeito de progressão de regime. HC
88.664-GO, Rel. originário Min. Og Fernandes, Rel. para o acórdão Min.
Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ-SP), julgado em
23/6/2009.
Informativo nº 0409
Período: 28 de setembro a 2 de outubro de 2009.
Quinta Turma
ESTUPRO. RETROATIVIDADE. LEI.
Este Superior Tribunal firmou a orientação de que a majorante inserta no art.
9º da Lei n. 8.072/1990, nos casos de presunção de violência, consistiria em
afronta ao princípio ne bis in idem. Entretanto, tratando-se de hipótese de
violência real ou grave ameaça perpetrada contra criança, seria aplicável a
referida causa de aumento. Com a superveniência da Lei n. 12.015/2009, foi
revogada a majorante prevista no art. 9º da Lei dos Crimes Hediondos, não
sendo mais admissível sua aplicação para fatos posteriores à sua edição. Não
obstante, remanesce a maior reprovabilidade da conduta, pois a matéria passou
a ser regulada no art. 217-A do CP, que trata do estupro de vulnerável, no qual
a reprimenda prevista revela-se mais rigorosa do que a do crime de estupro
(art. 213 do CP). Tratando-se de fato anterior, cometido contra menor de 14
anos e com emprego de violência ou grave ameaça, deve retroagir o novo
comando normativo (art. 217-A) por se mostrar mais benéfico ao acusado, ex
vi do art. 2º, parágrafo único, do CP. REsp 1.102.005-SC, Rel. Min. Felix
Fischer, julgado em 29/9/2009.
2.0 Bibliografia.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal Parte Especial, v III. Rio de Janeiro:
Ed. Impetus, 2011.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. São Paulo: Ed. RT,
2011.