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A REPÚBLICA VELHA

o
Decreto republicano n 1

O primeiro decreto assinado pelo Governo Provisório, em 15 de novembro de 1889, implantou no


Brasil a República Federativa.
o
DECRETO N 1

O Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil decreta:


o
Art. 1 - Fica proclamada provisoriamente e decretada como a forma de governo da nação
brasileira a República Federativa.
o
Art. 2 - As províncias do Brasil, reunidas pelo laço da federação, ficam constituindo os Estados
Unidos do Brasil.
o
Art. 3 - Cada um desses Estados, no exercício de sua legítima soberania, decretará
oportunamente a sua Constituição definitiva, elegendo os seus corpos deliberantes e os seus
governos locais.
o
Art. 4 - Enquanto, pelos meios regulares, não se proceder à eleição do Congresso Constituinte do
Brasil e bem assim à reeleição das legislaturas de cada um dos Estados, será regida a nação
brasileira pelo Governo Provisório da República; e os novos Estados pelos Governos que hajam
proclamado ou, na falta destes, por governadores delegados do Governo Provisório.
o
Art. 5 - Os governos dos Estados federados adotarão com urgência todas as providências
necessárias para a manutenção da ordem e da segurança pública, defesa e garantia da liberdade
e dos direitos dos cidadãos, quer nacionais, quer estrangeiros.
o
Art. 6 - Em qualquer dos Estados, onde a ordem pública for perturbada e onde faltem ao governo
local meios eficazes para reprimir as desordens e assegurar a paz e tranqüilidade públicas,
efetuará o Governo Provisório a intervenção necessária para, com o apoio da força pública,
assegurar o livre exercício dos direitos dos cidadãos e a livre ação das autoridades constituídas.
o
Art. 7 - Sendo a República Federativa Brasileira a forma de governo proclamada, o Governo
Provisório não reconhece nem reconhecerá nenhum governo local contrário à forma republicana,
aguardando, como lhe cumpre, o pronunciamento definitivo do voto da nação livremente
expressado pelo sufrágio popular.
o
Art. 8 - A força pública regular, representada pelas três armas do Exército e pela Armada nacional
onde existam guarnições ou contingentes nas diversas províncias, continuará subordinada
exclusivamente dependente do Governo Provisório da República, podendo os governos locais,
pelos meios ao seu alcance, decretar a organização de uma guarda cívica destinada ao
policiamento do território de cada um dos novos Estados.
o
Art. 9 - Ficam igualmente subordinadas ao Governo Provisório da República todas as repartições
civis e militares até aqui subordinadas ao governo central da nação brasileira.
Art. 10 - O território do Município Neutro fica provisoriamente a administração imediata do Governo
Provisório da República e a cidade do Rio de Janeiro constituída, também, provisoriamente, sede
do poder federal.
Art. 11- Ficam encarregados da execução deste decreto, na parte que a cada um pertença, os
secretários de Estado das diversas repartições ou ministérios do atual Governo provisório.
o
Sala das sessões do Governo Provisório, 15 de novembro de 1889, 1 da República.

(Ass.) Marechal Manuel Deodoro da Fonseca, chefe do Governo Provisório; S. Lobo; Rui Barbosa;
Q. Bocaiuva; Benjamin Constant; Wandenkolk Corrêa

a
[Extraído de Paulo Bonavides Paes de Andrade. História constitucional do Brasil. 3 ed., Rio de
Janeiro, Paz e Terra, pp. 638-9.]
A lguém já disse, com razão, que todo brasileiro é, ou gostaria de ser, técnico de futebol. Basta a
seleção brasileira jogar para todo mundo começar a dar palpite. Somos grandes palpiteiros.
Ultimamente, uma das manias nacionais tem sido falar também sobre a economia brasileira. Em
todos os telejornais existe a figura do comentarista econômico. Muitos de nós já estão mais
familiarizados com a difícil linguagem dos economistas, o “economês””. Nestes tempos de
sucessivos planos econômicos, de forte presença do Estado na definição dos rumos da economia,
muitos sabem que qualquer medida do governo pode afetar a vida de muita gente. É natural, por
conseguinte, tanto interesse.
Na Primeira República, a história era outra. Política econômica era um tema para poucos. O café
era o eixo fundamental da nossa economia, e o poder público interferia bem menos que nos dias
de hoje.
Neste Livro, veremos como o Estado se fazia presente naquela economia agroexportadora.
Examinaremos ainda os principais fatores responsáveis pela expansão da indústria nas primeiras
décadas do século XX.
Salvar o café
O Império caiu, mas o “rei café” não perdeu a majestade. Na década de 1890, a produção cafeeira
viveu um crescimento vertiginoso. A produção média aumentou de 6,5 milhões de sacas entre
1891 e 1895 para 11,7 milhões entre 1896 e 1902.
Esse fato certamente está relacionado, entre outros fatores, ao aumento da procura do produto no
plano internacional e, ainda, ao grande movimento de imigração naquela última década do século
XIX.
Entre 1888 e 1900 [ingressaram no Brasil] cerca de 1.400.000 pessoas, das quais 890.000 se
fixaram em São Paulo.
Estava finalmente equacionado o problema da falta de braços para a lavoura
cafeeira, que por muito tempo havia atormentado o espírito dos produtores.
A euforia expansionista logo enfrentaria problemas. O grande aumento da produção, ao lado da
diminuição da procura, foi responsável por uma queda acentuada dos preços no mercado
internacional. O recurso utilizado para compensar as perdas eram as constantes desvalorizações
da moeda nacional que ocorriam naqueles difíceis anos iniciais da República.
A desvalorização da moeda nacional tem reflexos importantes na economia de um país. Um deles
é o encarecimento dos produtos importados, o que prejudica os importadores e consumidores
desses bens.
Já para os exportadores, a desvalorização torna-se lucrativa, pois lhes garante mais recursos na
conversão da moeda internacional pela nacional. Assim, naqueles tempos de queda nos preços do
café, a desvalorização da moeda era muito bem vista pelos cafeicultores. Dessa forma, eles
podiam manter suas margens de lucro. Isso não ocorreria se houvesse uma política de valoriza-
ção da moeda, pois eles seriam obrigados a arcar com seus prejuízos.
Essa situação, no entanto, não durou muito tempo. Na gestão do presidente Campos Sales (1898-
1902), adotou-se um rígido programa econômico voltado para enfrentar os problemas decorrentes
do desequilíbrio das contas do governo e da virtual incapacidade do país de honrar seus
compromissos externos.
Para isso, Campos Sales obteve um empréstimo externo de 10 milhões de libras. Em troca, o
governo comprometeu-se a acertar as contas externas e a estabilizar a economia por meio de uma
política contencionista, deflacionária, que retirava parte do papel-moeda de circulação.
Isso significava, também, uma política de valorização da moeda valorização da moeda valorização
da moeda valorização da moeda valorização da moeda. Essa política, como sabemos, afetava a já
debilitada debilitada economia cafeeira.
A situação do café tornou-se ainda mais crítica no governo de Rodrigues Alves (1902-1906). A
queda acentuada de preços não abalou a decisão do presidente da República, que se recusava a
proteger o produto por meio da desvalorização da moeda ou de qualquer outro mecanismo de
natureza econômica.
Diante disso, os Estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro reuniram-se na cidade
paulista de Taubaté para adotar uma nova política cafeeira. Foi então assinado o Convênio de
Taubaté (1906), que estabeleceu as seguintes diretrizes:
· a crise era de tal ordem que se fazia necessária a intervenção do intervenção do intervenção do
intervenção do intervenção do poder público no mercado poder público no mercado poder público
no mercado poder público no mercado poder público no mercado;
· os Estados deveriam obter um empréstimo externo para comprar e estocar comprar e estocar
comprar e estocar comprar e estocar comprar e estocar
os excedentes de café os excedentes de café os excedentes de café os excedentes de café os
excedentes de café;
· era necessário criar mecanismos que impedissem a excessiva valorização excessiva valorização
excessiva valorização excessiva valorização excessiva valorização
da moeda da moeda da moeda da moeda da moeda e novas crises de superprodução novas
crises de superprodução novas crises de superprodução novas crises de superprodução novas
crises de superprodução.

Convênio de Taubaté

Convênio entre os estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo, para o fim de valorizar o
café, regular o seu comércio, promover o aumento do seu consumo e a criação da Caixa de
Conversão, fixando o valor da moeda.

Art. 1o: Durante o prazo que for conveniente, os estados contratantes obrigam-se a manter, nos
mercados nacionais, o preço mínimo de 55 a 65 frs. em ouro, em moeda corrente do país, ao
câmbio do dia, por saca de 60 quilos de café tipo 7 americano, no primeiro ano; este preço mínimo
poderá ser posteriormente elevado até o máximo de 70 frs., conforme as conveniências do
mercado. Para as qualidades superiores, segundo a mesma classificação, americana, os preços
indicados serão aumentados proporcionalmente nos mesmos períodos.
Art. 2o: Os governos contratantes, por meio de medidas adequadas, procurarão dificultar a
exportação para o estrangeiro dos cafés inferiores ao tipo 7, e favorecer, no que for possível, o
desenvolvimento do seu consumo no país.
Art. 3o: Os estados contratantes obrigam-se a organizar e manter um serviço regular e permanente
de propaganda do café, com o fim de aumentar o seu consumo, quer pelo desenvolvimento dos
atuais mercados, quer pela abertura e conquista de novos, quer pela defesa contra as fraudes e
falsificações.
Art. 4o: Os governos contratantes, quando for julgado oportuno, estabelecerão os tipos nacionais
de café, promovendo a criação de Bolsas ou Câmaras Sindicais para o seu comércio; de acordo
com os novos tipos, serão então fixados os preços a que se refere o art. 1o.
Art. 5o: Aos produtores de café serão facultados os meios de melhorar as qualidades do produto
pelo rebenefício.
Art. 6o: Os governos contratantes obrigam-se a criar uma sobretaxa de 3 frs., sujeita a aumento ou
diminuição, por saca de café que for exportada por qualquer dos seus estados e, bem assim,
manter as leis que neles dificultam, por impostos suficientemente elevados, o aumento das áreas
dos terrenos cultivados com café, nos seus territórios, pelo prazo de dois anos, que poderá ser
prorrogado por mútuo acordo.
Art. 7o: O produto da sobretaxa, de que trata o artigo anterior, paga no ato da exportação, será
arrecadado pela União e destinado ao pagamento dos juros e amortização dos capitais
necessários à execução deste convênio; sendo os saldos restantes aplicados ao custeio das
despesas reclamadas pelos serviços do mesmo, começando-se a cobrança da sobretaxa, depois
de verificado o disposto no art.8o.
Art. 8o: Para a execução deste convênio, fica o estado de São Paulo, desde já, autorizado a
promover, dentro ou fora do país, com a garantia da sobretaxa de 3 frs. de que trata o art. 6º e com
responsabilidade solidária dos três estados, as operações de crédito necessárias até o capital de
15 milhões de libras esterlinas, o qual será aplicado como lastro para a Caixa de Emissão ouro (?)
e Conversão, que for criada pelo Congresso Nacional, para a fixação do valor de moeda.
§1o: O produto da emissão sobre este lastro será aplicado, nos termos deste convênio, na
regularização do comércio de café e sua valorização, sem prejuízo para a Caixa de Conversão, de
outras dotações para fins criados em lei.
§2o: O estado de S. Paulo, antes de ultimar as operações de crédito assim indicadas, submeterá
as suas condições e cláusulas ao conhecimento e aprovação da União e dos outros estados
contratantes.
§3o: Caso se torne necessário o endosso ou fiança da União para as operações de crédito, serão
observadas as disposições do art. 2o, no 10, da lei no 1452, de 30 de dezembro de 1905.
Art. 9o: A organização e direção de todos os serviços de que trata este convênio serão confiadas a
uma comissão de três membros, nomeados um por cada estado, sob a presidência de um quarto
membro, apenas com voto de desempate, e escolhido pelos três estados.
§ único: Cada diretor terá um suplente de nomeação, igualmente, dos respectivos estados, que o
substituirá em seus impedimentos.
Art. 10: A comissão, de que trata o artigo antecedente, criará todos os serviços e nomeará todo o
pessoal necessário à execução do convênio, podendo confiar, em parte, a sua execução, a alguma
associação ou empresa nacional, sob sua imediata fiscalização, tudo na forma do regulamento.
Art. 11: A sede da comissão diretora será a cidade de São Paulo.
Art. 12: Para a execução dos serviços deste Convênio, a comissão organizará o necessário
regulamento, que será submetido à aprovação dos estados contratantes, os quais, no prazo de 15
dias, se pronunciarão sobre o mesmo, sob pena de considerar-se aprovado, por aquele que não
fizer.
Art. 13: Os encargos e vantagens resultantes deste convênio serão partilhados entre os estados
contratantes, proporcionalmente à quota de arrecadação da sobretaxa, com que cada um
concorrer pela forma estabelecida no regulamento.
Art. 14: Os estados contratantes reconhecem e aceitam o presidente da República como árbitro em
qualquer questão que entre os mesmos se possa suscitar, na execução do presente convênio.
Art. 15: O presente convênio vigorará desde a data da sua aprovação pelo presidente da
República, nos termos do §16o do art. 48 da Constituição Federal.

Paço Municipal de Taubaté, 26 de fevereiro de 1906.


[Ass.] Nilo Peçanha; Francisco Sales; Jorge Tibiriçá.

[Extraído de Edgard Carone, A Primeira República (1889-1930): texto e contexto. 2a ed. amp.,
São Paulo: Difusão Européia do Livro, s/d, pp. 137-40.]

Esboçava-se aí uma política de valorização do café política de valorização do café política de


valorização do café política de valorização do café política de valorização do café. Mas, como os
Estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro não assumiram de fato a orientação do convênio, São
Paulo tratou de agir. Obteve empréstimos externos e, em fim de 1907 (...) comprou cerca de 8,2
milhões de sacas [de café], que foram armazenadas nas principais cidades da Europa e dos
Estados Unidos. Só em 1908, no governo do presidente Afonso Pena (1906-1909), o governo
federal avalizou o empréstimo de 15 milhões de libras que o Estado de São Paulo requereu para
intervir com maior rigor no mercado do café.
Os resultados foram imediatos. Já em 1909, os preços começaram a subir e se mantiveram em
alta até 1912. O sucesso do empreendimento consolidou a presença federal no setor cafeeiro. As
crises do café, a partir de então, deixaram de ser apenas um problema dos cafeicultores e do
Estado de São Paulo: transformaram-se em uma questão nacional, assumida pelo governo federal.
A força dos interesses cafeicultores expressou-se também em 1921, quando novamente o governo
federal interveio no mercado e promoveu novas valorizações do produto.
Em síntese, como se percebe, não foram muito fáceis as relações do governo federal com os
interesses do café. Entre 1898 e 1906, o poder público federal optou por adotar ou manter
programas de estabilização econômica. Com isso, teve de enfrentar fortes pressões do setor
cafeeiro, interessado em medidas que protegessem o produto, como a desvalorização da moeda.
Após o Convênio de Taubaté, o setor obteve vitórias expressivas até assegurar a garantia do
governo federal.
A partir daí, a política econômica brasileira adotou uma postura de maior proteção ao café até
meados da década de 1920, quando o Estado de São Paulo assumiu a defesa permanente do
produto.
Nas próximas Livros, você verá que ocorreram novos embates entre o setor cafeeiro e o governo
federal no final da década de 1920.
Tudo isso nos leva a duas importantes conclusões sobre as relações do Estado com os interesses
cafeeiros nas primeiras décadas republicanas. Primeira: eram inegáveis a força e a importância do
setor cafeeiro, que teve na elite política paulista seu principal porta-voz. Segunda: não houve, por
parte do governo federal, mesmo nos governos de presidentes paulistas, uma defesa intransigente
e permanente do café. Ocorreu o que o economista Winston Fritsch chamou de uma “política
cambiante”, que ora agia no sentido de garantir o equilíbrio econômico, ora protegia o café. Isso
nos leva a crer, portanto, que o governo federal, mesmo reconhecendo a força do café e tendendo
várias vezes às suas reivindicações, não podia deixar de levar em conta o equilíbrio econômico e
outros interesses que também o pressionavam, no plano externo e interno.
Expansão industrial e urbana Na passagem do século XIX para o século XX, outros produtos
primários se destacaram na nossa pauta de exportações. Dois deles merecem ser citados:
o cacau e a borracha. O primeiro cresceu no sul da Bahia, embalado pelo aumento do mercado
externo.
―A produção baiana atingiu a marca de 13.000 toneladas, recriando passageira-
mente, com as importações inglesas, a prosperidade dos latifundiários daquela
região. Logo depois [por volta de 1900], os ingleses, que haviam investido na
Costa do Ouro, sua colônia, deixaram de importar, o que levou à estagnação e
à crise da produção baiana.‖
Francisco Alencar e outros, História da sociedade brasileira, p. 191

A produção da borracha na Amazônia não foi muito diferente da do cacau baiano. Após um breve
período de grande expansão, que se prolongou do fim do século passado até 1914, a produção
entraria em franca decadência como resultado da forte concorrência externa das colônias inglesas,
francesas e holandesas.
Mas, se nessas regiões parecia que a história brasileira se repetia como nos tempos da América
portuguesa, em algumas grandes cidades do Sudeste a situação era bem diferente.
Vivia-se uma época de transformações nos costumes, no comportamento, muito impulsionadas
pelas novas tecnologias e pelo clima de otimismo que aqui chegavam.
Era a época do progresso, no mundo e no Brasil.
A euforia tomou conta do planeta. (...) Os povos saúdam, cheios de encantamento, o advento do
século XX.
(...) De repente, após milênios de civilização, o homem tinha em seu poder engenhos
inacreditáveis: um carro que anda sem precisar de cavalos, um fio que instantaneamente transmite
mensagens de um continente a outro, uma lâmpada sem gás, nem pavio, um aparelho para
conversar com pessoas a longa distância, outro para tirar retratos perfeitos como um espelho, (...)
uma tela mágica onde são projetadas imagens de pessoas, bichos e coisas movendo-se
animadamente, igualzinho à vida real... E para coroar este festival de deslumbramento, vira
realidade o mais caro sonho do ser humano: voar!
Nosso Século: 1900-1910,

Em meio a tudo isso, cresciam também as atividades industriais, especialmente nas cidades do Rio
de Janeiro e São Paulo. Pouco a pouco, a economia agroexportadora brasileira se modernizava.
Na Livro 18, vimos que, na segunda metade do século XIX, surgiram alguns empreendimentos
industriais. No final do século, com o avanço da imigração estrangeira, a atividade industrial
brasileira ganhou corpo. As cidades cresciam de importância e, com elas, ampliava-se o mercado
consumidor.
Foi na maior dessas cidades, o Rio de Janeiro, que a atividade industrial se desenvolveu com
maior força naquele final do século XIX e início do século XX.
Além do mercado consumidor em franca expansão, havia, na capital federal, comerciantes e
banqueiros que se interessavam em investir parte de seus capitais em novas atividades, como as
industriais.
Formaram-se, assim, tanto grandes fábricas produtoras de tecidos e cerveja e grandes moinhos de
trigo como pequenas e médias oficinas produtoras de calçados.
Em São Paulo, a indústria também acompanhou a expansão da cidade, de 1890 para 1900, a
população paulistana passou de 64.934 para 239.820 habitantes, registrando uma elevação de
268% em dez anos...
Esse espetacular crescimento se relacionava ao enorme impulso que o café alcançara nas terras
paulistas naquela passagem do século XIX para o XX.

E, à sombra do café, cresceria a indústria paulista

Vejamos como isso ocorreu: Como você já deve saber, formou-se em São Paulo um conjunto de
atividades econômicas que giravam em torno do café.
Alguns autores chamaram esse conjunto, que envolvia a produção, a distribuição, o financiamento
e a comercialização do produto, de complexo cafeeiro.
Todas essas atividades foram fundamentais para a criação de fatores responsáveis pela expansão
industrial. Por exemplo: com a grande imigração para as atividades cafeeiras, criava-se um
mercado consumidor para os produtos industriais; com a expansão das estradas de ferro,
ampliava-se o mercado para o interior do Estado.
Além disso, os capitais investidos no café passaram também a ser aplicados na indústria.
O papel dos imigrantes na industrialização de São Paulo foi dessa forma descrito por Boris Fausto:
Os imigrantes surgem nas duas pontas da indústria, como donos de empresa e
operários. (...) Eles tiveram um papel fundamental nas empresas manufatureiras
da cidade de São Paulo, nas quais, em 1893, 70% de seus integrantes eram
estrangeiros.
Boris Fausto, História do Brasil, p. 287
A indústria paulista, que pela força do café logo tornou-se a mais importante do país, também se
caracterizou como uma indústria de bens de consumo nãoduráveis (tecidos, alimentos).
Com a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), esses ramos da indústria brasileira ganharam maior
força. O conflito internacional diminuía a concorrência externa e permitia uma ocupação maior do
mercado brasileiro por produtos nacionais.
Mas foi apenas no pós-guerra que se iniciou um processo mais consistente de mudança do perfil
limitado da nossa indústria. Na década de 1920, foi criada a primeira indústria siderúrgica no país,
a Belgo-Mineira. Iniciava-se assim a implantação da chamada indústria de base indústria de base
indústria de base indústria de base indústria de base, fundamental para romper com a
dependência externa e garantir um ritmo mais acelerado de desenvolvimento.
O Estado procurou, muitas vezes, proteger o café. O que dizer de sua relação com a indústria? O
Estado também protegeu, ou simplesmente desconheceu a importância das atividades industriais?
Essa é uma antiga controvérsia entre os historiadores, que se prolonga até hoje. Há os que
afirmam o caráter inteiramente antiindustrializante da política governamental, e os que dizem que
não era bem assim, que a política de desvalorização do câmbio encarecia os produtos importados
e assim defendia a indústria nacional.
Em um ponto, porém, há consenso: não havia uma política de estímulos à não havia uma política
de estímulos à não havia uma política de estímulos à não havia uma política de estímulos à não
havia uma política de estímulos à indústria. Ela não era a prioridade do governo naquelas décadas
de predomínio da agroexportação.

A VIDA POLÍTICA NA REPÚBLICA VELHA

Vamos acabar com a instabilidade! A política dos governadores Os primeiros dez anos da
República brasileira caracterizaram-se por intensos conflitos entre diferentes grupos da sociedade:
dos representantes políticos da classe dominante com os militares, dos próprios políticos entre si, e
entre os políticos e o povo. Todos queriam controlar o poder, tinham interesses diversos e
discordavam em suas concepções de como organizar a República.
Acrescente-se a isso a existência de uma crise econômica e financeira constante, caracterizada
por inflação, endividamento externo, gastos excessivos do governo e declínio dos preços dos
produtos de exportação.
Como resolver todos esses problemas?
Depois de muitos conflitos, e com o fortalecimento dos grupos políticos ligados aos cafeicultores de
São Paulo, algumas saídas começaram a ser pensadas: a volta dos militares aos quartéis, o
controle da participação das camadas populares e dos conflitos entre grupos dominantes e, por
fim, o desenvolvimento de uma política de saneamento da crise financeira.
No fim do governo de Prudente de Moraes (1894-1898), alguns desses desafios já tinham sido
contornados, com a derrota dos militares jacobinos e seu afastamento do palco dos
acontecimentos políticos. Também a revolta de Canudos foi sufocada, eliminando um foco de
contestação ao regime na área rural.
Mas muito restava para ser feito quando, em 1898, Campos Sales foi eleito presidente. Era preciso
consolidar a República, e o novo governo direcionou sua atuação para dois objetivos:
· a renegociação da dívida externa do país com os banqueiros estrangeiros e a elaboração de um
plano para equilibrar as finanças brasileiras;
· adoção da política dos governadores política dos governadores política dos governadores política
dos governadores política dos governadores.
Na Livro de , vamos estudar a montagem e o funcionamento da política da política da política da
política da política dos governadores dos governadores dos governadores dos governadores dos
governadores. Essa política caracterizou a Primeira República, ou República Velha o período que
se estende de 1889 até a Revolução de 30. A idéia central que presidiu a organização da política
dos governadores foi
o compromisso. Conforme já dissemos, as oligarquias, isto é, os grupos de políticos que
dominavam os Estados, viviam brigando entre si pelo controle do poder. Essas disputas se
expressavam especialmente nos momentos de eleições, tanto para o Executivo como para o
Legislativo, nos municípios, nos Estados e no país.
Na Primeira República não havia Justiça Eleitoral independente nem voto secreto. Sempre, ao final
das eleições, havia dúvidas acerca de que candidatos haviam sido legitimamente eleitos. Isso
gerava conflitos intermináveis e uma forte instabilidade do Congresso. E o presidente da República
tinha dificuldades de construir uma base de apoio sólida para garantir a aprovação de seus
projetos.
Esse problema não era uma novidade da República, pois conflitos semelhantes já ocorriam no
Império. A grande diferença era que no regime monárquico existia um grande árbitro o imperador,
que, no exercício do Poder Moderador, controlava os conflitos entre os diferentes grupos e
promovia seu revezamento no poder.
Na ausência da Justiça Eleitoral, desenvolveram-se inúmeras formas de fraude que receberam
nomes engraçados. Você conhece as expressões curral eleitoral e degola?
· curral eleitoral: na República Velha, era um lugar próximo do local de votação, para onde eram
levados os eleitores das áreas rurais, no dia de eleição. Cada “coronel”, ou chefe local, tinha o seu
curral, e aí distribuía aos eleitores envelopes fechados contendo as células dos candidatos em que
eram obrigados a voltar. Era o voto conhecido como “de cabresto”, porque o eleitor era dominado
por um freio, como uma montaria, ou “marmita”, porque já vinha pronto. Depois da votação, os
eleitores recebiam uma refeição e eram levados de volta para casa.
· degola: era a eliminação dos candidatos ao Legislativo que não tinham sido aprovados pelos
governos dos Estados. O problema era que não bastava ganhar a eleição, era preciso ser
confirmado. E nem sempre os vitoriosos eram aprovados. Ganhavam, mas não levavam!
Embora já se votasse desde o período colonial, o título de eleitor só foi instituído em 1881. Nele só
constavam nome, data de nascimento, filiação, estado civil e profissão. Mas, note bem, não havia o
retrato do eleitor! Essa situação permaneceu na República, o que dava margem a inúmeras
fraudes. No momento do alistamento, na votação, na contagem dos votos e na elaboração das
atas com os resultados finais das eleições, criavam-se nomes falsos, votavam defuntos, somava-
se errado. Era a chamada eleição a “bico de pena”.
A política dos governadores tinha como objetivo encontrar uma saída para esses problemas. Ela
deveria, antes de mais nada, fortalecer a posição do presidente da República e dos governadores
de Estado em face dos deputados.
Mas como isso seria feito? Mediante um acordo que eliminaria as brigas, mas não
necessariamente as fraudes.
No momento das eleições para o Legislativo federal, os governadores fariam a lista dos
candidatos dos seus respectivos Estados que deveriam ser eleitos. Uma vez eleitos, esses
parlamentares tinham a obrigação de apoiar sempre o presidente da República. Em troca, o
governo federal dava total liberdade ao governador do Estado que o estava apoiando para
controlar seus opositores e promover perseguições políticas e violências. Além disso, também
eram concedidos, ao governador, verbas para a realização de obras e o direito de nomeação para
cargos públicos.
Esse tipo de acordo também acontecia entre os governadores e os chefes municipais os prefeitos
e entre os prefeitos e os seus amigos “coronéis”, grandes proprietários rurais que controlavam os
eleitores.
Como você pode perceber, existia uma corrente em que cada um trocava favores com outros. O
nome desse acordo era pacto oligárquico. Ele tinha por base o compromisso coronelístico, ou seja,
a troca de favores políticos entre as oligarquias e os coronéis.
Esse tipo de comportamento foi retratado em muitas obras da literatura brasileira e em programas
de TV. A novela Gabriela, inspirada num livro de Jorge Amado, nos mostra a atuação de vários
personagens desse sistema. Ramiro Bastos, grande fazendeiro de cacau e chefe político do
município de Ilhéus, controla toda a vida local, lidera outros coronéis e persegue duramente seus
adversários políticos, com a concordância do governador. Podemos citar ainda uma enormidade
de personagens fictícios ou reias que povoam o imaginário político brasileiro e que estão
vinculados diretamente ao fenômeno do coronelismo.

O federalismo Desigual

Mas é importante compreender que nesse acordo entre as oligarquias não havia uma igualdade
em todo o país. Existiam grupos regionais que eram muito mais poderosos que outros,
dependendo dos Estados que controlavam. Por exemplo: as oligarquias de São Paulo e Minas
Gerais tinham uma posição privilegiada, e por isso esses Estados eram chamados de “primeira
grandeza”.
A seguir, tínhamos os Estados de “segunda grandeza”. O Rio Grande do Sul ocupava uma posição
especial nesse grupo, que compreendia ainda os Estados da Bahia, Rio de Janeiro e Pernambuco.
Por fim, vinham os chamados “estados satélites”, de poder político e econômico reduzido.
Como você pode ver, existia uma hierarquia entre os Estados. Conseqüentemente, o grau de
autonomia de cada um era diferente. De fato, a descentralização definida pela Constituição de
1891 estabelecia um federalismo desigual, pois os Estados mais fracos não tinham autonomia e
sofriam constantes intervenções do governo federal, controlado em geral pelas oligarquias de
Minas e São Paulo.
Na obra Terras do sem fim, ao relatar conflitos políticos em Ilhéus, o autor Jorge Amado usa o
personagem Virgílio, advogado contratado pelos coronéis, para anunciar esta ameaça:
O governo estadual se afastava cada vez mais do federal e era certo para quem tivesse visão que
não ia poder se manter no poder nas próximas eleições.
Ou talvez caísse antes. Havia na Bahia quem falasse que haveria intervenção federal no Estado.
A política dos governadores foi eficaz porque conseguiu resolver alguns problemas que
ameaçavam a estabilidade da República brasileira. Ao mesmo tempo, seu funcionamento resultou
no enorme fortalecimento dos grupos leais ao governo a situação em detrimento dos grupos de.
Com isso, tornava-se praticamente impossível o rodízio do poder, um dos fundamentos do
Estado democrático.
Essa forma de fazer política dificultou muito a organização e o fortalecimento dos partidos políticos
no Brasil. Durante a Primeira República, não se desenvolveram partidos nacionais, apenas
partidos regionais, com programas não definidos. Esses partidos baseavam suas práticas na troca
de favores, no “é dando que se recebe”. Outra conseqüência foi a exclusão da participação política
imposta às camadas populares, que se sentiam pouco estimuladas e muito restringidas.
É verdade que o crescimento das cidades e a diferenciação das atividades, especialmente a
expansão da indústria e do comércio, permitiram o desenvolvimento de movimentos da classe
trabalhadora, como greves, “quebra-quebras”, iniciativas de organização sindical. Nos centros
urbanos, a liberdade de circulação de pessoas e de idéias era muito maior. Mas, com tudo isso, a
vida política não se diferenciava muito daquela que vigorava no interior rural.
Mesmo no Rio de Janeiro, capital da República e principal centro do país, as eleições, como diz o
historiador José Murilo de Carvalho, eram “uma operação de capangagem”, pois os chefes
políticos das diferentes freguesias da cidade criavam constantes tumultos para evitar a
participação de seus opositores, especialmente se pertencessem às camadas populares.
Política do café com leite

Em dois trechos de seu livro Da Propaganda à Presidência, Campos Sales expõe sua concepção
da política como um jogo restrito a uma pequena minoria e descreve a origem da chamada ―política
dos governadores‖, com a reforma regimental referente à Comissão de Verificação de Poderes da
Câmara Federal:

Permita-me voltar ainda ao assunto da sua carta de 19 de fevereiro, cujos termos muito me
agradaram. Há todavia um tópico sobre o qual desejo emitir o meu modo de pensar com a devida
franqueza.
Lembra vossa excelência a conveniência de uma grande reunião, na qual será assentada a
norma de conduta a seguir na verificação de poderes.
Esta idéia exprime certamente os bons intuitos de vossa excelência, procurando assegurar
a priori o apoio da maioria em prol da fiel execução do acordo estabelecido. Devo, porém, dizer a
vossa excelência que, em regra, sou infenso às grandes reuniões para deliberar sobre assuntos
que, pela natureza, se relacionem com a direção ou orientação que se deve imprimir a um
determinado momento político. Esta é uma função que pertence a poucos e não à coletividade.
Nem sempre nas deliberações coletivas prevalece o alvitre mais justo e mais conforme os grandes
interesses da situação. Ao contrário, as mais das vezes o que se vê é que nas grandes reuniões
predomina o conselho apaixonado dos mais exaltados, que nem sempre se inspiram no sentimento
de justiça ou nas verdadeiras e reais conveniências da causa pública. Isto é tanto mais perigoso,
quanto é certo que, no momento atual, dada a ausência de partidos regulares, nos achamos em
pleno estado de anarquia política.
Outrora, quando os partidos tinham como principal fundamento da sua organização e
disciplina a obediência à direção dos chefes, as assembléias políticas podiam ser de grande
utilidade, precisamente porque elas não serviam senão para, com a homologação do seu voto,
revestir de maior autoridade moral o pensamento previamente conhecido dos que exerciam de fato
a soberania diretora. Hoje, porém, não é isto o que se vê. Estamos ainda sob a influência da
revolução que, como o antigo regime, fez desaparecer todos os aparelhos de governo que dentro
dele existiam. Desapareceram, como era fatal, os partidos e eliminou-se também a supremacia dos
grandes chefes. As perturbações contínuas por que tem passado a República, a preferência dada
aos processos violentos, com abandono das lutas políticas regulares, não têm permitido a
organização dos partidos com a característica manifestação das suas tendências opostas e com os
seus chefes à frente, exercendo uma autoridade real, inteligentemente acatada e
disciplinadamente obedecida.
Os chefes que hoje aparecem nada dirigem: ao contrário, deixam-se arrastar mais ou
menos constrangidamente pela impetuosidade de forças anárquicas, agremiadas em coletividades
sem coesão. Não tem outro sentido as cenas do Congresso.
É por isso que receio submeter a uma assembléia política a escolha do plano a ser
adotado na verificação de poderes da futura Câmara. Muitos quererão inspirar-se no sentimento
partidário, outros alvitrarão pela liberdade de agir na conformidade das afeições pessoais e não
faltará mesmo quem pense ser preferível a violência brutal do voto, porventura em eventual
maioria, para esmagar e eliminar por completo a outra parte. Que é que poderá sair de uma
reunião assim agitada por intuitos e tendências tão desencontrados? Se não o descordo,
possivelmente um alvitre menos acertado, do qual poderá resultar o prévio sacrifício moral do
Congresso.
Parece-me, portanto, que mais acertado será evitar a reunião e sujeitar o exame dos meios
práticos, para a execução do acordo, ao critério de alguns poucos, que sejam reconhecidamente
mais competentes. Uma ação bem conduzida por parte destes será bastante para levar o acordo à
sua completa execução, oferecendo seguras garantias aos que tiverem por si a legitimidade do
voto.
Outros deram à minha política a denominação de política dos governadores. Teriam talvez
acertado se dissessem política dos Estados. Esta denominação exprimiria melhor o meu
pensamento.
O que deu origem a esta política foi a questão de verificação de poderes na sessão
legislativa de 1900. Finda a legislatura anterior, os dois grupos da Câmara — Republicanos e
Concentrados — aprestavam-se para o próximo pleito com ânimo deliberado de empregar, cada
um, todos os meios para o triunfo dos seus candidatos. Era tal a ambição de vencer, que, segundo
se tornou público, de ambos lados se mandavam instruções aos candidatos nos Estados, para que
se fizessem diplomar a todo o transe. A palavra de ordem era o diploma. Está visto que nesta
generalidade se compreendiam as duplicatas e as fraudes. No correr destes preparativos,
começava a surgir a hipótese aterradora de uma duplicata de câmaras, caso provável, desde que
um dos lados pudesse empolgar a direção exclusiva das deliberações no recinto oficial deste ramo
do Congresso.
Eis a sombria perspectiva que apresentavam os trabalhos de verificação de poderes. O
regimento estatuía que ao mais velho dos diplomados cabia a presidência interina da Câmara,
incumbindo a ela a nomeação da comissão encarregada de organizar a lista dos diplomas
presumivelmente legítimos. Ao mais velho, pois, caberia, em última análise, a formação da sua
Câmara. A questão estava assim entregue a um certificado de idade. Não é preciso muita argúcia
para figurar as inúmeras hipóteses de fraudes que poderiam ser sugeridas.
Diante deste perigo, que não podia deixar de alarmar profundamente os espíritos mais
calmos, cogitou-se de aproveitar o resto do tempo da legislatura para fazer uma reforma do
regimento na parte referente à verificação de poderes. Combinou-se, e nesta combinação entraram
influências políticas de ambos os lados, que o presidente interino da nova Câmara seria o
presidente da Câmara anterior. Realizou-se quase sem oposição a reforma regimental, embora
com a perfídia das reservas mentais, que mais tarde se revelaram.
Cresciam, entretanto, as minhas apreensões e receios acerca das dificuldades que
provavelmente surgiriam na composição da nova Câmara. Os ressentimentos que, abafados, não
estavam todavia completamente extintos até esse momento, e cada um dos grupos se dispunha a
disputar, com encarniçamento, a posse, pelo menos, da futura maioria, para implantar a sua
política. Entendi que não era lícito assistir indiferente a essa luta, cujos resultados poderiam
acarretar a ruína moral da República, e resolvi, conseqüentemente, intervir, adotando medidas
preventivas. Dirigi-me, para esse fim, aos governos dos Estados, onde iniludivelmente resida a
verdadeira força política neste regime. Vou reproduzir uma parte da minha correspondência para
que se vejam os sentimentos que no íntimo me animavam nessa emergência. O meu pensamento
era proporcionar a todos os grupos garantias iguais, com absoluta imparcialidade, de modo a evitar
a vitória ilegítima e absorvente de um deles.
A 8 de fevereiro de 1890, eu escrevia ao dr. Silvano Brandão, de saudosa memória,
presidente do Estado de Minas:
―Recebi a sua carta, em que teve a benevolência de comunicar-me o resultado das
eleições federais de 31 de dezembro, neste estado. Queira receber as minhas sinceras felicitações
pelo justo triunfo da sua patriótica política.
Espero que a representação mineira, correspondente aos nobres intuitos de vossa exa ,
virá trazer o importante concurso do seu apoio para a realização da grande obra que o meu
governo tem em mãos e que, felizmente, para levá-la à conclusão, não carece senão de firmeza
dos bons elementos que construírem o futuro Congresso. Deve ter observado, com a mesma
tristeza que eu, a multiplicidade das duplicatas eleitorais, indecoroso sinal do grau de rebaixamento
a que têm descido os nossos costumes políticos. É indispensável e urgentíssimo opor decidida
resistência a este descalabro moral a que tão criminosas ambições impelem a República.
O Estado de Minas acha-se destinado a representar o mais importante papel na verificação
de poderes da futura Câmara. A reforma do regimento, ao findar-se a passada legislatura, deu ao
dr. Vaz de Melo, deputado mineiro, a investidura da presidência interina desta casa do Congresso
na próxima sessão. A ele caberá formar a comissão, à qual incumbe o início, a base dos trabalhos
na verificação dos poderes. É deste ponto de partida que dependerá essencialmente a constituição
legítima do mais importante ramo do Congresso, principalmente se, como presumo, o presidente
interino firmar o prestígio da sua ação preliminar no apoio decidido e resoluto de poderosa
representação mineira, da qual ele faz parte.
Ao lado desta reforma estatuiu também o regimento as condições do que seja, em
princípio, o diploma legal ou presumidamente legítimo; aquele que é expedido pela maioria das
juntas apuradoras. Segundo o acordo estabelecido entre chefes políticos, cuja influência deve ser
bem acentuada nos trabalhos da próxima legislatura, é com estas providências regimentais que se
há de chegar a melhor e a mais justa conclusão na verificação de poderes. Nutro a convicção de
que, mantido este acordo sem fraquezas, sem hesitações, chegaremos a formar uma Câmara
legítima, impossibilitando o triunfo das duplicatas vergonhosas. Haverá, é certo, o desvio de uma
ou outra junta apuradora, diplomando candidatos não eleitos. Sem prejuízo do princípio dominante,
essas fraudes podem e hão de ser corrigidas, desde que se estabeleça, como deve ser assentado,
que para estes casos prevalecerá, no voto decisivo da Câmara, o princípio de rigorosa justiça.
Acredito que, se não enveredarmos resolutamente por este caminho, correremos o risco de
constituir uma Câmara de duvidosa legitimidade, e, portanto, sem o indispensável prestígio moral
ante a opinião, e isto mesmo após uma prolonga luta, carregada de incidentes indecorosos e
desmoralizadores. A vossa exa cabe influir diretamente, por seus conselhos e por sua hábil
orientação, a bem da coordenação das forças que devem preponderar nas deliberações
preliminares, constitutivas da nova Câmara".

[Campos Sales, Da propaganda à Presidência, São Paulo: s. e., 1908, pp. 244-6 e 236-41, apud
Edgar Carone (org.), A Primeira República (1889-1930): texto e contexto. 2a ed. amp. São Paulo:
Difusão Européia do Livro, s/d.]

REBELIÕES E REVOLTAS SOCIAIS


NA PRIMEIRA REPÚBLICA

Revolta da Armada

Rebelião promovida por algumas unidades da Marinha brasileira contra o governo de Floriano
Peixoto. Começa no Rio de Janeiro em setembro de 1893, estende-se à Região Sul e prolonga-se
até março de 1894.
Com a renúncia de Deodoro da Fonseca à Presidência da República em 23 de novembro de
1891, passados nove meses de governo, o vice-presidente Floriano Peixoto assume o cargo. A
Constituição, no entanto, prevê nova eleição caso a Presidência ou a Vice-Presidência fiquem
vagas antes de decorridos dois anos de mandato. A oposição acusa Floriano de manter-se
ilegalmente à frente da nação. Em 6 de setembro de 1893, um grupo de altos oficiais da Marinha
exige a imediata convocação dos eleitores para a escolha dos governantes. Entre os revoltosos
estão os almirantes Saldanha da Gama, Eduardo Wandelkok e Custódio de Melo, ex-ministro da
Marinha e candidato declarado à sucessão de Floriano. No movimento encontram-se também
jovens oficiais e muitos monarquistas. Sua adesão reflete o descontentamento da Armada com o
pequeno prestígio político da Marinha em comparação ao do Exército. A revolta consegue pouco
apoio no Rio. Sem chance de vitória, os revoltosos dirigem-se ao Sul. Alguns efetivos
desembarcam em Desterro (atual Florianópolis) e tentam, inutilmente, articular-se com os
federalistas gaúchos. Floriano adquire novos navios no exterior e com eles derrota a Revolta da
Armada em março de 1894.

Revolta Federalista

Movimento insurrecional do início da República envolvendo as principais facções políticas do Rio


Grande do Sul. Começa em 1893 e dura até 1895.
Dois partidos disputam o poder. De um lado, o Partido Federalista reúne a velha elite do Partido
Liberal do Império, sob a liderança de Gaspar da Silveira Martins. De outro, o Partido Republicano
Rio-Grandense agrupa os republicanos "históricos", participantes do movimento pela proclamação
da República, comandado pelo governador Júlio de Castilhos. Ancorados em bases eleitorais nas
cidades do litoral e da serra, os republicanos querem manter o poder. Já os federalistas, que
representam os interesses dos grandes estancieiros da campanha, lutam contra o que chamam de
"tirania do castilhismo" e exigem a reforma da Constituição do estado para impedir a perpetuação
dos rivais no poder.
Maragatos e chimangos –Em fevereiro de 1893, ano da campanha eleitoral para o governo
estadual, os federalistas, chamados maragatos, iniciam sangrento conflito com os republicanos,
apelidados chimangos ou pica-paus. Os combates espalham-se pelo estado e se transformam em
uma guerra civil, com milhares de vítimas. Os maragatos pedem intervenção federal no estado,
mas o presidente Floriano Peixoto prefere apoiar os pica-paus.
Entre fins de 1893 e começo de 1894, os maragatos avançam sobre Santa Catarina e unem-se
aos rebeldes da Revolta da Armada, que ocupam a cidade de Desterro (atual Florianópolis). Em
seguida entram no Paraná e tomam Curitiba. Mas, sem recursos humanos e materiais suficientes,
recuam. Concentram sua atividade no território gaúcho, mantendo a luta até meados de 1895. No
dia 10 de julho, o novo presidente da República, Prudente de Moraes, consegue um acordo de
paz. O governo central garante o poder a Júlio de Castilhos e o Congresso anistia os participantes
do movimento.

Revolta da Chibata
MANIFESTO

"DO CHEFE DO MOVIMENTO DIRIGIDO DE BORDO DO “MINAS GERAIS” AO POVO E AO


CHEFE DA NAÇÃO

Os marinheiros do ―Minas Gerais‖, do ―S. Paulo‖, ―scout‖ ―Bahia‖, ―Deodoro‖ e mais navios de
guerra vistos no porto com a bandeira encarnada não têm outro intuito que não seja o de ver
abolido das nossas corporações armadas o uso infamante da chibata que avilta o cidadão e abate
os caracteres.
A resolução de içarem no mastro dos navios a bandeira encarnada e de se revoltarem contra o
procedimento de alguns comandantes e oficiais só foi levada a efeito depois de terem reclamado
por vezes insistentemente contra esses maus tratos, contra o excesso de trabalho a bordo e pela
mais absoluta falta de consideração com que sempre foram tratados.
Do Chefe da Nação, o ilustre Marechal Hermes da Fonseca, cujo Governo os marinheiros
desejam seja coroado pela paz e pelo mais enexcedível brilho, só desejam os reclamantes a
anistia geral, a abolição completa dos castigos corporais para engrandecimento moral das nossas
classes armadas.
Os marinheiros lamentam que este acontecimento se houvesse dado no começo da Presidência
de S. Ex.ª o Sr. Marechal Hermes da Fonseca a quem a guarnição do ―S. Paulo‖é especialmente
simpática.
Ao povo Brasileiro os marinheiros pedem que olhem a sua causa com simpatia que merecem, pois
nunca foi seu intuito tentar contra as vidas da povoação laboriosa do Rio de Janeiro.
Só em última emergência, quando atacados ou de todo perdidos, os marinheiros agirão em sua
defesa.
Esperam, entretanto, que o Governo da República se resolva a agira com humanidade e justiça. –
Os marinheiros da Armada Brasileira."

Fonte: CARONE, Edgard A Primeira República (1889-1930) Rio de Janeiro, Difel, 1976.

Conhecida como "revolta dos marinheiros", ocorre em unidades da Marinha brasileira baseadas
no Rio de Janeiro, em 1910. Os rebelados reivindicam a aprovação do projeto de anistia em
discussão no Congresso, o cumprimento da lei de aumento de seus vencimentos, a redução da
jornada de trabalho e a abolição dos castigos corporais na Marinha.
DECRETO INSTITUINDO OS CASTIGOS CORPORAIS

"(...)
O Marechal Manoel Deodoro da Fonseca, Chefe do Governo Provisório, constituído pelo Exército e
Marinha, em nome da Nação, considerando que há necessidade da criação de uma Companhia
Correcional, cujo fim seja segregar as praças de conduta irregular e mau procedimento habitual
das morigeradas;
Considerando, ainda, que o castigo severo, abolido por ocasião do advento da República e
aplicável, unicamente, às praças arroladas na referida Companhia dentro de um limite restrito, é
uma necessidade reconhecida e reclamada por todos os que exercitam a autoridade sobre o
marinheiro,
Decreta:
É criada uma Companhia Correcional que se regerá pelas instruções que a este acompanha:
Artigo 1.? – A Companhia Correcional tem por objetivo submeter a um regime de disciplina
especial as praças que forem de má conduta habitual e punir faltas em casos que não exijam
conselho de guerra.
O último artigo, o 8.?, diz textualmente:
Pelas faltas que cometerem serão punidos do seguinte modo:
a? faltas leves; prisão e ferro na solitária, a pão e água por três dias.
b? faltas leves repetidas, idem, idem, por 6 dias.
c? faltas graves: 25 chibatadas."

Fonte: CARONE, Edgard A Primeira República (1889-1930) Rio de Janeiro: Difel, 1976.
Na madrugada de 22 para 23 de novembro, grupos de marinheiros liderados pelo gaúcho João
Cândido assumem o controle de algumas embarcações da Marinha de Guerra, ancoradas na Baía
de Guanabara. No início, o governo do presidente Hermes da Fonseca promete atender as suas
reivindicações. João Cândido tenta conseguir anistia para os rebelados, mas o governo os reprime.
Os revoltosos são derrotados e seu líder é preso nas masmorras da Marinha, de onde sai para
trabalhar fora do meio militar. Morre no esquecimento em 1969, no Rio.

Revolta da Vacina

Rio de Janeiro, capital federal, ano de 1904. O povo amotinado levanta barricadas. Bondes são
depredados e incendiados. Lojas
saqueadas. O episódio fica conhecido como a Revolta da Vacina. O Rio de Janeiro é uma cidade
com ruelas estreitas, sujas. Cheia de cortiços onde se amontoa a população pobre. A falta de
saneamento básico e as condições de higiene fazem da cidade um foco de epidemias,
principalmente Febre Amarela, Varíola e Peste.
Em 1895, ao atracar no Rio de Janeiro, o navio italiano Lombardia perdeu 234 de seus 337
tripulantes, mortos por Febre Amarela.
"Viaje direto para Argentina sem passar pelos perigosos focos de epidemias do Brasil".
Com esta propaganda, uma companhia de viagem européia tranqüilizava seus clientes, no início
do século. 1902. Rodrigues Alves assume a presidência do Brasil com o programa de sanear e
reformar o Rio de Janeiro, nos moldes das cidades européias. Os motivos são manter o turismo e
atrair investidores estrangeiros. Mais de seiscentos cortiços são derrubados no centro da cidade
para a construção de avenidas. Populações de bairros inteiros, sem ter para onde ir, são
desalojadas à força e se refugiam os morros. As favelas começam a se expandir.

O médico sanitarista Oswaldo Cruz é encarregado de combater as epidemias. Para acabar com a
peste, transmitida pela pulga do rato, um esquadrão de 50 homens percorre a cidade espalhando
raticidas e removendo lixo.
Um novo cargo público é criado: o dos compradores de ratos, que saem pelas ruas pagando
trezentos réis por rato capturado. Para
atacar a Febre Amarela, Oswaldo Cruz segue uma teoria de médicos cubanos, que aponta um tipo
de mosquito como o seu transmissor. Brigadas de Mata-Mosquitos desinfetam ruas e casas. A
população acha uma maluquice responsabilizar um mosquito pela Febre Amarela. Quase toda a
imprensa fica contra Oswaldo Cruz e ridiculariza sua campanha. Mas foi a Varíola que pôs a
cidade em pé de guerra. Apoiadas em uma lei federal, as Brigadas Sanitárias entravam nas casas
e vacinavam pessoas à força. Setores de oposição ao governo gritavam contra as medidas
autoritárias de Oswaldo Cruz.
Em novembro de 1904, explode a revolta. Por mais de uma semana as ruas do Rio de Janeiro
vivem uma guerra civil. A Escola Militar
de Praia Vermelha, comandada por altos escalões do Exército, alia-se aos revoltosos. Militares
insatisfeitos com o presidente Rodrigues Alves armam um golpe de Estado.
O governo reage. Tropas leais atacam os revoltosos. No centro da cidade, pelotões disparam
contra a multidão. O número de mortos da Revolta da Vacina é desconhecido. O de feridos
ultrapassa cem. Mais de mil pessoas são presas e deportadas para o Acre.
As medidas sanitárias continuam. Em 1903, 469 pessoas morrem de Febre Amarela. No ano
seguinte, este número cai para 39. Em 1904, a Varíola havia matado cerca de 3.500 pessoas. Dois
anos depois, esta doença faz apenas 9 vítimas. A cidade fica livre das epidemias. Mas começa a
sofrer com a proliferação das favelas.
( TV Cultura - Cenas do Século)

Contestado

Violento conflito social que ocorre entre 1912 e 1916 no Contestado – região no oeste de Santa
Catarina, divisa com Paraná, na época disputada pelos dois estados brasileiros. Camponeses
pobres enfrentam forças federais e estaduais na defesa de suas terras e de suas crenças
religiosas.
Pobreza e messianismo –Em 1912 há um grande contingente de famílias pobres à procura de
terra e de trabalho na região. São famílias de desempregados da estrada de ferro recém-
construída (ligando São Paulo ao Rio Grande do Sul) ou expulsas das terras à beira da ferrovia,
concedidas pelo governo a companhias colonizadoras e madeireiras. Nesse ano aparece nas
vizinhanças de Campos Novos e Curitibanos o "monge" José Maria, pregador e curandeiro que
atrai grande número de camponeses para a localidade de Taquaruçu. De lá são expulsos por
jagunços do coronel Francisco de Albuquerque e se instalam na Vila do Irani, no centro da região
do Contestado. Ocorrem novos combates e morrem o "monge" e o comandante das forças policiais
do Paraná. Nos dois anos seguintes alastra-se a crença na volta do "monge" e cresce o número de
fiéis em redutos como Taquaruçu, Caraguatá e Timbó. Em 1915, os líderes da "irmandade"
político-religiosa que se forma lançam um manifesto monarquista e anunciam a "guerra santa"
contra os coronéis, as companhias de terras e as autoridades estaduais e federais. A luta
prolonga-se até o final de 1916, envolvendo uma população rebelada de 20 mil pessoas, e termina
com a maciça intervenção do Exército, com saldo de quase 3 mil mortos. No final desse ano, o
governo do Paraná e o de Santa Catarina assinam um acordo de limites pondo fim à velha disputa
territorial.

Canudos: do sonho à tragédia


Provavelmente uma das mais expressivas lutas do povo brasileiro ocorreu nos confins do sertão
baiano, nos últimos anos do século XIX.
Em 1877 começou uma das mais terríveis secas que o Brasil já conheceu. Espalhou-se pelos
sertões nordestinos, matando gado, matando criações, matando gente, esturricando a terra e
provocando um dos maiores êxodos de sertanejos para locais onde a sobrevivência era uma
possibilidade.
Nesse contexto de miséria absoluta, vivia Antonio Vicente Mendes Maciel. Nascido em
Quixeramobim, no Ceará, em 1828.
Antonio Vicente chegou a estudar o suficiente para se tornar até professor. Casou-se, teve um filho
e foi abandonado pela mulher. Herdou um estabelecimento comercial do pai, que em pouco tempo
faliu.
Passou então a perambular por várias cidades do sertão, onde ocupou-se em diferentes tarefas
desde caixeiro até tornar-se advogado provisionado, isto é, advogado sem diploma. A partir de
então Antônio Vicente começou a escrever e a fazer discursos, tornando-se um bom orador, pois
"conhecia melhor a justiça dos sertões, manipulada pelos ricos e poderosos fazendeiros chamados
de coronéis, que a usavam contra seus adversários e principalmente contra os pobres sertanejos".
Depois de abandonado pela mulher, Antonio tornou-se um andarilho cuja sina onde chegava, era
começar a reformar e construir igrejas, capelas e cemitérios.
Conseguia sobreviver assim, sem esmolar. Em suas andanças pelo Ceará conheceu e ficou
impressionado com o Padre Ibiapina, que desenvolvia obras de caridade junto com os pobres.
Familiarizando-se com os ensinamentos e pregações religiosas, Antônio usou seu talento de
orador e começou a ser um pregador de mensagens bíblicas, a ouvir as lamúrias dos pobres e
principalmente a dar conselhos, e por isso foi apelidado de Antônio Conselheiro.
Perambulando sempre pelos sertões, Antônio Conselheiro começou a ser seguido formando um
grupo de simpatizantes, até que em 1874, fundou no sertão da Bahia um lugarejo que foi chamado
de Arraial do Bom Jesus, onde construíram uma capela e passaram 11 anos. Mas esse recanto de
paz, isolado do autoritarismo reinante naqueles confins, passou a incomodar os poderosos; padres
perdiam seus fiéis, os fazendeiros seus empregados e as autoridades ficavam desconfiados com
aquele visionário acalmando os infelizes e enchendo-se de seguidores.
A conseqüência desse estado de coisas foi que logo começaram a persegui-lo com calúnias, com
a própria igreja proibindo os fiéis de ouvir suas pregações.
Conhecendo bem as principais leituras dos católicos ele falava muito bem, e resolveu seguir
também os ensinamentos de Thomas Morus, pensador inglês, que escrevera um livro em 1517,
onde pregava uma comunidade perfeita, que produzia seus bens de consumo, onde todos viviam
iguais, e não circulava dinheiro, etc. E esse local perfeito chamava-se Utopia.
Conselheiro nunca disse que era padre, mas pregava como se fosse e a perseguição implacável
ao líder sertanejo começou pela própria Igreja, que resolveu solicitar interferência do presidente da
província para contê-lo, mandando-o prender em um asilo de loucos, pois naquele tempo, as
regras eram ainda mais severas, e quem não se comportasse dentro dos padrões normais, era
tachado de louco.
Do ponto de vista religioso, Conselheiro pregava tudo que a Igreja pregava. Já no aspecto político
ele começou a discordar das novidades que estavam acontecendo. Quando foi proclamada a
República em 1889, ele posicionou-se contra ela, sobretudo no que dizia respeito à separação que
passou a haver, entre o Estado e a Igreja e também se opôs à liberdade de consciência e de
religião e ao casamento apenas no civil.

Canudos, Pregação de Antônio Conselheiro

"Agora tenho de falar-vos de um assunto que tem sido o assombro e o abalo dos fiéis, de um
assunto que só a incredulidade do homem ocasionaria semelhante acontecimento: a república, que
é incontestavelmente um grande mal para o Brasil que era outrora tão bela a sua estrela. Hoje
porém foge toda a segurança, porque um novo governo acaba de ter o seu invento e do seu
emprego se lança mão como meio mais eficaz e pronto para o extermínio da religião. Admiro o
procedimento daqueles que têm concorrido com o seu voto para realizar-se a república, cuja idéia
tem barbaramente oprimido a Igreja e os fiéis: chegando a incredulidade a ponto de proibir até a
Companhia de Jesus; quem pois não pasma à vista de tão degradante procedimento? Quem diria
que houvesse homens que partilhassem de semelhante idéia. A república é o ludíbrio da tirania
para os fiéis. Não se pode qualificar o procedimento daqueles que têm concorrido para que a
república produza tão horroro efeito!! Homens que olham por um prisma, quando deviam impugnar
generosamente a república, dando assim brilhante prova de religião. Demonstrado, como se acha,
que a república quer acabar com a religião, esta obra-prima de Deus que há dezenove séculos
existe e há de permanecer até o fim do mundo; porque Deus protege a sua obra: ela tem
atravessado no meio das perseguições; mas sempre triunfando da impiedade. Por mais ignorante
que seja o homem, conhece que é impotente o poder humano para acabar com a obra de Deus.
Considerem portanto, estas verdades que devem convencer àquele que concebeu a idéia da
república, que é impotente o poder humano para acabar com a religião. O presidente da república,
porém, movido pela incredulidade que tem atraído sobre ele toda sorte de ilusões, entende que
pode governar o Brasil como se fora um monarca legitimamente constituído por Deus; tanta injutiça
os católicos contemplam amargurados. Oh! homem incrédulo, quanto pesa a tua incredulidade
diante de Deus! (...) É evidente que a república permanece sobre um princípio falso e dele não se
pode tirar conseqüência legítima: sustentar o contrário seria absurdo, espantoso e singularíssimo;
porque, ainda que ela trouxesse o bem para o país, por si é má, porque vai de encontro à vontade
de Deus, com manifesta ofensa de sua divina lei. Como podem conciliar-se a lei divina e as
humanas, tirando o direito de quem tem para dar a quem não tem? Quem não sabe que o digno
príncipe o senhor dom Pedro 3.º tem poder legitimamente constituído por Deus para governar o
Brasil? Quem não sabe que o seu digno avô o senhor dom Pedro 2.º, de saudosa memória, não
obstante ter sido vítima de uma traição a ponto de ser lançado fora do seu governo, recebendo tão
pesado golpe, que prevalece o seu direito e, conseqüentemente, só sua real família tem poder
para governar o Brasil? Negar estas verdades seria o mesmo que dizer que a aurora não veio
descobrir um novo dia. O sossego de um povo consiste em fazer a vontade de Deus e para obter-
se a sua glória é indispensável que se faça a sua divina vontade.
(...)"

Fonte: NOGUEIRA, Ataliba. Antonio Conselheiro e Canudos.São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1978.
Conselheiro tornou-se um combatente anti-republicano, e um defensor da volta da Monarquia.
Pequenos incidentes que aconteceram com Antônio fizeram aumentar a perseguição oficial contra
ele e seu grupo até que em 1893, já aos 65 anos de idade, ele resolveu transferir sua comunidade
para um lugar chamado Canudos, onde fundou sua Utopia, a qual chamou Belo Monte.
Isolando-se cada vez mais, ele e seus seguidores com muito trabalho, lavrando a terra, plantando,
etc., começaram a ter vida autônoma sem interferência de autoridades civis, religiosas ou militares,
sem impostos, sem polícia.
Tudo que produziam na comunidade era dividido com todos e o que sobrava era trocado com as
comunidades vizinhas, mas a renda principal de Belo Monte era com o beneficiamento de peles de
cabra, as quais chegaram até a ser exportadas.
Canudos/Belo Monte chegou a ter uma população de aproximadamente 30 mil pessoas, com mais
de 5.000 casas, que faziam do lugarejo um labirinto. Canudos tornou-se assim um "oásis no
sertão".

Em "apenas quatro anos Antônio Conselheiro e os canudenses conseguiram edificar em pleno


sertão uma comunidade auto-suficiente, produtiva, igualitária, pacífica, organizada e diferente das
outras povoações e cidades sertanejas... por sua originalidade, Canudos atraiu poderosos inimigos
que viam naquilo uma ameaça à ordem estabelecida".
Exatamente a Igreja Católica, em nome de retomar o seu rebanho foi quem tomou nova iniciativa
pra perseguir e acabar com o Arraial de Canudos. Alguns padres visitaram o Arraial e como não
conseguiram mudar a opinião dos canudenses, denunciaram Conselheiro ao Governador como um
monarquista, um rebelde, um falso padre.

Com isso provocaram uma sucessão de ataques do exército ao Arraial do Belo Monte, primeiro
com tropas estaduais, depois com tropas federais. Por três vezes as tropas foram derrotadas pelos
canudenses, com a morte de milhares de soldados. Finalmente na quarta investida que contava
com 9500 soldados para lutar contra Antônio Conselheiro e seus seguidores, depois de mortos
4500 soldados, é que o Arraial de Canudos foi inteiramente destruído e morto seu líder.

Foi uma luta bárbara, sem motivo ou razão. Que talvez se justifique porque existiam dois brasis
completamente diferentes que não podiam conviver ao mesmo tempo: um Brasil das elites urbanas
e um Brasil dos miseráveis e esquecidos, refere o jornalista Eduardo Bueno, e essa guerra do fim
do mundo, revelou de forma dramática no fim do século XIX (1898), as duas faces opostas do país,
com as quais ele vem ainda convivendo indiferente, sem nada mudar, até hoje.

EUCLIDES DA CUNHA
“Os Sertòes”

(...)
"Terminara afinal a luta crudelíssima...
Mas o generais seguiam com dificuldades, rompendo pela massa tumultuária e ruidosa, na direção
da latada, quando, ao atingirem grande depósito de cal que a defrontava, perceberam
surpreendidos sobre as cabeças, zimbrando rijamente os ares, as balas...
O combate continuava. Esvaziou-se, de repente, a praça.
Foi uma vassourada.
E volvendo de improviso às trincheiras, volvendo em corridas para os pontos abrigados,
agachados em todos os anteparos, esgueirando-se cosidos às barrancas protetoras do rio,
retransidos de espanto, tragando amargos desapontamentos, singularmente menoscabados na
iminência do triunfo, chasqueados em pleno agonizar dos vencidos – os triunfadores, aqueles
triunfadores, os mais originais entre todos os triunfadores memorados pela História,
compreenderam que naquele andar acabaria por devorá-los, um a um, o último reduto combatido.
Não lhes bastavam seis mil mannlichers e seis mil sabres; e o golpear de doze mil braços, e o
acalcanhar de doze mil coturnos; e seis mil revólveres; e vinte canhões, e milhares de granadas, e
milhares deshrapnels ; e os degolamentos, e os incêndios, e a fome, e a sede; e dez meses de
combates, e cem dias de canhoneio contínuo; e o esmagamento das ruínas; e o quadro indefinível
dos templos derrocados; e, por fim, na ciscalhagem das imagens rotas, dos altares abatidos, dos
santos em pedaços – sob a impassibilidade dos céus tranqüilos e claros – a queda de um ideal
ardente, a extinção absoluta de uma crença consoladora e forte...
Impunham-se outras medidas. Ao adversário irresignável as forças máximas da natureza,
engenhadas à destruição e aos estragos. Tinham-nas, previdentes. Havia-se prefigurado aquele
epílogo assombroso do drama. Um tenente, ajudante-de-ordens do comandante-geral, fez conduzir
do acampamento dezenas de bombas de dinamite. Era justo; era absolutamente imprescindível.
Os sertanejos invertiam toda a psicologia da guerra: enrijavam-nos os reveses, robustecia-os a
fome, empedernia-os a derrota.
Ademais entalhava-se o cerne de uma nacionalidade.
Atacava-se a fundo a rocha viva da nossa raça. Vinha de molde a dinamite... Era uma
consagração."
(...)

Cangaço

Movimento social do interior do Nordeste brasileiro, entre o final do século XIX e a primeira
metade do século XX. Caracteriza-se pela ação violenta de grupos armados de sertanejos – os
cangaceiros – e pelos confrontos com o poder dos coronéis, da polícia, dos governos estadual e
federal.
Os bandos de cangaceiros percorrem os sertões do Nordeste, assaltam viajantes nas estradas,
invadem propriedades, pilham os vilarejos e aterrorizam as populações. Em grande parte derivam
de antigos bandos de jagunços - tropas particulares de grandes proprietários - que passaram a
atuar por conta própria. Desenvolvem táticas de ataque e despistamento, criam lideranças e até
uma nova imagem, marcada pelo colorido vivo das roupas, pelos adereços de couro e por atos de
coragem e bravura, nos constantes embates com as "volantes" - pelotões da polícia enviados à
sua perseguição.
Cangaceiros –Consta que o primeiro cangaceiro teria sido o Cabeleira (José Gomes), um líder
sertanejo que atuou em Pernambuco no final do século XVIII. Mas é um século mais tarde que o
cangaço ganha força e prestígio, principalmente com Antônio Silvino, Lampião e Corisco. Antônio
Silvino (Manuel Batista de Morais) começa a atuar em Pernambuco em 1896, passando depois ao
Rio Grande do Norte, onde é preso e condenado em 1918. Lampião (Virgulino Ferreira da Silva),
filho de um pequeno fazendeiro de Vila Bela, atual Serra Talhada, em Pernambuco, envolve-se em
disputas de terras da família e, no início dos anos 20, embrenha-se no sertão à frente de um bando
de cangaceiros. Do Ceará até a Bahia, o bando de Lampião enfrenta os coronéis e as polícias
estaduais; às vezes, também é chamado para combater os adversários do governo. Valente, de
hábitos refinados e, desde 1930, acompanhado de Maria Bonita, Lampião – ou Capitão Virgulino –
torna-se uma figura conhecida no país inteiro e até no exterior. Implacavelmente caçado, acaba
encurralado e morto no seu refúgio de Angicos, uma fazenda na região do Raso da Catarina, na
divisa entre Sergipe e Bahia, em 1938. Um de seus amigos mais íntimos, Corisco (Cristiano
Gomes da Silva), o Diabo Louro, prossegue na luta contra as forças policiais da Bahia para vingar
a morte do Rei do Cangaço, morrendo em tiroteio com uma volante, em 1940. O cangaço chega ao
fim.
Lenda popular –Apesar do banditismo espalhado pelo sertão afora e do temor levado às
populações mais pobres dos vilarejos, o cangaço vira lenda no Nordeste e em todo o país. No
cangaço, ao lado da atividade criminosa, manifesta-se forte reação social aos poderosos, coronéis
e autoridades em geral, responsáveis pela pobreza e pelo abandono das populações sertanejas.

Cangaço, Depoimento sobre a morte de Lampião


"(...)
Nunca pensei que Lampião morresse. Estávamos acampados perto do rio São Francisco. Ele
acordou às 5 da manhã e mandou um dos homens reunir o grupo para refazer o ofício de Nossa
Senhora. Enquanto lia o missal, em voz alta, todos nós ficamos ajoelhados, do lado das barracas,
respondendo amém e batendo no peito na hora do Senhor Deus. Terminado o ofício, Lampião
mandou Amoroso buscar água para o café. Mas quando ele se abaixou no córrego, veio o primeiro
tiro. Havia uma metralhadora atrás de duas pedras a 20 metros da barraca de Lampião. Pedro de
Cândida, um dos nossos, havia nos traído e acho que tinha dado ao sargento Zé Procópio até a
posição das camas. Numa rajada, a metralhadora serrou a porta de minha barraca. Meu
companheiro, Mergulhão, levantou-se de um salto, mas caiu partido ao meio por nova rajada. Eu
permaneci deitado, com jeito coloquei o bornal de balas no ombro direito, o sobressalente no
esquerdo, calcei uma alpercata. A do pé esquerdo não quis entrar, e eu pendurei também no
ombro. Quando me levantei vi o soldado batendo com o fuzil na cabeça de Mergulhão. De repente,
ele estava com o cano de sua arma encostado na minha perna e eu apontando o meu mosquetão
contra a sua barriga. Atiramos. Caímos os dois e fomos formar uma cruz junto ao corpo de
Mergulhão. Levantei-me devagar. O soldado estava morto, e minha perna não fora quebrada.
Então vi Lampião caído de costas, com uma bala na testa. Moeda, Tempo Duro, Quinta-Feira,
todos estavam mortos. Contei os corpos dos amigos. Nove homens e duas mulheres. Maria Bonita,
ferida, escondeu-se debaixo de algumas pedras, mas foi encontrada e degolada viva. Não havia
tempo para chorar. As balas batiam nas pedras soltando faíscas e lascas, ouviam-se gritos por
toda parte. Um inferno. Luís Pedro ainda gritou: vamos pegar o dinheiro e o ouro na barraca de
Lampião. Não conseguiu, caiu atingido por uma rajada. Corri até ele, peguei seu mosquetão e,
com Zé Sereno, consegui furar o cerco. Tive a impressão que a metralhadora enguiçou no
momento exato. Para mim foi Deus."

Fonte: FONTES, Oleone Coelho. Lampião na Bahia. Petrópolis: Vozes, 1988.

A formação da sociedade industrial brasileira

Imagine-se como um trabalhador que ingressa pela primeira vez em uma grande indústria. Você,
como qualquer outro novato, ficaria certamente atordoado com o barulho daquelas máquinas
modernas e com o trabalho incessante dos operários. Tudo funciona como um relógio; cada minuto
é importante; o tempo é racionalizado; as máquinas ditam o ritmo da produção; o trabalho é
coletivo e disciplinado.
Se, nos dias de hoje, tempo das novas tecnologias e da informática, ainda nos impressionamos
com tudo isso, imagine o impacto que a introdução do sistema de fábrica deve ter causado muito
tempo atrás na Europa, no início do século XIX, e no Brasil, cerca de cem anos depois.
Como será que era viver essa nova realidade? Um importante escritor francês, perplexo com a
grande indústria inglesa, assim descreveu o mundo fabril:
Desta vala imunda a maior corrente da indústria humana flui para fertilizar o mundo todo. Deste
esgoto imundo jorra ouro puro. Aqui a humanidade atinge o seu mais completo desenvolvimento e
sua maior brutalidade; aqui a civilização faz milagres e o homem civilizado torna-se quase um
selvagem.
Vamos estudar algumas características básicas da sociedade industrial. Vamos ver também como
determinados segmentos da sociedade brasileira viveram todas essas transformações no início do
século XX.

Sociedade industrial
Charles Chaplin lançou, em 1936, uma de suas obras-primas: o filme Tempos Modernos. Nele,
Chaplin apresenta o mundo moderno industrial de forma poética e crítica. Há cenas que se
tornaram clássicas na história do cinema mundial; em uma delas, o protagonista, Carlitos, se vê
engolido pelas enormes engrenagens industriais; em outra, enlouquece e sai apertando parafusos
imaginários por toda parte. No filme, não são os homens, mas as máquinas que emitem sons.

A Os dramas contidos no filme de Chaplin eram parte constitutiva daquela nova sociedade urbano-
industrial que se gerara na Europa desde a Revolução Industrial. Com a introdução da máquina no
processo produtivo, as sociedades humanas mudaram o rumo da história, pois tornaram-se
capazes da multiplicação rápida, constante e até o presente ilimitada, de homens, serviços e
mercadorias.
Com a Revolução Industrial, a fábrica transforma-se na sede da nova sociedade. Nela são geradas
muitas mudanças. O trabalho torna-se cada vez mais coletivo e intenso. O mercado em expansão
exige novos métodos que racionalizem o esforço dos operários. O tempo passa a ser visto como o
tempo da fábrica.
Na sociedade pré-industrial, a noção de tempo era bem diferente. A vida e o trabalho não tinham o
caráter de regularidade como na fábrica. Dependendo da atividade, o trabalhador poderia passar
determinadas épocas sem nenhuma ocupação. Era muito comum o trabalho por tarefas, e muitas
pessoas faziam seu próprio horário.
Essa cultura não condizia com a sociedade industrial. Com a fábrica, criou-se um discurso em
favor do tempo útil, contra a ociosidade. Repare no texto a seguir:
Preguiça, silenciosa assassina, não mais tenhas minha mente aprisionada Não me deixes
nenhuma hora mais contigo, sono traidor.
Citado por Edgar de Decca O nascimento da fábrica p. 16
Em meio a tudo isso, formava-se o empresariado industrial, que se apropriou das idéias baseadas
na livre iniciativa livre iniciativa livre iniciativa livre iniciativa livre iniciativa para romper com os
monopólios e entraves produzidos pelo Estado.
As relações de trabalho também sofreram profundas alterações no mundo da fábrica. Entrou em
cena o contrato de trabalho contrato de trabalho contrato de trabalho contrato de trabalho contrato
de trabalho entre o empresário e o trabalhador. Nele, estabeleceu-se um acordo com regras fixas e
objetivas (valor do salário, horas de trabalho, punições).
Agora, a tendência era o afastamento do empresário do contato direto com seus empregados.
Reduziu-se o caráter paternalista tão presente no mundo pré-industrial. Estavam fixadas as bases
da sociedade liberal-capitalista.
Essas transformações não foram vividas sem problemas nas sociedades européias. Na Inglaterra,
no final do século XVIII e início do século XIX, iniciou-se um movimento de quebra de máquinas;
protestava-se contra a perda de postos de trabalho e contra a rígida disciplina estabelecida pela
fábrica; nesse movimento,
os quebradores de máquinas distinguiram entre aqueles tornos de fiar (...) apropriados para a
produção doméstica, e que não destruíam, e aqueles outros mais amplos, apropriados
exclusivamente para a sua utilização em fábricas, que destruíam .

Gradativamente, o operariado inglês buscou novas formas de organização para resistir às enormes
jornadas de trabalho e às péssimas condições de vida.
Era o início do movimento sindical movimento sindical movimento sindical movimento sindical
movimento sindical, que se desenvolveu na Inglaterra e em vários outros países europeus no
decorrer do século XIX.
Paralelamente, surgiram correntes ideológicas anticapitalistas, organizadas em movimentos ou
partidos políticos, que passaram a exercer forte influência no movimento sindical. Entre outras,
destacaram-se as correntes anarquista anarquista (que defendia a supressão do Estado) e
socialista-marxista (que propunha a revolução proletária e a instalação de um governo de
trabalhadores).
No final do século XIX e início do século XX, o movimento sindical já ganhara maior densidade
social e política, o que resultou em importantes conquistas para os trabalhadores.
Primeiros industriais no Brasil. Como vimos na Livro 5, foi no final do século passado e nas
primeiras décadas do século XX que a indústria tornou-se uma realidade na vida de algumas
cidades brasileiras. A partir daí, iniciou-se a formação da sociedade industrial brasileira, fruto
especialmente da ação de dois novos agentes sociais:
o empresariado industrial e o operariado.
No interior daquela sociedade fundada na agroexportação, cresceram as primeiras indústrias no
Brasil. No país dos bacharéis e dos grandes proprietários rurais, começava a ganhar forma a figura
do industrial. Muitos deles, especialmente em São Paulo, eram imigrantes que chegaram ao Brasil
com algum capital e muita disposição de ganhar dinheiro. Outros tinham origem na agroexportação
e nas casas comerciais.
Não foram poucos os problemas enfrentados pelos primeiros industriais. Um deles era a
concorrência externa, em razão da falta de uma política do governo federal para proteger a
indústria nacional. Outro, contraditoriamente, era a crítica, feita por vários setores, de que a
indústria brasileira era “artificial”, dependente do governo e responsável pela carestia. Finalmente,
os industriais enfrentavam a luta operária por melhores salários e condições de trabalho.

Em meio a tudo isso, os empresários industriais trataram de criar associações de classe para a
defesa de seus interesses. Passaram também a participar de forma mais ativa no debate sobre o
papel da indústria no desenvolvimento brasileiro. Naquele começo do século XX, destacaram-se
alguns políticos e líderes de classe que defendiam, além de tarifas protecionistas, uma política
governamental de amparo à indústria como forma de reduzir a dependência do país em relação
aos capitais externos.
Perante a opinião pública em geral, e em particular perante os trabalhadores, os industriais
tentavam convencer a sociedade de que seu capital, sua riqueza, era fruto exclusivamente de seu
esforço pessoal, e não de privilégios governamentais. Eram divulgadas histórias de imigrantes que
aqui chegaram pobres e que, com seu suor, alcançaram o sucesso.

Vida operária

Fábricas de tecidos em São Paulo.


Ano: 1912.
Inspeção de funcionários do Departamento de Trabalho.
Trechos do relatório:
Uma fábrica: A duração do trabalho diário é de 11 horas úteis. O trabalho é interrompido pelo
almoço, que dura uma hora e meia, e pelo café, para o qual os operários têm direito a um quarto
de hora. Trabalham nesta fábrica 500 operários, na maioria italianos e espanhóis. (...)
Impressão desagradável causa ao visitante o excessivo número de menores em trabalho (...).

Outra fábrica:

Os contramestres são todos adultos, de nacionalidade


italiana e em número de 20. Entre os 374 operários recenseados, a
nacionalidade predominante é italiana, vindo em seguida a espanhola e
depois a brasileira: dos brasileiros, 44 são menores de 12 anos.
Esqueléticos, raquíticos, alguns! O tempo de trabalho varia para as
seções de onze horas e meia a doze horas e meia por dia. (...).
Boletim do Departamento Estadual do Trabalho citado por Maria Auxiliadora Guzzo de Decca, Indústria, trabalho e
cotidiano, p. 39-40
Você, que leu com atenção o documento, percebeu que estamos diante de um bom ponto de
partida para estudar o que era a vida operária naquele início do século XX. Vejamos algumas
informações contidas no relatório acima.
Nas duas fábricas visitadas, há algumas características comuns: predomínio de estrangeiros entre
os operários, longa jornada de trabalho e presença significativa de menores de idade. Na
descrição, percebe-se ainda uma certa crítica à utilização do trabalho infantil; não há, no entanto,
nenhuma menção a multas ou punições.
Esses dados já nos permitem esboçar um breve perfil do operário de São Paulo naquelas
primeiras décadas republicanas. Como veremos adiante, a composição e a atuação dos operários
na cidade do Rio de Janeiro tinham características um pouco diferentes.
O grande número de estrangeiros entre os operários de São Paulo tem sido destacado por
diversos estudiosos. Com a grande imigração ocorrida no final do século XIX em direção às
fazendas de café, muitos trabalhadores tomaram o rumo da cidade em busca de melhores
condições de vida. Destaca-se a forte presença de italianos entre os primeiros operários.
O impacto da presença de imigrantes na formação da classe operária em São Paulo foi expressivo.
Foram principalmente eles que difundiram no meio operário as idéias de transformação radical da
sociedade pela via revolucionária, socialista ou anarquista.
O anarquismo ganhou força e logo se transformou na principal corrente política de base operária. E
não era difícil entender por quê.
Naquela sociedade com um mercado de trabalho em formação, em que praticamente inexistia
qualquer proteção ao trabalhador; em que a utilização do trabalho infantil era justificada como
forma de se retirar os meninos da rua; em que, em suma, eram extremamente duras as condições
de trabalho, as idéias de supressão do Estado supressão do Estado supressão do Estado
supressão do Estado supressão do Estado e de todas as formas de repressão todas as formas de
repressão todas as formas de repressão todas as formas de repressão todas as formas de
repressão encontravam boa receptividade. Governo e patrões eram vistos como inimigos que
deveriam ser combatidos a todo custo.
Os anarquistas não confiavam nas instituições liberais. Desprezavam os políticos, os partidos e o
parlamento. Defendiam a atuação sindical de resistência e combatiam tanto as correntes que
defendiam a existência de um partido operário como os sindicatos ou associações de caráter
assistencialista. Tiveram ainda um importante papel nas tentativas de organização operária em
nível nacional.
Por tudo isso, as lideranças anarquistas foram bastante perseguidas pelos empresários e pelo
governo. Na grande imprensa, sua imagem era apresentada como a de um terrorista estrangeiro
que vinha destruir a paz existente nas relações entre os operários brasileiros e seus patrões. Até
foram criadas nessa época leis de expulsão do país de lideranças operárias estrangeiras, com o
objetivo de enfraquecer a corrente anarquista.
A educação do trabalhador era outra preocupação básica do anarquismo.
Para os anarquistas, a luta só se faria, e principalmente a nova sociedade só se implantaria, se
houvesse uma transformação profunda no homem trabalhador. O que o projeto anarquista
almejava era uma revolução social e não apenas uma revolução política. Daí o privilégio da
educação entendida como ampla formação cultural.
O fato de terem sido os anarquistas os principais pioneiros em atividades como teatro, educação
musical, práticas de leitura, criação de escolas e universidades populares, não é casual. E, por
esta razão, não é casual também que velhos militantes operários, anarquistas ou não, considerem
até hoje que foi educando que os libertários mais contribuíram para a constituição da identidade da
classe trabalhadora..
Já na cidade do Rio de Janeiro, houve maior diversidade entre as correntes que disputavam o
controle do movimento operário. Para o historiador Boris Fausto, a menor presença do anarquismo
na capital pode ser explicada pelo fato de que o operariado carioca se concentrava em atividades
vitais dos serviços (ferroviários, marítimos e doqueiros), [sendo por isso] tratados com um mínimo
de consideração pelo governo. Havia também no Rio maior contingente de trabalhadores nacionais
imbuídos de uma tradição paternalista nas relações com os patrões e o governo.
Esse fato foi, em parte, responsável também pela emergência de correntes políticas não
revolucionárias, que buscavam menos o confronto e mais a negociação. Eram chamados,
pejorativamente, de “amarelos” pelas tendências mais radicais.
A despeito da repressão governamental e patronal e das enormes dificuldades de organização daí
resultantes, os movimentos sindicais paulista e carioca tiveram condições, no decorrer da década
de 1910, de obter maior apoio entre os trabalhadores, tornando-se, inclusive, capazes de liderar
importantes movimentos grevistas entre os anos de 1917 e 1920.
Para isso, foi importante a divulgação, pelos anarquistas, de um conjunto de idéias que procurava
reforçar uma imagem positiva do trabalhador como um homem honesto, mas explorado econômica
e socialmente e, por isso mesmo, digno do maior respeito e atenção por parte da sociedade em
geral..

Dessa forma, combatia-se a imagem, difundida pelo governo e pela grande imprensa, que
apresentava o trabalhador brasileiro como vítima da ação de “baderneiros e terroristas”.
A ascensão do movimento sindical brasileiro, é bom lembrar, não foi um fato isolado: naqueles
anos, em boa parte da Europa, explodiam movimentos de trabalhadores impulsionados pela vitória
do socialismo na Rússia. Por sinal, como resultado direto da implantação do socialismo naquele
país europeu, criou-se, em 1922, o Partido Comunista do Brasil (PCB) que, em pouco tempo,
passou a disputar, principalmente com os anarquistas, o controle do movimento sindical.
A maior presença do movimento operário na cena política teve por resultado a aprovação, pelo
Congresso, de algumas leis trabalhistas, como a lei de férias para trabalhadores da indústria e do
comércio e as limitações ao trabalho dos menores. A regulamentação e aplicação dessas leis
encontrou forte resistência do empresariado.
Vejamos agora, para finalizar, alguns aspectos da vida operária fora das fábricas e dos sindicatos.
Nas grandes cidad es, a habitação típica dos trabalhadores urbanos era a casa de cômodos ou
cortiço, localizada, em geral, em áreas centrais próximas aos locais de trabalho. Em algumas
fábricas mais distantes do centro, e mesmo no interior, muitas vezes foram criadas vilas operárias
que permitiam melhores acomodações que os cortiços e uma maior possibilidade de controle da
mão-de-obra por parte dos empresários.
Nos cortiços e vilas, os operários utilizavam seu tempo livre nos times de futebol, nas associações
recreativas, casas de jogos, cordões carnavalescos etc.

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