Dra. Edina Sakamoto e Dra.
Vanderlí Marchiori
Gengibre
O gengibre (Zingiber officinale) tem sido usado
para tratar sintomas gastrintestinais por diversas cul-
turas desde a Antigüidade. Na China, no Japão e na
Índia, o gengibre é utilizado tradicionalmente na pre-
venção e no controle de náuseas, vômitos, gases e
distensão abdominal1,2,3.
Além do uso para fins medicinais, o rizoma do
gengibre é também aproveitado na culinária como
condimento e no preparo de chás e bebidas, por suas
propriedades aromáticas.
O uso popular do gengibre indica uma possível ação
antiemética, entretanto há a necessidade de evidênci-
as científicas que comprovem e expliquem esta ação.
Atualmente, diversos trabalhos sugerem que o gengi-
bre possa ser eficaz no tratamento da náusea e do vô-
mito, sintomas muito comuns em situações como gra-
videz, pós-operatório e enjôo de movimento (cinetose).
Classificação Botânica do Gengibre (Zingiber
officinale Roscoe)
O gengibre é uma planta perene originária da Ásia,
cujo nome científico é Zingiber officinale. Pertence à
família Zingiberaceae e é conhecido também por
Zingiber officinale Roscoe, pois a parte utilizada
como droga é o rizoma. Os rizomas são cobertos por
casca tênue e parda, com tecido interno amarelado4.
Possui vários nomes populares, dependendo da
região em que é cultivado e também da cultura local.
Os nomes mais comuns são gengibre-de-jamaica,
gengibre-africano, mangarataia, mangaratiá, gengivre.
Na China, é conhecido por Sheng jian/Gan jiang; na
Índia, por Singabera ou ardhrakam; na Alemanha, por
Ingwer; na Itália, por gengero, gengioro, zenzavero,
zenvero, zinzero; na Grã-Bretanha, por ginger,
common ginger; na França, por gingembre, herbe au
gingebre; na Espanha, por agengibre; na Dinamarca,
por ingefaer; e, no Japão, por Kankyo, Shokyo2.
16
Há diversas variedades de gengibre popularmente
conhecidas, como a branca, a azul e a amarela. De culti-
vo bastante difundido, o gengibre prefere os climas tro-
pical e subtropical, mas tem se adaptado bem em regiões
mais frias. Desenvolve-se em terrenos arenosos, leves,
bem arenados e férteis, contudo não deve ser cultivado
seguidamente no mesmo lugar, pois sofre queda acentu-
ada de produção. Propaga-se através de gomos, que são
pedaços de rizoma, com 1 a 2 brotos. Após um mês, as
mudas estão prontas para serem transplantadas para lo-
cal definitivo, com espaçamento de 0,7 x 0,3 m. É uma
planta exigente de nutrientes e prefere pH em torno de
5,5. Após 10 a 12 meses de plantio, colhem-se os novos
rizomas. A floração se dá entre os meses de agosto e
novembro, durante 9 semanas aproximadamente2.
Sua descrição organoléptica denota odor forte de
característica aromática propiciada pela alta concen-
tração de óleos aromáticos; seu sabor é levemente
cítrico, pungente, adstringente e com leve ardor, ca-
racterísticas estas decorrentes dos princípios ativos
do rizoma. Tem 40% de amido, lipídios, resinas, de 1
a 3% de óleos voláteis, aminoácidos, proteína (de 2,5g
a 10g em cada 100g de rizoma), vitaminas, minerais,
terpenos (mono e sesqui), gorduras (10%), princípi-
os amargos (1 a 2,5%), ácidos orgânicos, sais mine-
rais e mucilagem. Contem até 3% de óleos essenciais
com mais de 150 componentes5.
De acordo com classificação da fitoterapia chine-
sa, o gengibre é uma planta com propriedades pican-
tes e amornantes e que tem como alvos de ação os
pulmões, estômago e baço. Suas funções seriam de
eliminar o frio exterior por sudorificação, quando há
expectoração branca. Usado também para aquecimen-
to interno de pessoas com sintomas como anorexia,
digestão lenta, desejo de líquidos quentes e aversão
por gelados, língua com saburra branca, dores de
estômago, náuseas, vômitos e regurgitação de fluido
claro. Exerce papel desintoxicante e harmonizante
com outras plantas2.
Principais Fitoquímicos do Rizoma do Gengibre
O rizoma do gengibre apresenta os seguintes compo-
nentes conhecidos: zinziberol, zinzibereno, felandreno,
canfeno, citral, linalol, metilheptenona, gingerol,
gingediol, metilgingediol, gengedianacetato, albizina,
zingerona, shogaol, farnesol, hexahidrocureumina,
bisaboleno, coreumeno, borneol, diacetoxioctano, áci-
do piperólico, resinas, amido, cálcio, fósforo, ferro,
sódio, potássio, alfa caroteno, tiamina, riboflavina,
niacina, vitamina C, glicose, frutose, ácido glutâmico,
ácido aspartático, serina, glicina, treonina, alanina,
arginina e traços de fenilalanina.
Os principais fitoquímicos do rizoma do gengibre
são seus compostos fenólicos, principalmente os
gingeróis (Figura 1) e os shogaóis (Figura 2).
Além deles há os sesquiterpenos, que apresentam
maior teor de bisapoleno, zingiberina, zingiberol,
sesquifelandreno, curcurmina e outros compostos
como 6-dehydrogingerdiona, galanolactona, ácido
gingesulfonico, zingerona, geraniol, neral,
monoacildigalactosilgliceróis e gingerglicolípides6.
Figura 1 - Estrutura bioquímica do gingerol
Figura 2 - Estrutura bioquímica do shogaol
Os fitoquímicos ativos do gengibre estão em seus
óleos aromáticos voláteis, cuja concentração varia
entre 1 e 3 % do peso total do rizoma. Estes óleos são
ricos em sesquiterpenos, principalmente bisapoleno,
zingiberina e zingiberol. As concentrações de princí-
pios ativos nas plantas medicinais variam de acordo
com o local de plantio, a temperatura e as condições
de cultivo e, principalmente, os nutrientes presentes
no solo. São os desafios para seu crescimento que
favorecem a concentração de seus fitoquímicos7.
Essas substâncias fitoquímicas apresentam diferen-
tes ações fisiológicas. Os gingeróis comprovaram seu
efeito analgésico, sedativo, antipirético e bactericida
in vitro e em animais8. Em aplicação intravenosa de
gingerol em ratos, Ding et al.9 comprovaram a meia
vida de 7,23 minutos após a aplicação, porém ainda
continua desconhecida a farmacocinética da admi-
nistração oral em humanos.
O sabor picante aromático do gengibre é devido
principalmente pelos monoterpenos (canfeno,
limoleno, mirceno, b-felandreno e alfapineno,
borneol, 1,8 cineol, citronelol, geraniol, acetato de
geranil, neral e outros de menor concentração).
Dentre os terpenos, pode-se destacar a zingiberina
(Figura 3), o zingiberol, o cineol, a cânfora e a
curcumina. Com quinze carbonos em sua estrutura
molecular, os sesquiterpenos são terpenos responsá-
veis pelo sabor picante e pelo aroma característico.
Além disso, o gengibre apresenta em sua composi-
ção diversos flavonóides, que são fitoquímicos ca-
racterizados pela ligação de moléculas de açúcares
ligadas a pigmentos, em geral amarelos, como por
exemplo a galangina e a quercetina.
Figura 3 - Estrutura bioquímica da zingiberina
A Náusea e o Vômito
A náusea – do grego nausía, enjôo do mar – é
uma ânsia que pode ser acompanhada ou não de vô-
mito. O vômito é um ato reflexo que expulsa violen-
tamente o conteúdo gástrico e pode provocar sinto-
mas como palidez, suor frio, bradicardia e impressão
de debilidade ou desmaio próximo.
O ato de vomitar é controlado pelo centro do vô-
mito, localizado na formação reticular lateral na me-
dula. Recebe aferências da zona quimiorreceptora
(assoalho do 4º ventrículo), aparelho vestibular,
cerebelo, núcleo do trato solitário e ainda de centros
corticais superiores. São vários os tipos de recepto-
res envolvidos na transmissão de impulsos ao centro
do vômito: os acetilcolínicos muscarínicos, os
dopaminérgicos (D 2 ), os histamínicos (H 1 ), os
opióides, os serotoninérgicos (5-HT 3 ) e
neurocinínicos (NK-1). As vias envolvidas no vômi-
17
to podem ser acionadas por numerosos estímulos
que se integram e ativam o centro do vômito10, res-
ponsável por coordenar o ato motor periférico que
efetua o vômito, relaxando a cardia e os músculos
faríngeos, contraindo as paredes abdominais e o
diafragma e expulsando o conteúdo gástrico.
De acordo com Gahlinger11, as drogas antieméticas
utilizadas atualmente agem nas diferentes vias no
mecanismo do vômito e podem ser divididas em 3
classes: antidopaminérgicas, anticolinérgicas e
antihistamínicas, como mostra a Tabela 1.
Tabela 1 - Classificação das principais drogas
antieméticas
Fonte: Gahlinger11.
A náusea e o vômito podem ser desencadeados
por uma diversidade muito grande de estímulos sen-
sitivos, como: estímulos visuais e olfativos desagra-
dáveis; sabores desagradáveis ou irritantes à área
gustativa; estimulação contínua e assincrônica do
aparelho vestibular (enjôo de viagens); distensões
ou irritações que, através do sistema vegetativo
vagal, estimulam o ato do vômito; dor física violen-
ta; toxinas exógenas e endógenas; ou hipertensão
cérebro-meníngea e mudanças vasomotoras angio-
cerebrais.
Na Gravidez
A náusea e o vômito são sintomas freqüentes na
gravidez, principalmente no primeiro trimestre de
gestação. Embora a etiologia destes sintomas não seja
totalmente conhecida, acredita-se que sua causa pos-
sa estar associada às mudanças hormonais, como o
aumento dos níveis de gonadotrofina coriônica e
estrogênio. Cerca de 50 a 80% das mulheres grávi-
das apresentam esses sintomas até a 14ª ou 16ª sema-
na de gestação, sendo que, nos quadros mais seve-
ros, existe ainda preocupação com relação à perda
de peso e à desidratação12,13,14.
O estresse causado por tais sintomas também tem
um impacto na vida profissional, já que cerca de 25%
das mulheres grávidas afastam-se temporariamente
do trabalho. O uso de drogas para o controle da náu-
sea e vômito é limitado devido à preocupação com
os seus efeitos potencialmente teratogênicos, e cada
vez mais produtos naturais – como o gengibre – têm
sido utilizados como alternativas de tratamento14.
18
Diversos estudos randomizados, duplo-cego e
placebo controlados sugerem que o gengibre pode
ser seguro e eficaz para controle de náusea e vômito
durante a gravidez, quando usado nas doses reco-
mendadas e por curtos períodos de tempo. Dentre
esses estudos, destaca-se a pesquisa de Fischer-
Rasmussen et al. 15 , no qual 30 pacientes com
hyperemesis gravidarum receberam 250 mg de gen-
gibre em pó, 4 vezes ao dia (1g/dia) durante 4 dias. Os
resultados sugerem que o gengibre reduziu os sinto-
mas (P<0,05) comparado ao placebo, sem apresentar
efeitos colaterais.
Keating e Chez16 avaliaram a eficácia da ação do
gengibre sob a forma de xarope (1 colher de sopa)
diluído em água, 4 vezes ao dia (1g/dia), em um gru-
po de 26 pacientes no primeiro trimestre de gesta-
ção. Depois de 9 dias, 77% das pacientes que rece-
beram o gengibre relataram melhora dos sintomas
contra apenas 20% do grupo placebo.
Cabe ressaltar que, em ambos os estudos, o tama-
nho reduzido da amostra e o curto período de tempo
são fatores que prejudicam a validação dos resulta-
dos positivos.
Em outro estudo conduzido na Austrália, Willetts
et al.17 pesquisaram o efeito do extrato de gengibre
na redução de náusea e vômito em 120 mulheres com
menos de 20 semanas de gestação. Foram utilizados
125 mg de extrato de gengibre (equivalente a 1,5g
de gengibre seco), 4 vezes ao dia por um período de
4 dias.
Os resultados na diminuição da náusea foram
significantemente maiores no grupo que recebeu o
extrato de gengibre do que no grupo placebo, entre-
tanto não se verificou o mesmo efeito em relação ao
vômito. Após o parto, foram acompanhados resulta-
dos como: peso ao nascer, idade gestacional, score
de Apgar e freqüência de anormalidades congênitas
no grupo estudado em relação à população de nasci-
dos no mesmo período e local, não sendo observa-
das diferenças significativas, sugerindo que o uso do
extrato de gengibre é seguro.
Em um estudo duplo-cego e placebo controlado,
Vutyavanich et al.13 avaliaram a eficácia do gengibre
como antiemético em 70 mulheres grávidas. As par-
ticipantes receberam placebo ou 250 mg de gengibre
em pó, 3 vezes ao dia, por 4 dias. Os resultados mos-
traram que o gengibre reduziu significativamente a
náusea e o vômito em relação ao placebo, e não fo-
ram observados efeitos colaterais relevantes.
 Borrelli et al.18, em recente revisão, avaliaram 6
estudos randomizados, duplo-cego, placebo contro-
lados num total de 675 participantes. Destes estudos,
4 deles (n=246) mostravam a superioridade do gen-
gibre em relação ao placebo, e 2 estudos (n=429) in-
dicavam que o gengibre seria tão efetivo quanto a
droga de referência, no caso a vitamina B6, além de
não apresentar efeitos colaterais ou reações adversas
ao final da gestação.
Muito embora a maioria dos estudos indique que
o consumo do gengibre como antiemético durante a
gestação seja seguro, alguns estudos com animais
observaram que a exposição do útero ao chá de gen-
gibre (20g/L ou 50g/L) resultou em um aumento na
perda de embriões em ratos e aumento do crescimento
nos fetos remanescentes, alertando para uma maior
probabilidade de aborto19. Entretanto, as doses utili-
zadas (1 a 2 g) nos estudos clínicos em humanos são
muito inferiores se comparadas aos dados deste estu-
do, que substituiu toda água das cobaias pelo chá de
gengibre numa concentração elevada.
No Pós-operatório
A náusea e o vômito no pós-operatório (NVPO)
incidem em cerca de 30% dos pacientes que se sub-
metem à anestesia geral para cirurgia20.
Os fatores de risco de náusea e vômito no pós-
operatório podem estar relacionados com o paciente
(sexo, idade, tabagismo, histórico de NVPO e enjôo
de movimento), com o tipo de procedimento cirúrgi-
co (correção de estrabismo, cirurgias de ombro, ci-
rurgias otorrinolaringológicas, ginecológicas e
laparoscópicas) e com a técnica anestésica10.
A eficácia do gengibre como agente antiemético
na prevenção de NVPO tem sido estudada em diver-
sas pesquisas. Em um estudo duplo-cego, randomizado
e placebo controlado, Bone et al. 21 compararam os
efeitos do gengibre (1g), da metoclopramida (10 mg)
e do placebo no tratamento da NVPO em 60 mulheres
após cirurgia ginecológica. Os resultados mostraram
que o gengibre foi tão eficaz quanto a droga
metoclopramida na prevenção de NVPO e mais eficaz
quando comparado ao placebo (P<0,05).
Resultados semelhantes foram obtidos por Phillips
et al.22 em estudo duplo-cego, randomizado e placebo
controlado conduzido com 120 mulheres submeti-
das a laparoscopia ginecológica. A incidência de
NVPO foi similar em pacientes que receberam
metoclopramida (10 mg) e gengibre (1g) (27% e 21%,
respectivamente), e no grupo que recebeu placebo a
incidência foi de 41%.
Pongrojpaw e Chiamchanya23, em estudo duplo-
cego randomizado e placebo controlado, avaliaram
80 pacientes submetidas a laparoscopia ginecológi-
ca. A incidência de NVPO no grupo que recebeu 1g
de gengibre em pó foi de 30%, e de 57,5% no outro
grupo que recebeu placebo, indicando a eficácia do
uso do gengibre na NVPO.
Entretanto, em um estudo de Arfeen et al. 24, 108
mulheres receberam aleatoriamente 0,5 g ou 1g de
gengibre ou placebo antes da cirurgia laparoscópica,
e a incidência de NVPO foi monitorada até 3 horas
após a cirurgia, não havendo diferença significativa
entre os grupos.
Resultados negativos também foram obtidos em
outros dois estudos. Visalyaputra et al.25 avaliaram o
efeito antiemético do gengibre em relação ao
droperidol em 120 pacientes submetidas a
laparoscopia ginecológica. Os grupos foram dividi-
dos aleatoriamente, recebendo 2g de gengibre ou 125
mg de droperidol ou ambos, e concluiu-se que não
houve diferenças significativas na incidência de
NVPO. Eberhart et al. 26 , em estudo duplo-cego
randomizado, também concluíram que o gengibre não
foi eficaz em reduzir a incidência de NVPO em 180
pacientes de laparoscopia ginecológica.
Os resultados divergentes dos estudos pesquisados
não permitem afirmar que o gengibre possui ação
antiemética no pós-operatório. É possível que essas
diferenças possam estar relacionadas com o tipo de
droga anestésica utilizada na cirurgia e sua capacida-
de em induzir a náusea e o vômito. Além disso, a
droga de referência utilizada - metoclopramida - não
é tida como um antiemético potente no controle da
NVPO, o que poderia superestimar os resultados po-
sitivos do gengibre20.
No Enjôo de Movimento
A náusea e o vômito são as queixas mais comuns do
enjôo de movimento e são mediados por neurotransmissores.
O centro do vômito é estimulado por níveis aumentados de
dopamina e acetilcolina. É por este motivo que as principais
drogas usadas são: antidopaminérgicas, como a
metoclopramida; anticolinérgicas, como a escopolamina; e
antihistamínicas, como o dimenidrinato, entre outras11.
Estudos clínicos demonstraram que o gengibre
reduz a tendência de vomitar e a incidência de suor
frio causados pelo enjôo durante a navegação. Em
estudo duplo-cego, randomizado e placebo contro-
lado, Grontved et al.27 avaliaram o efeito do gengi-
bre em pó no enjôo de navegação. Foram estudados
80 cadetes navais não acostumados a navegar em mar
19
revolto durante viagens em alto mar. Cada um rece-
beu aleatoriamente 1g de gengibre em pó ou placebo,
e os sintomas de cinetose foram avaliados a cada hora
por 4 horas após a ingestão da droga ou placebo. O
gengibre foi significantemente melhor do que o
placebo em reduzir a freqüência do vômito e do suor
frio (p<0,05). Os cadetes que receberam o gengibre
tiveram também uma redução na náusea e na verti-
gem, comparados aos controles – no entanto, a redu-
ção não foi estatisticamente significativa. A incidên-
cia dos sintomas era 38% menor no grupo que rece-
beu o gengibre do que no grupo placebo.
Em estudo tipo cross-over conduzido por
Holtmann et al.28, foi avaliado o efeito do gengibre
em pó (1g) em 20 pacientes em comparação ao
dimenidrinato (antihistamínico) e placebo.
O dimenidrinato causou uma redução na resposta do
nistagmo (movimento involuntário do globo ocular) aos
estímulos calóricos, rotatórios e optocinéticos. Os resul-
tados sugerem que nem o sistema vestibular nem o
oculomotor são afetados pelo gengibre e, portanto, sua
ação no sistema nervoso central pode ser descartada.
É provável que o gengibre atue localmente, agin-
do diretamente sobre o sistema gastrintestinal, aumen-
tando a motilidade e reduzindo o feedback do trato
gastrintestinal para os quimiorreceptores centrais28.
Em contrapartida, Stewart et al.29 avaliaram a ati-
vidade do gengibre em pó na prevenção do enjôo de
movimento (cadeiras rotatórias) e seu efeito na fun-
ção gástrica. Participaram do estudo 28 voluntários,
sendo utilizados, além do gengibre, o antiemético
escopolamina (anticolinérgico) e o placebo. Os re-
sultados mostraram que 500 mg a 1g de gengibre em
pó e 1g de gengibre fresco não ofereceram proteção
contra o enjôo de movimento e não alteraram signifi-
cativamente a função gástrica.
30
Em recente estudo, Lien et al. sugerem que a ação
do gengibre se dá através de suas propriedades aro-
máticas, carminativas e espasmolíticas, que bloquea-
riam as reações gastrintestinais e o feedback da náu-
sea. O pré-tratamento com 1 a 2g de gengibre em 13
voluntários, submetidos a um estímulo que produz a
ilusão de movimento, reduziu a náusea por prevenir
o desenvolvimento de disritmias gástricas e elevação
da vasopressina no plasma.
A sensação de náusea devido ao movimento envol-
ve interações entre o sistema nervoso central e o trato
gastrintestinal. Diferente das demais drogas que atuam
no sistema nervoso central, o gengibre não foi capaz de
reduzir o nistagmo vestibular e optocinético, e isto ex-
20
plicaria a ausência de efeitos colaterais como a sono-
lência, tão comum aos antieméticos de ação central.
Qian e Liu31, em estudo com o suco de gengibre
em animais – aplicação intravenosa em coelhos –,
concluíram que o rizoma do gengibre parece exercer
ações anticolinérgicas e antihistamínicas a nível cen-
tral e periférico, o que explicaria em parte seu efeito
antiemético.
A divergência dos resultados pode estar relacio-
nada aos estímulos de intensidades e tipos diferentes
utilizados nessas pesquisas. Os estímulos podem ter
sido muito intensos, e o potencial antiemético do gen-
gibre, menor que o das drogas convencionais nas
dosagens utilizadas.
Sugestões de Uso Culinário / Suplementação a Partir
das Quantidades Relatadas nos Trabalhos
O gengibre possui sabor picante e característico,
conferindo a versatilidade necessária para ser usado
tanto nos pratos salgados quanto nos doces e em di-
versas formas: fresco, seco, em conserva ou cristali-
zado. O gengibre seco é mais aromático e tem sabor
mais suave e menos adstringente.
O gengibre utilizado em preparações culinárias di-
ficilmente oferecerá risco à saúde, já que os relatos de
superdosagem e toxicidade indicam a necessidade de
um consumo elevado do rizoma (com alta concentra-
ção de princípios ativos), que naturalmente é limitado
pela capacidade de tolerância a seu sabor adstringente
e picante. Na culinária, o gengibre pode ter efeito
bactericida e fungicida, sendo recomendável usá-lo cru,
pois há indícios de que o calor inativa o gingerol, res-
ponsável por esta ação. Quanto menor for o tempo de
exposição a altas temperaturas, mais preservada se
encontrará a sua atividade terapêutica7.
Usado em doses orais de até 2g/dia, o gengibre é
bem tolerado. Doses altas, de 5g/dia ou mais, aumen-
tam o risco dos efeitos colaterais. Por sua composi-
ção bioquímica ser bastante similar à da cúrcuma
(Curcuma longa)7, há sinergia na ação antioxidante
por potencialização de princípios ativos. Seu possí-
vel efeito hipolipemiante também pode ser intensifi-
cado na presença de outros alimentos e ervas. É pos-
sível que haja interações com outras ervas (ex.: alho,
gingko, ginseng), o que poderia afetar a agregação
plaquetária, e com anticoagulantes, hipoglicemiantes
orais e bloqueadores de canal de cálcio.
Conclusão
Embora, historicamente o gengibre seja utilizado
no tratamento de náusea e vômito por diversas cultu-
ras, não há evidências claras da sua eficácia no tratamen-
to na NVPO e enjôo do movimento que possam justifi-
car sua utilização. Os dados mais promissores apontam
para os resultados obtidos nos estudos do gengibre como
antiemético na gravidez. No entanto, mais estudos clíni-
cos serão necessários para comprovar a ausência de rea-
ções adversas, principalmente no que se refere à
teratogênese e ao maior risco de aborto, observado no
estudo de Wilkinson19, que utilizou doses superiores aos
trabalhos humanos, substituindo inclusive toda a água
das cobaias por chá numa concentração elevada.
A grande reflexão permanece na forma de utiliza-
ção, pois a toxicidade e as reações adversas estão
diretamente associadas a extratos do rizoma. O con-
sumo da raiz em preparações culinárias pode apre-
sentar eficácia dependendo do volume, do modo de
preparo e da freqüência de consumo. Dessa maneira,
dificilmente haverá riscos para o consumo humano.
Atualmente, existem estudos in vitro já publica-
dos que demonstram a ação do gengibre como agen-
te antioxidante, antitumorigênico, antiinflamatório e
imunomodulador, além de exercer efeito
antimicrobiano e antiviral.
Como alimento com atividade funcional, é impor-
tante ressaltar que ainda não há freqüência de consu-
mo ideal e que sua interação com outros alimentos,
medicamentos, ervas e óleos é só parcialmente co-
nhecida, fato que dificulta a avaliação de sua real ação
em seres humanos. São inúmeros os benefícios rela-
tados pelo uso popular do gengibre que ainda care-
cem de evidências científicas. Provavelmente, a pre-
sença de diversos fitoquímicos justifica os efeitos
positivos relatados pelo uso tradicional, cujos meca-
nismos de ação ainda não foram completamente
elucidados. Portanto, há excelentes perspectivas de
que estudos clínicos venham a comprovar a eficácia
do gengibre em diversas patologias.
GASTRONOMIA FUNCIONAL – Receitas
Truta ao gengibre
Ingredientes:
- 4 trutas
- 1 dente de alho
- 1 cebola
- sal a gosto
- pimenta-do-reino a gosto
- 1 limão
- 1/2 copo de suco de laranja
- 1 colher (sopa) de gengibre ralado
- 3 colheres (sopa) de salsinha picada
- 2 colheres (sopa) de azeite de oliva
- 1 colher (sopa) de manteiga
- 1 colher (chá) de páprica
- 2 laranjas
Modo de Preparo:
Lavar as trutas e secar com papel de cozinha. So-
car o alho e ralar a cebola. Misturar cebola, alho, sal,
pimenta e passar por dentro e por fora das trutas.
Regar com suco de limão e deixar marinar por 20
minutos. Acomodar as trutas, uma ao lado da outra,
numa travessa refratária untada. Misturar o suco de
laranja com o gengibre, a salsinha, o azeite, a man-
teiga e a páprica. Virar sobre as trutas e levar ao for-
no durante 30 minutos. Regar de vez em quando com
o caldo da assadeira. Retirar do forno, enfeitar as tru-
tas com rodelas de laranja e servir.
Bolo de laranja com gengibre e linhaça
Ingredientes:
- 1 pedaço pequeno de gengibre ralado
- 6 colheres (sopa) de manteiga
- 1 e 1/2 xícara (chá) de açúcar mascavo
- 2 e 1/2 xícaras (chá) de farinha de trigo
- 1 colher (sopa) de fermento em pó
- 1 xícara (chá) de suco de laranja
- 200 g de iogurte desnatado
- 1/2 xícara (chá) de sementes de linhaça
- 3 claras batidas em neve
Modo de Preparo:
Ligue o forno à temperatura média. Bata na bate-
deira o gengibre com 5 colheres (sopa) de manteiga
e o açúcar mascavo por 5 minutos. Sem parar de ba-
ter, adicione a farinha de trigo peneirada com o fer-
mento, alternando com o suco de laranja e o iogurte.
No final, acrescente as sementes de linhaça (reserve
1 colher de sopa). Incorpore as claras e mexa delica-
damente até a massa ficar homogênea. Despeje a
massa numa assadeira de 25cm de diâmetro, untada
com a manteiga restante, e polvilhe as sementes de
linhaça reservadas. Leve ao forno por 35 minutos ou
até que enfiando um palito no bolo ele saia limpo.
Retire do forno, desenforme o bolo e deixe esfriar.
Se preferir, decore o bolo com frutas cristalizadas
cortadas em lâminas finas.
21
Suco de melancia com gengibre 16. KEATING, A.; CHEZ, R.A. Ginger syrup as an antiemetic in early
pregnancy. Altern Ther Health Med, 8:89-91, 2002.
Ingredientes: 17. WILLETS, K.E.; EKANGAKI, A.; EDEN, J.A. Effect of a ginger
extract on pregnancy-induced nausea: a randomized controlled trial.
- 2 xícaras (chá) de melancia picada Aust N Z J Obstet Gynaecol, 43:139-144, 2003.
- 3 fatias finas de gengibre sem casca 18. BORRELLI, F.; CAPASSO, R.; AVIELLO. G. et al. Effectiveness and
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