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Maio/Junh02021
ISSN: 1645-443X - Depósito Legal: 86929/95 Ano LI- nº 407
Praça D. Afonso V, nº 86, 4150-024 Porto - PORTUGAL
EDITORIAL
ANIMADOS PELO ESPÍRITO, ENVIADOS PARA A MISSÃO!
“E como estavam com os olhos fixos no nos a fazer mais. Temos a possibilidade de
céu, para onde Jesus se afastava, surgiram agir nas diversas dimensões das nossas vi-
de repente dois homens vestidos de branco, das: na família, com amigos e conhecidos,
LAICADO DOMINICANO

que lhes disseram: «Homens da Galileia, nos nossos trabalhos (emprego e/ou volun-
porque estais assim a olhar para o Céu? Es- tariado), na comunidade cristã onde esta-
se Jesus que vos foi arrebatado para o Céu mos inseridos (celebrando os sacramentos
virá da mesma maneira, como agora o vistes ou integrando diversos movimentos), na
partir para o Céu.»” (Act 1, 10-11). Assim vida religiosa, nos estudos, na oração. Por-
nos descreve São Lucas, parte do que suce- tanto, não nos faltam motivos para nos sen-
deu a Cristo, aquando do mistério da As- tirmos legitimamente aptos a levar mais lon-
censão. ge o nome de Nosso
A pergunta dos anjos é nitidamente um Senhor Jesus Cristo.
desafio para nós, hoje, como o foi naquele
tempo para os discípulos de Jesus, isto é, a
vinda do Filho de Deus ao Mundo e a Sua
partida anima-nos a continuar o plano que
Deus designou: contribuir com toda a nossa
alma, todo o nosso entendimento e todas as
nossas forças para a salvação das almas. A
contemplação do Ressuscitado impulsiona- José Alberto Oliveira, OP

ORAÇÃO
Diziam-me: o Senhor quer vir até junto de Quero perguntar à amável Mãe de Deus,
ti, Que sabe o que agrada a Jesus.
O Salvador está à porta do teu coração. Maria diz: “Meu filho, não temas.
Recebi com alegria esta mensagem. O meu Filho quer os pequeninos com ter-
Agora que se aproxima o dia – quase que nura,
tenho medo. Vê-los bem e felizes é o seu desejo.
O grande Deus, Ele vem até junto deste po- Prepara-te com muita alegria só para Ele.
bre filho. Diz-Lhe quando Ele vier: Recebe o meu co-
É possível que Ele goste de estar comigo? ração como presente,
Temo que não encontre em mim nada de E ensina-me Tu mesmo o que a Ti te dá ale-
belo: gria.
Sou tão pequeno – é o Senhor do mundo. Eu Te ofereço tudo o que tenho com muito
Que tenho, pois, que dizer-lhe para O aco- gosto,
lher? E presto atenção a cada uma das Tuas Pala-
Quem poderá ajudar-me? Quem me dará vras”.
um bom conselho? Santa Teresa de Ávila
Laicado Dominicano Maio/Junho 2021

NOTÍCIAS
ANA DAMASO CALADO (1926-2021)
ASSINATURAS
Partiu para o Pai, no dia de
DO LAICADO DOMINICANO
Páscoa de 2021, ANA DA- ANO DE 2021
MASO CALADO, o ultimo O jornal LAICADO DOMINICANO apenas po-
membro de uma Fraternida-
de ser publicado porque os seus custos (impressão e
de Leiga Dominicana que
correio) são inteiramente suportados pelos donativos
existiu em Avis, terra históri-
ca portuguesa. dos seus leitores. E para que não exista quebra na
sua periodicidade, apelamos a todos os nossos leito-
Uma jovem de 95 anos, sol-
teira e apaixonada por estar res que efectuem o envio dos seus donativos respei-
ao serviço da Igreja. A Igreja tantes a este ano.
esvaziou nas convulsões polí- Poderão fazê-lo directamente através de transferência
ticas de 1974, mas Ana Cala- bancaria para o NIB:000700000026623648323 (não
do continuou a animar a se esqueçam de mandar o comprovativo para a admi-
oração do Rosário e as Eucaristias Dominicais, dan- nistradora do jornal.) ou por meio de correio para a
do impulso aos cânticos e cantando mesmo o Salmo morada indicada na ficha técnica na última página
Responsorial, como ministra da Comunhão, e guar- deste jornal.
diã de chaves da Igreja, durante a Paroquialidade do O envio de quaisquer quantias por meio de cheque
Padre Francisco Pacheco, que também já partiu para ou Vale do Correio tem de ser em nome de “Jornal
o Pai, e depois dele, o atual, Pe. Miguel que tem uma Laicado Dominicano”.
quantidade de Paróquias. A todos agradecemos desde já os vossos contribu-
Eu conheci Ana Calado no ano que lá fiz uma
tos. GS
semana de missão porta-a-porta, com a irmã Alzira
Marques OP em tempos de D. José Alves e acompa-
nhada por ela, e ficámos sempre amigas.
Ainda há poucos meses ela me dizia que tinha
falado com o Pároco para a dispensar de cantar o
Salmo, que ele arranjasse outra pessoa que ela não
podia, mas ele lhe respondia: onde? E lá continuou
até não poder mais, sempre fervorosa e disponível no
LEIGOSDOMINICANOS.ORG
que podia.
Muitas vezes me manifestou grande tristeza por
tão pouca gente ir á Igreja ansiando sempre que a fé À MESA COM DOMINGOS foi o tema
e a frequência na Comunidade cristã aumentasse do Retiro Quaresmal das Irmãs Dominica-
mais. nas de Santa Catarina de Sena, orientado
Ana recebeu o Hábito Dominicano em 1961 das pelo Fr. Rui Carlos Almeida Lopes, que gen-
mãos do Frei Estevão OP. Ia Muitas vezes às celebra- tilmente cedeu para publicação os textos das
ções ao Santuário de Fátima, sempre muita devota reflexões, o que muito agradecemos e reco-
de Nossa Senhora. mendamos a todos como elemento de refle-
Baixou ao hospital em estado grave onde ficou xão, estudo e espiritualidade. As suas 11
algumas semanas á espera do abraço Misericordioso conferências poderão ser encontradas no
de Deus que a levasse para a sua gloria.’ nosso site.
Agora que, certamente estará junto do Bom Deus,
lhe suplique pela sua família, pela nossa Igreja e pela
sua Paróquia a quem tanto amou e serviu. Que o
Senhor a recompense!

Irmã Rosália Lincho 2.5. 2021

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Laicado Dominicano Maio/Junho 2021

Nas reuniões do Sínodo dos Bispos nos últi-


NOTÍCIAS DA IGREJA mos 30 anos, especialmente nos sínodos para regiões
individuais do mundo, os bispos destacaram o impor-
INSTITUIÇÃO DO MINISTÉRIO tante papel dos catequistas leigos na construção e sus-
LAICAL DE CATEQUISTA tentação das comunidades cristãs locais e apelaram a
que mais recursos fossem dedicados à sua formação e
Enquanto milhões de leigos em todo o mundo são apoio e a um maior reconhecimento e respeito pelas
reconhecidos como catequistas na sua paróquia ou suas contribuições.
diocese, o Papa Francisco prepara-se para instituir for- A decisão do Papa Francisco de instituir formal-
malmente o "ministério do catequista". mente o ministério do catequista parece ser uma res-
O gabinete de imprensa do Vaticano disse a 5 posta a esses apelos.
de Maio que a carta apostólica do Papa Francisco A medida segue-se à decisão do Papa em Janeiro
"Antiquum Ministerium" ("Ministério Antigo"), insti- de abrir os ministérios de leitor e acólito às mulheres.
tuindo o ministério, seria divulgada a 11 de Maio. Enquanto na maioria das dioceses as mulheres já ser-
O Papa Francisco falou frequentemente da im- viam como leitoras e acólitas na missa, não foram for-
portância de seleccionar, formar e apoiar os catequis- malmente instituídas nesses serviços numa base está-
tas, que são chamados a conduzir as pessoas a uma vel.
relação mais profunda com Jesus, prepará-las para re- Na sua decisão de Janeiro, o papa citou o pedi-
ceber os sacramentos e educá-las nos ensinamentos da do feito pelos membros do Sínodo dos Bispos para a
igreja. Amazónia de 2019, pedindo que a igreja "promovesse
Em muitas partes do mundo, especialmente em e conferisse ministérios para homens e mulheres de
comunidades sem padre residente, os catequistas são forma equitativa". O tecido da igreja local, na Amazó-
os líderes da comunidade católica local, evangelizan- nia como em qualquer outro lugar, é garantido por
do, convocando e guiando os seus companheiros cató- pequenas comunidades eclesiais missionárias que cul-
licos em oração e obras de caridade. E, nos territórios tivam a fé, escutam a Palavra e celebram juntas perto
missionários sob a orientação da Congregação para a da vida do povo. É a igreja dos baptizados homens e
Evangelização dos Povos, já servem com um mandato mulheres que devemos consolidar promovendo minis-
específico do seu bispo. térios e, sobretudo, uma consciência da dignidade
O Guia dos Catequistas da Congregação de baptismal".
1997 dizia que "o Código de Direito Canónico tem
In Cruxnow.com tradução de GS
um cânone sobre catequistas envolvidos na actividade
estritamente missionária e descreve-os como A Carta do Papa poderá ser lida em
"membros leigos dos fiéis de Cristo que receberam www.leigosdominicanos.org
formação adequada e se destacam na sua vida cristã".
Sob a direcção dos missionários, eles devem apresen-
tar o ensinamento do Evangelho e empenhar-se no
culto litúrgico e em obras de caridade".
Em algumas comunidades, dizia, aos catequis-
tas podem ser confiadas pelo seu bispo as tarefas de:
"pregar aos não cristãos; catequizar catecúmenos e os
já baptizados; dirigir a oração comunitária, especial-
mente na liturgia dominical na ausência de um padre;
ajudar os doentes e presidir aos funerais; formar ou-
tros catequistas em centros especiais ou orientar cate-
quistas voluntários no seu trabalho; encarregar-se de
iniciativas pastorais e organizar funções paroquiais;
ajudar os pobres e trabalhar pelo desenvolvimento
humano e pela justiça".
O Anuário Estatístico da Igreja, uma publica-
ção do Vaticano, dizia que em 31 de Dezembro de
2019, havia mais de 3 milhões de catequistas ao servi-
ço da Igreja.
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Laicado Dominicano Maio/Junho 2021

tema “Sentados à Mesa com S. Domingos”, fazendo


TESTEMUNHO DA ENTRADA NO
referência que a sua santidade acontece no ordinário
NOVICIADO da sua vida, isto é: na alegria da Fraternidade com os
Madalena Ester Muaca seus Irmãos e também Irmãs e não tanto nos
milagres.
“Dai graças ao Senhor porque é eterno o seu amor”!
(Salmo 117) Estando hoje no Noviciado das Irmãs
Dominicanas, exprimo a minha gratidão, louvando a
Faço minhas as palavras do
Deus pelas suas maravilhas, usando as palavras da
salmista para exprimir a minha
Madre Teresa, nossa Fundadora, cantando: Feliz mil
grande alegria no início do meu
vezes feliz, sou eu, e por tudo, dou graças a Deus. Sou feliz
Noviciado, para melhor
por ter dado este passo na minha caminhada com
aprofundar a minha filiação e
Cristo, no estilo de vida dos nossos Antepassados da
amizade com três figuras que
Ordem Dominicana. O tempo do Noviciado,
marcaram a Igreja e a
acolhido como um Espírito de “estado de graça”, é
Sociedade, nas suas respectivas
um momento privilegiado para a nossa própria
épocas. Trata-se de Domingos de Gusmão, Catarina
santificação. Quero partilhar as minhas impressões
de Sena e Teresa de Saldanha. Como é bom e
nestes primeiros dias do Noviciado: A alegria,
agradável ser filha e amiga duma pessoa de Bem!
serenidade e carinho com que fui acolhida nesta
Quero agradecer a Deus por me ter dado a
grande Família Religiosa e felicidade que senti nas
oportunidade de conhecer e pertencer a esta grande
Irmãs filhas de Teresa de Saldanha. Esta mulher
Família Dominicana.
heróica, que trabalhou incansavelmente para
Nasci em Angola e estive na Associação das implantar a Congregação em Portugal numa época
Irmãs Predilectas de Jesus na Diocese de Cabinda hostil, nunca hesitou na sua entrega total ao seu
(Angola). Desde criança, tive conhecimento dos amado Jesus Cristo. Mesmo sendo duma família
valores cristãos no seio da família e tinha o desejo de nobre, não se deixou levar pelas riquezas deste
me consagrar a Deus. A minha mãe é muito cristã e mundo, mas sim preferiu abraçar os tesouros do Céu.
tem uma grande devoção Mariana. Sempre se
Antes de concluir a minha reflexão, quero
dedicou a instruir na Fé todos os seus sete filhos,
realçar a figura de S. José, a quem o Papa Francisco
dando o melhor de si neste aspecto. Sempre procurei
dedicou este ano, por ocasião dos 150 anos da
como anunciar Cristo em outras terras sendo uma
declaração de S. José como Padroeiro da Igreja
religiosa missionária. Como a Igreja é uma única
Universal. Dou graças a Deus por iniciar este tempo
Família Universal e como já conhecia as Irmãs
de benção, o Noviciado, neste ano. Confio que S.
Dominicanas de Santa Catarina de Sena em Portugal,
José, este querido Pai fiel, amoroso, obediente,
com o seu rico e profundo Lema: Fazer o Bem
trabalhador, corajoso, atento e silencioso que mesmo
sempre, estou aqui para saborear a beleza do Carisma
a dormir, vela por mim, vela por nós. . Apresenta a
que Teresa de Saldanha investiu. Também Domingos
figura de S. José como modelo de paternidade e fidelidade a
de Gusmão amadureceu e concretizou o sonho da
Deus. Assim, S. José configura-se como aquele que é
pregação fora da sua terra, seguindo os passos dos
capaz de dar vida porque se entregou totalmente a
primeiros Discípulos, levando o Evangelho a imensos
Deus, deixando de lado os seus próprios projetos,
povos. Também eu, com muita alegria assumo a
para em generosidade, simplicidade e descrição
minha vocação Missionária, em Portugal, de
criativa aderir aos planos de Deus.
seguimento de Jesus, o nosso Supremo Bem, porque
para Deus não há fronteiras. A Palavra de Deus deve Com base no testemunho de Teresa de
ser anunciada a todos e isso exige espírito de Missão. Saldanha e de S. José, lanço um convite a todos os
Hoje, Deus também precisa de quem O anuncie e jovens em discernimento: Vinde e vede as maravilhas
não só nas suas próprias terras. do Senhor! Sede também vós generosos no fazer o
A entrada no Noviciado foi antecedida dum Bem. Não tenham medo de escutar, em sonhos, a
tempo de recolhimento. Seis desses dias foram Deus que vos chama e de responder ao apelo que Ele
passados na Comunidade de Fátima em Retiro vos fizer, dando um sim verdadeiro a Deus nosso
Anual, momentos muito ricos de profundo silêncio e criador e redentor, pois não há maior alegria do que
reflexão sobre a vida do Nosso Pai S. Domingos. O ser toda de Deus.
Fr. Rui Almeida Lopes como Pregador desenvolveu o
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Laicado Dominicano Maio/Junho 2021

CARTA ENCÍCLICA FRATELLI TUTTI ”, PAPA FRANCISCO, 2020


Por Frei Gonçalo P. Diniz, op O amor universal a que o Santo Padre desafia não
deve ser, contudo, sinónimo de uniformidade ou
CAPÍTULO III – Pensar e gerar globalismo homogéneo, antes, deve acarinhar as dife-
um mundo aberto rentes identidades e tradições de cada povo e lugar,
algo sempre enriquecedor: “Como precisa a nossa
O ideal da comunicabilidade e da família humana de aprender a viver conjuntamente
doação de si mesmo são dois aspec- em harmonia e paz, sem necessidade de sermos todos
tos muito sublinhados pelo Santo iguais!” (FT nº 100).
Padre na generalidade dos seus do- Os pontos nº101 e 102 da encíclica são dedicados
cumentos e no texto deste capítulo em particular. à superação daquilo que o Papa Francisco designa
A este propósito, recordo-me de uma visita à Ter- como um “mundo de sócios”. A palavra “sócio” apa-
ra Santa na qual um pregador franciscano, evocando rece aqui como aquele que é associado para determi-
o exemplo do Mar Morto, ensinava que esse mar es- nados interesses comuns. Não nos parece que o ter-
tava “morto” porque nem recebia água fresca nem mo seja utilizado pejorativamente, mas não deixa de
dele fluía água. Assim também cada um de nós está designar uma realidade muito limitada, bem longe
“morto” quando não acolhe os dons de Deus nem tão do significado do “próximo” tal como decorre da
-pouco os faz frutificar a favor da comunidade eclesi- parábola do bom samaritano, por exemplo. Só o
al. “próximo” é capaz de interromper a sua viagem, alte-
Contra as pulsões nacionalistas e individualistas rar o seu programa e mostrar-se disponível para a
dos tempos modernos, o Papa Francisco convida a emergência humana que surge, sempre imprevista,
pensar e a ir além de nós próprios e dos grupos restri-
tos em que nos movemos habitualmente: o nosso
país, o nosso pequeno meio social, a vida do casal
auto-referencial… Neste contexto, o Papa recorda a
tradição monástica cristã onde o dever de hospitali-
dade assume uma importância transcendente. Citan-
do uma passagem da Regra de São Bento, Francisco
recorda que o peregrino e o forasteiro deviam ser
acolhidos no mosteiro «com toda a consideração e
carinho possíveis» (FT nº90). Poder-se-ia acrescentar
ainda outra passagem, do mesmo texto, que nos vem
à memória: a de que o peregrino deveria ser acolhido
como se do próprio Cristo se tratasse.
Portanto, cada um de nós é desafiado, permanen-
temente, a sair de si mesmo para ir ao encontro dos sempre surpreendente. O registo no “mundo dos
outros, mas não de qualquer maneira nem por qual- sócios” é outro. Aqui o outro também está presente,
quer motivo. A abertura ao mundo e ao nosso irmão é certo, mas sempre e só na medida em que acautela
deve ser feita sempre no quadro do amor cristão. A o meu benefício pessoal.
primazia da caridade é que distingue, em última aná- A este propósito, ainda recentemente escutáva-
lise, a relação humana especificamente cristã (cf. 1 mos, na liturgia dominical, a alegoria do Bom Pastor
Cor 13, 1-13). O verdadeiro pastor distingue-se, em última instân-
Transpondo esta atitude para a dimensão social e cia, pelo amor que tem às ovelhas. Já o mercenário
política implicará sempre e necessariamente o acolhi- tem um trabalho contratualizado, com limites bem
mento do outro, de modo particular os esquecidos definidos, para além dos quais ele nunca irá. Ora, o
da sociedade, a quem não é reconhecida a cidadania amor não tem limites.
plena. Não se trata aqui da mera cidadania documen- Os pontos seguintes surgem sob a epígrafe
tal e legal, mas a cidadania que se funda no reconhe- “Liberdade, igualdade e fraternidade”,
cimento da dignidade humana e na tarefa da cons-
trução da fraternidade. (continua na página seguinte)
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Laicado Dominicano Maio/Junho 2021

(continuação da página anterior)


LEITURAS OPortunas
evocativo do mote da Revolução Francesa, mas que
tem as suas raízes mais profundas no cristianismo. As
três realidades completam-se e não se realizam senão * Título: Liberdade Religiosa no Mundo—Relatório 2021
interligando-se profundamente. A chave talvez esteja * Autor: Fundação Pontifícia Ajuda à Igreja que Sofre
na fraternidade. A fraternidade assume aqui a função * Ano: 2021
de “pedra angular”. É na capacidade de nos vermos * Editora: AIS
uns aos outros e nos com-
portarmos como irmãos, “Num mundo onde várias formas de tirania moderna
filhos de um Pai comum, procuram suprimir a liberdade religiosa, ou tentam
e não como rivais ou ad- reduzi-la a uma subcultura sem direito a uma voz na
versários a abater, que se praça pública, ou usam a religião como pretexto para
vive a liberdade e a igual- o ódio e a brutalidade, é imperativo que os seguidores
dade, i.e., a possibilidade das várias religiões unam as suas vozes para apelar à
de escolher caminhos paz, tolerância e respeito pela dignidade e direitos dos
que honrem e promovam outros".
cada ser humano e o bem Papa Francisco
comum em condições e
“regras de jogo” claras e
acessíveis, que tenham
em conta as diferentes
capacidades naturais de
cada um, com a capacida-
de de corrigir as situações em que o sistema deixa para
trás alguém, mais fraco, mais inadaptado... A partir da
centralidade da fraternidade, ninguém anda sozinho.
Uma nota final para a função social da proprieda-
de (ver FT nº 118ss). Na tradição moral da Igreja, a
propriedade privada da terra, dos instrumentos de Padre Emmanuel Yousaf, Director Nacional da Comissão
trabalho e outros bens materiais, é fundamental para Nacional de Justiça e Paz, Paquistão
garantir a legítima autonomia do indivíduo e da sua “De facto, este Relatório da Liberdade Religiosa no
família perante o poder do Estado. É também fruto Mundo não poderia ser mais oportuno. Quanto mais
legítimo do suor do seu rosto. o mundo souber sobre actos de ódio e negligência
A propriedade faz parte da própria natureza huma- religiosa, mais o mundo será capaz de fazer algo a esse
na. Por isso é um direito natural. Contudo, trata-se de respeito. Num mundo complexo e ferido, a melhor
um direito natural secundário ou derivado, subalter- salvaguarda contra as respostas irreflectidas e inefica-
no ao princípio do destino universal dos bens criados, zes, bem como contra a ineficaz sinalização forçada da
que nos diz que Deus criou o mundo para proveito e virtude, constitui uma reportagem clara e abrangente,
sustento de todos. Isto implica que a propriedade pri- complementada por uma análise perspicaz e equilibra-
vada desempenhe uma função social. Não é admissí- da. É isto que o relatório da AIS está empenhado em
vel, portanto, que, numa dada comunidade, a acumu- disponibilizar. Seguem os casos de abusos da liberda-
lação de bens privados em poucas mãos determine a de religiosa muito depois de as câmaras de televisão
miséria e a penúria de muitos outros. Neste caso, terem desaparecido e de a história ter seguido em
quem tem mais também tem o dever de partilhar frente. A AIS deve ser elogiada pela sua defesa exausti-
mais. E isto não é “caridadezinha”, mas justiça, pois, va da liberdade religiosa, um direito humano funda-
como bem apontava São Gregório Magno: «Quando mental não menos importante hoje do que no passa-
damos aos indigentes o que lhes é necessário, não ofe- do.
recemos o que é nosso; limitamo-nos a restituir o que O Relatório de 2021 pode ser consultado na inte-
lhes pertence» (FT nº119). gra neste endereço:

( continua na próxima edição) https://rfr.acninternational.org/pt/home/


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Laicado Dominicano Maio/Junho 2021

CARTA DO MESTRE GERAL—SANTA MARGARIDA DI CASTELLO


LEIGA DOMINICANA—1287-1320
Caros irmãos e irmãs, garida em 24 de Abril de 2021. Agradeço à Postula-
Com gratidão a ção da Ordem que, desde o tempo do Fr. Innocenzo
Deus, doador de todas as coi- Venchi op. até ao do Fr. Gianni Festa
sas boas, tenho o prazer de op., trabalharam com grande dedicação e diligência
anunciar a canonização imi- para realizar a canonização da nossa bela e abençoa-
nente (canonização equipo- da Irmã Margarida.
lente) da nossa irmã MAR- Alguns de vós podem perguntar-se: já temos
GARIDA DE CITTÀ DI CASTELLO (Margherita tantos santos, e o nosso calendário litúrgico está qua-
della Metola – 1287-1320). se cheio de festas e memórias, porque é que continu-
A história da nova santa da Família Domi- amos a promover causas de santidade? Fazemo-lo
nicana é ao mesmo tempo desoladora e comovente. Ela porque, como Fr. Gianni nunca se cansa de nos lem-
nasceu cega, tinha a coluna vertebral deformada, um brar que “a santidade destes irmãos e irmãs é um sinal
braço malformado, uma perna mais curta que a ou- visível da vitalidade e actualidade da Ordem“. A canoni-
tra, foi mantida escondida dos olhos curiosos duran- zação de Margarida di Castello representa para todos
te toda a sua infância e mais tarde foi abandonada nós uma confirmação renovada de que a vida domini-
pelos seus pais. Foi adoptada por uma família devota cana, em toda a sua plenitude e riqueza, é verdadeira-
e amorosa e tornou-se uma «terceira» dominicana mente um caminho de santidade.
(mantellata). Embora parecesse precisar de obras de Por conseguinte, peço aos priores provinciais
misericórdia corporal devido à sua condição física, a e superiores da família dominicana que façam circu-
Beata Margarida realizou obras de misericórdia cor- lar esta carta, juntamente com a breve biografia da
poral inspiradoras: cuidou dos doentes, confortou os nova santa que a acompanha nas vossas comunida-
moribundos e visitou os prisioneiros. Ela era como a des, especialmente nas casas de formação. Em especi-
pobre viúva da parábola que deu generosamente ape- al, encorajo-vos a juntarem-se a nós em oração,
sar de não ter quase nada (Lucas 21:1-4). quando, em Città di Castello, numa data a anunciar
A Beata Margarida era cega, mas via a bon- posteriormente, tiver lugar a cerimónia oficial da
dade nas pessoas; nasceu com uma discrepância es- inscrição da Beata Margarida no Livro dos Santos,
trutural no comprimento das pernas, mas caminhava durante a celebração da Eucaristia presidida pelo
com graça porque sabia que andava humildemente na Cardeal Marcello Semeraro, Prefeito da Congregação
presença de Deus. para as Causas dos Santos.
A Beata Margarida amava com um coração Que Santa Margarida de Città di Castello inter-
magnânimo, embora não fosse amada quando era ceda junto do Senhor por toda a Família Dominica-
criança. Na verdade, ela era uma “curandeira ferida”, na.
uma pessoa com uma deficiência que permitia que
aos outros serem melhores, uma proscrita que aco- Fr. Gerard Timoner, OP, Mestre da Ordem
lhia os quebrados; de facto, ela era uma bela ima-
gem do amor transformador de Deus.
A veneração da Beata Margarida como mulher
santa de Deus esteve circunscrita à Itália e à Ordem
Dominicana até ao século XIX. Graças aos membros
da família dominicana que promoveram o seu exem-
plo de santidade, ela tornou-se conhecida como uma
santa mulher de Deus e venerada não só na Úmbria
e nas Marcas em Itália, mas também nos Estados
Unidos da América e nas Filipinas.
A pedido da Ordem, de fiéis leigos, religiosos
e religiosas de todo o mundo, cardeais e bispos, o
Papa Francisco aprovou a canonização da Beata Mar-
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Laicado Dominicano Maio/Junho 2021

ESBOÇO BIOGRÁFICO Durante algum tempo, a rapariga indefesa levou


uma vida perdida, mendigando pão; depois encontrou
refúgio no pequeno mosteiro de S. Margherita. Mas
foi um breve parêntese, porque a sua conduta de vida,
o ascetismo rigoroso que observou, os seus avisos sus-
citaram a inveja das freiras. Incapazes de suportar a
comparação com um exemplo tão inatingível, as frei-
ras também a mandaram embora com muitas acusa-
ções e insultos. Após esta enésima traição, Margherita
foi finalmente acolhida por um casal profundamente
piedoso, Venturino e Grigia, que lhe reservaram um
pequeno quarto na parte superior da sua casa, para
que pudesse dedicar-se livremente à oração e à con-
Margarida nasceu por volta de 1287 no castelo de templação. A sua generosidade seria recompensada
Metola, em Massa Trabaria (na fronteira entre a Um- por Margherita, que colocou os seus carismas excepci-
bria e as Marcas), não muito longe do Mercatello del onais ao serviço dos seus pais adoptivos e do seu círcu-
Metauro, nos territórios da Igreja. O seu pai Parisio lo de família e amigos. Dedicou-se à formação e educa-
era o senhor do castelo, e era chamado ção cristã dos filhos dos seus benfeitores, foi uma guia
‘cattano’ (capitão), um título que já pertencia aos seus bondosa e autoritária para muitos que lhe procuravam
antepassados; o nome da sua mãe era Emilia. conselhos e conforto, e em mais de uma ocasião prote-
Mas a criança tinha entrado no mundo cega e geu os seus amigos de graves perigos. Ela também se
deformada, e os seus pais nobres e ricos não podiam preocupava com os pobres e miseráveis da cidade.´
suportar uma vergonha que ofendesse o orgulho da Apesar de ser cega e deficiente, conseguiu ser
família. Então o pai trancou a sua filha numa cela ad- uma irmã caridosa para todos os infelizes.
jacente à igreja do castelo para que “a vergonha” ficasse Na casa de Grigia e Venturino a menina passou o res-
escondida dos olhos do mundo. A menina aceitou to da sua curta e simples vida, dividindo o seu tempo
esta decisão sem se revoltar, mantendo intacta a sua entre a oração, a vida contemplativa e o trabalho de
serenidade. Passou a sua infância na solidão, dedican- caridade. Ela jejuava sempre, quase nunca dormia, e
do-se à oração e à contemplação, em comunhão com quando estava sonolenta deitava-se no chão e nunca
Deus, numa profunda quietude e paz espiritual. Após se deitava na cama.
uma curta estadia num castelo em Metauro, necessária Partilhando o sofrimento de Jesus, Margarida sen-
após as revoltas militares na região, os seus pais leva- tiu-se ligada ao Esposo celestial, identificou-se com ele
ram-na a Città di Castello, ao túmulo de Giacomo († e esta vida de união deu-lhe uma segurança e alegria
1292), um frade leigo franciscano que tinha morrido inefáveis. Depois de vestir o hábito de penitência dos
recentemente em odor de santidade. Eles esperavam frades pregadores, ia diariamente à sua igreja, onde se
que o abençoado pudesse trazer a cura da sua filha, confessava todos os dias e participava com grande de-
mas o milagre há muito esperado não aconteceu. Ten- voção na celebração da Eucaristia. Muitas vezes, du-
do esta última tentativa falhado – diz-nos uma biógra- rante a missa, teve êxtases maravilhosos.
fa do século XIV – abandonaram-na em Castello “sem Quando a sua doença piorou, mandou chamar os
frades para receber os sacramentos, deu graças a Deus
piedade, sozinha, sem pensar nas suas necessidades, privada
e morreu em perfeita serenidade de espírito a 13 de
de toda a ajuda humana“.
Abril de 1320: Margarida tinha 33 anos de idade.

F I C H A T É C N I C A
Jornal bimensal Colaboram neste número: Fr. Gonçalo Diniz, Madalena Ester Muaca;
Publicação Periódica nº 119112 / ISSN: 1645-443X Cruz, Fr. Gerard Timoner III; Fundação Ajuda À Igreja que Sofre; Ir.
Propriedade: Fraternidades Leigas de São Domingos Rosália Lincho.
Contribuinte: 502 294 833 Imagem na página 5: Peregrinos num vitral da Catedral de Canter-
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